Do nocautear o inimigo à vitória dos justos: projetos de “salvação” e estratégias religiosas para jovens lutadores de MMA no Rio de Janeiro.

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS SOCIAIS

DISSERTAÇÃO

DO NOCAUTEAR O INIMIGO À VITÓRIA DOS JUSTOS: PROJETOS DE “SALVAÇÃO” E ESTRATÉGIAS RELIGIOSAS PARA JOVENS LUTADORES DE MMA NO RIO DE JANEIRO

FELIPE MAGALHAES LINS ALVES 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS SOCIAIS

DO NOCAUTEAR O INIMIGO À VITÓRIA DOS JUSTOS: PROJETOS DE “SALVAÇÃO” E ESTRATÉGIAS RELIGIOSAS PARA JOVENS LUTADORES DE MMA NO RIO DE JANEIRO

FELIPE MAGALHAES LINS ALVES

Sob orientação da Professora Doutora Carly Barboza Machado

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais, no Programa de PósGraduação em Ciências Sociais.

Seropédica, RJ Agosto de 2015 2

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIENCIAS SOCIAIS

FELIPE MAGALHAES LINS ALVES

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e aprovada em sua forma final pela Orientadora e pela Banca Examinadora.

Aprovada em ____/_____/____ por:

_____________________________________________ Profª. Drª. Carly Machado - Presidente Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) _____________________________________________ Profª. Drª. Patrícia Birman Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) _____________________________________________ Prof. Dr. Edson Miagusko Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) _____________________________________________ Profª. Drª. Lia de Mattos Rocha - Suplente Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) _____________________________________________ Profª. Drª. Nalayne Mendonça Pinto - Suplente Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Seropédica, RJ Agosto de 2015 3

Para Soraia Brito (in memorian) que tão cedo partiu, mas que conosco passou tempo suficiente para ensinar que “o essencial é invisível aos olhos”.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, que nunca mediu esforços para que seus filhos pudessem sonhar acordados e por ter me ensinado a ler e escrever. Ao meu pai, por me cativar através dos números matemáticos e das notas musicais em suas partituras – duas de suas grandes paixões na vida. Ao meu irmão, por toda ajuda oferecida durante o período de finalização desse trabalho na transcrição das entrevistas de campo e demais parcerias na vida. À toda minha família, em especial meus avós José e Ana que foram (e ainda são) figuras essenciais na minha trajetória desde a infância. À Tia Lúcia, por todo suporte técnico que me ofereceu ao longo dos anos de graduação. Sei que vocês sempre estiveram nos bastidores à financiar parte dos meus estudos, apoio fundamental sem o qual não eu teria as ferramentas necessárias para esta aqui hoje. Muito obrigado! À minha amiga e orientadora Carly Machado, pelo aceite em guiar meu olhar no campo da antropologia da religião e por comigo compartilhar o ethos Baixada. Obrigado pelas acolhidas e por assumir, juntamente comigo, o risco de testar os limites de nossa amizade na prática. Sou grato pela parceria que construímos até aqui e faço votos de que sigamos em frente! À Banca de avaliação desse trabalho pelo aceite. À Edson Miagusko e Christina Vital, pelas trocas e dicas partilhadas desde a qualificação até aqui. À Nalayne, pelo contato que tivemos durante minha primeira disciplina no mestrado. À Lia Rocha, amiga querida que ocupa um lugar cativo no meu coração. À Patrícia Birman, minha primeira orientadora. Sou grato por seus ensinamentos e por ter acreditado nas ideias de um simples aluno de graduação do 3º período (2007). Obrigado por todo seu carinho e compromisso para comigo até aqui, reflexo de seu empenho e dedicação como educadora nata que é. Aos jovens integrantes do projeto social Faixa Preta de Jesus de Nova Iguaçu. Da mesma forma, agradeço ao coordenador do projeto Ricardo Cavalcante, Simone 5

Cavalcante e sua equipe pela recepção e confiança durante minhas visitas ao centro de treinamento do projeto. Aos amigos que conquistei durante minha passagem pelo PPGCS. Sou grato por ter conhecido pessoas tão especiais como Alexandre Gaspari, Mercedes Duarte, Rafael Morello, Denis de Barros, Silvana Telles, Lívia Salgado, Julia Gimenez e Beatriz Pinheiro. À Alexandre, meu muito obrigado por todas as caronas oferecidas para chegar até Seropédica. E como se esquecer daquelas viagens divertidíssimas que tive em sua companhia, juntamente com Mercedes, Rafael e Luena? Ai, se aquele carro vermelho falasse... (risos) Finalmente, agradeço às “irmãs” que a UFRRJ me deu: Michel Carvalho e Maria José Barros. Somos uma mistura maravilhosa de Destiny Child com grupo Voices que vai durar “por toda vida”. Amo vocês! Ao corpo docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRRJ (PPGCS), em especial Carly Machado, Patrícia Reinheimer, Nalayne Pinto, Flavia Braga, Edson Miagusko, Ana Paula Ribeiro, Luena Pereira, André Videira, Marcelo Maciel e Alessandra Rinaldi. Agradeço por todo conhecimento compartilhado ao longo dos últimos anos, dentro e fora de sala de aula. Pessoas queridas com as quais divido encontros carnavalescos, amores felinos e amizades poderosas! Aos professores e pesquisadores com os quais tive a oportunidade de debater meu trabalho em seminários, congressos e mesas de bar por esse lindo Brasil. Agradeço especialmente à Sandra Carneiro, Márcia Leite, Patrícia Birman, Lia Rocha, Paula Lacerda, Renata Menezes, Maria Laura Cavalcanti, Christina Vital, Clara Mafra (in memorian), Melvina Araújo, Stefânia Capone, Martijn Oosterbaan, José Guilherme Magnani, Bianca Freire-Medeiros, Jacob Carlos Lima, Vitor Sérgio Ferreira e Jean François Véran. Às noites de karaokê embaladas ao som/coreografias de axé e pagode na barraca da Prima, na Feira de Tradições Nordestinas em São Cristovão. Lá comemorei minhas duas últimas festas de aniversário, todas elas superproduções artísticas assinadas pela Prima – obrigado por todas as fichas grátis! Tenho muita sorte em poder dizer que já dividi o microfone com pessoas tão especiais como Lia Rocha, Raíza Siqueira, Daniel Soares, Juliana Farias, Tássia Mendonça, Frank Davies, Paulo Victor Lopes, Julia 6

Zanneti, João Felipe Brito, Silvia Aguião, Paula Lacerda, Patrícia Lânes, Monique Ribeiro, Priscila Alves, Maria Carolina Dysman e outros cantores/as talentosos/as que eu tanto amo tomar o microfone das mãos (risos). Muito orgulho em fazer parte dessa “banda mais bonita da cidade” que não é apenas um rostinho bonito na noite. Ao meu amado e idolatrado “bonde das sereias” formado por Lia Rocha (ginger), Claudia Trindade (sporty), Marielle Franco (scary), Gabriela Buscácio (posh) e Dani Fi (baby), por adotarem esse humilde “boto” como membro desse grupo Cajaíbano tão maravilhoso. Certamente, fica muito mais fácil escapar das fortes correntezas do mar e enfrentar os perigos do oceano tendo vocês ao lado. Também agradeço imensamente aos queridos Pedro Miranda e Tarcísio Motta pelos sábios conselhos compartilhados durante inúmeras noites na Praça São Salvador. O fundo do mar nunca foi tão bem frequentado! Aos colegas de trabalho do Instituto Pereira Passos (IPP), em especial aos amigos da “nossa eterna GI” e seus agregados: Dani Mothci, Roberta Silva, Joana Nunes, Maria Carolina Dysman, Soraia Brito (in memorian), Priscila Alves, Cintia Borba, Fernanda Coelho, Tita Tepedino, Bruna Ribeiro, Renata Ferretti, Leandro Marinho, Julie Terzian e Davi Bovolenta. Agradeço por toda troca de energia positiva ao longo desses três anos de muito trabalho em equipe e diversão etílica no Mercadinho São José. E mais, aos encontros com pessoas magníficas que o IPP felizmente me proporcionou: Joana Fontoura, Raiza Siqueira, Fabíola Camilo, Teresa Labrunie, Frank Davies, Eduardo Sá, Nando Cavalieri, Maria Pandolfi, Barbara Caballero, Samuel Lima, Fernanda Pernasetti, Bel Couto, Vinicius Gentil e muitos outros. Aos amigos do escritório da ONU-Habiat por todo apoio e companheirismo ao longo dessa caminhada. Em especial, sou grato aos momentos de alegria que vivi ao lado de Nathalie Badaoui, Luc Aldon e Estefanía Villalobos no apartamento 507 da Rua São Clemente – a.k.a Amigos da Marisa! À Tatiana Guimarães e Luis Felipe Corbett, meus grandes cúmplices desde os tempos de graduação na UERJ. Dupla responsável por forjar um complexo sistema classificatório de pessoas/apelidos dignos de causar inveja a qualquer antropólogo.

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Vocês são as únicas pessoas no mundo com quem tenho vontade de construir uma casa na árvore que sirva de sede para nosso clube secreto PVMDL. Aos pesquisadores do nosso recém criado grupo de pesquisa DISTÚRBIO: dispositivos, tramas urbanas, ordens e resistências (UERJ) sob coordenação de Patrícia Birman. Agradeço à Adriana Fernandes, Natânia Lopez, Camila Pierobom e Jérôme Souty. Aos estudantes e pesquisadores que me receberam na Universidade do Porto (UP) durante minha curta estadia em Portugal (2014), bem como as amizades que construí além-mar: À Isaac Nunes, Sofia Soares, Manaíra Athayde, Raquel Longhi, Bianca Laranjeiras, Álvaro Leite, Joana Pereira, Merielly Pereira (principalmente por me introduzir no mundo dos saborosos doces portugueses!), Marcelo Loureiro, Mateus Rebello, Saulo Menezes, Marcus Vinicius Matos e Priscila Vieira. Também agradeço imensamente à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) pela concessão da bolsa de auxílio financeiro, sem a qual não seria possível realizar a Summer School. À turma de pesquisadores paulistanos que fui conhecendo ao longo dessa caminhada. Na USP, a querida amiga Jacqueline Teixeira e Patrick Menezes. Na UFSCar, aos amigos do Grupo de Estudos sobre Trabalho, Juventude e Mobilidades (GETM). À Aline Pedro e Beatriz Medeiros, sou grato pela acolhida em sua casa. Aos

jovens

pesquisadores

latino-americanos

que

conheci

durante

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Escuela Regional MOST/Unesco, em Brasília (2013). Pessoas queridas que, assim como eu, acreditam no poder na transformação da América Latina a partir da força da juventude. Com estes divido o mesmo norte/sul, sendo um prazer integrar ao lado de vocês a Rede de investigadores jovénes del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). À Maria Sotti, Blanca Jiménez, André Sobrinho, Danilo Castro, Beatriz Pinheiro, Yeisa Sarduy, Yoli Duharte, Andrés Jiménez, Simone Gomes, Olga Jaramillo e Jesus Gómez. Aos companheiros e companheiras do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, com os quais aprendi a exercitar o olhar sobre as juventudes e sua relação nas margens do estado. Agradeço aos ensinamentos e trocas que tive ao lado de Patrícia Lanes, Marina Ribeiro, Fransérgio Goulart, Iara Amora, Carla Romão, Daiana da Silva, Nabi Oliveira, Renata Bhering, Raquel Barros e Monique Cruz. 8

À Mariana Mendes e Vanessa Diniz, construtoras do Palacinho! Dividir o mesmo teto com vocês tem sido uma grande experiência e agradeço o carinho pela acolhida. Não posso me esquecer de mencionar a presença de Petit e Teka, presenças felinas que me fizeram companhia durante as madrugadas de escrita dessa dissertação. Aos integrantes do bloco da Apafunk e aos amigos que ali encontrei: Carlos Carvalho (Mestre), Marielle Franco, Luyara Santos, Mariana Caetano, Lidiane Lobo e Nathália Iorio. Produzir musicalidade na companhia de vocês me fez relaxar durante os meses de stress que antecederam a entrega desse trabalho, contribuindo para a adoção de um ritmo de escrita muito mais harmônico e melódico. Muito obrigado e que venha o carnaval! À CAPES, pela bolsa de pesquisa que me foi concedida durante uma parte considerável desse trabalho. Enfim, à todos/as aqueles/as que de alguma forma contribuíram para minha caminhada até aqui!

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RESUMO LINS, Felipe Magalhães. Do nocautear o inimigo à vitória dos justos: projetos de “salvação” e estratégias religiosas para jovens lutadores de MMA no Rio de Janeiro. 2015. 161p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 2015. Propõe-se neste estudo analisar e interpretar a construção de um projeto sócio-religioso que se utiliza da prática esportiva do MMA como ferramenta de conversão religiosa para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social na cidade de Nova Iguaçu, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Ao seguir os passos do idealizador, assim como a rede de agentes sociais que este constrói e administra, buscase aqui compreender o projeto como uma “máquina” que gera novas moralidades no campo religioso. Em outro ponto da análise, estuda-se como tal projeto social se utiliza de um esporte secular enquanto tática de aproximação entre jovens evangélicos e lutadores de MMA. Por último, investigo outros projetos sociais direcionados à juventude e gerenciados por agentes do Estado. Estes também vêm se utilizando do MMA como estratégia de “salvação” para populações moradoras de favelas da cidade, ao oferecer um esporte “violento” como solução para a “paz”. Palavras-chaves: evangélicos; MMA (artes marciais mistas); juventude;

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ABSTRACT

LINS, Felipe Magalhães. From the knockout of the enemy to the victory of the righteous: “salvation” projects and religious strategies for young MMA fighters in Rio de Janeiro. 2015. 161p. Dissertation (Master Science in Social Sciences). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 2015. The purpose of this study is to analyze and interpret the process of building a socioreligious project where the practice of MMA is used as a religious conversion tool for vulnerable teenagers and youth in the city of Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. By tracing the footsteps of its founder, as well as the net of social agents that he develops and manages, the goal is to understand the project as a “machine” that creates a new morality in the religious field. From a different point of analysis, this paper studies how a social project such as this uses a secular sport as a tactic to bring young evangelicals and MMA fighters together. Finally, this study investigates other social projects that are directed at youth and managed by governmental agents. These projects also use MMA as a “salvation” strategy for the slum populations by offering a “violent” sport as a means for “peace”. Keywords: evangelicals; MMA (mixed martial arts); youth;

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADUD

Assembleia de Deus dos Últimos Dias

ADVEC

Assembleia de Deus Vitória em Cristo

BOPE

Batalhão de Operações Especiais

CDD

Cidade de Deus

COHAB

Companhia de Habitação Popular do Estado

CPP

Coordenadoria de Polícia Pacificadora

CRJ

Centro de Referência da Juventude

CT

Centro de Treinamento

ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

FPJ

Faixa Preta de Jesus

GEO

Ginásio Experimental Olímpico

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IURD

Igreja Universal do Reino de Deus

LBV

Legião da Boa Vontade

LGBTT

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros

MMA

Mixed Martial Arts

PEC

Proposta de Emenda Constitucional

PMERJ

Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

PMs

Policiais Militares

SEASDH

Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos

SEELJE

Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro

SESI

Serviço Social da Indústria

TUF

The Ultimate Fighter

UFC

Ultimate Fighting Championship

UPP

Unidade de Polícia Pacificadora 12

Para os modernos, quaisquer que sejam suas crenças religiosas, os temas cristãos primitivos da renúncia sexual, da continência, do celibato e da vida virginal passaram a carregar em si algumas implicações gélidas. [...] Estudando seu contexto social e religioso preciso, os estudiosos podem restituir a essas ideias um pouco do peso humano que elas um dia tiveram em sua época. Uma vez feita essa oferenda, as sombras inamistosas podem tornar a conversas conosco... Brown, 1990:367

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................15 1. TERRITÓRIO, RELIGIÃO E MÍDIA..................................................................19 1.1. A Baixada Fluminense como cenário......................................................................19 1.2. Era uma vez um projeto: Faixa Preta de Jesus.........................................................29 1.3. “Aqui jiu-jítsu é feijão com arroz, e Jesus nosso filé mignon!”...............................37 1.4. O despertar dos sentidos no campo..........................................................................48 2. TRAJETÓRIAS, CONVERSÕES E CONTROVÉRSIAS...................................57 2.1. Minotauro, o empreendedor.....................................................................................57 2.2. Circuito Team Nogueira Beach................................................................................62 2.3. Vitor, o mensageiro..................................................................................................66 2.4. Limites do corpo: entre o permitido e o proibido.....................................................79 2.5. Masculinidades e identidade nacional em cena........................................................85 3. PARA ALÉM DO RINGUE: TRAMAS URBANAS, MIDIÁTICOS E DISPOSITIVOS RELIGIOSOS...............................................................................92 3.1. Ministério Apascentar de Nova Iguaçu....................................................................94 3.2. Rede de Adolescentes e Jovens Extraordinário......................................................101 3.3. Mim Careta de Jesus...............................................................................................104 3.4. “Pra adorar não precisa rebolar!”........................................................................111 3.5. Ultimate Reborn Fight...........................................................................................118 4. DISCIPLINAR CORPOS, PACIFICAR ALMAS: PROJETOS SOCIAIS PARA UMA CIDADE “EM PACIFICAÇÃO”.................................................................123 4.1. A UPP Fight...........................................................................................................124 4.2. Copa UPP de Artes Marciais..................................................................................132 4.3. O que esse fenômeno nos revela? .........................................................................135 CONCLUSÃO.........................................................................................................139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................142 ANEXOS.....................................................................................................................148

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INTRODUÇÃO

Não é minha intenção aqui, através dessa dissertação que apresento, proporcionar uma (re)leitura dos elementos presentes nos esporte de combate e luta marcial. Tais apontamentos já foram realizados, de forma brilhante, por pesquisadores renomados do campo da antropologia do esporte (DUNNING, 2014; TOLEDO et al., 2009). Nem proponho, de fato, uma crítica ao MMA enquanto modalidade desportiva emergente no mundo moderno ou instrumento de entretenimento para veículos midiáticos de comunicação em massa. Tampouco busco com tal trabalho acadêmico, analisar o processo de construção de gêneros e sexualidades dos lutadores que compõe a cena do esporte nacional e internacional. Sem ignorar esse importante marcador social de diferenças que pulsa fortemente no campo, opto por observar os conflitos e controvérsias do gênero e da sexualidade a partir de situações vivenciadas pelos personagens do meio. Assim, religião, juventude, mídia, masculinidades, esporte, violência, políticas públicas e cidade são alguns dos elementos que giram em torno do tema de pesquisa aqui apresentado. Cabe ao antropólogo, em sua condição histórica de “observador participante”, encontrar condições de reunir tal coleção de objetos, agências e sentidos produzidos pelos personagens em cena (SILVA, 2000). O estudo aqui apresentado lança olhares sobre o processo de construção de um projeto sócio-religioso que se utiliza da prática esportiva do MMA1 como ferramenta de conversão religiosa para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social na cidade de Nova Iguaçu, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Ao seguir os passos do idealizador do projeto e o emaranhado de agentes sociais e midiáticos que este é responsável por construir e administrar, buscando aqui compreender o projeto como uma “máquina” que gera novas moralidades no campo religioso.

MMA é a sigla para Mixed Martial Arts, ou em português, “Artes Marciais Mistas”. MMA são artes marciais que incluem golpes de luta em pé e técnicas de luta no chão, como Boxe, Muay thai, Taekwon do, Jiu-jitsu brasileiro, Judô, karate, Kickboxing, Kung fu, Luta olímpica e Luta greco-romana. 1

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Em outro ponto da análise, busco aqui compreender como tal projeto social se utiliza de um esporte secular enquanto tática de aproximação entre jovens evangélicos e lutadores de MMA. Por último, investigo outros projetos sociais direcionados à juventude e gerenciados por agentes do Estado. Estes também vêm se utilizando do MMA como estratégia de “salvação” para populações moradoras de favelas da cidade, ao oferecer um esporte “violento” como solução para a “paz”. A pesquisa em sua totalidade teve duração de um ano, sendo nove meses de trabalho de campo presencial (agosto de 2014 à abril de 2015) e três meses finais de campo virtual (maio à julho de 2015). Ao longo do processo dessa pesquisa, participei de sessões de treino na sede do projeto; frequentei eventos de MMA na companhia dos jovens; e os acompanhei em atividades realizadas em uma igreja evangélica de Nova Iguaçu. Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos. O primeiro tem como propósito apresentar, em linhas gerais, os elementos e aspectos fundamentais que atravessam o universo aqui pesquisado. Em “Território, religião e mídia”, introduzo a parte da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro denominada Baixada Fluminense. Tendo a chacina da Baixada Fluminense (2005) como um marco lógico e importante ponto de partida simbólico para se pensar o território, busco apresentar os signos, códigos e significados que orbitam em torno do tema da violência acometida principalmente sobre jovens moradores da região. Este é o cenário sob o qual surge a iniciativa que ocupa lugar de destaque nessa dissertação: o projeto social Faixa Preta de Jesus. Localizado no município de Nova Iguaçu, há sete anos ele vem agenciando corpos e almas através do uso do esporte como ferramenta de ação cidadã para jovens em situação de vulnerabilidade social da região. Em um segundo momento desse capítulo, me lanço a investigar as práticas e os efeitos dos ensinamentos transmitidos pelo projeto social aos jovens atendidos. Seus sonhos, suas histórias de vida e visões de mundo são aqui apresentadas na forma de narrativas urbanas sobre a viração destes diante do atual modelo de cidade que se presenta (FERNANDES, 2013).

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O segundo capítulo é construído a partir da trajetória de vida e dos agenciamentos de redes feito por Ricardo Cavalcante, idealizador e coordenador do projeto Faixa Preta de Jesus. No decorrer da escrita outros personagens vão se juntando ao cenário, como o lutador do UFC2 Rodrigo Minotauro que é padrinho do projeto. Outro aspecto explorado no capítulo é a experiência de conversão religiosa vivenciada por lutadores famosos de MMA. Apesar de algumas frentes evangélicas não compactuarem com essa prática esportiva chegando a classificá-la como simplesmente uma “violência gratuita”, muitos atletas do MMA manifestaram sua fé durante seus combates. Esse é o caso de Vitor Belfort, campeão do UFC que há dez anos utiliza sua profissão e espaço na mídia para levar a mensagem de Jesus Cristo. Ainda no capítulo “Trajetórias, conversões e controvérsias”, opta-se por tomar o rumo de investigar os limites e fronteiras definidas no campo pesquisado. Em especial, a forma como gênero e sexualidade são apropriadas e (des)construídas entre lutadores de MMA. Da mesma forma, encontram-se reunidos aqui fragmentos que espelham habitus de masculinidades e refletem aspectos ligados a cultura e identidade nacional. No terceiro capítulo intitulado “Para além do ringue: tramas urbanas, midiáticos e dispositivos religiosos” é feita a proposta de entrar portas adentro da Igreja Apascentar de Nova Iguaçu, a fim de identificar as principais estratégias em atividades para jovens moradores da cidade. A igreja, parceira estratégica do projeto Faixa Preta de Jesus, é responsável por realizar a Mim Careta de Jesus, evento oferecido a jovens evangélicos como uma alternativa aos dias de carnaval. A partir de etnografia realizada durante a última edição da festa, são revelados aspectos e dilemas presentes no cotidiano de jovens pentecostais daquela região. Dando continuidade a chave de raciocínio que reúne igreja, esporte e mídia, apresento a iniciativa Ultimate Reborn Fight, um campeonato de MMA realizado dentro da igreja e organizado pelos líderes da Igreja Renascer em Cristo. O evento abre brechas para se pensar novas moralidades em voga na esfera pública e religiosa no Brasil.

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O Ultimate Fighting Championship é uma organização que produz torneiros de MMA ao redor de todo o mundo. Com base atualmente nos Estados Unidos, o UFC é a maior empresa do mercado de luta e entretenimento, e seu principal produto é a venda de ingressos para os espetáculos com transmissão ao vivo para todo o mundo.

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No quarto e último capítulo desse trabalho, apresento estratégias desenvolvidas através de um escopo de atuação mais amplo. Em “Disciplinar corpos, pacificar almas: projetos sociais para uma cidade ‘em pacificação”, apresento um breve estudo de caso apoiado em projetos sociais geridos por policiais militares que oferecem aulas de MMA para adolescentes e jovens moradores de favelas da cidade do Rio de Janeiro com UPP3. Minha expectativa com este trabalho é a de que o mesmo traga contribuições antropológicas para os estudos sobre mídia, religião e cidade. Os sentidos aqui apresentados são apenas signos observados por mim em campo e construídos por aqueles que buscam [na religião] os significados para tal sobrevivência no mundo ao seu redor, frente aos perigos que este oferece.

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Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é uma estratégia criada e executada desde 2008 pela Secretaria Estadual de Segurança do Rio de Janeiro que instalou um sistema de “polícias comunitárias” nas principais favelas da cidade do Rio de Janeiro, como forma de desarticular e combater o tráfico de drogas.

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CAPÍTULO I TERRITÓRIO, RELIGIÃO E MÍDIA

1.1 A Baixada Fluminense como cenário Considerada uma das cidades com maior densidade demográfica no Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Nova Iguaçu abriga em si uma população de 801.746 moradores. A informação foi estimada no ano de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Segundo resultados do Censo 2010, a cidade alcançou o marco de 4º município mais populoso do Estado do Rio de Janeiro - ficando atrás somente de Duque de Caxias, São Gonçalo e da capital. A cidade de Nova Iguaçu está integrada a parte da região metropolitana do Rio de Janeiro chamada Baixada Fluminense. Além de Nova Iguaçu, a Baixada Fluminense é composta pelos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Paracambi, Queimados, São João de Meriti, e Seropédica. Vale ressaltar que a cidade de Nova Iguaçu, ainda com base no estudo censitário brasileiro, possui uma população predominantemente composta de pessoas autodeclarantes de cor/raça preta e parda (63%)4. Ao se isolar o intervalo etário entre 12 e 24 anos, Nova Iguaçu aponta a presença de 211.936 habitantes em seu município. O resultado que se apresenta é a fatia de 38% do total de sua população. Assim, podemos afirmar que mais de 1/3 da população da cidade é composta por adolescentes e jovens em idade escolar, universitária e em plena produção criativa de subjetividades. É esse nesse contexto social que insere-se essa pesquisa.

Em números: Pretos – 112.692 habitantes, Pardos – 387.156, Brancos– 288.461, Amarelos – 7200 e Indígenas – 747 pessoas. Vale ressaltar que o IGBE leva em consideração a autodeclaração individual para o sistema de classificação cor/raça. Disponível em http://cod.ibge.gov.br/233VM 4

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Figura 1: Mapa de divisão política da Baixada Fluminense. Ao centro, a cidade de Nova Iguaçu e suas fronteiras com os municípios vizinhos.

Outro recorte importante para se pensar a cidade de Nova Iguaçu, no contexto desse trabalho especificamente, é sua configuração religiosa que ali se forma. Um dos aspectos quem mais salta aos olhos nesse enquadramento é o aumento constante do número de evangélicos presentes na Baixada Fluminense. Também segundo dados do Censo 2010, Nova Iguaçu registra entre seus habitantes a presença de 33,09% de católicos e 36,94% de evangélicos declarantes. O número é superior ao coletado no Censo 2000, quando religião católica ainda representava a fé da maioria dos moradores declarantes. Nos 13 municípios que compõem a região, os evangélicos já passam de um 1,3 milhão, segundo dados do último censo. O número impressiona e se aproxima muito do universo de praticantes da religião na cidade do Rio de Janeiro. Oito das cidades citadas anteriormente já registram um percentual superior de evangélicos sobre o número total de católicos, são elas: Mesquita, Duque de Caxias, Paracambi, Queimados, Seropédica, Itaguaí, Belford Roxo e Nova Iguaçu. Estando em constante grau de expansão sobre tais territórios, seus números revelam tensões, disputas e conexões entre teoria e práticas (VITAL e MENEZES, 2014). Abaixo, tabela retirada do banco de dados censitários do IBGE.

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Tabela 1: População residente de religião evangélica e comparação entre os municípios da Baixada Fluminense (2010) UF

MUNICÍPIO

POPULAÇÃO

RJ

Duque de Caxias

314.459

RJ

Nova Iguaçu

294.099

RJ

Belford Roxo

174.250

RJ

São João de Meriti

163.005

RJ

Magé

78.411

RJ

Mesquita

63.580

RJ

Queimados

59.079

RJ

Nilópolis

51.943

RJ

Itaguaí

45.127

RJ

Japeri

36.490

RJ

Seropédica

34.413

RJ

Guapimirim

17.352

RJ

Paracambi

16.903

TOTAL

1.349.111

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 20105

Tabela 2: População residente de religião evangélica apenas no município do Rio de Janeiro (2010) UF

MUNICÍPIO

POPULAÇÃO

RJ

Rio de Janeiro

1.477.021

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

Ao circular por esses territórios urbanos não é difícil se deparar com a forte presença de igrejas evangélicas que promovem intervenções no espaço público a partir de festivais de louvores, caminhadas religiosas e pregações em praças públicas (BIRMAN, 2003; 2012). No mesmo ritmo, surgem instituições religiosas que se propõem a ocupar as lacunas deixadas pelo Estado na responsabilidade de “recuperar” e “ressocializar” jovens que tiveram suas vidas “perdidas” pelo envolvimento nas drogas, na prostituição e na criminalidade (TEIXEIRA, 2011; TARGINO, 2014). 5

Disponível em http://cod.ibge.gov.br/5G4Z

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É nesse contexto que surge o projeto social Faixa Preta de Jesus, iniciativa que há sete anos se utiliza da prática esportiva do MMA como ferramenta de conversão religiosa para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social na cidade de Nova Iguaçu. Ao unir religião, juventude e esporte o projeto inaugura um modelo de vivência urbana do território a partir da religião como chave de compreensão do mundo e do campo de possibilidades. Grande parte dos jovens atendidos pelo projeto busca como meta o engajamento profissional no esporte. O projeto foi idealizado por Ricardo Cavalcante, 45 anos, casado e atualmente membro da Igreja Evangélica Apascentar de Nova Iguaçu. Ricardo, que sempre faz questão de apresentar-se como “ex-viciado em drogas, ex-morador de rua e extraficante”, hoje é responsável por atender cerca de 400 adolescentes e jovens que treinam semanalmente na sede do projeto6. Ricardo conta que um dos motivos que o fizera criar o projeto foi o denso contexto de violência no qual a população da Baixada Fluminense entra-se imersa. Ele cita como um marco determinante um evento violento apelidado de “chacina da Baixada”, episódio policial que chocou moradores da região e que ainda hoje exibe as cicatrizes nela deixada. Em 31 de março de 2005, vinte e nove pessoas foram assassinadas por policiais militares nos municípios de Queimados e Nova Iguaçu. As vítimas tinham entre 13 e 64 anos, e todas eram moradoras de bairros da região. Segundo investigações feitas pela corregedoria da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), a troca de comando nos batalhões da Baixada Fluminense e a linha-dura imposta pelo novo comandante do 15º Batalhão de Polícia Militar - BPM (Caxias) na época, Coronel Paulo César Lopes, serviram de estopim para o crime7. Moradores contam a história de que na tarde do dia 31 de março, cinco Policiais Militares (PMs) que estavam de folga e haviam passaram quatro horas bebendo em um bar no Centro de Nova Iguaçu. De lá, estes combinaram o que fazer para desestabilizar o novo comando do batalhão: eles 6

Ricardo afirma que, em sete anos de existência, já passaram pelo projeto cerca de 4800 alunos. Não tive com validar essa informação. 7

Segundo testemunhas, um dia antes alguns policiais haviam reagido de forma negativa à decisão do comandante de demitir por má conduta sessenta outros policiais. Descontentes, os policiais decidiram matar duas pessoas e jogar a cabeça de uma delas por cima do muro do batalhão. Flagrados por câmeras, eles foram presos (FASE; LAV/UERJ, CESEC, JUSTIÇA GLOBALL, 2006)

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entraram em um carro Gol prata e assassinaram 29 pessoas, de forma completamente aleatória. Desde então, todos os anos, familiares e amigos das vítimas organizam uma Caminhada que refaz o trajeto feito pelos PMs naquela noite. A peregrinação tem como ponto de partida uma concessionária de automóveis localizada nas margens da Rodovia Presidente Dutra, local de morte de Raphael Silva Couto, 17 anos, primeira execução da noite e filho de Luciene Silva. A partir da perda do filho, Luciene se uniu ao grupo de mães órfãs do massacre na luta por justiça em memória das vítimas. Hoje, Luciene é uma das lideranças movimento e auxilia outras mães que continuam a experimentar, quase que diariamente, as mesmas dores e amarguras provadas por ela.8 Sua “missão”, com gosta de definir, tem sido circular pelos mais diferentes espaços públicos sempre vestindo a camisa estampada com a foto do filho morto. A produção de cenas midiáticas ocupa lugar de evidência e centralidade no caso. Tais manifestações se fazem presente não apenas na forma de reportagens e matérias de jornal que relatam o episódio, mas também na confecção de vídeos documentais e amadores sobre as narrativas urbanas de violência (ENNE, 2002; RAMOS e PAIVA, 2005). Obras cinematográficas documentais recentes, como os filmes “Luto como mãe” 9

e “À queima roupa” 10, tomam para si a responsabilidade de divulgar em ampla escala

as marcas e cicatrizes deixadas nos corpos, mentes e almas de familiares, amigos e mães que tiveram seus filhos assassinados por agentes do Estado.

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Assim como o coletivo de mães que perderam seus filhos na chacina da Baixada, existem grupos de movimentos sociais da cidade do Rio que organizam atos públicos na mesma esteira. Por exemplo, esse é o caso do grupo Mães de Acari (1990) e da Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência (2004) - movimentos sociais que atua no Rio de Janeiro, formado majoritariamente por familiares de vítimas de violência policial em favelas cariocas (LEITE, 2004; VIANNA e FARIAS, 2011) 9

Documentário sobre a luta de mães contra a violência do Estado. Luto Como Mãe (2010) mostra a luta na justiça de mães que tiveram seus filhos assassinados por policiais militares no Rio de Janeiro. São abordados os casos das Mães de Acari, da Chacina da Baixada e da Chacina do Via Show.Trailer disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yE3nF4-n5Zw 10

Partindo da Chacina de Vigário Geral de 1993, o documentário (2014) investiga a violência e a corrupção policial praticadas no Rio de Janeiro nos últimos 20 anos. Uma apresentação dos fatos brutais mais marcantes por meio de entrevistas com vítimas e familiares em cenas ficcionais, reconstruindo a memória dos sobreviventes. Trailer disponível em https://www.youtube.com/watch?v=c4E4viio5lw

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Outro forte exemplo de produção desse tipo de mídia é o vídeo feito recentemente11 pela ONG ComCausa, instituição local que tem colaborado na organização dos atos públicos em memória das vítimas, onde cenas da 10ª edição da Caminhada da Chacina da Baixada foram registradas e compartilhadas em redes sociais. Ao assistir as cenas do ato, realizado em março de 2015, é possível perceber que aos poucos a tela vai sendo preenchida com seus personagens. O primeiro enquadramento apresenta as mães, que caminham juntas e lentamente por uma das pistas de acostamento da rodovia. Em ritmo similar ao de uma marcha de procissão fúnebre, estas são acompanhadas por amigos, familiares, ativistas sociais e um carro acoplado de som e microfone improvisado. O veículo é parte do rito e desempenha duas finalidades: dar voz às mães (ao levar consigo a bateria de energia que alimenta o microfone e caixa de som); e proporcionar visibilidade aos filhos (ao carregar cartazes e faixas com os nomes e imagens da vítimas da chacina).

Figura 2: Acima, familiares e amigos das vítimas assassinadas da chacina da Baixada participam da Caminhada, em Nova Iguaçu. Ao lado, Luciene Silva, mãe de um dos jovens mortos pelos PMs.

O grupo, de aproximadamente 30 pessoas, passa por dentro das ruas dos bairros convocando moradores e comerciantes para aderirem ao movimento12. O “movimento”,

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Ver https://www.youtube.com/watch?v=8Ux0btyPQYQ

Na fala de uma das participantes, a seguinte provocação: “Venha manifestar sua dor e luto conosco. Ontem foi o meu filho. Mas amanhã, quem sabe, poderá ser o seu”. E prosseguem em marcha. 12

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enquanto categoria de ação e análise”, pode ser comparado a circulação de um trem, que percorre um longo caminho e realiza paradas em estações determinadas por “alguém”. Nesse caso, as “estações” aqui são compreendidas como os locais de morte das vítimas. Assim, as mães refazem o circuito em meio a lágrimas, cânticos, lembranças, gritos e flores brancas – que são deixadas pelo caminho, em cada ponto de indignação e dor. Em um determinado momento do ato político mostrado no vídeo, Luciene pede licença aos presentes para ler uma poesia que escreveu um ano após a morte do filho Raphael. Em seu discurso, Luciene define o episódio como sendo uma “noite sangrenta e de descaso e impunidade” onde “nessa dor tão intensa, se começa uma luta imensa pelas vidas que ficaram” e pensa “podemos fazer a diferença reagindo contra a indiferença, de todo um sistema que há décadas teorema aplicando uma sentença sem pena. Dizendo que, ao contrário de viver, pobre e negro tem que morrer”. Ao final da comovente leitura, Luciene dobra a folha e a coloca no bolso da calça, dando-se início a seguinte oração espontânea: “Senhor, meu Deus e meu Pai. Graças te dou nesse dia Senhor. Obrigado por estar comigo, com minha família e com todos nós aqui presentes. Senhor, eu agradeço por ter recebido meu filho em sua glória [...] Dê um beijo nele por mim, e diga que eu nunca vou esquecer o que aconteceu aqui. A promessa [Luciene levanta os olhos em direção ao céu] está sendo cumprida. E será cumprida até o final dos meus dias. Agradeço a ti Senhor, em nome de Jesus. Amém!”13

A experiência de violência vivenciada por Luciene, que declara buscar na religião o conforto e a força necessária para continuar sua “missão”, pode ser lida a partir de duas chaves de compreensão analítica do caso. Em primeiro lugar, o acionamento de dispositivos morais utilizados para reforçar o direito à maternidade como sendo uma dádiva que lhe foi “dada por Deus” e arbitrariamente “retirada pelo Homem”. E, em um segundo momento, a denúncia pública de um mal apresentado Cena transcrita a partir do vídeo “Caminhada de dez anos da Chacina da Baixada (2015)” e disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8Ux0btyPQYQ 13

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enquanto experiência cotidiana da trama dos viventes deste território e exterior ao universo religioso. Em sua fala a região da Baixada Fluminense é apresentada como um território abandonado pelos governantes e marcado pela violência urbana, sendo a única solução entregar sua vida e a destes nas “mãos de Deus”. Assim, como para Novaes (1997, p.102) "as pessoas não se aproximam do cenário político abstratamente ou operando apenas com a razão e com a ideia do 'público'. Aproximam-se, sim, levando consigo a sua vida privada, sentimentos, paixões, afinidades pessoais, crenças religiosas, concepções sobre o Bem e o Mal"; O episódio do massacre, que nesse ano completa uma década, ainda hoje é detentor do título de maior chacina do estado do Rio de Janeiro. Na época, a central de operações do Disque-Denúncia registrou cerca de 140 ligações anônimas com informações sobre o caso nas primeiras 24 horas após o crime14. A partir de uma pesquisa em seu banco de dados, o sistema de denúncias anônimas apontou os nomes de 15 policias militares possíveis de envolvimento direto no caso. Destes, 11 foram denunciados ao Ministério Público, mas foram encontradas provas para abrir um processo contra apenas cinco deles15. Ainda hoje, os municípios que compõe a região da Baixada Fluminense ocupam o topo do ranking de cidades brasileiras onde mais morrem adolescentes e jovens, sendo em grande maioria homicídios causados por armas de fogo. Isso é o que aponta o Índice de homicídios na adolescência: IHA 2012 produzido pela ONG Observatório de Favelas (BORGES E CANO, 2014). O estudo ainda constrói uma projeção estatística do número estimado de adolescentes e jovens que podem vir a morrem caso tal processo não seja freado em tempo. A pesquisa visa contribuir para que as mortes violentas de adolescentes tenham a atenção que merecem na agenda pública e está inserida no Programa de Redução da Violência Letal Contra Jovens e Adolescentes (PRVL). A 14

O Disque-Denúncia, como o nome sugere, é um sistema ligado a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que recebe ligações anônimas que possam ajudar a capturar criminosos procurados da cidade. A oferta de recompensas é uma estratégia utilizada pelo Disque-Denúncia para mobilizar a população a denunciar e auxiliar a Polícia na resolução de crimes. Os valores variam entre R$1mil até R$100mil – paga pela informação que levou a Polícia até o esconderijo do traficante Fernandinho BeiraMar, em 2002. Ao todo as denúncias do caso da Chacina da Baixada somaram 937 ligações. Portal disponível em http://www.disquedenuncia.org.br/ 15

Apenas um policial teve seu envolvimento confirmado e foi condenado.

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estratégia atua principalmente no campo da sensibilização, articulação política e no desenvolvimento de metodologias de prevenção e mecanismos de monitoramento de índices de homicídios16. Em 2012, mais uma vez, a região da Baixada Fluminense foi cenário da morte de seis adolescentes na favela da Chatuba, em Mesquita. Foram assassinados seis jovens moradores de Nilópolis17, município que faz fronteira com Mesquita. Com idades entre 16 e 19 anos, as vítimas foram executadas por traficantes da região. Os jovens foram acusados pelo grupo como sendo possíveis “X-9” (informantes) de um traficante rival, que há anos ameaça tomar o controle da Chatuba. Segundo investigações policiais, um dos jovens possuía em seu celular músicas de funk compreendida como “hinos” da facção rival à da Chatuba – servindo o áudio de estopim para a execução. Os jovens foram mortos no Parque do Gericinó por traficantes da facção criminosa “Comando Vermelho”18 que atua em todo o Estado do Rio. Em menos de 24 horas o território foi ocupado por policiais militares e forças do Exército Brasileiro. Em decorrência da operação policial ostensiva, veículos da imprensa retrataram a ocupação da Chatuba como sendo a primeira “pacificação de favela da Baixada Fluminense" (MIAGUSKO, 2013). Afirmação que logo após foi desmentida pela Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), órgão responsável pela administração das UPPs. No mesmo ano do caso de Mesquita, foi lançado o Juventude Viva, Plano de prevenção à violência contra a juventude negra criado pela Secretaria Nacional de Juventude como forma de enfrentamento às causas desse fenômeno. Esta iniciativa se 16

Em 2012, o PRVL foi ampliado e atualmente atua em 16 regiões metropolitanas: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Recife, Salvador, Maceió, Belém, Distrito Federal, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Manaus e Rio Branco. Disponível em www.prvl.org.br 17

Além dos seis adolescentes, outras três pessoas foram assassinadas: o primo de um dos jovens, um líder religioso e um cadete da Polícia Militar. 18

Nos últimos anos, muitos veículos de comunicação tem reforçado a hipótese de que o aumento da violência nos municípios da Baixada demanda da migração de traficantes vindos de favelas do Rio ligadas à facção criminosa “Comando Vermelho”. Com a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas da capital, muitos traficantes teriam se deslocado para cidades no entorno do Rio, nas quais a estratégia ainda não chegou. Essa é uma compreensão muito difundida entre os moradores da Baixada. O governo do Estado nega o deslocamento de criminosos para a Baixada Fluminense.

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associa a outras que buscam a efetivação dos direitos sociais de jovens de forma diversa e ampla, indo do combate ao racismo à redução da desigualdade racial marcada historicamente pela violência sobre populações negras. O Plano Juventude Viva estabelece, em caráter emergencial, a efetivação do programa em 142 municípios brasileiros. A seleção das cidades foi feita com base nos índices e dados estatísticos do Ministério da Saúde, a partir do número de óbitos em municípios com mais de 100 mil habitantes19. É nesse cenário que surge em 2008 o projeto Faixa Preta de Jesus. Com o objetivo de “salvar” populações jovens moradoras da Baixada Fluminense através do esporte como ferramenta de ação social, o projeto articula corpo e disciplina como estratégia para salvação de vidas e almas para Cristo. Assim, pode-se compreender tal projeto social a partir da metáfora de “máquina”, onde de um lado entram jovens tidos como “potenciais criminosos ou bandidos” e do outro saem jovens “restaurados e vitoriosos” no ringue e na vida. No site do projeto20, Ricardo define a Baixada Fluminense como sendo “uma realidade dura onde vivem milhares de jovens que, enfrentando a pobreza e a violência, estão submetidos as mais variadas mazelas”, e que o Faixa Preta de Jesus uniu o “esporte e a religiosidade como chave para mudar as vidas de jovens cuja perspectiva caminha para o abismo da omissão do poder público”. Assim, ao utilizar o projeto social Faixa Preta de Jesus como estudo de caso, pretendo elencar os principais aspectos destacados por tal estratégia, seus efeitos e resultados sob a vida dos jovens. Faz-se necessário também investigar a rede de personagens e instituições que Ricardo é responsável por construir e acionar, dentro e fora da Baixada Fluminense.

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No estado do Rio de Janeiro, o Plano contempla os seguintes municípios: Angra dos Reis, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Duque de Caxias, Itaboraí, Macaé, Magé, Niterói, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, e Volta Redonda. Lista dos 142 municípios prioritários, disponível em http://juventude.gov.br/articles/participatorio/0009/4533/142_munic_pios_do_Plano_Juventude_Viva.pdf 20

Ver http://www.faixapretadejesus.com.br/

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1.2 Era uma vez um projeto: Faixa Preta de Jesus Antes de começar a apresentar o projeto social Faixa Preta de Jesus e descrever minhas primeiras impressões ao chegar pelo primeiro dia no campo, penso que seja válido apresentar a rede sistêmica na qual a iniciativa encontra-se inserida. Nesse caso, a cidade de Nova Iguaçu. Um galpão serve de Centro de Treinamento (CT) e encontra-se na Avenida Governador Roberto Silveira, uma avenida muito movimentada que serve de rota privilegiada entre duas rodovias importantes que cortam a região: a Via Light e a Via Dutra. O CT encontra-se exatamente entre essas duas rotas de grande circulação. À 500m de distância, existe uma zona de comércio bem desenvolvida onde se podem encontrar muitas lojas de roupas, calçados, lanchonetes, escritórios, um conjunto de lojas especializadas em produtos de informática e o maior Shopping Center da região. Além disso, outra forma de serviço ali oferecido me chamou atenção. Apenas no trecho entre o Shopping Center e o CT do Faixa Preta de Jesus, registrei a existência de academias (3), um salão de beleza especializado em penteados afros, igrejas evangélicas (3), um estúdio de tatuagens e um gigantesco e degradado conjunto habitacional popular chamado Condomínio Santa Eugênia. Segundo registros da Companhia de Habitação Popular do Estado (COHAB), os prédios são da década de 60 e foram construídos para abrigar uma população de baixa renda. O mesmo se aplica ao Condomínio Tertuliano Potiguara, situado na mesma avenida e bem próximo à Via Dutra. As duas edificações ficam localizadas próximas ao CT e são conhecidos popularmente como “pombais”.21 O apelido é dado em alusão ao tamanho dos apartamentos que possuem não mais que 25m² e são divididos entre sala, cozinha, banheiro e quartos. Ao adentrar pelo portão do CT depara-se com um enorme galpão coberto por uma estrutura metálica, com um desenho arquitetônico típico de ginásios poliesportivos. Essa semelhança é proposital, pois ali antes funcionava a quadra recreativa de uma

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Os pombais eram edificações construídas na Idade Média para abrigar pombos e rolas. O edifício continha buracos por onde as aves entravam, permitindo a sua reprodução e repouso.

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escola privada da região22. A quadra foi alugada em 2013 por Ricardo, que rapidamente adaptou o espaço para receber o projeto. Localizados estrategicamente na entrada do CT, há um grande octógono23 que é utilizado para treinamento dos alunos mais experientes. Segundo Ricardo o equipamento foi doado por um dos patrocinadores do projeto. As barras de ferro que dão forma ao octógono são revestidas com camadas de espuma de proteção com a logomarca do Instituto Irmão Nogueira, do Instituto TIM e o selo da Lei Incentivo ao Esporte da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer do Rio de Janeiro. Ao lado do octógono há uma cozinha improvisada com um fogão, um freezer, bebedouro e duas mesas que juntas formam uma letra L. Este espaço é utilizado para preparar e servir jantar ou algum lanche aos alunos após o horário dos treinos, já que este acaba bem tarde24. No centro do galpão há um grande tatame na cor azul feito a partir de quadrados emborrachados. O tatame ocupa quase todo o espaço e é sobre ele que os alunos treinam. Ao meio do jogo emborrachado há um conjunto de quadrados na cor vermelha, que juntos formam o desenho de uma cruz. O símbolo é uma referência ao calvário de Jesus Cristo e serve de alegoria à ideia de santidade e reverência ao Senhor. No fim do tatame, e voltado para a direção da entrada do CT, há um púlpito de madeira. Ele é utilizado por Ricardo sempre que se faz necessário dar algum comunicado ou pregar a Palavra para os jovens25. Ao lado do púlpito há uma caixa de som conectada a um microfone e um cabo de entrada de áudio – onde geralmente são conectados telefones celulares com hinos evangélicos. Ao lado direito do galpão há uma enorme arquibancada de cimento composta por degraus (4) na cor vermelha.

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O espaço pertence ao Instituto Brasil, escola privada localizada há dois quarteirões de distância.

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O octógono é um ringue onde os lutadores profissionais de enfrentam. Como o nome indica, a estrutura possui oito lados e é cercada por grades de ferro para que os lutadores não caiam. 24

Os treinos acontecem toda semana às 2ª, 4ª e 6ª feiras das 19h às 22hs. Durante os meses de setembro e outubro de 2014 acompanhei os treinos realizados às 4ª e 6ª feiras. A escolha desses dias da semana não é uma orientação metodológica da pesquisa. 25

No decorrer das idas a campo nunca presenciei o púlpito ser utilizado por algum dos jovens do projeto. Embora já tenha visto o mesmo sendo utilizado por um pastor pregador durante uma visita ao projeto.

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Em toda parte superior do CT há gigantescos banners fixados ao longo das paredes do galpão. Cada banner possui cerca de 6m de altura e trazem as logomarcas dos apoiadores do projeto. Por exemplo, da Team Nogueira, uma rede academias de MMA que fornece o material esportivo e equipamentos para treino; da Full Pneus, uma oficina autorizada para manutenção de automóveis que paga todo mês o aluguel do galpão no valor de R$ 4mil; da Prefeitura de Nova Iguaçu, através da Secretaria Municipal de Assistência Social; e da Igreja Ministério Apascentar em Nova Iguaçu. Quando perguntado se estes se tratam dos patrocinadores do projeto, Ricardo confirma. Ele não só confirma, como explica como cada patrocinador ali representado ajuda o projeto: “A Piraquê, por exemplo, nos ajuda doando biscoito para o lanche dos alunos. Assim como a Fresh, que fornece o suco. Tem a Prime Esportes que faz toda a doação de material esportivo e os kimonos para aqueles alunos que não podemos pagar. Já o Team Nogueira é o nosso principal patrocinador e o [Rodrigo] Minotouro nosso pai. Ele é meu grande parceiro e padrinho do Faixa Preta de Jesus. Nada disso tudo que você está vendo aqui existira se não fosse por ele.” Disse Ricardo, apontando para o logo de cada empresa.

Figura 3: Na primeira imagem, jovens participam de um momento de oração no tatame. Em seguida, foto da fachada do CT com arte feita pelos alunos.

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Na fala de Ricardo há sempre uma preocupação exaustiva com a visibilidade das marcas das empresas que apoiam o projeto Faixa Preta de Jesus. Cada logomarca dos patrocinadores é impressa em diferentes produtos elaborados por ele, como folders institucionais, sacolas, bandeiras e camisas do projeto. As camisas do projeto, em especial, são tidas por Ricardo como o verdadeiro estandarte da iniciativa. Foram raras às vezes em que eu não tenha visto jovens ou seus responsáveis utilizando a camisa com a marca do projeto. Para Ricardo é através da camisa que as pessoas tomam conhecimento do projeto. Na frente da camisa, fica a logo do Faixa Preta de Jesus – que traz um desenho das mãos de homem amarrando uma faixa de kimôno na cintura26. Porém, há um detalhe especial chama atenção. O homem possui furos nas mãos, assim como Jesus Cristo. Ricardo diz que a logo veio até sua mente em um sonho: “A ideia surgiu através de um sonho. Eu estava, literalmente, dormindo. Sonhei com o nome Faixa Preta de Jesus, daí avistei a marca: um homem amarrando a faixa. Neste momento surgiu a logo. Assim, o projeto teve seu início.” disse Ricardo.

No verso da camisa são aplicadas as logo dos patrocinadores27. Nas mangas da camisa geralmente é impressa a logo da Igreja Ministério Apascentar de Nova Iguaçu28. Isso por que o projeto é realizado em parceria com a igreja, atual igreja de Ricardo. A cada novo visitante que chega para conhecer o projeto, Ricardo presenteia com uma camisa. Tive a oportunidade de ver Ricardo fazer isso diversas vezes. Tal ato se repete a cada novo visitante que pela porta do CT adentra às segundas, quartas e sextas-feiras29.

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Imagem disponível logo mais a abaixo no texto.

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No verso imprime-se a logomarca do patrocinador em tamanho grande. Isso dependerá do quanto foi investido no projeto e qual a importância de marca para visibilidade no espaço público. A grande brincadeira entre os jovens é colecionar as diferentes camisetas. Ricardo sempre cita a Apascentar como sendo a “igreja oficial” do projeto. Existe uma forte ligação entre as duas instituições, porém não consegui obter a informações sobre um provável investimento financeiro da igreja no Faixa Preta de Jesus. 28

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Esses são dos dias da semana em que acontecem as sessões de treino dos alunos. As atividades acontecem no turno da noite, de 19 às 22h. Ao final, é servido um lanche.

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Ao presentear o visitante com a camisa do projeto, Ricardo o insere (sem que o mesmo saiba) em um sistema de reciprocidade. O fenômeno da dádiva acontece a partir do “dar, receber e retribuir” da camisa, já que todos aqueles que recebem são convidados a tirar um foto e vesti-la – quase que automaticamente (MAUSS, 2005). Nesse ritmo e estratégia, Ricardo acaba por colecionar um conjunto de fotos tiradas como artistas da música gospel, pastores, jornalistas, políticos e personalidade da TV30. Creio que o exemplo a seguir possa nos ajudar a compreender o sentido e valor das intenções de Ricardo ao presentear pessoas famosas como a camisa do projeto. Recentemente, em maio de 2015, o ator de Hollywood e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger esteve no Rio de Janeiro para participar do Festival de Lutas Arnold MMA World, ocorrido no Rio Centro. O evento reuniu fãs do MMA, empresários do mercado esportivo e projetos sociais selecionados pelos organizadores do evento. Os jovens do projeto Faixa Preta de Jesus foram convidados para participar de uma sessão especial de trio coletivo no evento, juntamente com adolescentes e jovens que integram outros projetos sociais de luta na cidade do Rio31. Em um determinado momento o treino foi interrompido pela presença do ator, que fez questão de apertar a mão de cada jovem participante. O último a ser cumprimentado por Schwarzenegger é um menino de 10 anos, que na ocasião veste a camisa do Faixa Preta de Jesus. Trata-se de Áquila, um dos alunos do projeto que fora instruído por Ricardo para cumprir uma missão: entregar uma camisa do Faixa Preta de Jesus para o ator. E assim o menino faz. Arnold Schwarzenegger recebe o presente, estende a camisa sobre o peito, abraça o menino e posa para as lentes das câmeras. A cena foi gravada e está disponível no Portal da UPP32, no Youtube. Alguns minutos após o acontecimento, Ricardo publica uma foto do momento na página do projeto no facebook com a seguinte legenda: “Arnold Schwarzenegger é 30

Embora eu tenha participando ativamente das atividades do projeto ao longo dos dez meses de trabalho de campo, nunca recebi (de fato) uma camisa do projeto. Na primeira vez que cheguei ao CT, Ricardo logo falou que iria me dar uma camisa – mas não deu! Durante semanas me perguntei se minha condição de pesquisador/observador seria a responsável por tal comportamento. 31

Foram eles o Projeto Social Associação Valorizando as Diferenças (AVD), Projeto Social Furnas, Instituto Irmãos Nogueira e o Projeto Social UPP Cidade de Deus. 32

Ver https://www.youtube.com/watch?v=EJAu3gcpcqE

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Faixa Preta de Jesus”. A imagem, que foi replicada por vários jovens do projeto, é utilizada aqui como metonímia do sucesso e do poder de alcance do Faixa Preta de Jesus e seus alunos. A partir de tais fatores apresentados acima, podemos sugerir que a camisa cumpre a função (da forma como é utilizada) de converter aqueles a detém. Isso é, ao “vestir a camisa do projeto” é dado início a um processo de conversão digital que se utiliza da imagem e da mídia como plataforma de intercâmbio. Uma vez em posse dessas imagens, Ricardo segue completando o álbum de celebridades e artistas apoiadores do projeto. Para além da conversão pela camisa, é importante apresentar alguns detalhes sobre a conversão religiosa de Ricardo e a criação do projeto. A conversão de Ricardo se deu há 14 anos, em 2001 através da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Antes de deparar-se com a fé em Jesus Cristo, Ricardo conta que utilizou cocaína, maconha, foi morador de rua e chegou a dar os primeiros passos dentro de em uma facção criminosa do Rio de Janeiro. “Eu fui viciado em cocaína e viciado em maconha. Comecei a fumar com 14, a cheirar aos 16, a traficar aos 18. E foi terrível pra mim porque meus pais me abandonaram. Minha mãe foi pro Estados Unidos e mora lá há 30 anos. Minha família toda me abandonou. Cheguei a mendigar, fiquei dormindo em Copacabana por várias semanas na rua. Eu estava no fundo do poço! Perdi minha dignidade, perdi minha família, perdi tudo!” disse Ricardo ao lembrar-se do seu passado.

Após ter passado três dias em uso contínuo de cocaína, ele conta ter se deparado com um grupo de evangélicos que celebrava um culto de aniversário. Toda aquela alegria e felicidade que o grupo demonstrava possuir, fez com que ele se aproximasse e aceitasse Jesus Cristo. Ricardo conta que o projeto Faixa Preta de Jesus começou com apenas seis alunos no ano de 2008, em Nilópolis, dentro da quadra poliesportiva da Igreja Batista

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Nova Esperança. Após dois anos a estrutura não comportava mais o número de alunos33, sendo necessário buscar outra sede maior para o projeto. Ricardo conseguiu um espaço cedido pela Igreja Comunidade Cristã Projeto Graça, em Nova Iguaçu. Segundo Ricardo, a igreja ofereceu ao projeto uma estrutura mais adequada que incluía banheiro, água, espaço coberto, equipamento de som e tatames.

Figura 4: Ricardo Cavalcante em duas agendas do Faixa Preta de Jesus. À esquerda, após a visita dos alunos do projeto a sede do BOPE; e durante participação no Programa Balanço Geral, da TV Record.

Após um período de tempo, mais uma vez o projeto precisou ser transferido. Dessa vez, devido um desentendimento travado entre Ricardo e o Pastor da igreja34. Isso ocorreu em 2013, quando Ricardo conseguiu recursos para alugar o galpão e atual sede o projeto. Que por coincidência, ou não, fica localizada na mesma avenida que a igreja. Ricardo compreende o projeto Faixa Preta de Jesus como sendo uma “missão” concedida a ele por Deus, em sonho. Há sete anos Ricardo largou o antigo um emprego e passou a dedicar-se integralmente ao projeto. Atualmente, Ricardo sustenta o projeto e 33

Segundo Ricardo, mais de 150 alunos eram atendidos pelo projeto no local.

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Ricardo conta uma versão onde a esposa do pastor é grande responsável pelo desentendimento no caso. Durante uma visita ao salão de beleza, a esposa do pastor convida uma cliente para fazer uma visita em sua igreja. Ao indicar a localização do tempo, a mulher questiona a esposa do pastor dizendo que nunca havia percebido que se tratava de uma igreja, pois sempre enxergou o lugar como a sede do projeto social de luta para jovens. Preocupada com a inviabilidade da igreja do marido diante do Faixa Preta de Jesus, Ricardo diz que a esposa “fez a cabeça do Pastor contra ele”. Assim, foi dado fim à parceria do projeto.

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sua família (esposa e filho) a partir de doações de empresas e pessoas físicas, que pagam suas contas, alimentação e a prestação de sua casa. Ricardo afirma que “o dia que Ele determinar, busco outra fonte de sustento”, referindo-se ao fato do projeto Faixa Preta de Jesus ser sua principal fonte de renda. Entretanto, Ricardo nunca conversou sobre a possibilidade de deixar a liderança do projeto algum dia. E creio que nem os jovens pensam em tal possibilidade. Isso se deve, a meu ver, ao poder de mídia que este demonstra possuir. Ao buscar inserções nos veículos de comunicação e imprensa, através de matérias em jornais e gravações de programa de TV, Ricardo proporciona visibilidade aos jovens atendidos pelo projeto. A admiração dos jovens em fazer parte de um projeto social que possui visibilidade na mídia e que constantemente recebe a visita de artista e lutadores, reflete sobre a imagem de Ricardo como líder do processo. Em “Os três tipos de dominação legítima”, o sociólogo alemão Max Weber apresenta uma reflexão acerca dos tipos de dominação presentes na história da humanidade. Dos três tipos definidos pelo autor – “dominação legal”, “dominação tradicional” e “dominação carismática”- entretanto, nos interessa aqui abordar a última. A dominação carismática em Weber surge como um sistema de poder onde a autoridade necessita de um suporte emocional. Ou seja, que indivíduos denotem admiração pessoal ao líder, reforce suas qualidades e potencialize seus poderes. Tal modalidade se mantém sobre os valores que estes (dominados) depositam na imagem do dominante. Os tipos mais puros, segundo Weber, seriam aqueles do dominador que ocupa a posição de profeta, herói ou guerreiro (WEBER, 1981). A este arquétipo de líder carismático se aplicaria a condução dada por Ricardo ao projeto Faixa Preta de Jesus. Contudo, Weber também classifica o exercício da dominação carismática como sendo finita e não hereditária, pois nada há que garanta longevidade da devoção afetiva ao líder por seu grupo. Para Weber, os dominados não obedecem ao dominante por sua posição social ou cargo que ocupe, mas sim por suas qualidades emocionais. Tendo esse carisma findado, assim desaparece também sua dominação. Ou seja, se o carisma acaba o poder também acaba. Logo, o líder precisa

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demonstrar suas qualidades constantemente e minimizar ao máximo suas falhas para com o grupo.

1.3 “Aqui jiu-jítsu é feijão com arroz, e Jesus nosso filé mignon!35” Desde sua origem, ainda no formato conhecido no Brasil como “vale tudo”, as lutas sempre foram marcadas pela ausência de regras e acompanhadas de grandes polêmicas que o faziam estarem sempre de mãos dadas com a liminaridade. No decorrer desse período, a prática dessa modalidade de luta foi fortemente proibida. Em vários países, incluindo o Brasil, matérias na mídia comparavam os torneios com rinhas de galo, já que geralmente os participantes lutavam até a morte. O atual formato de MMA é fruto de uma reformulação desse “vale tudo”, que teve surgimento no Brasil. Segundo Gracie (2008), o estilo de luta nasceu no Rio de Janeiro da década de 40 sendo difundido pelos irmãos Carlos e Hélio Gracie. Tendo como objetivo original a tarefa de provar a superioridade do jiu-jítsu como arte marcial suprema, Carlos Gracie desafiou grandes lutadores da época e passou a formar uma geração de lutadores em sua família ao administrar a carreira dos irmãos. Lutando contra grandes adversários por todo o mundo, os Gracie’s logo conseguiram fama e notoriedade dentro e fora do Brasil. Anos depois, a arte marcial passou a ser denominada de Gracie Jiu-Jitsu ou Brazilian jiu-jitsu, sendo exportada para os mais diferentes países. Até hoje, Hélio Gracie é considerado o grande nome e difusor do jiujítsu, tendo formado inúmeros discípulos. Apenas no início dos anos 90 é que o estilo de combate começou a ganhar popularidade e espaço na mídia. O ano de 1993 define um marco para o esporte: o surgimento do UFC, companhia que se tornaria a maior promotora de torneiros de MMA do mundo. Prestes a completar vinte anos de existência, a marca UFC ultrapassa

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A expressão acima foi cunhada por Ricardo Cavalcanti, que sempre faz questão de repetir em suas entrevistas e aparições na mídia ao falar sobre o projeto Faixa Preta de Jesus.

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os limites do octógono e domina nichos do mercado esportivo mundial36. O primeiro e principal produto da liga a ser mundialmente comercializado foi o sinal de transmissão ao vivo das lutas, que no Brasil é difundido pela Rede Globo e pelo Canal Combate (canal de TV por assinatura com programação totalmente dedicada a divulgação e coberturas desses eventos). Hoje, o Brasil é o considerado pela grande mídia um “celeiro” para novos lutadores dessa modalidade de esporte e vem se tornando uma referência na área. Visando o MMA como campo de possibilidade profissional, são muitos os jovens que se aproximam do projeto social com a intenção e realizar esse sonho. São plurais as história de vida que se confunde com o projeto Faixa Preta de Jesus e gostaria de lançar um olhar sobre algumas. Esse é o caso de Oséias37, 16 anos. Durante uma conversa no CT do projeto, Oséias revelou detalhes de seu passado. Morador de Nova Iguaçu, Oséias diz ter praticado pequenos roubos durante um bom tempo nas ruas do Centro da cidade, sendo algumas vezes perseguido e esculachado38 por PMs. Em casa suas figuras de referência sempre foram sua mãe (Cíntia) e o padrasto, indivíduos que compartilham um longo histórico de uso abusivo de álcool. Os efeitos prejudiciais da bebida são apontados pelo jovem como a principal justificativa que acabou o levando a pratica de crimes. Até o dia em que a polícia bateu em sua casa e, correndo, ele diz ter entrado na única porta que estava aberta: a do projeto social Faixa Preta de Jesus. A mãe de Oséias foi uma das mães convidadas para gravar o vídeo de depoimento dos pais sobre o impacto do projeto social em suas vidas39. O entrevistador pergunta sobre as mudanças de comportamento e atitude de cada criança e adolescente,

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Os produtos são os mais variados: vão de matérias esportivas (luvas, calções, camiseta, jaqueta, boné, toalhas e suplementos alimentares) à mochilas, cadernos universitário, joias e bilhetes de loteria com a marca. 37

Nome fictício dado por mim. O nome Oséias significa “salvação”.

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Esculacho é uma categoria nativa que se expressa como a forma intolerável de desrespeito, desconsideração e negação do outro, que se situa no limiar da exclusão social. 39

As declarações foram gravadas, transcritas por mim e encontram-se no Anexo 2 desse trabalho.

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pedido aos pais que fazem uma correlação entre o antes de o depois de sua passagem pelo projeto. Abaixo, um trecho do depoimento dado por Cíntia: “Era uma criança muito rebelde, muito rebelde mesmo! Eu não conseguia manter ele na escola. Ele não tinha disciplina em nada! Agora eu vejo que ele mudou e tá uma criança muito boa. Ele chegava dentro de casa e não me obedecia, não obedecia ao padrasto, não obedecia ninguém! Agora ele mudou.”, disse Cíntia, quando perguntada sobre o antigo comportamento do filho.

Em sua declaração, Cíntia reforça as transformações observadas na vida de Oséias a partir de sua entrada no Faixa Preta de Jesus. Sua maior preocupação na época era a de que o filho entrasse para o mundo da criminalidade de forma definitiva, sendo logo mais possivelmente recrutado por alguma facção de tráfico de drogas da região. O medo de pensar em ver o filho ser assassinado ou preso por PMs tiravam seu sono. Longe de possuírem uma relação amigável entre mãe e filho, Cíntia dizia se sentir culpada pelo comportamento rebelde de Oséias e descontava o incômodo no consumo abusivo de álcool. A mãe revela que ficou desconfiada quando Oséias começou a frequentar o projeto Faixa Preta de Jesus, principalmente por se tratar de uma iniciativa envolvendo uma igreja evangélica. Ao perceber o grau de envolvimento do filho com o projeto social, Cíntia foi o CT do Faixa Preta de Jesus para conhecer o espaço e conversar com Ricardo: “Uma vez eu cheguei aqui [no CT] pra encontrar o Ricardo e falei: ‘Olha, eu quero saber se ele vai querer continuar aqui. Eu vim trazer ele aqui pra mostrar pra você como ele tá na escola’. Nem os diretores, nem a escola, o queriam de jeito nenhum. (...) Agora ele tá o primeiro aluno na escola. Me deram até os parabéns. E eu falei que ele estava fazendo o Projeto Faixa Preta de Jesus. E falaram pra deixar ele lá, que lá é o melhor caminho pra vida dele!”, revela Cíntia.

Na fala de Cíntia a escola ocupa uma centralidade como principal dificuldade enfrentada como mãe de Oséias. Segundo ela o filho colecionava notas baixas, 39

advertências por mau comportamento e por diversas vezes sofreu ameaças de expulsão da escola. Durante muito tempo ela tentou junto à Secretaria de Educação e à direção da escola um encaminhamento para acompanhamento psicológico gratuito de Oséias, mas diz nunca ter conseguido ajuda40. No entanto, a solução encontrada para o problema foi o projeto Faixa Preta de Jesus. Nesse caso, podemos dizer que o projeto Faixa Preta de Jesus acaba por, de certa forma, preencher as lacunas deixadas pela ausência de política pública municipal voltada para tema. Desde 2013 o projeto de Ricardo é apoiado pela Secretaria de Assistência Social de Nova Iguaçu, tendo se aproximado politicamente do Prefeito Nelson Bornier41 nos últimos anos. Não sei ao certo o valor de investimento da Prefeitura de Nova Iguaçu no projeto, mas sabemos que a mesma concedeu a iniciativa uma área para a construção da sede própria da instituição. O terreno indicado pela Prefeitura fica localizado no bairro Cerâmica, próximo a um dos palcos da chacina da Baixada42. “Trazer essas crianças, esses adolescentes para o esporte é tudo que a gente sonha como educador e gestor da área social. Num mundo com o grau de violência que se vivencia nos dias de hoje, salvar esses anjos é algo de maravilhoso, não tem coisa melhor. Por isso mesmo, o prefeito Nelson Bornier não tem medido esforços no sentido de ajudar a instituição”, revelou a Secretária Municipal de Assistência Social Cristina Quaresma, em entrevista ao site da Prefeitura43.

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Desde o ano 2000 a lei 3688/00 garante o acesso de alunos matriculados em escolas da rede pública ao atendimento psicológico por profissionais do SUS. A cobertura da lei de âmbito federal e obriga os municípios a criarem estratégias para atender a demanda e integrar os sistemas de ensino, de saúde e de assistência social da Prefeitura. 41

Nelson Bornier (PMDB) foi eleito, por cinco vezes, para o cargo de deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro (1990; 1994; 2002; 2007 e 2010). Atualmente, exerce o seu terceiro mandato como prefeito da cidade de Nova Iguaçu (1996; 2000; 2012). Bornier é pai do também deputado federal Felipe Bornier (PSD). 42

Vídeo gravado com Cristina Quaresma, atual Secretária de Assistência Social de Nova Iguaçu. Ela reforça a importância da parceria firmada entre a Prefeitura de Nova Iguaçu e o projeto Faixa Preta de Jesus. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0UtnoFH8Gzo&list=PLuadBMlTkYS5GJqtb5E8OYqGywfQU1Xk&index=22 43

Disponível em http://www.novaiguacu.rj.gov.br

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Figura 5: Acima, Ricardo Cavalcante ao lado do Pastor Marcus Gregório, da Igreja Evangélica Apascentar em Nova Iguaçu; e com Nelson Bornier, atual prefeito da cidade.

Passados três anos do episódio envolvendo a quase prisão do filho, hoje Cíntia faz uma avaliação positiva sobre o projeto e apoia o sonho do filho em ser lutador de MMA. Atualmente Oséias faz parte da equipe de jovens lutadores do projeto que competem profissionalmente e conquistou seu primeiro cinturão recentemente no Belford Fight44. Além disso, Oséias se converteu e hoje frequenta os cultos na Igreja Apascentar em Nova Iguaçu todos os domingos. Outra história de vida que tive a oportunidade de conhecer de perto foi a de Ezequiel45, 18 anos, considerado por Ricardo uma das grandes promessas do projeto para o MMA profissional. Morador de um município da Baixada Fluminense, Ezequiel era usuário de drogas e praticava roubos na cidade. Há três anos largou tudo para se dedicar ao MMA e vem se destacando dentro do meio. Ezequiel, que hoje relembra de seu passado com muita vergonha, sente orgulho em reafirmar as mudanças que o projeto causou em sua vida:

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O Belfort Fight é uma torneiro de MMA organizado pela Gringo Super Fight, uma equipe de luta da Baixada Fluminense. Com apoio da Secretaria de Esportes, Turismo e Lazer de Belford Roxo, a última edição do evento (junho/2015) reuniu dezenas de jovens lutadores da região. 45

Nome fictício dado por mim ao jovem. O nome Ezequiel significa "Deus fortalece".

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“Depois que entrei para o Faixa Preta de Jesus a minha vida mudou da água para o vinho. Antes, eu era dependente químico, usava drogas, crack, maconha e cocaína. Graças a Deus, o projeto está me ajudando a conquistar o meu sonho de tornarme, em breve, um grande atleta e quem sabe também campeão do UFC”, diz Ezequiel que também conquistou recentemente o cinturão Belford Fight.

O Faixa Preta de Jesus possui muitas regras e sua rigidez é colocada para os alunos a partir do momento em que estes chegam ao projeto. São elas: a dedicação à luta, o bom desempenho escolar e o afastamento definitivo do “mundo das drogas” e das “más companhias”. Quando um novo adolescente ou jovem chega até o CT, Ricardo faz questão de conversar com o responsável e realizar uma verdadeira “limpeza em seu quarto”. Ricardo conta que faz a tarefa, uma vez autorizada pelo jovem, que consiste em retirar do quarto desses jovens qualquer vestígio de drogas ou entorpecentes que estes vinham utilizando. Embora não tenha conversado muito com Ricardo sobre os detalhes dessa prática ou qual o destino das drogas coletadas, encaro o exercício da “limpeza” como um rito de passagem sob o qual todos os jovens estão submetidos (VAN GENNEP, 2009) O conceito de liminaridade apresentado por Victor Turner em “O processo ritual” pode ser tomado como empréstimo para analisarmos o caso do projeto Faixa Preta de Jesus. A condição de liminaridade é definida como sendo um estágio intermediário, entre o distanciamento e a reaproximação, de indivíduos que estão transitando de lugar para outro dentro da estrutura social. Para o Turner esse detalhe é uma etapa essencial do ritual, estando presente em diversos ritos de iniciação de sujeitos. Os ritos de passagem engendram mudanças na vida dos indivíduos que transitam dentro da estrutura social e, de acordo com os conceitos de liminaridade e communitas de Turner, essa passagem oferece a experiência de um “renascimento” (TURNER, 1974). E é justamente isso que o Faixa Preta de Jesus oferece aos adolescentes e jovens tidos como indesejáveis urbanos. O projeto de Ricardo cumpre a função social de uma “máquina” responsável pela produção de certo tipo de cidadania onde por um lado 42

entram adolescentes desajustados e violentos, e do outro saem “cidadãos de bem” e jovens talentosos. A aceitação da condição de “ex-viciado” ou “ex-bandido” é o primeiro para a validação do processo de iniciação dos jovens no projeto. É através do reconhecimento do lugar que estes jovens ocupam na estrutura social que Ricardo começa seu trabalho. Ao definir para os jovens as polaridades da estrutura social, onde nesse jogo a vida nas drogas e na criminalidade é considerada como sendo margem, Ricardo expõe suas fraquezas para o grupo social que está prestes a pertencer. E Ricardo faz questão de se definir tão margem quanto os alunos que orienta, ao reafirmar todo instante seu testemunho de vida como “ex-viciado” em drogas. A categoria de “ex-bandido” é tomada como elemento central no livro “A construção social do “ex-bandido”, de Cesar Teixeira. Para o autor a figura do “exbandido” não deve ser confundida como a de um “ex-presidiário” ou um “ex-detento”. No caso destes últimos, a condição de “ex-” recai apenas sobre como potencializador do estigma social que estes historicamente já possuem, reforçando a descrença da população sobre os efeitos da ressocialização após o encarceramento. Um “ex-detento” seria alguém visto como ainda presente na esteira do crime, e como alguém que dificilmente o abandonou. Já no caso do “ex-bandido”, o que se demonstra é a opção pelo afastamento total da condição de criminoso através de uma mudança de vida (TEIXEIRA, 2011). O olhar de Teixeira acerca do “bandido” é forjado a partir do ponto de vista dos religiosos evangélicos que acompanhou. Estes, por sua vez, denotam o processo de conversão religiosa do “bandido” como uma compreensão da “batalha espiritual”. A partir de dez diferentes histórias de vida, o autor demonstra como a conversão ao pentecostalismo emerge como a única saída possível do mundo da criminalidade. Isso ocorreria, segundo ele, pelo fato de os “bandidos” ainda aceitarem a autoridade moral e religiosa dos “crentes” na esfera pública, por delimitarem as fronteiras entre “bem” e “mal” e se compreenderem como afastados dos caminhos do mal.

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O processo de utilização do esporte como ferramenta pedagógica para adolescentes e jovens pobres moradores de periferias não é recente46. No Rio de Janeiro, atualmente, são muitas as estratégias que se formam com a missão de “salvar” vidas de jovens moradores de valas e periferias (ROCHA, 2015). A disciplina imposta por Ricardo é definida por ele como um papo reto, em forma de mensagem direta e clara: “A disciplina aqui é que nem no BOPE. Não pode sair da linha. Já dei até bronca em pai que não abraçou a causa”, diz Ricardo sempre que perguntado sobre o assunto.

Ao comparar o modo de condução do projeto Faixa Preta de Jesus como a disciplina empregada no Batalhão de Operações Especiais (BOPE)47, Ricardo reforça um estilo de masculinidade hegemônica e largamente difundida no meio. Aciona-se aqui o chamado mito do homem de ferro (GASTALDO, 1995) que mesmo depois do combate se encontra intacto. São muitos os autores que trabalham com a ideia da dor como sendo necessária para a construção dos símbolos de masculinidade. Isso é, a sua superação e a não demonstração da emoção é o que os forjam como guerreiros. Tal processo ocorre através da supressão dos traços tidos como civilizados e humanizados (ELIAS, 1993). Em julho de 2015, Ezequiel participou do campeonato Jungle Fight 7948 e venceu seu adversário por desqualificação. Assim como os outros, Ezequiel sonha com um contrato no UFC e um futuro glorioso como lutador de MMA.

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Para uma revisão histórica desses projetos, ver Da Matta (1982); Zaluar (1994); Zaluar & Gonçalves (2003); e Guedes (2008). O grupo de operações táticas da Policia Militar que ocupa o lugar de “elite” no imaginário policial. A corporação ganhou fama e forte repercussão internacional com o filme Tropa de Elite (2007), dirigido por José Padilha. A produção mostra o cotidiano dos PMs no enfrentamento ao tráficos de drogas nos morros e favelas da cidade do Rio de Janeiro e o treinamento pesado no qual seus integrantes são submetidos antes de serem admitidos na corporação. 47

48

A 79ª edição do Jungle Fight, realizada na noite 4/7/15 no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, contou com a presença de vários adolescentes e jovens do Faixa Preta de Jesus. Na noite também havia outro lutador evangélico: José “Zé Reborn” Alexandre, lutador da equipe Reborn Team – projeto social da Igreja Renascer em Cristo.

44

Figura 6: Jovens atendidos pelo Faixa Preta de Jesus exibindo seus cinturões. À direita, um dos jovens posa para a equipe de reportagem do Jornal Extra.

Mais uma história tramada com o projeto Faixa Preta de Jesus é a do jovem de 21 anos, morador de um bairro em Nova Iguaçu, que atende pelo nome de “Isaías”

49

.

Há cinco anos, Isaías diz ter trocado o uso de drogas e a circulação frequente pelas principais bocas de fumo do Rio de Janeiro, por aulas de MMA e jiu-jítsu no projeto de Ricardo. O jovem Isaías relata ter chegado ao projeto em uma época bastante conturbada de sua vida. Ele havia fugido de uma favela na zona norte do Rio, após roubar um traficante e sua boca de fumo50. Sem ter para onde ir ele retornou para a casa da família em Comendador Soares, onde se escondeu por um tempo da milícia. Na época tinha apenas16 anos, e hoje afirma que conheceu o projeto na hora certa. “Achei que não fossem me aceitar. Era todo errado. Acolheram-me e são hoje minha segunda família”, disse Isaías, que tatuou a frase ‘Faixa Preta de Jesus” no próprio peito.

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Nome fictício dado por mim. O nome Isaías "salvação do Senhor".

“Boca de fumo” é uma categoria nativa e refere-se ao local onde é realizada a comercialização e distribuição de drogas. 50

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Um dos últimos assuntos que acompanhei em campo com o Faixa Preta de Jesus foi o debate sobre a redução da maioridade penal. A proposta da PEC, que propõe alteração da maioridade civil de 18 para 16 anos, vem sendo calorosamente discutida em fórum, seminários e programas de TV ao longo dos últimos meses no Brasil. No dia 2 de julho, a proposta foi aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados. O texto encontra-se a caminho do Senado Federal para análise e votação. A decisão não agradou às instituições que realizam atividades com adolescentes e jovens, entre elas o projeto Faixa Preta de Jesus. Ricardo fala abertamente sobre sua posição contrária a proposta dos parlamentares. “É fácil empurrar com a barriga, como os deputados querem fazer, mas não é solução. Imagine se os integrantes do projeto fossem todos presos? Não teríamos campeões!”, disse Ricardo durante entrevista ao jornal O Dia51.

Enxergado por Ricardo com um “verdadeiro desperdício de futuros lutadores talentosos da nação brasileira”, a Proposta de Emenda Constitucional da redução da maioridade penal caminha a passos largos para em vigor. Se aprovada, a determinação abre fogo cruzado e direto a documentos históricos e tratados internacionais que concedem direitos a adolescentes e jovens, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e o Estatuto da Juventude (2013). Por essa razão tem se construído uma agenda política dos movimentos sociais com a organização de caravanas e manifestações em Brasília e por todas as capitais do país. Dos dez deputados federais que compõem a bancada de políticos eleitos pela Baixada Fluminense, seis votaram a favor da PEC de redução da maioridade penal. Três foram contra a medida e um não participou da votação realizada no dia 30 de junho de

51

Disponível http://odia.ig.com.br/odiabaixada/2015-07-11/instituicoes-da-baixada-fluminense-tiramjovens-do-risco-social.html

46

201552. Abaixo, a lista de deputados a partir do recorte proposto e o município que representa.

Felipe Bornier (PSD) – Nova Iguaçu Rosangela Gomes (PRB) – Nova Iguaçu Dr. João (PR) – São João de Meriti Simão Sessim (PP) – Nilópolis Marcelo Matos (PDT) – São João de Meriti Walney Rocha (PTB) – Nova Iguaçu ________________________________________________________________ Votaram contra: Washington Reis (PMDB) – Duque de Caxias Celso Pansera (PMDB) – Duque de Caxias Áureo (PSD) – Duque de Caxias ________________________________________________________________ Não votou: Alexandre Valle (PRP) – Itaguaí Votaram a favor:

Na lista de deputados acima, um dos nomes que mais chama atenção é o de Felipe Bornier, filho do atual prefeito de Nova Iguaçu53. Felipe Bornier é atualmente um dos deputados federais mais jovens do país, tendo sido reeleito pela terceira vez consecutiva como deputado do Partido Social Democrático (PSD) nas eleições de 2014. Em seu site oficial, o deputado define-se como sendo um parlamentar que “aposta toda sua sensibilidade nas questões sociais” estando envolvido com agendas sobre a defesa dos direitos das pessoas com deficiência; programas de preservação do meio ambiente; agendas de proteção e defesa dos animais; política de desburocratização do processo de transplante de órgãos; e valorização dos profissionais da educação54.

52

Lista completa de deputados federais que votaram a favor e contra a proposta. O jornal Folha de São Paulo disponibilizou um aplicativo onde é possível filtrar a lista por estados, partidos e voto. Disponível emhttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1650599-veja-o-voto-de-cada-deputado-emaprovacao-da-maioridade-penal.shtml 53

O deputado pertence a uma família de grande influência na cidade de Nova Iguaçu, que desde a década de oitenta ocupa um grande espaço no cenário político da Baixada Fluminense. 54

Em estudo realizado por Vital e Leite Lopes (2012), sobre a atuação de parlamentares evangélicos em pautas progressistas envolvendo aborto e direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTs) no Brasil, Felipe Bornier e Nelson Bornier são citados como pertencentes à “Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto” – formada majoritariamente por deputados religiosos.

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Mesmo possuindo inserção na Câmara dos Deputados através de agendas amplas e pastas específicas, o deputado Felipe Bornier declarou voto a favor da PEC de redução da maioridade penal. O mais curioso, para além da “consciência” de ser filho do prefeito da cidade, é que Felipe Bornier conheceu de perto (durante o corpo a corpo de campanha das eleições de 2010) o trabalho desenvolvido por Ricardo Cavalcante junto aos jovens do Faixa Preta de Jesus. Abaixo, um trecho extraído de seu blog virtual onde o deputado relata suas impressões sobre o projeto.

“Semana passada estive em um projeto que me deixou de queixo caído. O projeto chama-se Faixa Preta de Jesus. Incrível o trabalho desenvolvido pelo querido Faixa Preta. São centenas de jovens e adolescentes que antes estavam às margens da sociedade sendo inclusas via Esporte. Lá estes jovens praticam artes marciais monitoradas por dois homens que trazem Jesus em seus corações, logo teremos campeões saindo deste projeto pela seriedade que observei o treinamento”, publicou Felipe Bornier em seu blog pessoal, em 201055.

1.4 O despertar dos sentidos no campo Desde minha primeira ida ao campo ficava clara a distinção fortemente marcada entre dois espaços do CT: o tatame e a arquibancada. O tatame é destinado aos nativos, aos jovens lutadores do projeto, aos mestres e aqueles que dominam a técnica bom combate. Em contramão a isso, a arquibancada é definida como o lugar do estrangeiro, dos familiares (pais, irmãos, namoradas etc), dos antropólogos e de todos aqueles considerados ainda leigos no assunto. Atrevo-me a dizer que a dicotomia tatame/arquibancada

reflete

uma

distinção

impressa

sobre

os

gêneros

masculino/feminino. Afirmo isso com base na fraca participação de meninas nas sessões de treino observadas por mim56. Assim, a arquibancada também pode ser compreendida 55

Ver http://www.felipebornier.com/images/fv.html

56

De fato não há um número considerável de meninas treinando o esporte durante as aulas que acompanhei. No dia 8/10/14, por exemplo, havia 54 meninos x 3 meninas. Já no dia 15/10/14 a mudança foi pouco significativa, sendo 48 meninos x 4 meninas. Sobre o papel do feminino na arquibancada, chama atenção a presença de Simone Cavalcanti, esposa de Ricardo. Simone fica na arquibancada

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como o lugar do feminino e seus efeitos podem reforçar a criação de outros espaços de subalternidade em relação à dominação masculina (BOURDIEU, 2003). Foi também na arquibancada que conheci Vinícius, 16 anos, estudante. Vinícius chegou acompanhado de um amigo e sentou-se bem ao meu lado. Inquieto em vê-lo compartilhar do mesmo espaço e condição que eu, iniciei uma conversa:

Eu: Você não luta? Não vai treinar com a galera? Vinícius: Ainda não. Acontece que eu ainda vou começar. Hoje é o meu segundo dia. Minha única tarefa é observar. Eu: Ah, é? Como assim, observar? Vinícius: Ah, eu tenho que ficar de olho como as coisas funcionam, sabe? Como se comportar, ver como são os golpes, quem é o cara mais forte e tal (...)

Foi através dessa fala de Vinícius que passei a perceber o centro de treinamento do projeto Faixa Preta de Jesus como um campo de sensibilidades. O universo dos esportes de luta corporal já foi objeto de estudo das ciências sociais, tendo como principal referência o estudo de Wacquant (2002) que, ao apresentar uma análise sociológica sobre o ethos de boxeador, articula importantes níveis de discussão ao demonstrar que a aquisição da aprendizagem do boxe passa pelas sensações corporais. Em A Rua e o Ringue, Wacquant articula três níveis de discussão. Seu objetivo é demonstrar a aquisição da aprendizagem do boxe pelas sensações corporais produzidas pela sua prática. Para os especialistas sobre esportes de combate é através da visão que o lutador analisa as técnicas de seu adversário, esquadrinhando seus movimentos por meio da memorização dos golpes do rival. Desse modo, o exercício da visão seria o primeiro contato do lutador como seu adversário, antes mesmo deste estabelecer qualquer forma de contato físico. O exercício da visão apurada defendido por Ricardo proporciona ao lutador se preparar para receber da forma menos nociva o impacto do golpe ou agir antes de ser surpreendido por seu inimigo em combate. assistindo ao treino enquanto conversa com pais e responsáveis dos alunos. Com o avançar das horas, Simone se desloca para a cozinha do CT para preparar o lanche dos alunos. Ela raramente está sozinha nessa tarefa, sendo geralmente assessorada por outras duas mulheres.

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A partir de uma leitura religiosa sobre o “olhar” mencionado por Vinícius, esta seria uma simples visão carnal. Mas, para tornar-se um bom cristão (ou um bom lutador cristão) é preciso exercitar a visão espiritual. A visão espiritual é definida como sendo capacidade de encontrar uma solução para problemas que não conseguiríamos resolvêlos se fizéssemos uso apenas dos recursos humanos da razão. A visão espiritual é a capacidade humana de “enxergam o que Deus quer que vejamos”: “Não temas, respondeu Eliseu; os que estão conosco são mais numerosos do que os que estão com eles. Orou Eliseu e disse: Senhor, abri-lhe os olhos, para que veja. O Senhor abriu os olhos do servo, e este viu o monte cheio de cavalos e carros de fogo ao redor de Eliseu” (II Reis 6,16-17).

Segundo a Bíblia Sagrada, as pessoas que veem o mundo através dos olhos espirituais teriam a sensibilidade mais aguçada que os demais. Elas conseguiriam perceber com maior transparência as oportunidades do presente e visualizar com clareza as tendências para o futuro. A visão espiritual seria, por fim, resultado de uma profunda intimidade com Deus e ingrediente essencial para alcançar o sucesso e a vitória. A segunda experiência sensorial que vale ser analisada aqui é a audição. O som, assim com a visão, é um elemento chave para se pensar as particularidades desse campo. Durante o combate, este é a única forma de comunicação entre o lutador e seu mestre. Utilizando a voz, o treinador orienta o atleta no processo de escolha sobre qual golpe utilizar durante o combate. Mais uma vez, a partir da cosmologia cristã, podemos analisar esse “escutar” como um habitus de estar com os ouvidos atentos para escutar a voz de Deus e seguir seus ensinamentos. Ainda no campo da audição, vale ressaltar que a música também ocupa lugar de destaque na rotina dos alunos do projeto Faixa Preta de Jesus. Antes de iniciar o treino, Ricardo convoca todos os alunos presentes a sentarem a frente do púlpito. Dali, Ricardo inicia uma conversa sobre força, vitória e salvação em Cristo. Logo Ricardo convoca todos os alunos ao momento de oração57. A orientação 57

Há sempre uma trilha sonora para esses momentos. Geralmente, um hino sobre redenção e perdão a Deus. Por varias vezes, por exemplo, foi colocada a canção “Pai, eu não confio em mim”, de Thalles

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direta é “colocarem joelho no chão e cara no pó” como sinal de humildade e sinceridade diante de Deus. Essa ritual tem a duração de aproximadamente 15 minutos e é feita por todos do tatame, sem exceção. Findado o momento, todos estão liberados para iniciar o treinamento. Os alunos são divididos me diferentes grupos, obedecendo a critérios de faixa etária. É possível observar claramente a distribuição desses corpos em quatro grupos: as crianças (de 6 à 12 anos, com treino coletivo), os adolescentes (de 13 à 15 anos, com treino em dupla), os jovens (a partir dos 16 anos, com treino em dupla) e os semiprofissionais (jovens e adultos, com treino em dupla ou individual). Desde o início do treino até o fim das atividades escuta-se o hino tema do projeto Faixa Preta de Jesus. Abaixo, a letra da música produzida pelo grupo de rap gospel, Juízes Hip-Hop58:

Guerreiro Faixa Preta de Jesus Eu sou Faixa Preta de Jesus/sou muralha forte/ sou ruim de derrubar Eu sou Faixa Preta de Jesus /minha meta é vencer ninguém vai me parar De cara no chão, na submissão/parece o fim da minha missão Mas ainda não porque sou guerreiro/quanto maior o desafio, mas certo que irei vencê-lo Pois há em mim uma determinação/Jesus Cristo me guia em qualquer direção E ao meu lado fazendo a oração/ tem mais de mil guerreiros nesta mesma missão É muita força /muita fé, muita luz/ porque pertenço ao instituto faixa Preta de Jesus Mestre Ricardo mostra qual o caminho/ e não se pisar descalço em um chão cheio de espinho. Muitas crianças vagam sem alegria/cercadas por um mundo cheio de covardia Então mostramos que cabeça vazia é um passo para as drogas e a pedofilia E lhe mostramos que é preciso estudar/ sendo bom aluno pode participar Vai aprender jiu-jítsu,/ganhar um monte de irmãos/ e estará no caminho para ser um campeão. Roberto. O hino diz: Pai, o mundo me fez mais um convite/A proposta é boa e a minha carne quer/ Eu preciso tanto segurar sua mão/Segura em minha mão também/Pai eu não confio em mim/ 58

O grupo se auto-define como sendo pregadores do evangelho de Jesus Cristo através do Rap. São conhecidos pelo estilo ousado, letras polêmicas e afirmam "não faço rap para toca na rádio. Faço rap para tocar nas feridas, afim de que haja cura. Através desse trabalho estamos tirando jovens das drogas, do crime e do tráfico"

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É muito mais do que fé ou que religião/ vai aprender que só Jesus é quem nos da salvação. Vais e tornar forte assim como Sansão /nunca se abatendo independente da pressão. Vai entender como Davi uma lição que mesmo pequenino pode por um gigante no chão Que a fé dentro de nós pode abrir o mar e mesmo que caído nos fazer levantar É só querer para poder /é só tentar e ninguém nesse mundo pode te parar Minotauro e Minotouro já chegaram lá/ Josué Distak tá aqui pra lhe motivar Rogério Camões fez sua graduação/então que venham os inimigos que eles perderão Aqui o jiu-jítsu é Arroz com feijão e Jesus cristo é o nosso filé mignon Alimenta o corpo /alimenta a mente /seja um guerreiro pode vir somar com a gente Team Nogueira x gim muita paz e luz /complementam a família Faixa Preta de Jesus. (Letra: Alan MKD – Juízes Hip Hop)

É importante salientar poder que a música tem de proporcionar imersões em estados de êxtase e possessão em grande parte das religiões. Através de ritmos, cânticos e louvores a música administra seus efeitos sobre a produção de estados alterados de consciência. O antropólogo José Guilherme Magnani (2007), em sua etnografia sobre festas de surdos na periferia de São Paulo, nos chama atenção para os desafios de realizar um estudo antropológico onde são as mãos (através do uso das LIBRAS59 como meio de comunicação) que produzem sentido, significados transmissão de mensagens ao mundo. Embora surdos não possam escutar, estes consomem produções musicais através das vibrações que irradiam dos alto-falantes e das caixas de som estrategicamente posicionadas no chão do pátio60. Ao pensar os diferentes papéis sociais atribuídos as mãos dentro desse campo aproximam-se ao terceiro sentido presente na discussão: o tato. Talvez este seja o sentido mais facilmente identificável ao assistir uma luta de MMA. Entre os lutadores

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A língua brasileira de sinais (Libras) é a língua de sinais utilizada pela maioria dos surdos dos centros urbanos do país. A língua é reconhecida por lei como segunda língua oficial no Brasil. 60

Não conseguirei desenvolver esse caso aqui, mas no Faixa Preta de Jesus há uma adolescente com deficiência que durante muito tempo me chamou atenção. Sua deficiência foi diagnosticada com sendo uma estenose crânio-facial, limitação que ocorre no processo de formação do crânio. Essa é a mesma síndrome que a filha do empresário Roberto Justus e da modelo Ticiane Pinheiro, Rafaella Justus, apresentou ao nascer. http://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/contigo/roberto-justus-sobre-a-filhacacula-rafaella-ela-teve-estenose-cranio-facial

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são trocados socos, pontapés, chaves de braço e muitas outras táticas de agarramento intensivo. Ao olfato denota-se o quarto sentido do grupo. Este corresponde ao odor que estes corpos exalam em combate ao produzirem um suor excessivo. O cheiro produzido pela transpiração exagerada é responsável impregnar um cheiro forte e característico nos corpos dos lutadores, sendo muita das vezes desconfortável para aqueles que estão próximos. Durante exercícios de treinamento que observei no CT do Faixa Preta de Jesus pude presenciar uma cena bastante curiosa. No caso, um menino que se recusava a continuar duelando com seu adversário, pois este cheirava mal61. O quinto sentido atuante é o paladar. Tal centralidade do tema é ratificada na expressão “o jiu-jítsu aqui nosso é feijão com arroz, a Palavra que é o filé mignon” utilizada constantemente em forma de mantra por Ricardo Cavalcante. A alimentação, do ponto de vista material, é uma preocupação constante entre atletas e lutadores de MMA. Estes precisam monitorar seu peso62 semanalmente e selecionar o tipo de alimento que consomem. Tal dieta deve ser levada a risca, caso deseje continuar no meio. O cuidado com aquilo que “entra” na boca também deve ser tomado com tudo àquilo que dela “sai”. Uma das regras de condicionalidade básica para permanência do jovem no projeto Faixa Preta de Jesus é não falar palavrão. Tampouco é permitido aos jovens proferirem “palavras de maldição” ou ofender verbalmente uns aos outros. Na bíblia, a língua é citada como “membro indomável” do corpo humano e ela pode ser utilizada como canal de propagação de “bênção e maldição”63.

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Na verdade, todo o cheiro estava contido no kimôno do adolescente – úmido de tanto suor.

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O peso é marcador social importante dentro dos esportes de combate. Os lutadores são divididos em grupos e por categorias. São elas: Peso Mosca (até 56 kg), Peso Galo (até 61kg), Peso Pena (até 65)kg, Peso Leve (até 70 kg), Peso Meio-Médio(até 77 kg), Peso Médio (até 83 kg) , Peso Meio-Pesado (até 92kg) e Peso Pesado (até 120,2kg). “A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno. Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana; Mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim”. Tiago 3:6-10 63

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Ao demarcar a presença e o uso dos cinco sentidos humanos, busco criar um cenário ideal para a revelação de algo que não está presente no corpo e sim na mente. Assim, sugiro a existência de um chamado “sexto sentido” no campo.64 Tomo o termo “sexto sentido” como empréstimo do desenho animado japonês Cavaleiros do Zodíaco, série muito famosa no Brasil e disseminada mundialmente nos anos 90. A história se passa no Japão moderno e acompanha a trajetória de cinco jovens guerreiros místicos chamados de "cavaleiros" que lutam vestindo armaduras sagradas baseadas nas constelações astrais. Os Cavaleiros têm como missão defender a reencarnação da deusa grega Atena e juntos batalharem contra as forças do mal que tentam dominar a Terra.65 No decorrer da história, um dos cavaleiros de Atena (Ikki, de Fênix) se vê em perigo diante de seu inimigo (Shaka, de Virgem) que lhe aplica um poderoso golpe, causando a perda imediata de seus cinco sentidos. Estando cego, surdo, mudo e completamente imobilizado, sua única forma de comunicação é através da mente. Ikki faz uma prece à deusa Atena, que atende seu chamado e lhe concede força extra para derrotar o inimigo. Atordoado e sem compreender a recuperação do cavaleiro de Fênix, Shaka lhe pergunta de onde retirou força para reverter o cenário de batalha. Ikki responde que foi sua fé na deusa a responsável pela sua vitória em batalha, sendo esse ingrediente um diferencial dos cavaleiros de Atena para os demais. O dispositivo do “sexto sentido” é acionado sempre em batalha, estando este relacionado à força de crença que os guerreiros depositam na deusa Atena.66.

A parapsicologia define o “sexto sentido” como percepção extrassensorial, sendo esta a capacidade para perceber fenômenos e objetos independentemente de seus órgãos sensoriais. O termo foi cunhado por Joseph Banks Rhine, 1934. As manifestações extrassensoriais mais conhecidas são a telepatia, a clarividência, a premonição e a mediunidade. 64

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No Brasil, a série foi exibida originalmente pela extinta Rede Manchete (1994-1997), reprisada pelo Cartoon Network (2003-2005) e mais recentemente pela Band (2010-2012). Embora não esteja atualmente no ar, a animação continua sendo sucesso entre o público infanto-juvenil de hoje. Estão são responsáveis por movimentar um mercado no entorno da marca e consumir produtos como camisas, bonecos articulados, DVDs, livros e mangás da série. 66

Ver episódio nº 58 completo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KwP8DEOozZQ

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Figura 7: Os cavaleiros de bronze sob proteção da deusa-guardiã Atena, ao fundo. Em seguida, cena do momento em que o cavaleiro Ikki de fênix desperta seu 6º sentido em batalha.

Penso que a analogia apresentada no desenho animado possa ser aplicada ao caso do projeto Faixa Preta de Jesus a partir de tal chave de leitura espiritual. O “sexto sentido” proposto é algo concedido através do nível de intimidade espiritual estabelecido entre os lutadores e seus deuses. Em “Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” (2005), o antropólogo inglês E.Evans-Pritchard analisa a função social atribuída à presença da bruxaria na sociedade Zande. Ao explicarem os fenômenos sociais que lhes causam infortúnio através da agência desta no mundo, os Azandes explicam “condições particulares, em uma cadeia causal, que ligavam um indivíduo a acontecimentos naturais de tal forma que ele sofresse danos” (EVANS PRITCHARD, 2005:59-60). Para Evans Pritchard, os Azandes, que não ignoram as causalidades físicas ou naturais ao acreditarem que a bruxaria é uma forma de explicar os dramas sociais, depositam nesse fenômeno religioso forte função social dentro do sistema de pensamento do grupo. Diferentemente dos infortúnios acometidos sobre os Azandes, os jovens do projeto Faixa Preta de Jesus não estão expostos aos mesmos riscos descritos por EvansPritchard em sua obra clássica - de ter seu celeiro destruído ou ser devorado por um animal feroz. No entanto, o medo da derrota no octógono ou fracasso na vida profissional de lutador é uma realidade que os assombra. A justificativa dada para aqueles que sofrem tais males é religiosa, assim como no caso Azande. Por exemplo, ao 55

ser derrotado em um campeonato de luta o jovem lutador evangélico poderia ser perguntar: “Será que Deus me abandonou?”. Lembro-me de uma situação ocorrida com o jovem Isaías, que se indagava sobre o motivo que o teria levado a ser derrotado por seu adversário no torneiro que havia acabado de disputar. Após a competição, realizada em uma praia na Barra da Tijuca, o grupo de alunos retornou para Nova Iguaçu em um ônibus cedido pela Prefeitura da cidade. Perguntei para Ricardo se haveria espaço disponível para mim no ônibus, pois gostaria de acompanhar o grupo até o fim da atividade – mesmo sabendo que o clima seria de tristeza pela derrota de Isaías. Em um determinando momento, presenciei um diálogo curioso entre Ricardo e o jovem. Isaías pede desculpas por ter decepcionado o grupo em combate, mas recebe uma repreensão quase que automática por Ricardo, pois não era a ele que deveria pedir perdão e sim a Deus. Ricardo pergunta “Você tem ido à igreja? Tem frequentado os cultos?”, indagando Isaías sobre seu compromisso com as obrigações religiosas. Estes seriam indicadores de qualidade para mensurar o nível que empenho que jovem lutador tem investido na sua profissão de fé. Isaías balança a cabeça pra cima e pra baixo, em sinal de afirmação. Em seguida Ricardo recomenda ao jovem que ore e desenvolva intimidade espiritual com Deus, para que este o conceda forças para resistir às tentações do mundo e obtenha vitórias na vida profissional. Ao buscarem na religião as respostas para suas ruínas e impasses diante da complexidade da vida, os jovens do projeto Faixa Preta de Jesus atribuem a Deus a causalidade e responsabilidade por tais atos.

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CAPÍTULO 2 TRAJETÓRIAS, CONVERSÕES E CONTROVÉRSIAS

2.1 Minotauro, o empreendedor Um dos motivos que me fez optar por realizar o trabalho de campo dessa pesquisa no projeto Faixa Preta de Jesus foi a sua capacidade de articular diferentes atores sociais em torno do esporte. Ricardo consegue reunir, em um mesmo espaço, líderes evangélicos, lutadores famosos do MMA, celebridades da TV, empresários da região, representantes políticos (deputados, prefeito e senadores) e gestores de políticas públicas municipais e estaduais. Conseguir dar ordenança e sentido a toda essa “mistura” (MACHADO, 2013a) de agenciadores e objetos do campo me rendeu muito trabalho. Entretanto, um personagem ocupa papel de destaque dentro dessa rede de apoiadores tecida por Ricardo. Trata-se de sua proximidade e afinidade com o excampeão peso-pesado de MMA Rodrigo Minotauro. Sendo um dos lutadores mais famosos da curta história do UFC, Minotauro me foi apresentado por Ricardo na condição de padrinho do projeto Faixa Preta de Jesus. Rodrigo Nogueira, mais conhecido como Minotauro, tem 39 anos e nasceu em Vitória da Conquista, Bahia. Minotauro sempre competiu na categoria peso-pesado de MMA, sendo um dos maiores representantes do esporte no Brasil. Foi campeão interino dos pesos pesados do UFC, campeão do World Extreme Fighting (WEF) em 1999, campeão do Rings: King of Kings em 2000, e ex-campeão peso pesado do campeonato PRIDE67.

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O PRIDE Fighting Championships foi um evento internacional de MMA organizado pela empresa japonesa Dream Stage Entertainment. Seus eventos eram realizados no Japão, sendo considerados os maiores e mais populares eventos de MMA do mundo. O evento contava com os melhores lutadores de todo o mundo, com grande participação de lutadores brasileiros. Em 2007 o Pride foi comprado pelo UFC.

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Aos 11 anos de idade, Minotauro sofreu um grave acidente. Enquanto brincava em uma festa de aniversário, Rodrigo foi atropelado por um caminhão que trabalhava nas obras de uma casa vizinha. Minotauro pulou em um amontoado de areia e se afundou, não conseguindo levantar-se. O caminhão passou por cima do monte e esmagou a criança, que foi encaminhada rapidamente ao hospital. Durante o procedimento cirúrgico, constatou-se que Minotauro havia quebrado várias costelas e alguns órgãos internos haviam sido perfurados, dentre eles o fígado, os pulmões e os rins. Suas pernas também ficaram severamente comprometidas, de modo que o prognóstico médico não era positivo no que diz respeito à recuperação de Minotauro. No entanto, cinco meses após o ocorrido, Rodrigo recebeu alta do hospital e, por indicação dos médicos, começou a treinar judô de forma intensa a fim de melhorar o condicionamento físico prejudicado com o atropelamento. Do episódio, Minotauro herdou uma cicatriz na forma de um buraco em suas costas, que o acompanha até hoje e que se tornou uma forma simples de diferenciá-lo do seu irmão gêmeo, Antônio Rogério Nogueira, o "Minotouro", também lutador de MMA. Além de um atleta de grande sucesso no UFC, Minotauro se tornou ao longo dos anos um ótimo empresário. Juntamente com seu irmão, ele é sócio-fundador de uma rede de academias de artes marciais que leva seu sobrenome: a Team Nogueira. No total, já mais de 100 unidades espalhadas pelo Brasil, Estados Unidos, Austrália e Suíça. A grande expansão das academias da Team Nogueira se deu em 2012, devido à inauguração da modalidade de franquia68. Hoje, a Team Nogueira possui o título de ser uma das maiores redes de academias de artes marciais do mundo, devido à aposta na inovação que proporciona no mercado ao trazer o método de treinamento de atletas profissionais para pessoas comuns. Além disso, a academia desenvolve programas especiais como o TN Kids, aulas direcionadas para crianças que querem aprender valores como “disciplina, bom 68

Segundo informações publicadas no site da Team Nogueira, os valores de investimento e retorno financeiro sobre as academias estão divididas em três modelos: Studio – com investimento inicial de R$180mil e retorno R$50mil ao mês; Gym com investimento inicial de R$1milhão e retorno R$150mil ao mês; e Flag - com investimento inicial de R$1.8milhão e retorno R$220mil ao mês.

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comportamento e respeito”.69 Outro programa criado pela Team Nogueira é o Ladies Camp, com prática de exercícios específicos para mulheres que desejam aprender MMA, técnicas de defesa pessoal ou que não se sentem à vontade em academias comuns70. Aproveitando o espaço de circulação de pessoas e objetos em sua rede de academias, Minotauro oferece em todas as unidades Team Nogueira um serviço de compras chamado TN Store. Trata-se de uma loja que vende produtos oficiais da rede, bem como outros produtos com marcas de propriedade do lutador. São eles os suplementos esportivos MIDWAY; a linha de kimonos e camisetas esportivas KVRA; a linha de relógios masculinos E.W.C; e o conjunto de luvas e equipamentos de proteção bucal SUTTI Sports. Outra frente empresarial recentemente explorada por Minotauro e seus sócios é o promissor mercado de conteúdos via streaming media players. Lançada no final de 2014, a Team Nogueira TV oferece para seus assinantes conteúdos e programas exclusivos, 24 horas no ar, com transmissões ao vivo via web. Através da plataforma o assinante tem acesso a entrevistas com Minotauro, Minotouro e demais lutadores de MMA da atualidade; programas sobre saúde, alimentação e bem estar; e documentários sobre o dia a dia dos astros do esporte71. Uma pesquisa encomendada pela empresa, utilizando com base o perfil dos assinantes do serviço até o momento, detectou que estes são formados em sua maioria por homens (85%) com idade entre 18 e 43 anos, pertencentes às classes econômicas A, B e C. Em uma frase, a Team Nogueira TV

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Em setembro de 2013 a Team Nogueira abriu uma filial em Nova Iguaçu. Essa é a primeira (e única até o momento) academia da rede na Baixada Fluminense. Alguns jovens do projeto Faixa Preta de Jesus possuem bolsa de desconto no valor da mensalidade da academia. Segundo informação verificada por telefone em 12/7/2015, fui informado que o valor atual da matricula/mensalidade na unidade é de R$219. Ver mais em http://www.teamnogueira.com.br/ 70

Nos últimos três anos tem aumentado o contingente de mulheres lutadoras de MMA no Brasil. Minha hipótese é a de que isso se deve principalmente a visibilidade midiática que a lutadora profissional Ronda Rousey tem obtido na nos últimos meses. Em 2013, o UFC começou a organizar combates entre mulheres e Ronda foi uma das primeiras contratadas pela organização. Desde então, Ronda está invicta e detém o cinturão da categoria. 71

O primeiro mês de assinatura do serviço é oferecido gratuitamente. A partir do segundo mês é cobrada um taxa de mensalidade no valor de R$14,90 com pagamento via cartão de crédito. O dispositivo funciona de forma similar a outras plataformas de transmissão de conteúdos via streaming, como o popular Netflix.

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define seus clientes como “Jovens das classes abc, fanáticos por tudo que envolve o universo do MMA”.72 A aproximação entre Ricardo Cavalcante e o lutador Minotauro se deu no ano de 2011 quando os dois foram apresentados por um amigo em comum. Desde então, Minotauro é presença confirma em grande parte dos eventos que Ricardo organiza no CT do Faixa Preta de Jesus ou solicita sua participação. Durante a pesquisa de campo que realizei no projeto social de Ricardo, tive a oportunidade de encontrar com Minotauro algumas vezes durante sessões de treino dos alunos em Nova Iguaçu. Em grande parte das visitas de Minotauro ao CT que testemunhei, ele nunca estava sozinho. O atleta, sempre que possível, é responsável por articular e acompanhar as visitas feitas por empresários do ramo esportivo, donos de academias da rede Team Nogueira e artistas de TV interessados em conhecer projetos sociais como forma de filantropia. Tal atitude, de forma óbvia, serve de isca e atrativo para coberturas de mídia e visibilidade em matérias de jornais – para contentamento de Ricardo. Embora Minotauro se defina como sendo “uma pessoa com muita garra, determinação e fé em Deus”73, o lutador não se declara como evangélico. Entretanto, Minotauro faz questão de participar dos momentos de oração ritualizados entre os adolescentes e jovens atendidos pelo Faixa Preta de Jesus antes de cada treino. A união entre o MMAe a religião e enxergada pelo lutador como sendo um diferencial do projeto no “mercado” dos projetos que utilizam o esporte como ferramenta pedagógica e social. “É o uso da arte marcial com cunho educacional, ajudando a retirar das ruas crianças drogadas ou envolvidas com outros crimes. Aqui, neste ambiente de fé, paz e amor, eles vislumbram um novo horizonte de luz e prosperidade”, disse Minotauro

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Informação retirada do site da Team Nogueira TV. Ver http://www.teamnogueira.tv/Publicidade

Ver matéria “Com 'fé' na bagagem, Minotauro viaja para ajudar Spider em preparação final”. Disponível em http://www.lancenet.com.br/minuto/bagagem-Minotauro-ajudar-Spiderpreparacao_0_1050495009.html#ixzz3jTopJiVc 73

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em entrevista concedida a assessoria comunicação da Prefeitura de Nova Iguaçu74.

de

Figura 8: Rodrigo Minotauro, padrinho do projeto, envolvido pelo momento de oração junto aos jovens do Faixa Preta de Jesus

A parceria de Minotauro junto a Ricardo no projeto Faixa Preta de Jesus encontra-se oficializada através do financiamento que o lutador aplica na iniciativa por meio do Instituto Irmãos Nogueira. Criado em 2008, o Instituto Irmãos Nogueira é uma ONG criada e mantida pelos irmãos Minotauro e Minotouro. A ideia de criar a ONG partiu de Minotauro, durante uma viagem que fez para Cuba em 2004. A primeira incidência social do Instituto foi o atendimento de 50 crianças moradoras do Terreirão, favela localizada próxima a principal academia da Team Nogueira, no Recreio dos Bandeirantes (RJ). Em diversas entrevistas concedidas na mídia, Minotauro revela que realizar atividades de cunho social é seu maior prazer como atleta. O Instituto Irmãos Nogueira firmou em 2011 uma parceria com a Secretaria Estadual de Esporte e Lazer do Governo 74

Disponível em http://www.guiademiguelcouto.com.br/artigo/campeoes-da-ufc-levam-atletas-do-faixapreta-de-jesus-ao-delirio

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do Estado do Rio de Janeiro para expandir o projeto para favelas da cidade com a presença de UPPs. Além do Governo do Estado, o Instituto conta com apoio do Instituto TIM e da Lei de incentivo ao esporte. O programa de fomento a projetos de artes marciais em favelas foi batizado pelo Instituto Irmãos Nogueira com o nome “Formando Campeões”. "Mais que atletas, queremos formar cidadãos com a filosofia da arte marcial que prega respeito, disciplina, hierarquia e treinamento. Se de mil crianças, 50 virarem atletas, 100 se tornarem professores de lutas e 800 incorporarem os valores do esporte, olha quantas vidas serão mudadas".

O Instituto Irmãos Nogueira é responsável pela organização de campeonatos e eventos esportivos entre os pólos de projetos sociais que fomenta. Um modelo de evento que pude ter contato mais próximo foi o Circuito Team Nogueira Beach realizado em novembro do ano passado. O evento de MMA reuniu alunos e professores das academias da Team Nogueira, lutadores profissionais e alunos dos projetos vinculados ao Instituto - dentre eles o Faixa Preta de Jesus.

2.2 Circuito Team Nogueira Beach O evento nasceu a partir do próprio lutador Rodrigo Minotauro, que teve a ideia de fazer um mega evento esportivo de MMA na praia. O local escolhido foi a Praia do Pepê, especificamente o Posto 2 da Barra da Tijuca. A escolha do local se deu devido à existência do Kite Point, um bar/quiosque franqueado pela Team Nogueira localizado na orla da praia. A intenção dos organizadores era construir um campeonato amistoso de luta marcial voltado completamente para a causa social, bandeira que Minotauro gosta de levantar e sempre destaca durante seus discursos e entrevistas. Muitos daqueles que acordaram cedo e foram para o evento tiveram a oportunidades e fazer um aulão funcional grátis e aberto para o publico, além da chance de tirar uma foto com os lutadores do UFC Minotauro, Minotouro e Anderson Silva. 62

Cheguei ao ponto de encontro bem cedo, por voltas das 8:30 da manhã. Ao caminhar até o quiosque da Team Nogueira avistei os primeiros sinais da estrutura montada em uma parte significativa da faixa de areia. Para o evento foi instaladas quatro tenda: duas redondas e pequenas, e outras duas de formato retangular e grandes. As duas tendas menores abrigavam os tatames onde crianças e adolescentes dos projetos sociais se enfrentavam. Essa atividade ocorreu até inicio da tarde, sendo supervisionada por professores da Team Nogueira. Enquanto isso, as duas tendas maiores foram utilizadas para funções diferentes. Uma delas foi aproveitada para cobrir o octógono e a arquibancada montada para os duelos entre lutadores amadores, pois havia muitos equipamentos eletrônicos (mesa de som, câmeras, iluminação) e o risco eminente de chuva no fim da tarde. A segunda tenda, localizada mais ao fundo do complexo, desempenhou a função de stage staff para guardar os pertences dos participantes e local de espera para pais e responsáveis que acompanhavam os seus filhos.

Figura 9: Uma das tendas montadas na areia da Praia do Pepê para o Circuito Team Nogueira Beach. Em seguida, momento de chegada dos adolescentes e jovens do Faixa Preta de Jesus ao evento.

Os adolescentes e jovens do Faixa Preta de Jesus competiram contra alunos de academias de outros projetos sociais apoiados pelo Instituto Irmãos Nogueira e atletas que frequentam as academias da Team Nogueira. Cerca de 40 levaram medalha de ouro estavam em jogo durante os torneiros de luta do Circuito Team Nogueira Beach de MMA. 63

Com toda certeza, a oportunidade de estar presente durante o Circuito Team Nogueira Beach revelou-se para mim como uma chance de enxergar as conexões existentes entre os diferentes projetos sociais apoiados pelo Instituto Irmãos Nogueira. Ao todo foram identificados oito projetos sociais participantes dessa edição, todos tendo a oportunidade de conquistar medalhas em torneiros de jiu-jítsu infantil e juvenil. Foram eles: o projeto Escola Zico 10, do Cezarão/Santa Cruz; o projeto TranformAção, do Jacarezinho; o projeto UPP Criança (das unidades Providência, Batan, Complexo do Alemão e Vidigal) e o Faixa Preta de Jesus. O projeto UPP Criança, de longe, foi a iniciativa que mais me chamou atenção e fez saltar aos olhos uma série de questões até o momento subterrâneas ao campo. Fruto de um megaevento em comemoração ao Dia das Crianças realizado em 2012, o UPP Criança é uma marca criada pela Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), em parceria com as Secretarias de Estado de Segurança Pública, de Cultura, de Esportes e Lazer75. Responsável por mobilizar mais de quatro mil crianças moradoras de favelas “pacificadas”, o projeto reúne sob a marca todas as atividades culturais e esportivas desenvolvidas por policiais em favelas com UPP. Atualmente, segundo a CPP, 193 comunidades dos 30 territórios de UPP são beneficiadas por projetos sociais geridos por policiais militares. Participaram do Circuito Team Nogueira Beach o total de 65 crianças e adolescentes moradoras do conjunto de favelas da Providência, Batan, Jacarezinho, Complexo do Alemão e Vidigal.76 Desse modo, coloca-se aqui o desafio de se pensar sobre o processo de “pacificação” de favelas tomando a polícia como ator fundamental e estratégico para se pensar esses territórios. A construção da chamada “gestão de paz”, feita por policiais militares lotados em batalhões de UPPs, submete os moradores desses conjuntos de 75

O evento contou também com o apoio da ONG Rio Solidário e da Firjan. O estádio de atletismo Célio de Barros foi o palco da festa, que contou com shows de funk, pagode e a participação da Orquestra Infanto-juvenil das Comunidades Pacificadas, sob regência da maestrina Fiorella Solares, com repertório de clássicos. 76

Depoimento de Minotauro sobre a importância da parceria firmada com os comandos das UPPs para a realização do Circuito Team Nogueira Beach. Durante o evento, identifiquei uma presença moderada de PMs ao longo da orla. Ver: https://youtu.be/MWmGvc2nwXU?list=LLYkulwGcuhhn-Ji9b-m20QQ

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favelas a uma nova dinâmica de ordenamento da vida no espaço público através de ações

pedagógicas

destes

sobre

a

população

jovem

favelada

em

especial (CARVALHO,2014)77. Recentemente, em agosto de 2015, Minotauro esteve na favela da Mangueira para inaugurar um novo espaço de lutas gerido por policiais. Em parceria com a Team Nogueira e com o Instituto Irmãos Nogueira, o comandante da UPP Mangueira inaugurou uma nova sala do projeto de lutas “Formando Campeões”78. Este já é o segundo polo do projeto, tendo sido o primeiro instalado na quadra da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Por lá o projeto já existe há um ano e meio e atende cerca de 70 alunos. Com essa nova aquisição, a proposta dos policiais da UPP é expandir o número de crianças atendidas. “O Team Nogueira tem hoje cinco núcleos de projetos sociais e estamos abrindo dois novos na Mangueira, sendo um deles em parceria com o pessoal da UPP. A UPP, a LBV e a Prime Esportes fazem excelentes trabalhos sociais no Rio Janeiro, que mudam a vida desta garotada. Acredito que a educação, o esporte e a religião são os pilares que podem estruturar a vida destas crianças”, disse o lutador durante entrevista.

Figura 10: Minotauro durante a inauguração da academia de MMA na UPP Providência. O projeto social é coordenado por policiais militares e recebe financiamento do Instituto Irmãos Nogueira. 77

Falarei mais sobre esse assunto um pouco mais adiante.

78

A Soldado Julie, da UPP Jacarezinho, reforça a importância da existência de projetos dessa natureza para crianças e adolescentes moradores de favelas. Vestindo um kimôno de cor rosa, a PM defende a ideia de que o policial é a pessoal ideal para tal tarefa. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=2iy-1B-GHyQ

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2.3 Vitor, o mensageiro Quando dei início às primeiras buscas por notícias sobre o MMA e religião para estruturar esse projeto de pesquisa, identifiquei rapidamente que algumas frentes evangélicas não identificam tal entretenimento como sendo saudável ao cristão (LINS, 2014). Classificadas por muitos como simplesmente “violência gratuita”, alguns atletas do MMA foram alvos de críticas severas ao manifestarem sua fé durante seus combates. São muitas as matérias publicadas na mídia onde pastores e líderes religiosos emitem declarações condenado o esporte, associando a luta a puro entretenimento midiático secular. Sem deixar totalmente de lado a experiência proporcionada pelo projeto Faixa Preta de Jesus e todos os elementos que esta iniciativa abriga em seu interior, proponho aqui a busca por elementos religiosos impressos no MMA praticado fora do projeto. Isto é, penso que seja valido citar episódios e experiência religiosa vivenciada por lutadores profissional que ajudam apensar o lugar dos traços e símbolos religiosos dentro do esporte. Podemos citar como exemplo o caso do lutador brasileiro Wanderlei Silva, considerado por muitos como um dos maiores nomes do MMA mundial, que certa vez revelou em entrevista que sempre se ajoelha e faz uma oração antes de subir no octógono79. Dono de uma tatuagem no ombro com a frase “Deus é Fiel”, Wanderlei causou surpresa ao confessar ser evangélico. Outro lutador que nos chama a atenção é Rodrigo Damm que sempre utilizou hinos evangélicos como fundo musical para subir ao ringue. Ao final do combate o lutador, que tem a palavra “missão” tatuada no lado esquerdo do peito, fez ainda uma oração de agradecimento: “Obrigado Senhor, obrigado Deus, meu nome é missão”. Em ambos dos casos apresentados acima, o corpo do lutador é utilizado como vitrine para exibição das marcas da religião. Tendo sua própria carne tatuada e embriagado pelo Espírito Santo, os lutadores oferecem o próprio corpo como Ver vídeo depoimento “Entrevista com Wanderlei Silva - Um lado espiritual” disponível em https://www.youtube.com/watch?v=WN-EIF97PWc 79

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empréstimo ao carregarem as palavras e símbolos religiosos pelas trincheiras do mundo secular. São episódios como esses que revelam pistas de como religião e MMA se apresentam de forma entrelaçada, criando conexões com planos espirituais e convertendo lugares seculares em religiosos. Tal atitude também reverbera dentro do projeto Faixa Preta de Jesus de um modo bastante particular. A presença de tatuagens nos corpos dos alunos é um elemento muito presente entre estes que, de forma voluntaria, tatuam mensagens religiosas no corpo. As opções e formas são muitas. Vão desde versículos da Bíblia e ideogramas japoneses até o uso da logo marca ou o nome do projeto social. Acredito que uma das figuras de influência interna no grupo seja o próprio Ricardo, que possui os dois braços “fechados” com tatuagens de mensagem cristã sendo uma delas a frase “Faixa Preta de Jesus”. Para Luz e Sabino (2007), ao analisarem a lógica das tatuagens dos fisiculturistas e frequentadores assíduos das academias cariocas de musculação, são diversas as formas possíveis de tatuagens e seus usos ilimitados. As tatuagens são responsáveis por imprimem no corpo dos indivíduos seus maiores dilemas, tendo em muito dos casos o poder de definir gêneros dentro da estrutura social. Ao destacarem os aspectos identitários de tal lógica e sua relação com a questão da diferença e das hierarquias sociais construídas entre os gêneros, Luz e Sabino afirmam que as tatuagens funcionam como um tipo de sistema simbólico capaz de transmitir emoções e visões de mundo. “Eu tatuei na minha pele o que tenho na minha mente: a palavra Deus [...] tatuei porque acho que tenho que lembrar a todo instante dele, agradecer o que tenho, saúde p'ra correr atrás do que preciso, por isso tatuei no pulso [...] também p'ra todo mundo ver que me protejo, sei lá é meio mágico [...] também [...] poder superior que você carrega no seu corpo” disse Carol, 18 anos, Estudante (apud. Luz e Sabino, 2007)

Instrumento da estética e elementos das artes visuais tem sido constantemente adotado por diferentes pesquisadores das ciências sociais como dados cruciais para 67

definir hábitos e culturas juvenis. Cada vez mais a construção das identidades pessoais e/ou coletivas se utiliza da imagem como sinal diacrítico para definir um grupo ou tribo social. Os sinais diacríticos utilizados para distinguir um grupo de outro depende do outro grupo e de sua linguagem. Por exemplo, utilizar tatuagens de desenhos e símbolos próprios em oposição às demais tatuagens de outros lutadores (CARNEIRO DA CUNHA, 2009). Isso é percebido na tomada de decisão desses jovens por marcarem eternamente seus corpos com o símbolo do projeto. Bem como, a ousadia de utilizarem seus corpos como outdoor para divulgação do evangelho de Jesus e expressão de sua fé. No contexto do da prática do MMA, tatuagens, cicatrizes, fraturas, sangue e suor são elementos que pertencem ao mundo das lutas de combate. As marcas deixadas no corpo não são vistas como aspectos negativos, mas sim convertidas em verdadeiros estandartes simbólicos que demonstram e reforçam o gênero – como valentia, coragem e resistência.

Figura 11: Tatuagens feitas pelos alunos do projeto Faixa Pretas de Jesus e divulgadas na internet.

Entretanto, creio que ainda hoje o lutador de MMA que aciona o maior conjunto de referências religiosas seja outro. Estou me referindo à atuação de destaque que o 68

lutador brasileiro Vitor Belfort vem desempenhando nos ringues e fora dele nos últimos anos. Aos 38 anos de idade e colecionador de diversos títulos mundiais, Belfort assina um enredo de vida bastante interessante e superdotado de controvérsias. Diferente dos adolescentes e jovens do Faixa Preta de Jesus, Vitor não é fruto de projeto social. Nascido e criado na zona sul do Rio de Janeiro, Belfort frequentou durante sua adolescência uma das academias de jiu-jítsu mais prestigiada da cidade e teve como mestre Carlson Gracie80. Em 1996, aos 19 anos de idade, Belfort saiu do Brasil rumo aos Estados Unidos para competir e se aprimorar no estilo de luta. Em sua primeira participação em eventos de MMA, na época denominados vale-tudo, Vitor venceu o oponente Jon Hess por nocaute em um evento chamado SuperBrawl 2, no Havaí. Recentemente, Vitor revelou detalhes de como se sentiu na época e tudo o que passava pela sua mente: “Jon Hess era um cara com quem ninguém queria lutar. Naquela época, não tinha regra, era uma loucura. Ele tinha cegado um cara no UFC, porque valia tudo. Lembro que ele era muito grande (tinha 2 metros e pesava 111kg). Mas eu o agarrei, parecia um carrapato em cima do cavalo. Usei as cordas pra derrubá-lo, joelho na barriga, e metralhei os golpes. Aquela luta pode falar que foi Davi e Golias.” disse Vitor Belfort durante entrevista dada em 2015, ao programa Esporte Espetacular.

A partir dessa grande vitória, Vitor ganhou notoriedade internacional sendo convidado para estampar capas de revista e assinar linhas de produtos voltados para o mercado de atletas. Mesmo com toda essa visibilidade que passou a ter devido sua performance como lutador, o reconhecimento nacional só veio em cinco anos depois através de um programa de TV. Em 2002, Belfort foi escalado para participar da segunda edição do reality show brasileiro chamado Casa dos Artistas, exibido no mesmo ano pelo canal SBT. O programa consistia em confinar dentro de uma casa, 80

Carlson Gracie (1932-2006) defendeu por muitos anos o nome da Academia Gracie, dando continuidade à série de desafios que a família Gracie fazia contra praticantes de outras artes marciais. Esses desafios tinham como objetivo firmar o Jiu-Jítsu brasileiro como a mais efetiva forma de combate e autodefesa.

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24horas vigiada por câmeras, treze participantes considerados celebridades no Brasil. Entre as estrelas estão atores, cantores e músicos que buscam maior reconhecimento midiático entre o público geral81. Para Rocha (2009), em seu trabalho etnográfico sobre o modelo de reality show televisivo importado pelo Brasil, programas dessa natureza buscam oferecem ao teleespectador experiências baseadas no máximo de realidade assistida. No modelo Casa dos Artistas, as celebridades se transformam em pessoas comuns e aproximam-se do grande público expectador. Enquanto isso, outros realities shows (como o Big Brother Brasil, por exemplo) formado exclusivamente por participantes anônimos tendem a projetar estes como protagonistas para a fama (ROCHA, 2009). Durante o programa, Vitor começou um relacionamento amoroso com a modelo Joana Prado. Joana se tornou conhecida em todo o Brasil no final dos anos 90 quando interpretava um personagem sensual chamado Feiticeira82. A Feiticeira nasceu no Programa H, apresentado por Luciano Huck na Rede Bandeirante. Hoje, assim como Vitor, Joana Prado é evangélica e evita ao máximo falar sobre seu passado como sex symbol. Desde 2002, Vitor Belfort é casado com a modelo Joana Prado com que tem três filhos: Davi (10), Victória (7) e Kyara (6). Pode-se dizer que o ano de 2004 é considerado um do grande marco na história de vida de Vitor Belfort. No mês de janeiro do referido ano ocorreram dois episódios que transformaram radicalmente a carreira do lutador: a conquista do Cinturão Meio Pesado do UFC; e o desaparecimento de sua irmã, Priscila. Priscila desapareceu no dia 9 de janeiro de 2004, após sair do trabalho. A família nunca encontrou o corpo da jovem, entanto ouviu histórias de que ela havia sido sequestrada, estuprada por mais de vinte homens e assassinada em razão de uma suposta dívida de R$9mil83.

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Os participantes disputavam um prêmio principal no valor de R$300mil. A primeira temporada (2001) rendeu a maior audiência da história do SBT. 82

A personagem Feiticeira utilizava uma roupa de odalisca e um véu que cobria o rosto. Sua personagem era responsável por realizar fantasias sexuais de homens ao vivo, no palco do programa. Joana posou nua três vezes para a revista masculina Playboy, obtendo o recorde de distribuição da revista no país com mais de 1 milhão e meio de exemplares vendidos. 83

Essa versão é de Elaine Paiva, que em 2007 se entregou à Polícia alegando que estaria sendo ameaçada de morte. Ela confessou que fazia parte da quadrilha que sequestrou Priscila Belfort. Na ocasião, ela

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Vítor e Joana aproveitaram sua exposição na mídia para divulgar amplamente o caso e tentar conseguir pistas do paradeiro de Priscila. A família criou uma campanha que estampou camisetas com retratos de Priscila, sempre pedindo que as pessoas repassassem qualquer informação a respeito do paradeiro da jovem. A campanha fez a polícia receber milhares de telefonemas com denúncias, mas nenhuma produziu uma pista concreta que levasse a Priscila. Seu real paradeiro é desconhecido até hoje. Em meio a ataques de raiva e sentimentos de amargura, Vitor diz ter sido consumido por pensamentos de profunda vingança com quem tivera cometido tal ato contra a irmã. Buscando uma maneira de amenizar sua dor, Belfort diz ter começado a orar. Foi através da oração que ele diz ter ouvido a voz de Deus dizendo: “Filho, não importa como você olha, como você pensa sobre sua vida, sua irmã me pertencia.” Foi a partir desse momento que o lutador afirma ter percebido pela primeira vez a realidade de Deus em sua vida. Vitor, que desde 2005 declara-se abertamente como evangélico, relata que seu processo de conversão foi dado inicio somente após a sofrida perda de sua irmã. O assunto é fortemente abordado ao longo de toda sua biografia, intitulada Vitor Belfort: lições de garra, fé e sucesso: “Nem mesmo quando sofri uma lesão no pescoço aos 20 anos que ameaçou acabar com sua carreira, recorri a Deus. Mas foi a dor e a angústia de perder minha irmã que me levou a Cristo (...). Acho que há duas maneiras de se chegar a Deus, pelo amor ou pela dor. A minha foi através da dor” (BELFORT, 2012, p 161).

chegou a indicar um sítio em São Gonçalo onde os restos mortais da vítima teriam sido enterrados. Porém, nada foi encontrado. Ver “Priscila Belfort teria sido sequestrada por dívida de R$ 9 mil com traficantes” em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/priscila-belfort-teria-sido-sequestrada-pordivida-de-r-9-mil-com-traficantes-ala6w3lrnjefwb8agjpzh253i

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Figura 12: À esquerda, Belfort em 2004 ao ganhar o Cinturão Meio Pesado do UFC. À direta, fazendo pose durante evento da liga em 2014.

No final do ano de 2013, o lutador compartilhou em uma rede social um vídeo da campanha I Am Second que traz seu testemunho de vida e conversão religiosa. O movimento virtual I Am Second foi fundado pela entidade estadunidense E3 Partners Ministry que busca conectar soluções aos que procuram respostas sobre as questões da vida, através da uso de vídeos depoimentos reais de pessoas que encontraram respostas em Jesus Cristo. Pessoas que compartilham suas histórias através de vídeos falam abertamente sobre suas várias lutas, que vão desde o abuso de substâncias ao egoísmo, e como hoje encontram uma vida plena em Jesus Cristo.84 Em suas narrativas de vida, os bandidos pregadores deixam escapar os descompassos e sobressaltos de trajetórias biográficas profundamente agonísticas. Marcados com a experiência da violência criminal nas cidades, continuamente reposta em suas motivações banais e radicalizada em suas estratégias empresariais, esses

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Dentre as celebridades que são apresentadas nos vídeos estão atletas, astros do rock, políticos estadunidenses, e modelos internacionais. Alguns exemplos são: o ex-membro da banda de rock metálico Korn, Brian “Head” Welch, o jogador liga de futebol americano NFL, Bradie James, o ex-governador do Arkansas Mike Huckabee, e o jogador brasileiro de futebol Kaká.

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sujeitos pobres, desesperados e criminosos vislumbram como alternativa – agônica também – a conversão às denominações do movimento pentecostal. Em seu testemunho Vitor declara que não foi dor física, mas sim um trauma emocional que o ajudou a encontrar Deus: “Se você perdeu o seu marido, você é uma viúva, se você perdeu seu pai, você é um órfão, mas se você perdeu seu filho, eles não têm um nome para isso. Isso é tão doloroso que eles não têm um nome para isso”, disse Belfort durante trecho do testemunho para a campanha I Am Second.

No vídeo85, Belfort afirma “Eu posso ver agora que através dessa tribulação, eu sou um novo homem. Sou um homem forte. Amadurecido. Eu não sou perfeito. Eu ainda luto contra muitas coisas, mas é um processo. Eu estou no meio do processo e a cada dia eu tento provar a mim mesmo que eu posso lutar por esse processo, que nunca termina.”. Assim como outros lutadores de MMA que são evangélicos, Belfort diz ser frequentemente questionado por jornalistas que não conseguem compreendem como ele pode participar de um esporte tão violento como o MMA e servir à Deus. A partir de tal justaposição, forma-se ao redor de Vitor Belfort um cenário de controvérsia religiosa (MONTERO,2012). Sua resposta aos jornalistas é sempre a de que futebol americano e hóquei também são esportes de contato tão violentos quanto o MMA. “Todo mundo é um lutador”, diz Vitor.

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Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=NzHDuZPhQTA

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Figura 13: Trecho do vídeo de testemunho de Vitor. Na cena, Belfort ora junto ao pastor.

Podemos dizer que a produção de vídeos de testemunho são peças importantes da construção do discurso religioso no mundo moderno. São inúmeros os exemplos de produções de vídeos de testemunho disponíveis em plataformas web gratuitas na internet. Uma parte considerável do material disponível trata-se de obras amadoras onde o fiel relata detalhes de seu passado e expõe os benefícios de sua nova vida em Cristo. Em “O bandido que virou pregador”, Mariana Côrtes (2007) toma como objeto analise o tenso processo de conversão religiosa de “bandidos” ao pentecostalismo, especialmente a experiência particular daqueles que se tornaram pregadores e utilizam suas histórias de vida como “testemunhos” do poder de Deus.

O “ex-bandidos”

apresentados por Cortês vivem do a partir do trabalho de narrar seus testemunhos em igrejas, congressos, cruzadas missionárias, emissoras de rádio e televisão, divulgando seu nome e sua história marcada pela presença do mal. Estes tentam, na medida do possível, vender CDs e DVDs onde se encontram resumidas as narrativas de conversão religiosa e profissão de fé em Jesus (CÔRTES, 2007). Diferente dos “ex-bandidos” apresentados por Cortês, Vitor não lucra financeiramente tão pouco vive da renda gerada por essas produções midiáticas. Sua intenção é utilizar sua fama e visibilidade como lutador de MMA e proclamar para o 74

mundo sua fé e convicção religiosa. Belford costuma sempre afirmar em entrevistas a soberania de Deus em sua vida e agradecê-lo em primeiro lugar após suas vitórias. Desde sua conversão religiosa, Vitor divulga sua experiência espiritual em todas as entrevistas que concede. Belfort, que há cinco anos mora em Las Vegas com sua família, é membro da Elevation Church, igreja com sede situada em Charlotte, na Carolina do Norte. A Elevation Church é considerada uma das igrejas que mais crescem atualmente nos Estados Unidos 86. Seu fundador, o Pastor Steven Furtick se refere à denominação religiosa como “uma igreja de cultura pop-friendly com uma mensagem cristã ortodoxa” 87. A Elevation Church se apresenta como uma igreja que se utiliza intensamente dos canais de comunicação de massa (televisão, internet, redes sociais, youtube) para divulgar seus eventos, campanhas publicitárias e sermões religiosos. Seus cultos são transmitidos simultaneamente em grandes televisores espalhados pelo templo e ao vivo através de seu site, onde também é possível acessar artigos produzidos pelos pastores e notícias relacionadas ao cenário cristão internacional. Em novembro de 2013 a Elevation Church produziu um curta motivacional chamado Vitor Belfort: The Values Enforce.88 Nele, Vitor é apresentado como uma espécie de “carrasco” dos fiéis que vão ao culto e não prestam atenção na mensagem. O curta é apresentado pelo pastor Larry Hubatka, que define a obra como uma iniciativa criativa para alertar os fiéis de que, não comungar pode ser pior do que perder compromissos externos ou não responder comentários nas redes sociais. O curta foi inspirado numa série de comerciais de uma empresa norte-americana, que mostrava um jogador de futebol americano contratado para ser fiscal de funcionários que não andavam na linha.

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Segundo a revista Outreach, em 5 de fevereiro de 2006 foi realizado seu primeiro culto e 121 pessoas compareceram. Desde então, a assiduidade da igreja cresceu para mais de 12.000 membros, atualmente distribuídos em sete templos diferentes. 87

Referência extraída do vídeo institucional da Elevation Chuch, disponível na pagina inicial do site da igreja. 88

Vídeo completo disponível em HTTP://vimeo.com/79346020. Na conta Vimeo da Elevation Church há outros 144 vídeos institucionais da igreja.

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O curta apresenta diversas pessoas sentadas e assistindo um sermão do pastor, dando foco em alguns fiéis distraídos que não param de mexer no celular ou dormem durante o culto. Estes são surpreendidos, amarrados, vendados e retirados do templo por homens vestidos de preto. Sem entender nada o que está acontecendo, os rapazes gritam e tentam pedir ajudas dos demais presentes, mas todos parecem não perceber tal ato.89 Logo o cenário muda. Todos os sequestrados são colocados em um octógono com Vitor Belfort. Vitor os recepciona dizendo: “Bem vindos à casa do Vitor. Eu quebro ossos!”. Em seguida, surge flashback com cenas reais de combates de Belfort pelo UFC e Vitor começa a aplicar os mesmos golpes nos rapazes. Estes transmitem sentir muita dor enquanto Vitor simula técnicas de estrangulamento. Durante toda a seção, Belfort repete palavras de ordem dizendo: “Nada de telefone na igreja! Nada de dormir na igreja! Ok?” A cena final é Vitor abraçado com os três rapazes, todos machucados e ainda assustados. Belfort conclui que “hoje esses meninos aprenderam uma lição” e que o expectador deve ficar atendo, pois poderá ser o próximo a sofrer o mesmo tratamento.

Figura 14: Cena do filme Vitor Belfort: The Values Enforce. 89

Vale registrar que das três pessoas que retiradas todos são homens. Talvez tenhamos aqui uma relevante chave de compreensão dessa produção que, ao meu modo, está fortemente ancorado em questões de gênero e masculinidades.

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Creio que episódio de Vitor Belfort se confunde, em parte, com a estratégia do projeto Faixa Preta de Jesus à medida que a religião é utilizada como solução para a violência, ou o inverso, quando a violência também pode ser utilizada para fins religiosos (LINS, 2014). Podemos dizer que a atuação de Vitor dentro e fora do octógono permitiu não só a visibilidade da religião no esporte, mas incentivou outros lutadores a demonstrarem sua fé no UFC90. Um exemplo atual é o do lutador cubano Yoel Romero, atleta que vem colecionando vitorias por nocaute no UFC. Apelidado de “Soldado de Deus”, o atleta fala sobre sua fé abertamente e sempre faz questão de agradecer à Deus publicamente após cada vitória. Isso não é novidade no mundo do MMA, mas o que Romero fez após uma luta contra o brasileiro Lyoto Machida em junho de 2015 chamou atenção da mídia. Romero posou para fotos e deu entrevista com as palavras “João 3:1691” bordada em letras vermelhas numa faixa fixada em sua cabeça. Após a luta, Yoel publicou em sua rede social “Deus tem o controle absoluto de minha vida. Eu espero realizar meu sonho e me tornar um campeão”.92 Após sua exibição, o lutador tomou o microfone e declarou sua convicção religiosa e moral sobre os últimos acontecimentos nos Estados Unidos: “Escutem, pessoas! O que aconteceu com você, EUA? O que aconteceu com você? O que está acontecendo? Você esqueceu o melhor dos melhores do mundo, o nome de Jesus Cristo? O que aconteceu com você? Acorde, EUA! Volte a ele, volte! Vá para Jesus! Não se esqueçam de Jesus, povo!”, disse ele ainda no octógono fazendo referência indireta a decisão de aprovação do casamento gay nos EUA93.

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Não desconsidero totalmente a presença de outras religiões no UFC, mas não identifiquei nenhum episodio de profissão de fé em outra religião não cristã. O versículo bíblico diz: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. João 3:16. 91

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Para saber mais sobre a trajetória de Yoel Romero, ver http://www.ufc.com/news/historiahollywoodiana-de-Yoel-Romero?id= 93

Disponível em http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2015/06/romero-causa-polemica-comsuposto-discurso-contra-o-casamento-gay.html

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Contudo, ao atacar na questão da legalização do casamento gay, Romero gerou muita polêmica. O ato se deu justamente na semana em que muitas pessoas ao redor do mundo comemoravam a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que aprovou a garantia do direito ao casamento para casais homoafetivos. Aparentemente, a declaração rendeu algum tipo de pressão da organização do UFC. Na coletiva, Yael tentou se explicar ao dizer que é “um homem de Deus, e Deus é amor”.

Figura 15: O lutador cubano Yoel Romero após a vitória. Em destaque, a polêmica faixa de “João 3:16” na cabeça

Através do entrelaçamento das histórias de vida aqui apresentadas, tentei interligar pontos e conectar experiências religiosas que se manifestam dentro desse universo. Partindo da trajetória pessoal de Ricardo Cavalcante, Rodrigo Minotauro e Vitor Belfort é possível esquematizar praticas e discursos que apontam para um certo modelo de masculinidade evangélica, guerreira e lutadora que vem se forjando no MMA praticado e divulgado por estes. Utilizando seu poder de inserção na mídia, fama e reconhecimento esses atores vem adquirindo influencia ao mesmo tempo em que emitem mensagens de “salvação” cidadã de almas desacreditadas pela sociedade e pelo Estado.

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2.4 Limites do corpo: entre o permitido e o proibido A partir do momento que dei início a parte dessa pesquisa referente ao projeto social Faixa Preta de Jesus, desenvolvi a preocupação de catalogar todas as inserções do projeto na mídia. Para facilitar a tarefa, utilizei um sistema gratuito de alerta por mensagem criado pela empresa Google utilizando as palavras “Faixa Preta de Jesus” e “Ricardo Cavalcante”.94 No dia 28 de junho de 2015 foi publicada no Caderno Baixada do Jornal Extra uma matéria sobre o projeto e as historias de vida nele contidas. A jornalista (Marina Navarro) pergunta sobre o perfil dos jovens atendidos pelo Faixa Preta de Jesus e se o fato de ser um projeto vinculado a religião evangélica é um compreendia um fator agregador ou não. Em resposta, Ricardo diz: “Unimos a luta e a religião evangélica para tirar esses jovens do caminho ruim. Mas não obrigamos ninguém a seguir a nossa fé. Temos pessoas da umbanda, do candomblé e homossexuais aqui.”, disse Ricardo em entrevista ao jornal Extra.

A declaração de Ricardo me fez pensar sobre diferentes perspectivas que orbitam ao redor do projeto. Em um primeiro golpe de vista compreendi sua fala como sendo um ponto de atenção para necessidade de aplicar um discurso em prol da diversidade religiosa e contra a intolerância de manifestação de fé e crença, já que este alega também atender jovens de outras religiões não cristãs95. Por outro lado, sua afirmação sobre a existência de jovens homossexuais no projeto meu apontou interrogações no campo. Seria possível conceber a consistência de lutadores homossexuais em um esporte de tamanho conto físico? Haveria lugar para um jovem lutador gay se estabelecer em meio a um universo héteronormativo como o MMA? 94

Ver https://www.google.com.br/alerts

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Ao longo do período de tempo em que frequentei o projeto Faixa Preta de Jesus não detectei a presença de jovens que professassem fé em religiões de matriz africada, por exemplo. A grande maioria do grupo é composto por jovens evangélicos ligados a igrejas pentecostais da região, especialmente a Igreja Apascentar. Tão pouco detectei a presença de jovens que declarassem orientação homossexual.

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Sem duvida alguma, o caso do projeto Faixa Preta de Jesus vai diretamente ao encontro de um debate traçado no campo do gênero e da sexualidade. Para tal conversa, tornou-se indispensável uma reflexão acerca das questões de identidades e as influências sexuais caudas pelo meio social. As reflexões de autoras como Verena Stolcke, Judith Butler e Donna Haraway contribuem em larga escala para desenhar a base conceitual de gênero/sexualidade presente no campo aqui apresentado. Sabe-se que Stolke (1991) direciona seu trabalho para opor gênero como um fato natural e universal, colocando assim gênero como uma possível formulação cultural. Para a autora, as variáveis sexo/gênero seriam construções simbólicas e analíticas no pensamento de fatores biológicos. Enquanto a sexualidade e as identidades sexuais resultariam de uma “teia” influenciada por fatores sociais, culturais e psicológicos. Desse modo, sexo e gênero estariam unidos no campo, mas com propósitos e funções bem diferenciadas e papéis definidos. Em contraponto, Haraway (2004) defende a construção da temática gênero como um categoria personalizável e mutável em cada sociedade. Para a autora, o gênero tem como objetivo classificar e diferenciar o masculino do feminino, através de uma universalização de conceitos históricos e pré-definidos pela sociedade para hierarquizar e definir as próprias relações sociais. A fala de Ricardo me remeteu a um caso bastante interessante ocorrido em um reality show de MMA nos Estados Unidos em 2005, atualmente um dos principais produtos da marca UFC, chamado The Ultimate Fighter (TUF). No show, lutadores amadores de MMA competem entre si para ver quem será o campeão da edição. A cada episódio do programa são apresentados os bastidores das lutas, o treinamento dos lutadores e suas desavenças entre si. O “espetáculo”, como é chamado pela mídia, conta com a preparação de lutadores profissionais de MMA que exercem a função de coach à convite do UFC. Assim como outros realities show, o programa da grande ênfase às interações que os lutadores têm uns com os outros e as tensões de viver confinados sob o mesmo teto durante dois meses. O programa é supervisionado pelo presidente do UFC, Dana White, que atribuiu a popularidade e sucesso mundial das lutas do UFC ao reality. O 80

prêmio em jogo é um contrato com a organização e uma bolsa para treinar em uma das principais academias do UFC nos Estados Unidos, em Las Vegas. Além disso, dependendo do número de vitórias nos torneios oficiais, ao final o vencedor pode receber ainda um prêmio no valor de até U$300 mil. No Brasil, o programa foi traduzido para o português com o titulo “Em Busca de Campeões” e teve sua primeira edição em 2012, sendo transmitida pela Rede Globo nas noites de domingo. Seu episódio de estreia foi ao ar no dia 25 de março de 2012 e marcou 12 pontos de média na audiência, o que representou cerca de 25% dos televisores ligados naquele horário. Na edição brasileira do programa, os lutadores profissionais escolhidos para orientar os participantes do reality foram Vitor Belfort e Wanderlei Silva. Os dois estão entre os principais lutadores de MMA do mundo e são vencedores de cinturões e títulos mundiais do UFC. Entretanto, outro lutador chama atenção por possuir um detalhe que lhe faz único nesse meio. Dakota Cochrane, 26 anos, lutador de MMA que ficou mundialmente conhecido após participar da edição norte-americana do TUF 1596. O que diferencia Dakota dos demais participantes não é seu desempenho como lutador, mas as fronteiras da construção da masculinidade nesse campo. Dakota confessou que no passado trabalhou em produções pornográficas destinadas ao público gay há alguns anos. Muito incomodado com a repercussão do caso dentro do programa, o lutador preferiu quebrar o silêncio e falar abertamente sobre o assunto à imprensa americana. Em tom de lamento, Dakota afirmou que só optou por esse trabalho por falta de dinheiro e que jamais imaginaria que sua vida pudesse mudar de forma tão repentina negativamente. De acordo com o lutador, o trabalho na indústria pornô era um fardo:

"Definitivamente é uma decisão que eu me arrependo. Se eu soubesse o que aconteceria não teria feito o filme. Mas tinha problemas com dinheiro e precisava de ajuda. Fui para as filmagens e eles começaram a me oferecer cada vez mais dinheiro. Foi um grande erro", afirmou Cochrane, que recebeu cerca de U$80mil para estrelar dezesseis filmes pornôs pela produtora Sean Cody. 96

Para saber mais sobre o TUF 15, ver http://www.ufc.com/tuf15

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Dakota disse já teve de encarar preconceitos antes mesmo de ser selecionado para participar do TUF 15 ou este ir ao ar. Segundo seu empresário da época, muitos adversários já desistiram de encará-lo no octógono após ficarem sabendo do passado do atleta. Diante de uma oportunidade única de estar no maior reality show de MMA do mundo, ele pede respeito: “Tudo que peço é que as pessoas respeitem que estou superando algo assim. Estou tentando fazer o negativo se tornar positivo”.

A repercussão na mídia foi tamanha que o presidente o UFC foi obrigado a se pronunciar sobre o fato. Dana White deixou claro que não intervém na vida pessoal de seus atletas, desde que não esteja associando a imagem do UFC a algo negativo. Segundo ele, existir lutadores homossexuais em sua organização é perfeitamente “normal” e aceitável do ponto de vista institucional: "Se algum lutador do UFC é homossexual, o ideal é que saia do armário. Não me importo nenhum pouco se tem um lutador gay no UFC. Dá um tempo, né? Estamos em 2012", disse Dana White em entrevista ao site MMAJunkie.

A construção da “dominação masculina” (BORDIEU, 2005) requer a colocação de “dominante” e “dominado”; se pensarmos a luta ou confronto como “ritual” ou “performance” o que pensar quando ambos personagens estão na procura de se manter no local do dominante viril. Essa posição simbólica de submissão explica muito do entendimento simbólico da sexualidade nas academias de lutas, onde existe grande distinção entre hierarquias de modalidades de luta como: quem luta em pé (lutadores com um estilo de combate mais próximos do boxe ou boxe tailandês) e quem luta deitado (alguns lutadores preferem imobilizar o adversário com finalizações de solo, com no judô e no jiu-jítsu). Brincadeiras pejorativas são comumente direcionadas aos praticantes de judô e jiu-jítsu pelo excesso de contato físico nas lutas de solo, muitas vezes se ouve a frase 82

“Ficar se agarrando não é coisa de homem, não” ou que a “diferença de jiu-jítsu para cena pornô gay é o kimono”. Falas desse sentido indicam as fronteiras do corpo no esporte e os limites do contato físico em combate.

Figura 16: Tirinha compartilhada em redes sociais sob o título “UFC gay”. A ilustração apresenta uma posição e luta muito utilizada por lutadores de MMA para imobilizar seus adversários.

Para Victor Tuner (1974) o modelo básico da sociedade é o modelo de uma estrutura de posições e repartições de domínios e como qualquer sistema de classificação dá nascimento a anomalias, normalmente quando rompendo seus limites interiores e exteriores, nesse nosso caso o limite dos corpos entendidos como dominantes que se agarram e obrigam o igual a se colocar no local de submisso, nesse caso local “entendido como errado”. O caso de Dakota e sua declaração sobre seu passado como ator pornô gay extrapolam todos esses limites e leva a discussão a um campo bem mais complexo de debate. A simples possibilidade de uma homossexualidade não admitida pelo lutador gera desconforto dos demais lutadores, que não o veem mais como uma jocosidade, mas sim uma “fonte de perigo” (DOUGLAS, 1976). As margens das “brincadeiras” são alteradas de tal forma que não soam como estranho e/ou incomodo a possibilidade de que Dakota goste da posição de desconforto e submissão que os atletas são treinados a relutar, tal como demonstra a imagem acima. Tal disposição corporal é incômoda até os adeptos de lutas marciais de qualquer 83

academia “é o mal eminente” que normalmente surge entre brincadeira de colegas “será que Ele é, e gosta de ficar em baixo?”, é a concretização do “evento catastrófico” que gera toda uma insegurança do meio. Dispositivos dessa natureza são acionados a todo instante por aqueles que convivem nesse ambiente. O sociólogo José Carlos Rodrigues realiza um movimento teórico que dialoga com a obra de Douglas. Em o “Tabu do corpo”, o autor afirma que o principal propósito de nossos hábitos de higiene é fixar modelos para o comportamento dos grupos sociais. Isso é, existiria em nossos hábitos um impedimento de transgressão de regras sociais, que fere toda uma ordem simbólica. Assim, o autor afirma que todas “as coisas poluídas, as coisas poluígenas, as coisas nojentas, são coisas perigosas para a ordem intelectual. Portanto, as razões sociais não podem ser encontradas nelas mesmas, mas apenas no sistema social que expressam” (RODRIGUES, 2006). Em sua obra “Pureza e Perigo”, a antropóloga Mary Douglas afirma que “a impureza é essencialmente desordem” (p 14). Aproximando a ideia de ambiguidade da noção de impureza, ela assinala que estas não passam de fragmentos que desafiam o sistema classificatório, desestabilizam a ordem ao serem classificadas como “perigosas” gerando, assim, angústia social. Douglas assinala ainda a importância social atribuída à classificação do mundo, inscrevendo coisas e pessoas em categorias estanques e préconcebidas. Na visão da autora, o comportamento dos grupos sociais quando confrontados com algo poluidor ou impuro caminha sempre na direção discriminar e condenar aqueles elementos que possam perturbar a ordem social ou oferecer ameaça ao seu sistema classificatório. As classificações referem-se às representações e a valores sociais, ou seja, à forma como se entende a realidade. Estas possuem forte relação com as normas sociais. Por outro lado, conforme apresenta Douglas, é o próprio sistema classificatório que produz as margens ao mesmo tempo em que estimula a necessidade de criar formas combater essas diferenças. Disso resulta que o “impuro” e o “ambíguo” coexistem com a necessidade social de classificação e a retroalimentam. O puro só existe em relação com o impuro, e a homossexualidade só existiria em relação à heterossexualidade.

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Nesse caso, o corpo opera como um símbolo da sociedade, a ponto de possibilitar a transposição das barreiras materiais e simbólicas. O poder contido das margens e os perigos em violá-lo são ameaças constantes que o corpo pode vir a sofrer e remetem a uma ruptura com a estrutura social. Tudo aquilo que seja exterior ao corpo será automaticamente interpreto com “invasor” e liminar como, por exemplo, o ato da penetração em uma relação homossexual masculina. Nesses moldes apenas é permitido estampar no corpo aquilo que e natural e interior, como o sangue e o suor que se misturam durante as lutas. Ou seja, perder sangue e transpirar intensamente durante as batalhas é tido como normatividade entre os adeptos do esporte. Da mesma forma o trabalho do antropólogo sueco Don Kulick, sobre o cotidiano e as praticas sexuais de travestis em Salvador (BA), revela pistas para melhor compreender em que moldes essas categorias operam no campo dos estudos sobre homossexualidade no Brasil. No caso das travestis acompanhadas pelo autor, Kulick afirma que essas agem em uma coerência de gênero e de sexo na qual o critério determinante não é a genitália ou as diferenças biológicas entre homens ou mulheres, e sim as práticas que esses exercem. Na lógica travesti o que realmente importa é o papel que o pênis desempenha no intercurso sexual. O lócus da diferença de gênero ocorre através da penetração: se o individuo apenas comete o ato de penetrar, esse será categorizado como “homem”; se o mesmo se permite ser penetrado, logo será um “nãohomem” e poderá vir a ser classificado com “viado” ou “mulher” (KULICK, 2008). Certamente essa não é a única tese apresentada por estudiosos desse campo e por isso não deve ser aplicada de forma integral e universal97. São inúmeras as possibilidade de categorias que o campo permite criar e recriar, indo estas para além das dicotomias feminino/masculino, homo/hétero ou macho/fêmea.

2.5 Masculinidades e identidade nacional em cena O cenário não era o ideal, mas a imagem falava por si só. Em bar na Avenida Paulista (SP), centenas de pessoas que se reuniram para assistir mais uma das lutas do UFC. Nem a chuva forte que caia no momento da luta impediu que homens e mulheres

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Para uma leitura mais ampla sobre o tema, ver Silva (1993).

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saíssem de suas casas para presenciar Anderson Silva defender o cinturão da categoria peso meio-pesado contra o estadunidense Chael Sonnen. Em um primeiro momento eu esta ali para também acompanhar a luta, evento que havia sido amplamente divulgado e maciçamente comentado durante toda a semana pela internet e em programa de TV sobre esporte. Entretanto, no decorrer do intervalo, comecei a observar e questionar a intensidade daquela luta especificamente e o que causava tamanho envolvimento no público ali presente. Os expectadores ovacionaram quando Silva apareceu na tela da TV. Naquele momento Anderson não parecia ser apenas mais “um brasileiro”, mas sim “O brasileiro”. Na época, Anderson Silva era considerado o maior atleta de todos os tempos do UFC por lutadores, comentaristas do esporte, fãs e o próprio presidente da liga esportiva. Em muitas ocasiões Anderson ele foi comparado ao “rei do futebol” sendo chamado de “Pelé das lutas”, apelido que justifica o crescimento e investimento no esporte com o caráter de paixão nacional. O antropólogo Roberto Da Matta, afirma que "se o futebol é bom para ser visto, ele também serve para dramatizar e para colocar em foco os dilemas de uma sociedade". Neste sentido, Da Matta (1986) defende que a popularidade do futebol no Brasil seria justificada pelo seu uso como ferramenta de dramatização da vida social. O futebol permitiria que a sociedade empresasse uma série de problemas da nação (corrupção, desigualdade social, identidade nacional), alternando a percepção e a elaboração intelectual com emoções e sentimentos concretamente sentidos e vividos (DA MATTA, 1986) A sociedade está no jogo, e vice-versa. Assim como no futebol, o MMA praticado no Brasil está impregnado por um conjunto de temas que são básicos à sociedade brasileira, como a liberdade de poder escolher um time/lutador favorito ou um ídolo nacional. E durante um bom tempo Anderson Silva ocupou esse espaço no cenário internacional, até sua famigerada derrota para o lutador estadunidense Chris Weidman em 201398.

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Anderson Silva sofreu uma fratura na perna esquerda ao aplicar um chute em Chris Weidman, no segundo round. Silva foi ao chão na sequência e não pôde prosseguir o combate. Sentindo muita dor, ele deixou o octógono de maca, com a perna imobilizada e foi direto para o hospital. Ver

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Figura 17: Ilustrações gráficas feitas em homenagem às vitórias de Anderson Silva no UFC. Na primeira, Silva aparece representado como Cristo Redentor; na segunda, pôster do lutador como herói nacional.

A desconstrução do mito “Anderson Silva” é um processo que pode ser lido e interpretado por diferentes ângulos. Alguns afirmam que o lutador foi vitima de uma cilada feita pela alta cúpula de empresários do UFC, que estariam inseguros frente à monstruosa popularidade invicta de Silva. Já outros, discordam completamente da especulação e consideram puramente loucura. No entanto, circulam pelas redes sociais supostas declarações de Anderson Silva onde o lutador afirma ser superior à Deus ou qualquer outra força do universo99. A partir da obra “Mito e significado”, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1989) nos apresenta a ideia do mito de forma ampla e densa. No arcabouço do pensamento estruturalista de Lévi-Strauss, o mito é definido como sendo um sistema temporário que combina as propriedades da comunicação, do tempo e do espaço. http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2013/12/anderson-silva-sofre-fratura-exposta-em-chute-eweidman-mantem-o-titulo.html 99

Nunca foi confirmada tal fala do lutador. A expressão lembra o mito de que o engenheiro Thomas Andrews, construtor do Titanic, haveria dito a famosa frase “Not even God can sink the Titanic” [Nem Deus pode afundar o Titanic] após sentir orgulho do trabalho feito.

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Assim, o mito refere-se sempre a acontecimentos localizados no passado, no presente e no futuro – tudo ao mesmo tempo. Um dos maiores sentidos conferido ao poder do mito por Lévi-Straus é a sua concepção como invenção social anônima. Isso é, o mito não possui autor e tampouco pertence ao grupo social que o reforça. Sua essência é a transformação. Um mitante, achando repetí-lo, transforma-o (LÉVI-STRAUSS, 1989). Embora Anderson Silva tenha todo esse reconhecimento por seu desempenho no octógono, quase sempre o lutador é motivo de piada devido o tom afinado de sua voz e cuidados pessoais que tem com a pele. No ano de 2011, uma imagem muito interessante foi compartilhada por centenas de pessoas na rede social facebook. Trata-se de uma foto onde Anderson e Minotauro aparecem abraçados e se beijando, como em um ato de carinho e amizade. Acima da imagem, a mensagem: “homofóbico, vai lá e chama de veado...” Ou seja, os elementos que constituem a masculinidade à brasileira sofrem uma ressignificação e são utilizadas para combater práticas de natureza homofóbica e machista. Embora essa não tenha sido a intenção direta dos lutadores ao autorizarem a circulação da imagem, a fotografia serviu de bandeira afirmativa nas mãos de ativistas integrantes do movimento LGBT no Brasil. Sempre que perguntado, Anderson Silva comenta sobre os boatos que surgem por conta de sua grande vaidade. O lutador afirmou não se importar com o que as pessoas falam, ironizando tal questionamento em suas entrevistas: “Eles [os lutadores] me provocam. Às vezes as pessoas pensam que eu sou gay. Um monte de gente já me perguntou se eu sou gay. Eu respondo: “Olha, não que eu saiba. Mas eu ainda sou jovem, pode ser que no futuro eu vá descobrir que eu sou gay. Eu cuido bem das minhas coisas, eu coloco tudo em uma mala. Eu um creme após o treinamento. As pessoas pensam que é frescura. Cada um na sua. Não significa que você é mais homem ou menos homem, mais ou menos gay.” declarou Anderson Silva ao site MMA Space.100

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Disponível em http://www.mmaspace.net/anderson-silva-abre-o-jogo-sobre-homossexuais-no-mma93455/

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Figura 18: Na foto, Anderson Silva beija o também lutador Minotauro. A imagem viralizou nas redes sociais no ano de 2012, sendo muito utilizada para contrapor opiniões homofóbicas no MMA.

Outro episódio muito interessante ocorrido na mídia foi no ano de 2012, quando o também lutador brasileiro de MMA Demiam Maia concedeu uma entrevista ao programa da jornalista Marília Gabriela. O programa se chama de “De frente com Gabi” é transmitido pelo canal de TV SBT. Demiam falou sobre o inicio de sua carreira, memórias de sua infância pobre, a relação com a família e divulgou seu calendário de próximas lutas agendadas pelo UFC. Em um determinado ponto da conversa, a entrevistadora pergunta sobre seus hobes e ocupações em momentos de lazer. Demiam respondeu que apreciava estar em contato direto com a natureza e ter interesse por temas como paisagismo e decoração, atividades que gostaria de se dedicar com mais afinco. Após essa declaração, a jornalista expressa um leve sorriso e lança a seguinte indagação: “Sério? Que surpresa! (risos) Sabe quem você me lembra? Ferdinando, o touro! Você conhece esse desenho animado? Eu acho que não, né? É muito antigo...”.

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O tal Ferdinando, o touro é um desenho animado premiado dos estúdios Walt Disney que venceu o Oscar no ano que foi filmado, 1938101. Ferdinando é apresentado como um touro diferente dos demais. Enquanto os outros touros se esforçavam para ser o mais forte do bando, correndo e brigando pelos verdes pastos da fazenda, Ferdinando preferia sentar-se sossegado debaixo de sua árvore favorita e apreciar o cheiro das flores do campo. Durante o desenho animado ficam claras as investidas que Ferdinando sobre de seu dono (que o obriga a competir contra toureiros em arenas) e dos demais touros da boiada. Com base na metáfora apresentada através do desenho animado, podemos dizer que está sendo oferecido um determinado padrão de masculinidade natural. Isto é, o arquétipo construído do “homem ideal” como sendo aquele não entra em contradição com o ambiente no entorno (BOURDIEU, 2005). Assim como o touro Ferdinando, Demiam revelou ter preferências que não dialogam com o que se espera de um lutador de MMA. Marília Gabriela, ao estabelecer tal comparação, toma como base os papéis de gêneros considerados hegemônicos no mundo ocidental: o comportamento feminino sendo caracterizado por ser dócil, maternal, cooperativo, não agressivo e suscetível às necessidades e exigências alheias; e o comportamento masculino como sendo aquele relativamente oposto a essa caracterização. Assim, o gênero atua como uma forma de classificação dos indivíduos e marcadores sociais que definem suas posições dentro do grupo e na interação com seus membros.

Figura 19: Imagens do desenho animado Ferdinando, o touro em dois momentos.

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Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=B3qO8ZM7IkI

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São muitos os estudos da antropologia moderna que revelam a relatividade cultural da concepção de gênero. Precursora nos estudos clássicos sobre o tema, Margaret Mead nos apresenta resultados de grande contribuição ao estudar três sociedades na Nova Guiné. Em sua obra Sexo e Temperamento, Mead demonstra como se articulam determinismos biológicos aos papéis sociais de masculino e feminino nas diferentes sociedades. Desse modo, o exercício destes papéis sociais não estaria vinculado ao mesmo critério que desenvolvemos nas sociedades ocidentais, ou seja: a característica biológica como determinante direto da identidade sexual (MEAD, 1969). Ao longo do período de tempo em que frequentei o projeto Faixa Preta de Jesus não detectei a presença de jovens que compartilhasse abertamente sua orientação como sendo homossexual. Entretanto, imagino que este nunca venha a se revelar por completo no campo – uma vez que os grilhões e amarras da doutrina religiosa evangélica ainda são mais fortes no território.

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CAPÍTULO 3 PARA ALÉM DO RINGUE: TRAMAS URBANAS, MIDIÁTICAS E SEUS DISPOSITIVOS RELIGIOSOS

Logo que dei inicio a esta pesquisa sobre o projeto social Faixa Preta de Jesus, percebi o expressivo calendário de eventos que Ricardo Cavalcante é responsável por construir, divulgar e administrar entre pais e alunos participantes do projeto. Palestras, festivais de música gospel, grandes cultos ao ar livre, participação em campeonatos de luta e gravações de matérias para programas de TV são alguns exemplos dos mais diferentes tipos de espaços que os jovens do Faixa Preta de Jesus estão acostumados a frequentar no espaço público. Tive a oportunidade de participar de boa parte das atividades ocorridas ao longo do ano de 2014, quando dei inicio ao trabalho de campo para compor esta pesquisa. Embora a área de impacto do projeto seja a cidade de Nova Iguaçu, compreendida por Ricardo como “beneficiária direta”, o projeto também é acessado por jovens que vivem nos demais municípios adjacentes que compõem a região da Baixada Fluminense. Além da Baixada, Ricardo também inaugura muitas frentes de trabalho e fortalece redes de contato por toda a cidade do Rio de Janeiro102. A utilização dos veículos de mídia em massa, sejam eles seculares ou religiosos, é tomada por Ricardo como instrumento de visibilidade privilegiada e seu poder alcance utilizado como janela de oportunidade para publicidade positiva de seu projeto. Por exemplo, apenas no mês de outubro de 2014 presenciei a visita de duas equipes de redação de jornais (jornal O Fluminense; e Caderno Baixada, do jornal Extra), uma dupla de editores de uma revista da cidade de Nova Iguaçu (Grupo Por Perto), a visita de personalidades da TV Globo (a ex-assistente de palco do Domingão do Faustão, Carol Nakamura; e Eliéser, ex-participante do reality show Big Brother Brasil 13) e a gravação de uma reportagem para o programa Hoje em Dia, da TV Record. Todos esses, sem exceção, chegaram até o Faixa Preta de Jesus através de Minotauro. Inclusive, na semana anterior havia ido ao ar uma matéria com o lutador onde ele mencionava a existência do projeto social e sua participação na condição de padrinho. 102

Voltarei a esse ponto de reflexão um pouco mais a frente, ao discorrer sobre a participação dos jovens do projeto nos eventos da Team Nogueira.

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Sem dúvida o fato do Faixa Preta de Jesus ser um projeto social apadrinhado por um dos irmãos Nogueira faz como que esse espaço seja enxergado de outra forma, um forte poder de distinção dentre os demais. Ao realizar uma busca rápida no youtube é possível encontrar dezenas de vídeos sobre o projeto Faixa Preta de Jesus. São entrevistas com Ricardo, gravações de depoimento com os jovens, vídeos amadores publicados pelos próprios jovens durante os treinos e matérias para programas de TV – alguns inclusive com a presença de Minotauro. Toda essa cybercultura de produção de conteúdo midiático é feito por Ricardo de forma ritualística e avassaladora. Por exemplo, durante todas as inúmeras sessões de treino semanal dos alunos que participei foram raros os momentos em que Ricardo não estava filmando ou fotografando algo. Todo esse conteúdo é compartilhado quase que de maneira instantânea para o perfil do projeto nas redes sociais, neste caso a conta do Faixa Preta de Jesus no facebook e no instagram que Ricardo gerencia. Nessa plataforma são postados conteúdos sobre o projeto e compartilhado todo tipo de informação institucional. Por outro lado há mídias sobre o projeto que não passam pela supervisão de Ricardo, mas que não deixa de ser monitorada por este. Estou me referindo à produção de mídia feita pelos próprios jovens durante a vida cotidiana. E nessa modalidade cultural vale [quase] tudo: registros dos treinos, dos passeios, em casa, na escola e nos cultos da igreja. Sempre que um jovem realiza um post ou compartilha algo sobre o Faixa Preta de Jesus em seu perfil do facebook ou instagram, estes utilizam a hashtag #faixapretadejesus com a esperança de que a mensagem seja replicada por Ricardo na fanpage do projeto. Ao utilizar a hashtag é possível imergir em um universo de imagens quase que infinito produzido pelos adolescentes de jovens do Faixa Preta de Jesus. De todas as imagens que tive oportunidade de encontrara através da hashtag, as que mais me chamaram atenção foram àquelas produzidas dentro da igreja. Em geral são fotos no estilo selfie e geralmente possuem a preocupação de enquadrar algo importante em segundo plano – pessoas famosas, o púlpito da igreja, mensagens bíblicas e outros. Em momentos de conversa com Ricardo tive a oportunidade de escutar que ele utiliza esses registros como “um sinal para saber que o garoto está na linha. Se está indo para a escola, se está indo à igreja”. Assim, pode-se dizer que a 93

necessidade do registro está vinculada a obrigatoriedade de comprovar que se esteve naquele lugar. E mais, pode-se compreender que o facebook e o instagram é utilizado pelo coordenador do projeto como uma ferramenta metodológica de controle social e monitoramento de “boas práticas” dos jovens103. Por esse motivo fez-se necessário aprofundar o olhar sobre a dinâmica dos jovens não apenas durante as atividades do projeto, mas também seu comportamento na igreja e fora dela. A igreja escolhida para esse exercício etnográfico foi o Ministério Apascentar de Nova Iguaçu, por tratar-se da igreja parceira do projeto Faixa Preta de Jesus. Ricardo e sua esposa são membros do Ministério Apascentar, assim como grande parte dos jovens atendidos pelo projeto. Sem dúvida esse contato prévio foi um facilitador de entrada nesse campo. Meu interesse aqui é apresentar a Igreja Apascentar e como a ideia de juventude vem sendo trabalhada dentro da instituição; e, a partir de uma situação vivenciada por mim em um evento promovido pela igreja, pretendo explorar como os jovens da igreja transitam nos limites de moralidade impostos pela instituição e suas fronteiras doutrinárias.

3.1 Ministério Apascentar de Nova Iguaçu O início da Igreja Apascentar deu-se no ano de 1994 com apenas cinco pessoas, sendo elas o pastor Marcus Gregório e sua esposa, a pastora Christina Gregório e um casal com um filho. Os cultos aconteciam em um galpão localizado no Centro de Nova Iguaçu, cidade que desde o começo Deus já havia revelado ao pastor Marcus que seria ali onde ele cumpriria o seu “chamado”. A ideia de “chamado" é uma categoria muito utilizada no vocabulário evangélico. Ao se realizar uma busca pela palavra na Bíblia Sagrada o resultado encontrado é a sua utilização em 234 versículos, do velho e novo testamento104. Para os evangélicos o “chamado” vem de Deus e pode manifestar-se de diferentes formas e em distintos momentos, sendo o primeiro deles o “chamado de salvação”. Isso é, quando o individuo se arrepende de seus pecados e reconhecer a Deus 103

Embora o projeto tenha uma vinculação religiosa declarada, nem todos os jovens são evangélicos. Para Ricardo o fato de não pertencer a alguma igreja evangélica não é um impeditivo para participar. 104

Ver http://www.bibliaonline.net/

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como seu único e suficiente salvador. Para os pentecostais, é a partir desse primeiro movimento (do Homem) que o divino (Deus) começaria a operar. Os demais chamados seriam adquiridos ou, melhor, conquistados a partir da busca de um relacionamento íntimo com Deus. São citados na literatura cristã, por exemplo, como tipos de chamamentos divinos o “chamado para o louvor”, o “chamado para a cura”, chamado para a palavra” e o “chamado para o pastoreio”. Sobre o último, a Bíblia menciona quais seriam as características necessárias para tornar-se apto ao pastoreio105. Da mesma forma são muitas as canções que mencionam a palavra “chamado” em suas letras. Esses hinos, em sua maioria, se utilizam da palavra associada à ideia de promessa divina. A letra abaixo, extraída de uma canção da banda gospel 4x1, pode ser tomada como exemplo desse uso comum: “Eu tenho um chamado jamais vou me calar Eu tenho um chamado o evangelho anunciar Eu fui escolhido no ventre da minha mãe Eu sei que Deus não abre mão de mim não” Música: Um chamado (Banda 4x1)

Segundo o pastor Marcus, seu “chamado” para fundar a Igreja Apascentar teria nascido a partir de uma visão dada por Deus em sonho. Nesse sonho, segundo ele, Deus lhe mostrava um grande rebanho de ovelhas, distribuídas sobre longos e verdes pastos, e lhe dizia que ele seria o pastor responsável por conduzi-las em segurança. Durante alguns meses após esse sonho, pastor Marcus disse ter permanecido em jejum e oração até a profecia se cumprisse. Em suas palavras, “por ter permanecido firme na palavra de Deus e obediente aos seus ensinamentos, eu aceitei o ‘chamado de Deus’ e persisti na revelação que havia recebido”. Um ano depois, em 1995, estava sendo aberta a uma nova sede da igreja em um apartamento residencial que fora alugado com dízimos dos fiéis. Nesse período, pastor “Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar; Não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento; Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia; Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo. Convém também que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta, e no laço do diabo.” 1 Timóteo 3:2-7 105

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Marcus teria tido a ideia de realizar uma convocação para que todos os membros ficassem em oração durante os dias de carnaval. Na época foi criado pela direção da igreja um congresso como programação alternativa aos dias de carnaval. O congresso, que até hoje é feito com toda a igreja, já se desdobrou em diversas atividades para os diferentes grupos da igreja106. O pedido de atenção em decorrência dos dias e carnaval não é aleatório. Predomina ainda no Brasil uma forte tensão estabelecida entre os evangélicos e a representação do carnaval. A assim chamada “festa da carne” e seus símbolos são historicamente combatidos por grupos religiosos, que não comemoram os festejos pelas ruas da cidade como os foliões e repudiam as praticas destes. Os dias de festa do carnaval são compreendidos pelos evangélicos como um período de grande precaução e estrema necessidade de vigilância, por acreditarem que a ocasião potencializa a agência do diabo na Terra (BIRMAN, 1997). É contida na figura do diabo, tido como regente dessa festa, a responsabilidade por acometer aos indivíduos o vício e dependência química, a prática da prostituição e uma série de outros malefícios associados à noção de liberdade proporcionada pelo festejo. Nesse caso, atribui-se ao mal uma forte onipresença e sua atuação é justificada pelos males que perturbam a ordem social. São muitos os estudos produzidos sobre o carnaval no Brasil e sua relação conflituosa com o universo religioso no espaço público (AMARAL, 2000; CAVALCANTI, 2002). Para Da Matta (1997) o carnaval pode ser considerado uma “festa popular”, um grande festival de cunho universalista que dialoga com as massas a partir do uso de categorias abrangentes como vida, alegria e luxo. No entanto seu poder de agência não é autônomo, pois sua existência está fortemente atrelada ao calendário religioso judaico cristão que determina sua existência a partir da quaresma107. Dessa forma, para o autor, o carnaval assume na estrutura da vida social a função de evento “preparatório” para um ciclo de futuras penitencias e redenções de pecados.

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É muito comum entre as igrejas evangélicas a organização de retiros espirituais durante os dias de carnaval. Grande parte escolhe como local de reunião de seus membros lugares mais afastados dos centros urbanos, como sítios e casas de campo. 107

A Quadragésima, expressão latina típica na liturgia, denomina o período de quarenta dias de preparação para a Páscoa. Em diversas denominações cristãs, o Ciclo Pascal compreende três tempos: preparação, celebração e prolongamento. A Quaresma insere-se no período de preparação.

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Em 1997, a Igreja Apascentar adquiriu sua primeira inserção na grande mídia. Esse marco se deu ao comprar o horário das 23h30 na programação da Rádio 93 FM108. A princípio o espaço tinha como objetivo a difusão de pregações feitas ao vivo pelo pastor Marcus, embora seu desejo fosse de que se pudesse ampliar o horário do programa e também oferecer canções aos ouvintes. Seu espaço era muito limitado, sendo o tempo de duração do programa apenas 40 minutos. A partir dessa inquietação começou a se desenvolver o interesse em lançar um ministério de louvor assinado pela igreja, a exemplo experiências de sucesso que estavam ocorrendo pelo Brasil na época109. Cinco anos depois, o desejo do pastor se tronaria realidade como o lançamento do CD “Vestes de Louvor” (2001) do grupo então chamado Ministério de Louvor Toque no Altar. Suas músicas logo passaram a ser tocadas nas rádios, seus discos comercializados em lojas de artigos gospel e suas canções reproduzidas nas mais diferentes igrejas evangélicas da Baixada Fluminense. A expansão do número de membros da igreja se deu rapidamente e não parava de aumentar. Foi então necessário alugar um novo espaço para servir de sede. O local escolhido, dessa vez, foi um antigo salão de festa localizado próximo da antiga sede da igreja. Há 50 metros deste salão existia um terreno baldio na Av. Governador Portela. Já prevendo um novo movimento de expansão da igreja, pastor Marcus comprou o terreno e nele foi iniciada a obra de construção a nova sede da Igreja Apascentar com capacidade para 500 pessoas. No entanto, pouco tempo depois da construção da última sede, a direção da igreja reiniciou o processo de procura por um local grande o suficiente para acolher a um número ainda maior de membros. Foi quando ocorreu a negociação para compra do 108

A Rádio 93 FM é um dos principais veículos de radiodifusão de música gospel no Brasil. No mercado desde 1992, a rádio foi fundada por Arolde de Oliveira e pertence ao Grupo MK de Comunicação (Rádio 93FM, MK Music e Elnet). Arolde de Oliveira é Deputado Federal desde os anos 80, sendo um dos candidatos mais reeleitos pelo Rio de Janeiro. Ganhou notoriedade quando ocupou o cargo de Secretário Municipal de Transporte (SMTR) durante a gestão do ex-prefeito Cesar Maia (2001-2008). 109

Estou me referindo os grupos de louvor lançados por igrejas evangélicas naquela época. Ao emplacar canções de grande sucesso dentro das igrejas evangélicas, esses grupos acabaram alavancando um mercado fonográfico de música gospel independente no Brasil. Um exemplo de grupos que surgiram nesse período foi a Comunidade Evangélica da Zona Sul, a Igreja Renascer em Cristo (grupo batizado como Renascer Praise, idealizado pela Bispa Sonia Hernandes) e a Igreja Batista da Lagoinha (que passou a adotar o nome Ministério Diante do Trono). Para saber mais sobre produção de música gospel no Brasil, ver Sant’ana (2013) e Rosas (2013).

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imóvel localizado na Av. Getúlio de Moura 452, atual sede da igreja. A avenida é uma das principais vias de entrada na cidade de Nova Iguaçu, bem como rota privilegiada de diversas linhas de ônibus intermunicipais. Onde antigamente funcionava uma casa noturna de show passou a ser a “igreja da família” 110. Para sua inauguração, em 2001, foi organizada uma grande passeata pelas ruas do bairro onde os membros da igreja cantavam e soltavam fogos agradecendo a Deus pela conquista. A festa de inauguração durou uma semana e contou com a presença de diversos pastores, dentre eles Silas Malafaia que na época era membro da Igreja Assembleia de Deus da Penha111; e Jorge Linhares, pastor da Igreja Batista Getsêmani em Belo Horizonte. Atualmente, a sede da Igreja Apascentar de Nova Iguaçu possui capacidade física para reunir em seu templo sede cerca de três mil pessoas sentadas a cada reunião. Com 20 anos de existência a Igreja Apascentar foi responsável pela implantação de doze outras igrejas afiliadas na região metropolitana do Rio, além outras três nos municípios de Guarulhos (SP), Vila Velha (ES) e Boston (EUA). São inúmeras as características que distanciam a Igreja Apascentar das demais igrejas pentecostais tradicionalistas112. Gostaria de destacar aqui dois elementos que muito me chamaram a atenção durante as visitas que fiz à igreja. O primeiro ponto diz respeito à vestimenta de seus membros. Aos homens é reservado o uso, embora não exclusivo, de terno e gravata (especialmente para aqueles que ocupam cargo eclesiástico ou liderem de grupo), sendo mais comum o uso de calça comprida e camisa/camiseta tanto por jovens quanto adultos. Embora pareça não causar grande transtorno, a igreja concede aos membros o uso de bermuda e camiseta regata em seu dia a dia – embora eu

“A igreja da família” – esse é o slogan da Igreja Apascentar e está escrito na porta do templo sede. É de se chamar atenção a escolha da direção da igreja por adquirir um espaço antes destinado a shows e festas do ‘mundo’. “[…] mas onde abundou o pecado, superabunda a graça,” Romanos 5:20 110

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Em 2010, com a morte do pastor José Santos, Silas Malafaia assume seu lugar na direção da Assembleia de Deus da Penha que passou a se chamar Assembleia de Deus Vitoria em Cristo (ADVEC) em 2010. Atualmente a ADVEC possui 89 igrejas filiais distribuídas nos estados do Rio de janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Paraná e Pernambuco. Estou me referindo a aquelas igrejas evangélicas pertencentes ao movimento chamado “primeira onda pentecostal”, como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil. 112

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não tenha registrado a presença de jovens vestidos de tal forma em cultos da igreja. Já às mulheres é permitido o uso de quase todas as peças de um vestuário feminino (vestido, calça, camisa, blusa), tomando-se o cuidado devido com o nível de transparência do tecido e decote. Além disso, também é comum o uso de objetos de adorno (colares, pulseiras e brincos) e maquiagem pelo público feminino, adereços ainda proibidos em igrejas pentecostais tradicionais como a Assembleia de Deus. Outra permissividade dogmática que se distancia de algumas igrejas mais tradicionais é a tolerância quanto ao ato de tatuar o corpo. Não que a igreja permita ou estimule o uso de tatuagem, mas não há uma estigmatização da prática ou penalidade que se aplique sobre seus membros.113 O segundo ponto, e talvez o mais importante, que destaco aqui é a formação de lideranças e o fortalecimento de grupos de ação evangelista dentro da igreja. Essa é uma das grandes preocupações do pastor Marcus, já tendo revelado tal apreensão em diversas entrevistas na mídia. A maioria dos grupos existentes na igreja se utiliza do gênero e da idade dos participantes como marcador de distinção entre os seus membros, estratégia não muito diferente das demais igrejas evangélicas. O que há de inovador nesse modelo são as dezenas de projetos e redes geridas por lideranças do Ministério Apascentar. Ao fazer uma busca no website da igreja, identifiquei os seguintes grupos e coletivos religiosos: Rede Mulheres em alta, Rede de Homens valentes, Rede de adolescentes Geração Forte, Jovens Extraordinários, Rede de Casais, Ministério de intercessão, Apascentar Kids, Escola de Levitas Apascentar, Rede de formação de exsolteiros, Escola de servos e diversos cultos temáticos (culto do Hawaii, culto da beleza, culto da vitória etc)114.

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Ricardo, assim como diversos jovens do projeto FPJ, possui diversas tatuagens espalhadas pelo corpo. Inclusive, algumas são frases de versículos bíblicos ou símbolos religiosos tatuados no corpo após a conversão religiosa. 114

Ver http://www.apascentar.org/site/

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Figura 20: homepage da Igreja Apascentar de Nova Iguaçu. Em destaque, as logomarcas dos diferentes grupos e coletivos religiosos.

Obedecendo ao recorte metodológico da pesquisa, optei por acompanhar e monitorar apenas as atividades promovidas por dois grupos: os Jovens Extraordinários e a Rede de Adolescente Geração Forte. A escolha foi tomada com base no recorte etário que os grupos se propõem atender sendo, neste caso, adolescentes (12 a 17 anos) e jovens (18 a 29 anos)115. Realizei um breve levantamento dos principais eventos e atividades organizadas por esses dois grupos durante o ano de 2014, a fim de compreender semelhanças e distinções na abordagem dos coletivos116.

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Esse é exatamente o público algo do projeto Faixa Preta de Jesus. Inclusive, são muitos os jovens atendidos pelo projeto que participam das atividades para jovens que a Apascentar oferece. Creio que acompanhar as atividades dos dois grupos pode ajudar a compreender melhor o universo dos jovens que acompanho no FPJ. 116

Escolhi como intervalo de analise dos dois grupos todas as atividades realizadas no período entre 14 de junho de 2014 até 21 de fevereiro de 2015. A data inicial marca o Culto das Tribos, evento anual onde os jovens participantes são divididos em seis grupos batizados com os nomes das tribos de Israel: Judá, Zebulom, Rúben, Gade, Benjamim e Levi. Já a data final, marca a realização da Mim Careta 2015. Essa divisão em tribos se mantém até o momento e atravessa todas as iniciativas do grupo ao longo do ano.

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3.2 Rede de Adolescentes e Jovens Extraordinários A Rede de Adolescente Geração Forte promoveu oficinas de teatro, festas temáticas, cultos de louvor, palestras sobre namoro na adolescência, estudos bíblicos, games show’s (um quiz com perguntas e respostas sobre a bíblia), reunião com os pais e exibição de filmes bíblicos. Todas as atividades foram realizadas no templo da igreja, com a exceção das festas que são realizadas no estacionamento da igreja. Por se tratarem de adolescentes é recorrente a presença pais e responsáveis nas atividades do grupo. Ao acompanhar os eventos realizados pelo grupo fica evidente a preocupação que os organizadores possuem com a estética e o lugar que ela ocupa na igreja. A começar pelos convites (material gráfico) produzidos pelo grupo. A arte sempre utiliza cores vivas e expressões com gírias juvenis como forma de atrativo. Na verdade, essa é uma preocupação que atinge a igreja de uma maneira geral. Todos os grupos e coletivos (crianças, adolescentes, jovens, mulheres, homens) possuem uma logo marca personalizada e todos os seus eventos são divulgados e compartilhados em redes sociais. A própria estrutura física da Igreja demonstra intimidade com elementos do mundo moderno. Por exemplo, o uso de recurso áudio visuais durante o culto em um painel de LED de ultima geração; a transmissão online de todos os cultos dominicais e atividades especiais etc, elementos já dotados por diversas igrejas evangélicas ao redor do mundo. Vale lembrar que esse modelo não é a realidade de grande parte das igrejas da Baixada fluminense. Dentre as dezenas de atividades realizadas gostaria de destacar, como exemplo, um evento ocorrido entre os dias 18 e 19 de julho de 2014 sob comando da Rede: o The Way Teen Conference. O evento reuniu quase duas mil pessoas e contou com a presença dos pastores Paulinho117 e Bira e do cantor Lex Skate Rock com seu estilo “Rock Gospel”, que também é pastor da Igreja Sara Nossa Terra.

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O pastor Paulo César de Souza também conhecido como Paulinho ou Palhaço Paulinho, quando está caracterizado com seu personagem. Ele é um dos fundadores do Ministério Terra dos Palhaços (MTP), um coletivo de pastores palhaços do Brasil que consideram o humor uma forma mais fácil de alcançar almas para Cristo.

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“O tema ´The Way´ [o caminho] surgiu do incômodo de estarmos vendo a geração de jovens e adolescentes sem a direção segura, entrando por caminhos que não levarão a lugar algum. Uma geração envolvida no sofisma de satanás – mentira com aparência de verdade. Nossa oração e empenho é que essa conferência seja um canal facilitador que leve essa geração a enxergar e entrar no verdadeiro caminho e único caminho que pode fazer com que vivam tudo que Deus tem para eles, tudo que Deus projetou, planejou, tudo que Deus sonha. Cada um de nós nascemos com um propósito. Ninguém nasceu à toa. Deus projeta algo e faz pessoas nascerem pra esse algo acontecer. E não é diferente com essa geração. Deus tem coisas muito grandes para eles. Antes mesmo deles surgirem, Deus já projetou algo grande. A começar pela salvação/vida eterna, que é maior benção que podemos ter, passando pela verdadeira felicidade, paz, alegria, liberdade ….. é por ai”, depoimento extraído do perfil pessoal do Pr Marcinho no facebook.

Quanto ao grupo Jovens Extraordinários, esses se destacam por realizarem atividades de dialogam de forma mais ampla com a igreja e comunidades vizinhas. Dentre suas atividades nesse período estão consagrações, Sábados de glória, Curso de formação de ex-solteiros, curso de maquiagem para moças, evangelização no bairro, subidas mensais ao monte, Festa Top Summer, Copa do céu na Terra (referência a Copa do Mundo de Futebol), Show do MC Tonzão (ex-havaianos), Noite do “curtindo Jesus adoidado”, Noite do super-herói (festa à fantasia), Noite do selfie, Noite do sertanejo universitário e a Mim Careta de Jesus. Boa parte dos eventos aqui citados opta por transitar entre o religioso e secular, e trazem essa polaridade circunscrita em seus nomes. Essa também é uma característica dos projetos dessa igreja (DE PAULA et al; 2008). Contudo, penso que o último evento citado merece um destaque especial por apresentar de maneira clara esses dois elementos. Tomo aqui como exemplo a Mim Careta de Jesus 2015, com o objetivo de apresentar algumas nuanças sobre o campo pesquisado. A Mim Careta é uma festa oferecida para o público jovem da igreja como alternativa religiosa aos dias de folia do carnaval. O nome, Mim Careta, é uma 102

referência direta e bem humorada as micaretas118 de carnaval da Bahia. A iniciativa da Mim Careta é realizada pelo grupo Jovens Extraordinários, nome do coletivo de jovens da Igreja Ministério Apascentar em Nova Iguaçu. Diferente do carnaval tradicional realizado nas ruas, a Mim Careta acontece no estacionamento da igreja onde é construído um grande palco para receber as atrações musicais. A cada nova edição do evento é confeccionado abadás119 personalizados, sendo estes utilizados como passaporte de aceso à festa. Certo dia, no instante que chego ao centro de treinamento do projeto Faixa Preta de Jesus, me deparo com um curioso cartaz fixado no portão de acesso espaço. Tratavase da divulgação de um evento para jovens organizado pela Igreja Apascentar. O evento era a Mim Careta de Jesus 2015. O convite prometia aos participantes ter a agradável experiência de “uma noite divertida, com louvores a Deus e muita alegria em mostrar que vale apena ser careta para o mundo”. Fui informado por Maicon, 14 anos e adolescente atendido pelo projeto, que o Faixa Preta de Jesus estaria presente no evento. Inclusive, que haveria apresentações com demonstração de golpes de luta marcial e competições amistosas entre os alunos – sem a distribuição de medalhas. Segundo Maicon, o convite haveria sido feito pelo próprio pastor Marcus Gregório diretamente para Ricardo. De pronto, aceitei o convite feito por Maicon e iniciei uma busca com o objetivo de obter maiores informações sobre o evento. Enxerguei nessa atividade uma oportunidade interessante para acompanhar a inserção dos jovens do Faixa Preta de Jesus dentro da igreja e sua relação com os demais jovens da Igreja Apascentar.

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No Brasil, o termo micareta é denominado ao "carnaval fora de época". Sua característica é a presença de trios elétricos que arrastam multidões ao som de canções de Axé. A palavra “careta” é uma gíria utilizada com mais frequência entre adolescentes para se referir a uma pessoa antiga, fora da moda, antiquada. Careta, nesse caso, também pode ser definido como “Aquele que sempre segue os padrões antigos, que não arrisca coisas novas e diferentes” Paula et.al(2008). 119

Os Abadás de carnaval podem ser de qualquer tipo de camisa, com cores variadas e geralmente carregam os logotipos das empresas patrocinadoras da festa estampados no verso. Nesse caso especifico os participantes batizaram os abadás como outro nome: AbaDeus!

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3.3 A Mim Careta de Jesus Marcada para acontecer no sábado seguinte à semana de carnaval, a Mim Careta de Jesus 2015 consegui reunir mais de 600 participantes no estacionamento da Igreja. O estacionamento, localizado ao lado da igreja, estava lotado de adolescentes e jovens. Grandes partes dos participantes utilizavam os abadás personalizados comercializados para a festa, já outros estavam divididos com camisas representadas com o nome de sete das doze tribos de Israel. Foram montadas barracas na lateral do espaço para a venda de comidas e bebidas. Da mesma forma foram instaladas algumas tendas para comercialização dos CDs e DVDs dos artistas convidados e exposição dos projetos jovens ligados à igreja, sendo uma delas dedicada ao projeto Faixa Preta de Jesus. Ao fundo do estacionamento, um grande palco com caixas de som, iluminação especial, máquina de fumaça e microfone para as atrações musicais da noite. Os artistas convidados para essa festa não foram muito diferentes daqueles presentes na última edição do evento, realizado em 2014. O evento contou com a presença de grupos musicais populares entre o público jovem por mesclarem diversos ritmos de música secular com mensagens religiosas, estilos conhecidos como “funk gospel” e “axé gospel”. Cada atração artística contou com um tempo de aproximadamente 30 minutos para apresentação no palco do evento. A primeira atração convidada a se apresentar no evento foi a Banda 3dois1. O conjunto, composto por Felipe André (vocal) Estevão (guitarra) Raphael (guitarra) Casimiro Motta (baixo) e Beto Quintão (bateria) é parte da Igreja Evangélica Ministério Braço Forte do Senhor, em Brasília120. O estilo da produção musical da banda é definido por seus integrantes como de rock cristão, sendo grande parte das letras de sua autoria. Suas letras abordam questões pertinentes ao universo cristão como a salvação,

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Localizada no Distrito Federal, sob-regência do Apóstolo Cláudio César Machado e a Bispa Renata Machado (sua esposa), a igreja possui um templo moderno e confortável para acomodar muitas pessoas. A música é uma das marcas do Ministério Braço Forte do Senhor, havendo um estimulo institucional para a criação de bandas de louvor ligadas a igreja. Atualmente a igreja possui três bandas que realizam shows pelo Brasil, são elas: a Banda 3dois1, a Banda Louva Deus e Capital Funk.

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pecado e adoração. Criado em 2009, a partir de um incentivo do Apostolo Claudio, o grupo diz ter o propósito de levar a palavra de Jesus Cristo através do rock.121 No caso do rock gospel como estilo musical, este nem sempre é bem recebido dentro dos templos evangélicos – principalmente se tratando do metal cristão122 e seus subgêneros. Uma vez que o rock secular é popularmente associado a uma imagem de subversão e satanismo, o rock gospel tem sido criticado com frequência e recebido certa resistência pela igreja tradicional. Apesar disso, bandas de rock cristão têm persistido e cada vez mais se multiplicam pelo mundo. Embora possa parecer um fenômeno recente no Brasil, o dilema de conversão religiosa de artistas do rock secular é um a questão dada desde os anos 80. Nos Estados Unidos , por exemplo, há uma iniciativa bastante curiosa e criativa que tenta dar conta de choque cultural no meio cristão. Cansado de ver muitos evangélicos fãs de rock e metal serem discriminados em suas respectivas igrejas por seus líderes religiosos, em 1984 o Pastor Bob Beeman fundou um ministério religioso chamado Sanctuary: the rock and roll refuge123. O Sanctuary patrocinou o primeiro festival de metal cristão realizado em 1987, em Los Angeles. Desde então, mais festivais de rock cristão foram organizados no Estados Unidos e em outros países. Atualmente o Sanctuary possui uma rede de músicos espalhados por todo o Estados Unidos e promove novas bandas atravez de uma estação de rádio online. O segundo grupo musical a se apresentar na Mim Careta de Jesus foi a banda Louva Deus. Antes de aparecerem no palco, surge uma mensagem de áudio em voz masculina dizendo “Ministério Louva Deus, a louvadeira do Brasil”. Após a gravação, um segundo áudio é lançado ao público. Desta vez, o jingle popular “Brasiiill” muito utilizado pela mídia televisiva durante a transmissão dos jogos da seleção brasileira de 121

Em abril de 2015 o cantor e compositor Guilherme Arantes causou polêmica na mídia ao afirmar que “ o melhor rock feito no Brasil é gospel. O ‘rockão’ [secular] ficou muito reacionário, você vê que muitos roqueiros hoje são de direita. O rock atual perdeu totalmente a força de transgressão”. No âmbito da música gospel, o rock nacional atualmente possui vários pequenos atores, bandas sem muita expressão nacional, sendo a banda Oficina G3 ainda hoje o grupo com maior representatividade. 122

O metal cristão (ou white metal) é um gênero musical que engloba todo estilo de metal que possua letra cristã. Muitos não o consideram um gênero musical, por ser um termo muito abrangente. 123

Ver http://pastorbobbeeman.com/

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futebol124. O vocalista da banda surge acompanhado de dois dançarinos que seguem as músicas através de coreografias similares a dos bailarinos de bandas de axé dos anos 90. Os três integrantes, bem como os demais músicos posicionados ao fundo do palco, vestem calças justas e camiseta regata. O Ministério Louva Deus, forma como seus integrantes costumam se autorreferir, surgiu em 2005 com o propósito de resgatar utilizar o chamado "axé music" para evangelizar o Brasil. O grupo é composto por jovens músicos que, antes da conversão tocavam na noite em bares, micaretas e casas noturnas. Todos os integrantes da banda são evangélicos e congregam diferentes igrejas evangélicas de Brasília. No entanto, enquanto um projeto ministerial, a banda possui apoio da Igreja Ministério Braço Forte do Senhor em Brasília – assim como a Banda 3dois1. Após a conversão religiosa, estes decidiram mudar o seu estilo de vida largando “as drogas, bebidas e a prostituição para adorar a Deus com seus talentos” – mas, sem abandonar o estilo musical. Segundo apresentação disponível no site da banda, o grupo define como sua missão a tarefa de “romper muitas barreiras através dessa unção de ousadia e multiplicação, pois o nosso maior objetivo é pregar as boas novas, mostrando para as pessoas que o cristão pode dançar, cantar e ser feliz reverenciando a Palavra de Deus125. O axé enquanto ritmo musical já habita os muros dos templos evangélicos há alguns anos por todo o Brasil. O gênero ganhou maior espaço nas igrejas no início dos anos 2000 através de um movimento encetado por músicos baianos convertidos. Um forte representante do estilo é o cantor e compositor Lázaro, mais conhecido no meio evangélico como Irmão Lázaro. O ex-Olodum adquiriu reconhecimento nacional em 2006, com o cd “Meu Mestre” que traz canções de autoria própria. Com letras baseadas em sua antiga “vida no mundo” e sua nova “vida em Cristo”, Lázaro vendeu milhares de

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Em um primeiro momento associei a utilização do jingle aos jogos da Copa Mundial de Futebol da FIFA realizada no Brasil em 2014. Mas, logo descartei a hipótese. Ao assistir vídeos na internet como apresentações do grupo, percebi que o mesmo utiliza a mensagem de forma recorrente em seus shows. 125

Ver http://www.ministeriolouvadeus.com.br/

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cópias de disco e suas músicas permaneceram durante um bom tempo no topo das mais solicitadas nas rádios evangélicas126. De todo modo a assimilação do axé como música religiosa nos revela a existência de um campo religioso relativamente aberto, pois nele podem surgir a todo instante as mais diferentes combinações associadas a diversos elementos identitários (SANCHIS,1995), viabilizando verdadeiras bricolagens na produção de musicas religiosas. Embora possa parecer natural a assimilação de estilos musicais ao campo religioso, esta não acontece de modo tranquilo. Na verdade, há conflitos em vários planos. No caso do axé gospel, os louvores produzidos por esses grupos são regularmente atacados por alguns segmentos evangélicos. Ao serem rotuladas por fiéis radicais como “pontos de macumba” e “ritmo do diabo”, o axé gospel ainda enfrenta grandes questões no universo cristão, especialmente em igrejas pentecostais tradicionais. Desse modo as inovações musicais constituem um espaço no qual emergem conflitos, pois suas fronteiras são tomadas como zonas de “perigo” e suas sobreposições abririam largas portas para uma possível entrada no mal na igreja através da promoção de “misturas” no campo religioso ou de expressões culturais de povos negros, como o candomblé (PINHEIRO, 2007). A terceira atração da Mim Careta de Jesus 2015 foi o DJ Marcelo Araújo, produtor de eventos de musica gospel e um dos idealizadores da festa Gospel Night. Criado em 1998, o Gospel Night surge como um ministério de evangelismo que promove shows de música eletrônica gospel no Rio de Janeiro. Os eventos geralmente ocorrem aos finais de semana e a estratégia se apresenta como uma festa jovem que visa evangelizar, divertir e mostrar que o meio evangélico é capaz de promover programações atrativas o suficiente para esse público. O ponto de partida da apresentação do DJ Marcelo Araújo é conduzido pelo uso de músicas eletrônicas, projeções de videoclipes no telão, além de um quiz de perguntas e respostas sobre a bíblia com a distribuição de brindes. Em seguida há um momento de oração conduzido pelo DJ e uma pausa para pregação da palavra. Ao final do sermão é 126

Um dos grandes sucessos do cantor é a música "Eu Sou de Jesus", versão de "I Miss Her", canção que o consagrou quando era membro do Olodum. A versão gospel manteve o mesmo ritmo dançante ao som de tambores. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=GQ516-gNfdo

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feito um pedido de apelo junto aos presentes, onde o preletor pergunta: alguém aqui deseja aceitar Jesus essa noite? Após a mensagem o DJ retoma a playlist de músicas eletrônicas gospel até o encerramento do evento.

Figura 21: Cartaz de divulgação da Mim Careta 2015

Um dos grandes objetivos dos organizadores do Gospel Night é mobilizar jovens de todos os lugares da cidade, especialmente aqueles não evangélicos por acreditarem que a festa também cumpre a função de um mecanismo de conversão religiosa. As estratégias de evangelismo dos organizadores consistem divulgação dos eventos em redes sociais e entrega de filipetas em locais de grande concentração de pessoas não evangélicas. Lugares como igrejas católicas, bailes funks, casas noturnas e bares são espaços de incidência privilegiada pelo grupo. Além disso, também são utilizados como meios de divulgação o uso de cartazes, carros de som e chamadas nas rádios evangélicas. Em seu site há uma lista de diversas igrejas evangélicas que já realizaram 108

eventos com a participação do Ministério Gospel Night. Dentre elas, destaco aqui a presença da ADVEC da Penha, a Igreja Projeto Vida Nova de Irajá, a Igreja Batista Central de Belford Roxo, a Igreja Batista do Povo (Nova Iguaçu), a IURD e a Igreja Ministério Apascentar. A produção de músicas no estilo gospel eletrônico se consolidou no mercado fonográfico evangélico no início dos anos 2000. Grande parte desse reconhecimento é crédito não apenas dos DJs organizadores da Gospel Night, mas também do grupo musical Os Arrebatados. O grupo nasceu nos estúdios de gravação em um programa na rádio evangélica 93 FM e falavam de temas religiosos através do humor, com uma linguagem clara e direta para jovens e adolescentes127. O sucesso foi tanto que seus integrantes (Lili, Dedé e Malta Júnior), na época DJ’s da rádio, oficializaram o conjunto e gravaram um CD com hinos da harpa cristã remixados. Juntos, Os Arrebatados foram responsáveis por emplacar sucessos como a ‘Dança do esquisito’, ‘Igreja ou balada’, ‘Crente beberrão’e ‘Amarra o cão’ (o refrão diz: “Quem é arrebatado, amarra o cão e o rebolation, se vacilar, não vai pro céu, quem é arrebatado amarra o cão, amarra o créu”). Do mesmo modo há também letras pentecostais, de adoração romântica, como ‘Vou orar’ (uma mensagem direta cantada por Lili direcionada às adolescentes que vivem a fase do despertar da paixão) e a faixa ‘Brincar de ser Criança’, que faz um paralelo entre a infância e a inocência de quem nasce de novo em Cristo128. A última atração artística da noite, e também a mais aguardada pelos jovens participantes, subiu ao palco por volta das 22horas. Acompanhado de dois dançarinos vestindo calças largas, óculos escuros e bonés virados para trás, Adriano sobe ao palco cantando o hino ‘Toda sorte de bênçãos’ do ministério de louvor Toque no Altar129. 127

Ver http://www.osarrebatados.com.br/

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O grupo Os Arrebatados foi uma das atrações da Mim Careta 2014 da Igreja Apascentar. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=wESEK-HGXr4 129

O ritmo original da música foi substituído por uma batida de funk, o que causou grande empolgação entre os participantes que a todo instante eram incentivados a dançar e pular. A letra do louvor, que até hoje é o maior sucesso do Toque no Altar, diz: “Pôr onde eu for a tua bênção me seguirá/ Onde eu colocar as minhas mãos prosperará/ A minha entrada e a minha saída bendita será/ Pois sobre mim há uma promessa/ Prosperarei, transbordarei (...) Para direita, para esquerda pra minha frente/ E para trás”

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Adriano é uma figura bastante conhecida no cenário golpel funk do Rio de Janeiro. Juntamente com o DJ Marcelo Araujo, Adriano participa de diversos eventos promovidos pelos organizadores do Gospel Night em igrejas, festas e clubes pelo Brasil. Adriano tem 37 anos, casado, membro da Igreja do Nazareno e morador de Mesquita, município da Baixada Fluminense vizinho à cidade de Nova Iguaçu. Por ser filho de pastor, Adriano teve contato desde pequeno com a música evangélica e há 13 anos se dedica exclusivamente a produção de música gospel. Pude, rapidamente, perceber a grande expectativa de muitos dos jovens do Faixa Preta de Jesus pela apresentação de Adriano, pois para alguns essa era atração mais aguada da noite. O interesse especial dos jovens do projeto Faixa Preta de Jesus foi justificado quando Adriano convidou Ricardo e os demais para subirem ao palco. Ao som da música tema do projeto, os jovens do Faixa Preta de Jesus dançaram, acenaram para a multidão, tiraram fotos e cumprimentaram Adriano e os demais músicos. Ao fundo do palco, surge no telão a logo do projeto Faixa Preta de Jesus. Adriano parabeniza Ricardo pela iniciativa, deseja sucesso ao projeto e demonstra ter interesse em marcar uma visita para conhecer o CT do projeto. Feita a intervenção, que só foi possível devido à forte ligação institucional existente entre o Faixa Preta de Jesus e a igreja Apascentar, deu-se continuidade ao show. Aproveitando o momento, Adriano pede licença aos organizadores e inicia um pedido de oração coletiva. Em sua fala, Adriano pede a Deus que interceda por toda juventude do estado do Rio de Janeiro, especialmente por aqueles que não conhecem “a palavras de Deus e estão vivendo no lamaçal do pecado”. O funkeiro conclui sua prece rogando para que “Deus dê sabedoria e discernimento aos políticos da cidade e que toque o coração dos nossos governantes”.130

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Adriano Gospel Funk foi candidato a Deputado Estadual do Rio de Janeiro pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC) nas últimas eleições (2014). Ele não foi eleito, obtendo apenas 4.023 votos validos (0.05%). Sua plataforma política, se eleito, previa um trabalho voltado para a recuperação de jovens dependentes químicos na Baixada Fluminense e o endossamento de campanhas direcionadas para o combate às drogas – principalmente o crack.

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3.4 “Pra adorar, não precisa rebolar!” Ao perceber a leve dispersão do público, Adriano faz um sinal com a mão e o DJ diminui o volume do som. Em seguida, olhando para a multidão, Adriano lança uma pergunta com o objetivo de demarcar a diferença existente entre as micaretas do “mundo” e a Mim Careta de Jesus: “Dê a mão pro teu irmão! Vai, vai rapidinho. Quem já frequentou micareta do Diabão? Aquelas coisas podres, sabe? Isso, isso! [vários jovens levantam as mãos] Lá era tudo permitido, era tudo nojento, suado, liberado. Só coisa ruim! Só que hoje aqui tá liberado, sim. Tá liberado as bênçãos do Senhor sobre a sua vida. Você vai encher a cara de refrigerante! Vai comer muita coisa lá na cantina! Vai comprar o CD da galera e abençoar o ministério da turma todinha. [o público vibra] (...)

Tal atitude tem como função reforçar as fronteiras morais existentes entre as duas propostas de celebração, sendo a Mim Careta um espaço de adoração à Deus e não ao diabo. Do mesmo modo, Adriano continua sua provocação aos jovens abordando temas como namoro e sexualidade:

(...) E vai paquerar também, né não? [jovens gritam] Esse é um ano de casamento, gente! [alguns jovens levantam os braços e fazem um símbolo de coração com as mãos] Vai, dá a mão pro seu irmão e repita comigo: Meu irmãozinho, esse é o ano! Se prepara que ninguém vai te segurar! Você vai transbordar de amor e todo mundo vai ver. Vai, de novo: e todo mundo vai ver! Vai, de novo: e todo mundo vai ver! E todo mundo vai ver a glória de Deus acontecer! [plateia grita e aplaude]” Embora a igreja Apascentar tenha uma postura doutrinária um pouco mais flexível perante as demais denominações evangélicas tradicionais, o tema da sexualidade é tratado de forma rígida e intransigente dentro da instituição. Não é permitido fazer sexo antes do casamento, tampouco durante o namoro. Essa regra é um 111

dos grandes pilares do mundo religioso evangélico, sendo a exclusão dos indivíduos envolvidos o resultado de seu descumprimento. A moral sexual, expressada principalmente pela manutenção da virgindade, é a mais cobrada no discurso evangélico sobre os jovens. Ao analisar o tabu da sexualidade entre jovens evangélicos solteiros, Maria Goreth dos Santos nos chama atenção para o papel exercido pelos lideres religiosos nesse processo. Seriam esses os principais responsáveis por encorajar os jovens frete as dificuldades de se manterem virgem diante das tentações do mundo moderno (SANTOS, 2008). Por esse motivo a Apascentar, e outras igrejas, desempenham um forte trabalho de aconselhamento de jovens com palestras e cultos especiais dedicados ao tema da “santidade no namoro”. Um exemplo de estratégia voltada para o tema é o desafio chamado Eu escolhi esperar, um projeto cristão que atua em duas áreas específicas: sexualidade e vida sentimental. Seu objetivo é orientar adolescentes e jovens sobre a necessidade de viver uma vida sexualmente pura, valorizando a importância de saber esperar o tempo e o parceiro certo para iniciar sua vida sexual. O símbolo da causa é marcado pelo uso de um anel no dedo anelar da mão esquerda. Embora existam iniciativas da mesma natureza ao redor do mundo131, no Brasil a campanha foi idealizada pelo pastor capixaba Nelson Neto Junior que resolveu criar a campanha para ajudar jovens a se guardar sexualmente para o casamento132. Em 2011, a campanha foi lançada nas redes sociais e cresceu rapidamente agregando milhares de jovens através do twitter. Por várias vezes a hashtag #EuEscolhiEsperar apareceu entre os dez assuntos mais comentados do twitter, em um medidor chamado trends topics Brasil. Atualmente o Eu escolhi esperar é apresentado como uma organização que realiza diversos eventos por todo o país. Uma de suas 131

No começo da carreira, em 2008, os três irmãos integrantes da banda teen estadunidense Jonas Brothers ficaram conhecidos por aderirem ao uso do anel de pureza, que representava o compromisso de só praticar sexo depois do casamento. Os irmãos, filhos de pastor evangélico, disseminaram o princípio aprendido na igreja Assembleia de Deus. 132

Segundo o idealizador do projeto, o sexo antes/fora do casamento não é apenas um problema religioso. As consequências de praticá-lo antes/fora do contexto do casamento são muitas, como: gravidez na adolescência, DST’s, prática de aborto, pedofilia e divórcios. Mais de 100 mil jovens já participaram dos encontros organizados pela campanha no Brasil. Atualmente mais de 1 milhão de jovens aderiram a causa pelas redes sociais. Ver http://euescolhiesperar.com/

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principais fontes de captação de recurso está na venda de produtos da marca. Em sua loja virtual estão à venda livros camisas, pulseiras gargantilhas, CDs, DVDs e os anéis133. Para Santos (2008), as experiências de pureza vivenciadas por esses jovens cumpririam a função de aproximá-los de Deus e de sua Palavra. Os jovens que optam por não fazer sexo antes do casamento não consideram a obediência um peso, mas uma batalha espiritual travada quase que diária entre as forças do bem e do mal. Estes são tentados a todo o momento por tudo o que o mundo secular parece lhes oferecer, sendo no campo da sexualidade a maior disputa enfrentada. Ainda durante sua apresentação, Adriano propõe ao público um concurso de dança mandado no ritmo do passinho134. Ele escolhe cinco participantes e pede para que subam no palco da Mim Careta. O grupo, composto por três adolescentes e duas crianças começam a dançar o passinho ao batidão funk de “adore ao Senhor, adore ao Senhor”, quando de repente Adriano faz um sinal com a mão e pede ao DJ para interromper a música. Sem entendem a situação, os participantes suspendem a performance de dança. Em seguida, Adriano lança a seguinte citação: “Cutuca o seu irmão e diga assim: Meu irmãozinho, pra adorar não precisa rebolar. Já é? Rebolou, dançou! Não pode rebolar, ok?”

Embora sua fala tenha sido aplicada de forma geral ao grande público presente, esta foi direcionada especificamente para um dos participantes que dançavam no palco. Nesse caso, uma adolescente (a única mulher do grupo) que rebolava ao dançar o passinho. Após sua fala, Adriano faz um sinal para o DJ que retorna com a música. De forma inibida e com uma timidez aparente a adolescente volta a dançar o passinho junto com os outros jovens, dessa vez de uma forma “aceitável” aquele ambiente. Uma 133

Durante as visitas que realizei as atividades na igreja Apascentar não observei nenhuma referência ao projeto “Eu escolhi esperar”, embora seus princípios tenham eco no meio. 134

Nascido nos bailes funk cariocas na última década, o passinho é uma mistura de referências de vários tipos de danças. Há influências dos movimentos do hip-hop, balé clássico, contorcionismo, mímica, frevo e performance teatral. Todos unidos à marcação de passos em duas contagens, como é característico ao funk. O estilo de dança multiplicou seu alcance através de vídeos amadores produzidos pelos próprios jovens dançarinos.

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atitude como essa nos revela algumas pistas para a compreensão das diferentes unidades de moralidade presente no campo, partes de uma complexa teia de significados (GEERTZ, 1978) entrelaçada pelos indivíduos envolvidos no episódio. Max Gluckman, com a sua analise de uma situação social na Zululândia, nos apresenta um método bastante interessante de trabalho com o material etnográfico. Para Gluckman, o um fato ou evento ocorrido com campo deixa de ser um simples exemplo e passa a ocupar o centro da análise do antropólogo. A inclusão de eventos e a análise de situações sociais nos permitem falar de contextos mais amplos que estão por trás do episódio, das relações entre os grupos e dos valores e motivos contraditórios que os levam a participar de diferentes formas daquele evento (GLUCKMAN, 1986). Tomo aqui como fio condutor de analise o episódio da adolescente dançarina e sua repercussão no campo, pois seus efeitos se perpetuaram ao longo de toda a continuidade da apresentação de Adriano durante a Mim Careta 2015. Primeiramente, vale compreender a presença da música funk dentro das igrejas evangélicas e sua receptividade. Na verdade o “passinho de Jesus”, como a performance já vendo sendo denominado no meio da música gospel, ou “passinho do abençoado” é compreendido como sendo uma apropriação cultural cristã do estilo de dança funk. Pode-se dizer que essa assimilação do ritmo tem se intensificado a partir da conversão religiosa de artistas e personalidades da musica funk nos últimos anos. Estes, por sua vez, são desempenham o papel de criar versões religiosas de suas músicas seculares de sucesso no passado. No campo da música funk esse é o caso de Tonzão, ex-dançarino do grupo carioca Os Havaianos formado por jovens moradores do conjunto de favelas da Cidade de Deus. Hoje, membro da Assembleia de Deus dos Últimos Dias (ADUD) convertido desde 2011, Tonzão ocupa o cargo eclesiástico de ministro de louvor da igreja e promove shows pelo Brasil utilizando o funk como meio de pregação e salvação de almas para Cristo. Durante participação em um programa de televisão no ano de 2012, Tonzão revelou a apresentadora Eliana que a idéia de utilizar a dança como instrumento de evangelização veio do Pastor Marcos Pereira. Tonzão relata que tudo começou após um culto realizado na sede da ADUD, quando ele e outros jovens internos começaram a dançar o passinho dentro a dormitório. No dia seguinte eles teriam sido chamados no 114

gabinete do Pastor Marcos para darem explicação. Com medo de todos serem repreendidos pelo líder religioso, Tonzão assumiu a responsabilidade e disse que tudo não passava de uma brincadeira e que o ato não se repetiria novamente. Segundo ele, e para sua surpresa, Pastor Marcos enxergou no talento dos jovens um meio de ganhar almas para Jesus e (re)batizou a dança como “passinho do abençoado”.135 Assim, juntamente como outros jovens “resgatados da morte” (MACHADO, 2014), a ADUD relançou o funkeiro com o nome Tonzão e os Adudianos136. Na letra da canção “Passinho do Abençoado” Tonzão fala sobre as mudanças que Jesus teria proporcionado em sua vida e sugere uma receita de como adorar a Deus e ser abençoado por Ele.

Passinho do abençoado Se no mundo eu cantava e dançava. Foi assim que tu me conheceu. Agora a mesma coisa eu vou fazer pra Deus. O mistério é profundo, acho bom ficar ligado Quando eu vou te mandando o passinho do abençoado. No passinho, no passinho, no passinho do abençoado (4x) (...) Você dá dois pulinhos, balança os braços (2x) Quero ver geral mandando o passinho do abençoado. (...) Alô povo de Deus Jesus quer te abençoar Levante as suas mãos pro alto que eu vou te ensinar Jesus, Jeová (2x) Jesus vai te abençoar. (música: Tonzão e os Adudiano, 2012)

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Gravação da matéria disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rIp7fygTBuY. Ao longo do ano de 2012,o grupo Tonzão e os Adudianos obteve diversas inserções na mídia a partir da publicação do vídeo O passinho do abençoado no Youtube. O grupo se apresentou em programas de TV de grande audiência, como o Mais Você (TV Globo), de Ana Maria Braga; Esquenta! (TV Globo); e Programa Eliana (SBT). O grupo denominado “resgatados da morte” é formado por homem membro da ADUD. São apresentados pelo Pastor Marcos Pereira como exemplo de como Jesus Cristo pode recuperar pessoas antes dominadas pelo diabo e salvar “ex-bandidos e ex-traficantes resgatados do tribunal do tráfico pela equipe da ADUD”. Estes carregam sempre consigo as marcas e cicatrizes adquiridas no passado, quando desfrutavam da vida do crime e do pecado. O testemunho é um instrumento muito valorizado pelos exbandidos, pois é ele que exerce a função de dar liga entre o “velho homem” e o “novo homem”. 136

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Após sua conversão religiosa, Tonzão declarou que Adriano Gospel Funk foi um dos primeiros artistas do meio evangélico a recebê-lo de braços abertos. Mesmo com toda visibilidade midiática que os artistas de musica gospel funk obtêm para o evangelismo, o ritmo ainda enfrenta muita resistência nas igrejas pentecostais – principalmente naquelas consideradas tradicionais. Para estes, a tarefa de dissociação do ritmo musical com o mundo da violência, de mensagens e letras que fazem apologia ao sexo e às drogas, é quase impossível. Isso é, embora os indivíduos possam adquirir aceitação no meio evangélico através da conversão religiosa e abandono das velhas e abomináveis práticas, seu talento (sua música) ainda carrega estigmas profundos e marcas do mundo do pecado (GOFFMAN, 1988). Na história recente do funk gospel, por exemplo, são muitas as músicas que trazem letras sobre aspectos da moral cristã e normas de boa conduta retiradas da bíblia. Expressões e gírias pentecostais como “Tá amarrado em nome de Jesus” e “Vigia varão, vigia” servem de matéria-prima para a construção de letras bem humoradas sobre o cotidiano dos evangélicos. A canção “Chuta que é laço” é um exemplo dessa modalidade de produção musical. Na letra, Adriano fala sobre os efeitos dos desejos carnais de um jovem e a necessidade de exercitar o olhar espiritual no namoro. Abaixo, trecho da letra da música: Chuta que é laço Conte de um até três Antes de partir pro abraço Se não for benção de Deus Sai correndo que é laço A embalagem é bonita, mas tenho que analisar Se for de Deus eu abraço Se não for chuta que é laço (...) Ela passou do meu lado Feito uma bala perdida Com aquela minissaia e de piercing na barriga Eu olhei e gritei "nossa essa eu vou evangelizar vou levar pra minha igreja pro meu pastor doutrinar” Mas quando estava tudo armado pra poder partir por abraço

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Meu amigo deu um berro “dá um bico que é laço” (2x) Chuta, chuta, chuta que é laço Então chuta, chuta, chuta que é laço (2x) (...) Pra titio não vou ficar Atenção, concentração Salmo 40 vou esperar (música: Adriano gospel funk, 2006)

A partir da análise da letra da música acima, podemos fomentar um debate a respeito das representações do feminino na cultura funk. Para Mariana Caetano (2014), que investigou o espaço da mulher na produção da indústria musical do funk atual, uma das marcas do gênero é a hipersexualização que recai sobre o corpo da mulher. A autora chama atenção para as diferentes formas de manifestação do feminino no mundo do funk - “mulher fruta”, “popozuda”, “glamurosa” “cachorra” e “princesa” são algumas das nomenclaturas empregadas no campo para se referir à mulher. Tendo a trajetória profissional e produção musical da funkeira Valesca Popozuda como pano de fundo, Mariana Caetano afirma que a mulher não está no funk apenas para o atendimento da demanda do mercado erótico (CAETANO, 2015). Através de suas letras de músicas picantes e sensuais, Valesca pinta no cenário funk a imagem de uma mulher provocante, dominadora (e não a reprimida) que prega abertamente a libertação feminina. O “perigo” alertado na letra da canção “Chuta que é laço” é direcionada para rapazes que precisam “vigiar” e “chutar” do seu caminho tudo aqui que não condiz com a Palavra de Deus, ignorando e repreendendo as tentações impostas pelo diabo. Em um determinando momento de sua apresentação na Mim Careta, Adriano compara a mulher da letra da música a um padrão de feminino muito difundido na grande mídia: a Panicat137. O funkeiro alerta que há muitas “varoas” que desejam ter “peitão e bundão”

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As Panicats são jovens modelos e dançarinas extremamente sensuais que trabalham como assistentes de palco do programa de TV Panico na Band. Durante as gravações do programa, as mulheres vestem apenas sutiã, calçinha e salto alto.

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apenas para seduzir “varões” na igreja, mas estas “não vão devem ficar Panicat, não. Panicat é do diabo! Você é ovelha de Jesus”. Em seguida, Adriano agradece ao público e encerra o show. A experiência de participar da Mim Careta da Apascentar me proporcionou um contato imediato com jovens que, de alguma forma ou de outra, estão conectados com o projeto Faixa Preta de Jesus. Atualmente, são muitas as igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais que organizam espetáculos dessa dimensão com cada vez mais frequencia. Com a finalidade de atrair e proporcionar entretimento para adolescentes e jovens, shows como esses são reproduzidos em espaços públicos e cartões postais da cidade com transmissão ao vivo pela internet138. Podemos sugerir que experiências de festas religiosas como a Mim Careta promovida pela Apascentar são alegorias que demonstram seu poder de alcance na Baixada Fluminense. Ao congregarem música, festa, adoração, juventude e fé a Igreja Apascentar acaba por forjar corpos adestrados e vibrantes. Um exército jovem, forte e treinado que marcha sobre a Terra à disposição das forças de Cristo.

3.5 Ultimate Reborn Fight Seguido metodologias similares às aplicadas no projeto Faixa Preta de Jesus, existem outros projetos audaciosos que também utilizam o MMA como ferramenta de ação cidadã e religiosa. Podemos citar como um exemplo de sucesso a Igreja Renascer em Cristo de São Paulo que, desde 2012, promove um torneiro cristão de MMA chamado Ultimate Reborn Fight. A competição de luta acontece no entorno de um grande octógono montado dentro do templo Renascer Hall, localizado na zona leste de São Paulo.139 O evento é gerido por um grupo de pastores lutadores que

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Os jardins da Quinta da Boa Vista, em São Cristovão; a Marquês de Sapucaí (sambódromo); as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, no Centro; o Aterro do Flamengo; e o estádio do Maracanã são alguns exemplos de espaços públicos da cidade que já receberam festivais e megaeventos de música gospel nos últimos anos. 139

A Igreja Renascer em Cristo é a organizadora da Marcha para Jesus em São Paulo e o Apóstolo Estevam Hernandes é considerado o grande responsável pela difusão do evento no Brasil, sendo apoiado também por igrejas tradicionais e pentecostais.

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juntos compõem o Reborn Team, um ministério eclesiástico fundado recentemente para administrar as atividades envolvendo artes marciais na igreja140. A Igreja Renascer em Cristo foi pioneira no Brasil com tal proposta de realizar eventos de luta dentro do templo. Seus organizadores definem a estratégia como tendo o objetivo de evangelizar não apenas os atletas que participam de tal experiência, mas também os espectadores desse tipo de esporte. O evento é dividido em cartéis de acordo com o peso dos lutadores, assim como nos torneiros de MMA no UFC. A diferença é que o show man do espetáculo é um pastor, que também cumpre a função de narrador da partida e pregador no intervalo das lutas. O líder da Igreja Renascer em Cristo apóstolo Estevam Hernandes, comenta esse propósito a partir da seguinte afirmação: “Não estamos aqui para promover a violência, mas sim para levar o amor de Jesus a outras pessoas que, por seus gostos pessoais, talvez jamais entrassem em uma igreja. Muita gente me pergunta – poxa, mas você gosta de luta? Claro! A minha vida é uma luta. Eu sou um lutador. Nós somos lutadores. E a bíblia no fala que a nossa luta nos leva a encontrar um caminho de vitoria em Cristo Jesus” disse Hernandes durante sua pregação no intervalo.141

Sua afirmação vai de encontro a estratégia criada pelo ilustrador estadunidense Stephen Sawyer, de 58 anos, que criou o projeto “Art4God” [Arte para Deus], uma coleção de iconografias de Jesus Cristo como forma de aproximação de jovens do caminho do evangelho142. Com um peitoral definido, braços musculosos e

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Dentre os ministérios existentes na Igreja Renascer em Cristo, existem alguns destinados quase que exclusivamente para a gerência de jovens. São eles o grupo Renascer Kids, o Renascer Teens, o grupo O2Chunch, o sistema de discipulado R12 e o Curso de Escola de Profetas. Para saber mais sobre os grupos: www.renasceremcristo.com.br 141

Disponível no teaser do evento, em: https://www.youtube.com/watch?t=170&v=d9ZmIXdK2F0

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Ver outras imagens disponíveis no Anexo 4.

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muita atitude, um dos desenhos de Cristo feito pelo artista foi capa do jornal “The New York Times” em abril de 2004143. O artista afirma que a imagem de Jesus masculinizado ao extremo que pinta vem da própria Bíblia. "Dificilmente poderiam ter narrado cenas como o ataque de Jesus aos mercadores do templo se o protagonista da história fosse um fracote. Ele era um carpinteiro da classe trabalhadora. Com certeza o seu corpo era forte e musculoso, porque essa era a sua ferramenta de trabalho”, defende Sawyer.

Figura 22: Momento de pregação dentro do octógono, realizada durante o 2º Ultimate Reborn Fight. Na outra foto, capa do jornal The New York Times com a ilustração de Jesus Cristo lutador.

O Ultimate Reborn Fight é um dos vários eventos que o Reborn Team organiza ao longo do ano, o ministério também promove treinos de muay-thai, jiujítsu, karatê, capoeira, MMA e muitos outros esportes. Segundo Hernandes, a justificativa do evento é mais do que imediata e direta: “é preferível que um atleta

O Jesus feito por Saywer foi apelidado de “Chuck Norris de sandálias”, uma referência direta e bem humorada aos filmes de ação estrelados pelo ator no anos 80. 143

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perca um pouco de sangue no octógono do que ele perder a vida para as drogas ou para a criminalidade”, ressalta o líder da Igreja Renascer em Cristo. O objetivo principal do campeonato de lutas de MMA é justamente o de conseguir novos fiéis para a Igreja Renascer. Ao mesmo tempo, o de utilizar o esporte – qualquer que seja – como ferramenta para tirar os jovens do ‘caminho do mal’. Em 2009, o Ultimate Reborn Fight foi destaque no canal de TV estadunidense National Geographic. A emissora exibiu uma matéria144 gravada dentro da igreja e mostra cenas das lutas promovidas pela igreja. Além disso, o jornalista acompanhou durante um dia a rotina do apostolo Hernandes e participou da Marcha Para Jesus de São Paulo. São mostradas cenas dos bastidores desse megaevento religiosos, sendo a edição brasileira considerado pela mídia secular uma das maiores organizações do mundo (SANT’ANNA, 2014). A matéria também mostra a um caso curioso de união entre MMA e religião. Logo, aparece em cena o ator e atleta de artes marciais Jason David Frank, ficou conhecido no Brasil por seu papel como Tommy - na série infanto-juvenil Power Rangers (1993-1996). Ele é o idealizador da campanha “Jesus didn´t tap” [Jesus não bateu], a primeira linha de moda cristã de MMA145. Desde a sua criação em 2011, a marca vem ganhando cada vez mais reconhecimento dentro do mercado e tem tido o costume de patrocinar novos lutadoresevangelicos de MMA. Jason, que se converteu em 2001 após a morte de seu irmão mais velho Erik Ray Frank, ainda é reconhecido por seu personagem de super-herói na série e costuma se utilizar da fama para divulgação da marca religiosa em campanhas publicitárias. Atualmente, ele tenta conciliar sua carreira como ator com as oportunidades de pregar o evangelho em igrejas pelos Estados Unidos. Recentemente, Jason fez fez aparições em eventos de sua igreja, no Texas. Junto com o pastor Keenan Smith criou o Impact Team, um grupo de atletas

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Matéria disponível em https://www.youtube.com/watch?v=UgN3-N0Ma44. Na época de gravação da reportagem o evento chamava-se “Fight Night”. 145

Ver modelos de estampas no Anexo 3.

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profissionais de MMA que faz apresentações de vários estilos de luta e pregam a Palavra de Deus no tatame para a plateia. Em 2013, Jason Frank começou a documentar seus dia a dia um reality show chamado "My life morphin"146. O reality show possui dez episódios e reune cenas de suas lutas, viagens, participações especiais para a série Power Rangers e pregações em igrejas congressos religiosos.

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Série completa disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jjG9J04iRRg

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CAPÍTULO 4 DISCIPLINAR CORPOS, PACIFICAR ALMAS: PROJETOS SOCIAIS PARA UMA CIDADE “EM PACIFICAÇÃO”

Ser morador de favela também é, sem dúvida, um marcador social de diferença muito presente nesse campo estudado. A grande “promessa” para aqueles jovens que decidem ingressar nessa profissionalização do esporte reside na esperança de seu uso como via de ascensão socioeconômica. Assim como no futebol, o sonho de “tornar-se” lutador esta alinhado a um radical plano de mudanças no campo econômico, que resultaria na assinatura de contratos milionários e inúmeros trabalhos publicitários. Também é o jovem morador de favela o principal público-alvo dos mais diferentes projetos sociais governamentais, empresariais ou do terceiro setor (ROCHA, 2015). Tais agentes sociais imbuem-se da responsabilidade de “salvar” os jovens da cidade antes que estes se embolem nas teias e redes do crime. Utilizando como “arma” a cultura (MAFRA, 2011) e o esporte enquanto ferramentas pedagógicas para populações de periferias da cidade, gestores públicos, policiais, parlamentares, religiosos e defensores dos direitos humanos tem traçado estratégias preventivas à violência nesses territórios. Para construir esse capítulo, utilizo como ponto de partida o trabalho de campo paralelo que realizei junto a alguns projetos sociais coordenado por policiais militares que oferecem aulas de MMA para jovens moradores de favelas com UPP na cidade do Rio. Meu objetivo aqui é ampliar o escopo de analise desse trabalho ao lançar um olhar mais apurado sobre tais tecidos nervosos da cidade. Apresentarei exemplos de projetos sociais de MMA coordenados por PMs e direcionados para jovens moradores de favelas com UPP. Tendo como missão aproximar os menores da polícia local e afastá-los dos “perigos” da favela, essa iniciativa vem conquistando e agenciando corações e mentes juvenis através da disciplina no esporte. Ao buscar apoio nos recentes trabalhos produzidos por pesquisadores cariocas em favelas, ONGs, igrejas pentecostais e ocupações urbanas (BIRMAN et al., 2015) 123

minha intenção é proporcionar maior polifonia para ao debate sobre o tema, certo de que estes protagonistas acionam dispositivos de controle e intervém diretamente sobre na trama do ditos “viventes”. Entretanto não abandono aqui completamente o elemento da religião como fio condutor desse processo, pois esta permanece onipresente no campo.

4.1 A UPP Fight Um exemplo de projeto social de luta coordenado por PMs que venho acompanhando desde 2012 é a UPP Fight. Idealizado pelo soldado da PMERJ Walmor de Souza, 29 anos, praticante de jiu-jítsu e PM lotado na UPP Andaraí147. Walmor começou sua trajetória na polícia em 2009, após ser aprovado no concurso público para policial. Ele recebeu um treinamento durante o período de oito meses no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) e rapidamente foi lotado na UPP Andaraí148. Como grande parte dos jovens recém-formados que ingressam na polícia, seu sonho era que no futuro pudesse integrar o BOPE. Sua ideia sobre a favela era de que se tratava de um “campo de combate” onde os moradores eram inimigos em potencial. Concepção bastante difundida entre a categoria e muito explorada por pesquisadores do tema (MACHADO DA SILVA & LEITE, 2008). Embora atualmente Walmor afirme ter sofrido uma grande reviravolta de vida após sua passagem pela favela do Anadaraí, sua reação foi negativa em 2010 ao descobrir que seria policial de uma UPP. Durante uma das visitas que fiz ao projeto em 2013, Walmor relatou que seu primeiro dia de trabalho foi muito desagradável, pois não conseguia sentir empatia por nenhum dos moradores. Disse ter ficado confuso quanto ao seu papel de policial, pois não conseguia enxergar situações positivas ou oportunidades 147

Localizado no bairro de mesmo nome, o complexo que compõe a UPP Andaraí se estende até o bairro do Grajaú e é formado pelos morros do Andaraí, Arrelia, Jamelão, Nova Divinéia, João Paulo II, Juscelino Kubitschek e Vila Rica. A UPP Andaraí é a 11ª unidade, sendo inaugurada em 28 de julho de 2010. 148

O treinamento que os PMs recebem é o mesmo para trabalhar tanto nos batalhões quanto nas UPPs e dura em média 7 meses, afirma o coronel Carlos de Souza Alves, comandante CFAP. Segundo ele, os policiais encaminhados às UPPs passam antes por um estágio de um mês na Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Ver http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/09/110916_upps_formacao_jc.shtml

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para atuar de forma repreensiva no território recentemente “pacificado”. A cada novo serviço149 para o qual era escalado seu descontentamento só aumentava: “É curioso lembrar como me senti angustiado na época uma vez que o meu trabalho seria totalmente desenvolvido numa “favela”, e justamente era o local em que eu menos queria estar. Alguns serviços se passaram e fui absorvendo o dia-a-dia da comunidade. Aos poucos já tomava café da manhã no alto do morro e almoçava numa pensão, além de me pegar pronunciando palavras como ‘bom dia’, ‘boa tarde’ e ‘boa noite’”, diz o Soldado.

Devido problemas administrativos internos150, Walmor foi deslocado para trabalhar no escritório de administração interna da UPP Andaraí, embora este optasse por serviços de rua. No decorrer do trabalho na sede, Walmor percebeu que uma das salas do prédio era utilizada por um morador chamado Eliton, que ministrava aulas de jiu-jítsu para crianças moradoras do Andaraí. As condições o admiraram, pois segundo ele não havia um revestimento adequado de tatame no chão e crianças treinavam sem quimono ou qualquer proteção para o corpo. Logo, Walmor diz ter percebido que aquele homem tratava de fazer a diferença na comunidade. O policial diz ter ficado comovido com a história de vida e com todo trabalho realizado de forma voluntária por Eliton, levando o assunto até o comandante da UPP Andaraí que autorizou a permanecia das aulas de jiu-jítsu no local. O prédio onde hoje está localizada a sede da UPP Andaraí antes abrigava o Centro Municipal de Atendimento Social Integrado (CEMASI), equipamento municipal construído com recursos do antigo programa de urbanização de favelas, o FavelaBairro151. Dentre os serviços oferecidos pelo CEMASI estavam o atendimento de

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Categoria nativa utilizada por policiais para se referir ao trabalho; sua escala de plantões policiais.

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Não consegui obter através dessa entrevista a causa do problema indicado por Walmor.

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O Favela-Bairro foi desenvolvido em 1993 pela Prefeitura do Rio de Janeiro (sob mandato de Cesar Maia) com recurso do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em cada uma das duas fases do Favela-Bairro (1994-2000 e 2000-2007), foram investidos US$180 milhões pelo BID e US$120 milhões pela Prefeitura. Ao longo se seus 14 anos de execução, o projeto realizou principalmente obras de

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assistência social, atividades esportivas, terapia ocupacional, bem como o encaminhamento para vagas no mercado de trabalho. Com a entrada da UPP o prédio foi ocupado pelos policiais e os serviços deixaram de ser oferecidos para a população dentro da comunidade, atitude bastante criticada pelos moradores que agora precisam se deslocar até outros bairros para acessar os serviços. Certa vez, enquanto assistia uma das aulas de Eliton com as crianças, Walmor foi questionado por um garoto que lhe perguntou se algum dia poderia ser um grande lutador de MMA. Prontamente, Walmor diz ter respondido sim e que tudo dependeria da sua força de vontade, dedicação do aluno e boas condições de treinamento para os lutadores. Ciente das péssimas condições das instalações para as aulas, Walmor se percebeu prometendo algo que estaria muito distante da realidade daquela criança. “A situação foi tão emocionante, que me vi prometendo àquele garoto que um dia ele teria à sua disposição o melhor centro de treinamento de toda a Tijuca, assim como se tornaria um autêntico campeão na vida. Antes disso, eu nunca tinha sido capaz de imaginar que um policial, normalmente visto pela garotada das comunidades como um vilão tão mau ou até pior que um bandido, poderia se tornar o herói e mentor de um garoto como aquele.”

Promessa feita, Walmor diz ter começado a se empenhar nessa missão, de modo que montou projeto UPP Fight.152 Escreveu o projeto e apresentou os detalhes para inúmeras pessoas, até que recebeu uma proposta de financiamento do projeto pela Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro (SEElJE). A partir desse incentivo, uma empresa de material esportivo firmou uma parceria com o projeto e forneceu a quantia de R$10 mil a título de contrapartida social para investir na UPP Fight. Uma vez capitalizado o recurso, após intensa pesquisa de preços e condições de entrega no local, adquiriram o material necessário às aulas.

esgotamento sanitário, construção de equipamentos públicos (escola, creche, posto de saúde) e construção de via carroçável em 140 favelas e loteamentos da cidade. 152

Sua área de abrangência de atuação engloba não só o Andaraí, mas outros bairros da região. Embora os planos de Walmor sejam que a iniciativa possa ser replicada em todas as outras UPPs.

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Figura 23: A direita, registro da visita dos alunos da UPP Fight ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE); A esquerda, logo da equipe Dark WolfTeam com a logo da UPP Andaraí.

Em novembro de 2012 foi inaugurado do Centro de Treinamento Dark Wolf Team153, na sede da UPP Andaraí.

A cerimônia contou com a presença de

autoridades como o Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, o Secretário de Esporte André Luiz Lazaroni, sua esposa, oficiais da PMERJ e moradores da comunidade. "Os policiais da unidade são os verdadeiros heróis anônimos dessa história, pois além de desenvolver o trabalho de polícia, também transformam vidas. O país precisa disso: dar perspectivas para as crianças, que as seduza a ir para outro caminho que não o do crime", afirmou o secretário de Estado de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. Ao final, foi realizada uma oração conduzida por um pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus localizada próximo a base da UPP. O grupo de oração intercedeu à

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A logo marca do Dark Wolf Team é a silueta de um lobo preto de olhos vermelhos e ferozes. Acima da imagem, as palavras: farejar, localizar, atacar e destruir.

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Deus pedindo paz para a comunidade do Andaraí e graças pela presença da UPP no território . Penso que tal participação da religião no evento não deve, no entanto, ser analisada como um elemento descolado de todo um processo histórico vivenciado nas periferias e favelas do Rio de Janeiro entre evangélicos e forças policiais. É notório saber que grupos religiosos pentecostais e instituições de segurança pública nutrem uma estreita e antiga relação no interior do espaço público brasileiro. Seja realizando cultos evangélicos em cadeias ou mediando rebeliões em penitenciarias, religião e Estado invertem lugares e papéis institucionais a todo instante (BIRMAN, 2003; BIRMAN e MACHADO 2012). A partir do evento de comemoração oficial do primeiro ano de funcionamento da UPP Turano, Machado (2013) descreve com riqueza de detalhes o lugar privilegiado ocupado pela religião durante a festa. A cerimônia contou com a presença de membros da ADUD, que esteve presente com seu coral e alguns de seus principais líderes e representantes. Dentre o grupo, destaca-se a presença do ex- pagodeiro Waguinho154 e do evangelista Alan Pereira, irmão do Pastor Marcos Pereira. Durante a programação do evento, a ADUD ocupou parte considerável da do evento com hinos cantados pelo coral da igreja, fala institucionais de seus pregadores e o testemunho de Ediléia – apresentada por Alan Pereira como sendo uma “ex-viciadada” levada pelos policiais da UPP Turano para o Instituto Vida Renovada155, e lá recuperada. Na ocasião, Ediéia foi convidada para partir o primeiro pedaço do bolo que comemorava o aniversário da UPP. Hoje, Ediléia é responsável por encaminhar para a ADUD os moradores do Turano que

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Assim como Tonzão, Waguinho é a prova viva do poder de Deus em transformar a vida daqueles que antes viviam nas trevas. Waguinho adquiriu notoriedade no ano de 1995 como vocalista do grupo de pagode Os Morenos. Em 2005, o pagodeiro tem seu encontro com Pastor Marcos e se converte ao evangelho. Hoje, relançado pela ADUD produções como cantor de pagode gospel, Waguinho é um principais defensores do Pastor e “garoto propaganda” das ações da igreja, tendo inclusive concorrido nas duas ultimas eleições (2010 e 2014) para o cargo de deputado federal pelo PMDB. 155

O Instituto Vida Renovada é o braço social da ADUD e oferece abrigo, alimentação, acompanhamento médico e espiritual para dependentes químicos, “ex-bandidos” e todos aqueles que são “resgatados da morte” por Pastor Marcos e sua equipe.

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querem se livrar das drogas e aceitar Jesus – agenda que é feita em parceria com a UPP156. Os homens e mulheres “resgatados da morte” por Pastor Marcos e sua equipe são hoje membros da ADUD e provas vivas do poder e ação de Deus na Terra. Se for verdade que suas almas pertencem a Deus, também é fato que seus corpos pertencem ao ministério de pregação da ADUD e estes estão condenados por toda eternidade a imagem que refletiam no passado. Uma parte considerável dos “resgatados da morte” vive junto com outros “ex-bandidos” em dormitórios coletivos construídos em cima do tempo da ADUD em Éden, na Baixada Fluminense. Hoje, o CT do projeto UPP Fight atende aproximadamente 100 alunos dentre crianças, adolescentes e adultos. Alguns deles já são campeões em várias modalidades amadoras, como boxe, muai thay, jiu-jítsu e MMA. Além dos amadores, também há alguns atletas adultos que hoje competem na categoria profissional. Recentemente o projeto organizou um torneio de MMA entre alunos do projeto e lutadores convidados de outras favelas com UPP157. “Todo aluno que participa do projeto é estimulado a desenvolver bons valores morais, éticos e cívicos [...] isso potencializa a amizade entre os alunos em si, assim como acarreta a aproximação dos mesmos com os policiais que trabalham na UPP. [...] Acreditamos com muita convicção que brevemente nossos atletas mostrarão toda a sua fibra e vontade de vencer em eventos internacionais, representando não só o projeto UPP Fight, mas todo o povo brasileiro. Nossos atletas almejam ser os melhores lutadores de MMA do mundo, meta essa completamente possível de ser alcançada, pois nosso diferencial está na coragem, na vontade e na dedicação de cada professor, criança, adolescente e adulto, afirma Walmor”.

No vídeo “UPP do Turano Traz mulher para ser tratada do vicio em drogas” é possível ver Ediléia e os policiais da UPP Turano em ação. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Fp89SJEybo4 156

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Ver “Seletiva UPP Fight”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QXyUiv1fPPg

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Nas palavras do PM Walmor, as expressões coragem, garra e determinação surgem como valores morais determinantes e ingredientes indispensáveis para a formação de um bom lutador nesse campo. Tais categorias podem ser analisadas a partir da construção de um ethos guerreiro que expressam signos e significados de masculinidades presentes no campo. Assim como nas investigações de Machado (2014a) sobre a atuação de missionários evangélicos em instituições penitenciarias e centro de recuperação para “ex-bandidos” no Rio de Janeiro, pode-se dizer que o projeto Faixa Preta de Jesus e a UPP Fight também correspondem ao mesmo propósito de “salvação” e expulsão do “mal” contido naqueles que são alvo das atuais políticas de segurança pública da cidade. É interessante notar que tanto aquele que se apresenta como a solução para o problema (Faixa Preta de Jesus e UPP Fight), quanto aqueles que são classificados com os indesejáveis da cidade (bandidos e traficantes de drogas) operam através de um sistema lógico similar onde coragem e ousadia são virtudes valorizadas. Tanto no universo religioso, quanto no mundo da criminalidade estes são atributos essenciais para obter destaque, reconhecimento e poder no meio. Instala-se aqui uma afinidade orgânica em diversos níveis entre o ethos guerreiro da criminalidade, (ZALUAR, 1999) do pentecostalismo e do mundo das lutas, o que concede sentido à conjugação destes elementos em contextos particulares, religiosos e seculares. Tais conjunturas que emanam do arquétipo do “guerreiro” apontam para valores muito disputados dentro do MMA. Não é difícil ver lutadores profissionais de MMA adotarem nomes e/ou apelidos que remetam a animais ferozes e/ou nocivos – Rodrigo “Minotauro”, “Minotouro”, Anderson “Spider”,“Mamute” – e objetos fortes e/ou destruidores, em um sistema de classificação familiar ao adotado por muitos “bandidos” e integrantes de comandos e facções criminosas instaladas nas favelas cariocas. Luis“Marreta”, My“Thor” e Bruno “Capiroto” são exemplos de nomes adotados por traficantes como sinônimo de valentia e poder. No entanto, Vital (2009) chama atenção para o poder de influência da religião sobre a mudança de nome dos chamados

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“traficantes evangélicos” que, em alguns casos, abandonavam seus antigos apelidos em detrimento da adoção de nomes bíblicos158. Em seu trabalho sócio-antropológico sobre as redes de sociabilidade e proteção religiosa na favela de Acari, Christina Vital (2009) nos apresenta um território dotado de muito dinamismo e constante sobreposição de moralidades religiosas ordenadas pelos traficantes locais. Através de entrevistas realizadas com antigos moradores da região, Vital descreve o processo de saída forçada de líderes religiosos do candomblé e da umbanda frente ao poder de influência conquisto por grupos evangélicos pentecostais junto ao chefe do tráfico. Através de estudos de casos e analise das trajetórias de vida dos “traficantes evangélicos”, Vital afirma que grupos evangélicos passaram a receber apoio moral e financeiro dos traficantes de drogas que pagavam altas quantias em forma de dízimos e ofertas para o trabalho social das igrejas (VITAL, 2009) Além do projeto UPP Fight, acompanhei durante um bom tempo (de forma virtual) outras iniciativas que oferecem aulas MMA para jovens moradores de favelas com UPP. Especificamente, o Centro Esportivo e Cultural, no Santa Marta; o Clube de Luta Copa Leme, no Chapéu Mangueira/Babilônia; o Onça Muay Thai Team, no Vidigal; o Formando Campeões, na Mangueira e Geração UPP, também coordenado por policiais da UPP Providência. As duas últimas iniciativas citadas merecem destaque por se tratarem projetos sociais financiados com recursos de Minotauro, através de parceria firmada entre o Instituto Irmãos Nogueira e o Governo do Estado. Em junho de 2015 o governador Luiz Fernando Pezão visitou a sede do projeto Geração UPP da Providência. Durante sua passagem pelo local, Pezão reencontrou o campeão mundial de jiu-jítsu, Gabriel Monteiro. O atleta de 16 anos é morador da favela da Providência e já esteve anteriormente com o governador, após conquista a vitória no World Jiu-jítsu na Califórnia, nos Estados Unidos. Gabriel integra o projeto Geração UPP da Providência, onde treina há quatro anos. Atualmente, na UPP Providência, a unidade do projeto Geração UPP atende 275 crianças e adolescentes que Os “traficantes evangélicos” estudados por Vital (2009) foram responsáveis pelo agenciamento de uma série de intervenções simbólicas no território. Onde haviam muros pintados com imagens santos populares ou a de “Bob Marley sentado sobre uma folha de maconha”, por exemplo, estes foram apagados e substituídos por passagens e versículos da Bíblia. 158

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participam de atividades como jiu-jítsu, muay thai, judô e MMA. O projeto conta com o apoio da LBV, do consórcio municipal Porto Novo, do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Dodô da Portela e do Sesi (Firjan).

Figura 24: O governador Pezão durante visita ao projeto Geração UPP, na Providência. Em destaque, o adolescente Gabriel Monteiro exibe a medalha conquistada no campeonato mundial de jiu-jítsu

4.2 Copa UPP de Artes Marciais Nos últimos quatro anos, a PMERJ já promoveu seis edições da Copa UPP Novos Talentos, evento que reúne crianças e jovens praticantes de jiu-jítsu e MMA moradoras de favelas pacificadas159. A Copa é realizada pela Federação de Jiu-jítsu Desportivo do Estado do Rio de Janeiro (FJJD-Rio) em parceria com a Coordenadoria de Polícia Pacificadora. A Copa UPP Novos Talentos integra o chamado Circuito Rio Open da Federação e, em 2013, participei da edição que reuniu atletas de dezoito favelas com UPP: Alemão, Andaraí, Babilônia, Barreira do Vasco, Batan, Borel, Caju, Cidade de Deus, Mangueira, Manguinhos, Mineira, Providência, Rocinha, Santa Marta, São Carlos, Turano, Vidigal e Vila Cruzeiro. Segundo seus organizadores, o campeonato está para além de uma simples disputa entre favelas, a Copa UPP representaria a “harmonia entre moradores de 159

A Copa UPP é uma grande arena onde pode-se ver todas os projetos de artes marciais conduzidos por policiais em um só lugar. A reunião dessas iniciativas fragmentadas ganha corpo e força frente às lentes das câmeras e repercussões na mídia.

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regiões antes marcadas pela rivalidade entre facções criminosas”. Nesse clima, crianças e adolescentes de 4 a 17 anos e adultos graduados nas faixas brancas e azuis, selecionados por seus desempenhos, competiram acompanhados pela torcida de familiares, professores e policiais. Os organizadores do evento destacam a participação de duas irmãs (Vitória e Rafaela, de 13 e 9 anos) moradoras da Cidade de Deus. Ambas são tricampeãs em suas categorias e juntas possuem muitas medalhas. Vitória e Rafaela foram “descobertas” pelo soldado da PM Flávio Luis, professor responsável pelo projeto CDD Quadras. A iniciativa oferece aulas de jiu-jítsu e MMA para jovens moradores da Cidade de Deus. Somente através do CDD Quadras, cerca de 70 alunos praticam o esporte regularmente. “Este trabalho ‘quebrou’ a distância que existia entre a polícia e o morador. Nós abrimos o espaço para que os alunos treinassem junto com os policiais praticantes da modalidade. Esta integração ajudou a quebrar um preconceito. Hoje somos tratados com respeito. E para os nossos alunos somos como uma família”, afirmou o policial militar Flávio Luis.160

Figura 25: Crianças e adolescentes praticantes de jiu-jítsu e MMA moradoras de favelas com UPP participam da 2ª Copa UPP. Depoimento retirado da matéria “jiu-jítsu transforma vida de jovens de áreas pacificadas”, publicada em 7/12/13, e disponível em www.upprj.com 160

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Para o presidente da Federação de Jiu-Jítsu, Rogério Gavazza, o aumento de 60% nas inscrições para a segunda edição da Copa UPP vai além da inclusão de mais seis unidades pacificadoras ao evento. Esta também na popularização dos campeonatos de MMA. “De adversários da vida, hoje eles são adversários no tatame, com respeito e disciplina. Os ídolos também estão mudando. Agora são os campeões de MMA. Eles assistem às lutas na internet ou na televisão e depois querem fazer igual no treino. E isto tudo sob a orientação dos policiais professores do projeto. É uma conquista!”, disse Gavazza.

Em “Cidadãos não vão ao paraíso”, Alba Zaluar (1997) apresenta uma analise sócio-antropológica de avaliação de impacto de dois programas esportivos voltados para crianças e adolescentes em vulnerabilidade social nos anos 80 – o PRIESP, executado pela Fundação Roberto Marinho; e o RECRIANÇA, do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Realizados respectivamente em 1985 e 1987, os projetos utilizavam o esporte como parte importante de um projeto pedagógico mais amplo. Os projetos consistiam em oferecer aos alunos da rede municipal de ensino a prática esportiva no contra turno escolar, iniciativa semelhante ao programa de vilas olímpicas161 executado pela Prefeitura do Rio através do programa Rio em forma, Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL). Ao propor uma análise do programa esportivo por meio de três eixos temáticos – lazer, pedagogia e profissionalização – a proposta opta por investigar o motivo do esporte ter tamanha importância entre as classes populares no Brasil, especialmente o futebol. A autora afirma que tal fascínio encontra-se resguardado na sensação de liberdade e igualdade que este esporte parece oferecer. O esporte sucumbiria, de forma temporária, as desigualdades sociais de oportunidades definidas desde antes mesmo

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Atualmente são 18 unidades espalhadas pela cidade do Rio. Uma parte considerável dos equipamentos está localizada estrategicamente próxima a favelas com UPP e grandes complexos da cidade. As vilas olímpicas oferecem aulas de futebol, basquete, voleibol, ginástica, atletismo e treinamento funcional. Para saber mais, ver http://www.rio.rj.gov.br/web/smel/vilas-olimpicas. Mapa das vilas olímpicas disponível em: https://www.google.com.br/maps/search/Vila+olimpica+rj+/@-22.8571749,-43.2525411,12z

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desse adolescente nascer, amarras impostas pelo cruel sistema social brasileiro (DA MATTA, 1982). Como forma de escapar de tal destino, os jovens buscariam no esporte uma compensação educacional por todas as limitações enfrentadas durante o processo de escolarização. De certo modo, a profissionalização em um esporte como o futebol e o MMA acaba por inverter a lógica que determina os valores de remuneração no mercado de trabalho. Segundo técnicas de projeção estatística e econômica, afirma-se que a variável “renda” é dependente na variável “anos de educação”. Isso é, para cada ano a mais de estudo acionado na projeção econômica maior o valor de retorno financeiro para aquele individuo. Ao entrar em contradição com o cenário atual, onde lutadores de MMA e jogadores de futebol assinam contratos milionários com time e companhias internacionais, tal aferição não faz sentido algum. Podemos indicar, nesse caso, que nos esportes de combate aqui citados o corpo é rei. É ele o responsável por oferecer a adolescentes e jovens moradores de favelas e periferias a oportunidade de experimentar um plano de inversão e mobilidade radical de condição econômica e social.

4.3 O que esse fenômeno nos revela? O objetivo desse capítulo foi apresentar algumas das estratégias criadas atualmente por forças do Estado como forma de aproximação entre policiais militares e moradores de favelas “pacificadas” da cidade do Rio de Janeiro. Ao se utilizarem do esporte como ferramenta de ação social no território, estes tem conquistado a atenção de veículos midiáticos que ratificam o sucesso do “social” das UPPs. Historicamente enxergados pelo Estado como “pré-cidadãos”, moradores de favelas nunca foram compreendidos pelo Estado através do ângulo dos direitos, mas sim como populações desprovidas da “pedagogia civilizatória” necessária para se viver em sociedade (BURGOS, 1999). Desde a sua origem, a favela sempre foi vista como um “problema” da cidade, sendo necessário lançar mão de táticas políticas e sociais para lidar com sua iminência. A partir de tal chave de entendimento, a favela foi (e continua 135

sendo) alvo de diversos projetos pilotos no campo das políticas habitacionais de moradia popular e urbanização de seus becos, ruas e vielas. Nesse modelo, favelas são consideradas laboratórios experimentais de tais políticas e seus moradores exercem a função de “cobaias” ao experimentar seus efeitos colaterais.162 Para além das intervenções físicas e urbanísticas feitas nas favelas cariocas, podemos dizer que ao longo dos anos os corpos de seus moradores também têm sofrido com efeitos das políticas de governamentais. As marcas deixadas em seus corpos configuram verdadeiras zonas de tatuagem (FARIAS, 2014) que cumprem o papel de identificar, conter e conquistar corações e mentes de moradores de favelas. Esse é um dos papéis atribuídos às UPPs enquanto força de ocupação militar territorial, e o conjunto de dispositivos de vigilância163 e controle social que esta introduz (FOUCAULT, 2009). Nos últimos anos, com o advento dos Jogos Olímpicos Rio 2016, a atual gestão da Prefeitura tem se preocupado com os chamados “legados olímpicos” do megaevento. As UPPs, inclusive, são peças fundamentais da preparação para os Jogos na garantia da “segurança” e tranquilidade na cidade. Além construir estádios, arenas e corredores expressos para transportes de população em massa a Prefeitura tem colocado em práticas determinados mecanismos de produção de subjetividades em corpos. Os moradores de favelas e zonas empobrecidas da cidade são o público alvo de tais programas e projetos em andamento. Um exemplo de política pública que utiliza o corpo com ferramenta pedagógica de transformação social é o chamado Ginásio Experimental Olímpico (GEO). O programa é executado pela Secretaria Municipal de Educação e atendem alunos do 6º ao 9º ano da rede, que em turno integral mesclam atividades escolares e esportivas164. Os estudantes são submetidos a uma rotina de treinos diários, com pelo menos 2h de prática

Ver vídeo sobre “Morar Carioca” wFmX0&list=UUyu-XsrcFIV_hXZgzecil8g 162

em

https://www.youtube.com/watch?v=d9Gbv-

A instalação de câmeras de vigilância em becos e ruas de favelas “pacificadas” pela policia militar chama atenção ainda hoje. Instala-se aqui, a possibilidade e importância da observação de todos sobre todos. 163

164

Ver mais em http://www.cidadeolimpica.com.br/geo-campeoes-olimpicos-em-cidadania/

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esportiva e precisam manter boas notas para continuar na modalidade de ensino. Atualmente, há três unidades em funcionamento na cidade que atendem crianças e adolescentes moradores do Caju (centro), da Pedra de Guaratiba (zona oeste) e o complexo de favelas de Santa Teresa (zona sul)165. Ao produzir um programa como o GEO, a Prefeitura do Rio divulga para o mundo sua preocupação com o “legado social” deixado após os Jogos e demonstra como a cidade vem buscando soluções através de programas voltados para as gerações futuras. Assim, o projeto de Cidade Olímpica166 adotado pelo Rio de Janeiro pode ser compreendido como uma prática anatômica que utiliza o esporte com meio para a produção de corpos jovens, atléticos e olímpicos. Além disso, desde 2012 o Governo Estado Rio de Janeiro oferece aulas de lutas marciais como política pública de esporte para jovens moradores de favela no Rio de Janeiro. As aulas ocorrem nas instalações de algumas unidades dos Centros de Referência da Juventude (CRJ), equipamentos espalhado por favelas do município que desenvolvem atividades especificas para adolescentes e jovens. O CRJ é um programa criado pela Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) em 2010, sendo gerido a partir de 2015 pela Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude (SEELJE). Recentemente, em julho de 2015, a Jungle Fight (empresa que promove campeonatos nacionais de MMA) firmou uma parceria com a SEELJE para relaizar eventos de luta nas favelas com UPP e em cidades do interior do Rio de Janeiro. De acordo com o presidente da organização, o objetivo é popularizar o MMA nos municípios do interior fluminense e descobrir novos talentos do esporte: “É a hora do MMA crescer e dar oportunidade a atletas de todos os municípios do estado e que essa ferramenta de inclusão social favoreça o máximo de 165

Vale ressaltar que Caju e Santa Teresa são bairros da cidade do Rio que abrigam favelas com UPP.

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Cidade Olímpica é uma marca de campanha criada pela Prefeitura do Rio em 2011, como estratégia de divulgação do calendário de eventos e obras que anteveem os Jogos Olímpicos de 2016. Foi lançado um portal de noticias que reúne todas as iniciativas e andamento de projetos como o Porto Maravilha; a obras dos corredores expressos TransOeste, TransOlímpica e TransCarioca; e os programas de urbanização Bairro Carioca e Morar Carioca.

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atletas ajudando ainda mais a massificação do esporte”, afirmou Wallid Ismail, presidente da organização.

Atualmente são três as unidades do CRJ que oferecem aulas de MMA para jovens moradores de favelas: Providência, Complexo do Alemão, e Manguinhos.167 Os demais cursos e oficinas oferecidas nesses equipamentos são balé contemporâneo, jazz, capoeira, futebol, teatro e outros. Todos são praticas que utilizam o corpo como objeto de mediação da comunicação e expressão humana.

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Atualmente, há outros oito CRJs no estado do Rio: Cantagalo / Pavão-Pavãozinho, Cidade de Deus, Duque de Caxias, Jacarezinho, Vila Paciência, Niterói, Nova Iguaçu e Silva Jardim.

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CONCLUSÃO

Sabe-se que o Estado produz e administra as margens que este próprio cria a partir de dispositivos de ordem e poder (DAS e POOLE, 2004). Tal leitura nos possibilita ler esses dispositivos em uma perspectiva de diálogo político, da edificação do Estado a partir de suas práticas. Da mesma forma, são as margens que produzem sentido ao Centro e tudo mais o que este possa vir a se opor ou representar no imaginário social. Vale ressaltar que estas margens não são compreendidas pelas autoras como sendo desorganizadas, confusas ou caóticas. São conferidas a estas um ordenamento e desempenho próprio sobre a cidade. Tais fatores são indispensáveis para se pensar o projeto Faixa Preta de Jesus e as demais estratégias sociais aqui apresentadas. Constantemente, circulam pelos noticiários de TV e veículos de comunicação vários casos de jovens que abandonaram a vida no crime após passarem por projetos sociais e/ou instituições de recuperação. Tais adventos reforçam a ideia de que esses são indivíduos que receberam uma segunda chance de oportunidade, “uma nova vida”. O uso isolado do esporte como ferramenta social estratégica parece não ser a único fator responsável por atrair tais jovens. No caso do projeto social Faixa Preta de Jesus, aqui apresentado, a religião é utilizada como elemento capaz de dar liga ao processo de mudança de vida e sentido aos novos plano de futuro. Como já demonstrado anteriormente, a combinação entre MMA e religião é enxergada por alguns grupos religiosos tradicionais como sendo uma controvérsia recentemente construída no campo. Para essas, o MMA caracteriza-se como uma pratica violenta, secular e que nenhum valor moral agrega ao exercício da cidadania cristã. Tais organizações e projetos sociais rebatem as críticas que recebem através de números, que demonstram o contingente de vidas impactadas e “transformadas” pela iniciativa e por meio do poder de Deus. Além do mais, defende-se ainda por estas a hipótese de que os riscos oferecidos pela prática do MMA168 são menores quando

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Em maio de 2013, o jornal Folha Universal da IURD publicou uma matéria sobre os riscos da prática do MMA e as sequelas causas pelos golpes. O jornalista utilizou com centro da reportagem o caso de um

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comparados com as tensões e perigos que assolam aqueles que vivem no tráfico de drogas e no confronto diário com a Polícia, por exemplo. O MMA oferece dinheiro, fama e a construção de uma imagem notória baseada na virilidade masculina – todos os elementos valorizados no “mundo da criminalidade”. Outra prerrogativa que recai sobre a vida daqueles que optam pela prática do MMA é o cuidado com o corpo. Existe uma série de regras e proibições que os lutadores precisam obedecer à risca. Por exemplo, evitar um estilo de vida agitada que envolva festas e “vícios” (não fumar, não beber e não utilizar drogas) a fim de manter o corpo “limpo” e saudável. Além do mais, todos os lutadores profissionais são submetidos a um sistema rígido de exames antidoping surpresa169. Ao risco de ser pego é uma ameaça constante na vida dos atletas. Ao incluir a religião como ingrediente no meio esportivo, os lutadores de MMA podem ser enxergados como possuidores de um “selo de qualidade” que é atestada por sua pratica fora das lutas. É sua religião a responsável por manter o lutador evangélico fora de tais riscos profissionais. Assim, podemos dizer que, religião e o esporte são parceiras em um processo civilizador (ELIAS, 1993) que molda os corpos e atitudes dos lutadores para o sucesso do esporte; ao mesmo tempo em que produz potenciais fiéis para a religião cristã. Aqui, ser um “atleta de Cristo” é visto como selo de garantia e qualidade. Sem dúvida, esse é o caso que se aplica ao projeto social Faixa Preta de Jesus que foi analisado aqui por mim. Ao oferecer o MMA como ferramenta social para a “salvação” de adolescentes e jovens envolvidos (ou em envolvimento) com o crime, o projeto cumpre a função de um canal de conversão religiosa ativa para tal público. Entretanto, a salvação não compreendida pelo projeto apenas pelo erguer das mães e o aceite de Jesus. Aqui, a salvação passa pela produção de um corpo santificado e apto para a guerra.

lutador norte-americano que ficou tetraplégico após uma luta. Outros riscos apresentados no campo são hematomas, traumatismo craniano, ossos quebrados e a perda de sensibilidade em partes do corpo. 169

A nova política em vigor no UFC é muito mais rígida que a anterior e está sendo implementada pela Agência Antidoping dos EUA. Ver: http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2015/08/dirigenteexplica-proibicao-do-soro-e-regras-da-politica-antidoping-do-ufc.html

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A metáfora de guerra que cabe aqui é a de batalha espiritual. A metáfora de batalha espiritual é compreendida pelos evangélicos como sendo as lutas travadas no dia a dia do cristão contra as formas de agência do diabo na Terra. A esta explicação é acometido os infortúnios e males experimentados na vida dos homens, como problemas no relacionamento, envolvimento com as drogas e adesão ao crime. Assim, podemos dizer que o projeto Faixa Preta de Jesus é responsável por aparelhar corpos de jovens que se preparam para o combate físico nos ringues de luta, ao mesmo tempo em que travam batalhas espirituais cotidianamente no espaço público. Assim, proponho a compreensão do projeto social como uma “máquina” de conversão religiosa, onde por um lado entram jovens com corpos marcados pelo pecado, sujos e doentes que chegam em busca de ajuda; e do outro lado, os mesmos saem convertidos em forma de corpos santos, fortes e saudáveis. Contudo, os sentidos aqui apresentados são apenas signos construídos e reafirmados por aqueles que buscam na religião os significados para explicação e sobrevivência no mundo ao seu redor. A experiência nos revela o dinamismo e força contida nos fenômenos religiosos do mundo moderno. A este é conferido a capacidade de sempre encontra brechas para ocupar, estratégias para sobreviver e feridas para curar.

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147

ANEXOS

Anexo A – Depoimento dos pais de alunos do projeto Faixa Preta de Jesus Anexo B – Tabela sobre a bancada religiosa na votação da PEC da Redução da Maioridade Penal Anexo C – Estampas das camisetas produzidas pela marca “Jesus didn´t tap”, de Jason Frank Anexo D – Representações de Jesus Cristo como lutador

Anexo E – Ensaio fotográfico: eu sou Faixa Preta de Jesus

148

ANEXO A

DEPOIMENTO DOS PAIS DE ALUNOS DO PROJETO FAIXA PRETA DE JESUS

Depoimento 1 - Entrevistador: É isso ai galera, estamos aqui mais um dia, hoje estaremos nós estaremos fazendo algumas entrevistas com os pais dos alunos pra sabermos como foi o antes e depois na vida dos seus familiares, esse presente aqui é o Responsável 1, ele vai falar pra gente como era o filho dele. - Responsável 1: Bom gente, estamos ai pra dar esse depoimento a respeito do projeto Faixa Preta, que foi na vida do meu filho, que era um menino que estava um pouco desatento nos estudos, tava um pouco rebelde, tava ficando meio respondão, não estava muito centrado na parte espiritual e religioso. E a partir do momento que ele entrou e começou a treinar aqui, que eu também treino e faço parte, ai melhorou o aspecto dele com atenção, começou a parte do estado físico e mental dele melhorou, ele começou a ser um garoto mais responsável, começou a fazer amizades, boas amizades, e eu só tenho a falar bem do projeto e falar bem a partir do momento que ele entrou até hoje a mudança q eu percebi nas atitudes dele e no comportamento que ele teve a partir do momento que ele entrou aqui, então, esse projeto foi uma benção na vida do meu filho, ta sendo na minha vida e ta sendo muito na vida dos jovens que também fazem parte desse projeto. - Entrevistador: Falou galera, esse é o Responsável 1, pai do Aluno 1 que relatou pra gente como era e como é um novo João Anízio após o Faixa Preta de Jesus.

Depoimento 2 - Entrevistador: É isso ai galera, estamos aqui com a mãe de dois alunos, duas crianças, que vai estar dando um breve relato de como era e como estar a disciplina em casa, na escola, o que mudou no comportamento das crianças depois da entrada no Projeto Social Faixa Preta de Jesus. - Responsável 2: Sou mãe da Aluna 2A e do Aluno 2B.

149

- Entrevistador: O que você pode observar?Como eram o Aluno 2B e a Aluna 2A antes de entrarem pro Projeto Faixa Preta? - Responsável 2: Eles eram muito tristes, ficavam em casa entretecidos. Brigavam um com o outro e isso me atormentava muito. Até que um dia meu pai chegou ate a mim e disse, “Tem um projeto ali na igreja que é de Jiu-Jítsu, você não quer levar as crianças para conhecer?” Ai eu falei, pai, vamos tentar pra poder ver se eles se alegram ou se animam com alguma coisa. Meu pai levou a minha filha, a minha filha gostou e ela continuou lá, primeiro mês, segundo mês, e meu filho entrou depois. E nisso a Aluna 2B foi se desenvolvendo e mudou completamente. Depois que ela conheceu esse projeto ela mudou muito e eu fui notando a mudança dela, ela estava mais extrovertida, porque ela não falava com ninguém e ficava sempre emburrada, de bico com as pessoas, hoje não. - Entrevistador: E o Aluno 2A? Qual foi a mudança dele? - Responsável 2: A mudança do Aluno 2A? Ele também, as pessoas falavam com ele e ele só faltava entrar dentro da camisa pra não falar com ninguém porque estava envergonhado. Hoje em dia ele fala com todo mundo, brinca com todo mundo, sorrir pra todo mundo. Então eu senti vontade de conhece o Faixa Preta, foi quando eu entrei pro Faixa Preta, e o Faixa Preta mudou completamente a minha vida. - Entrevistador: Então estamos vendo que não só foi uma mudança na vida dos alunos, como também na mudança na vida da Rosangela, que Deus continue abençoando a vida dela e na família dela. 1... 2... 3... - Responsável 2: Faixa Preta de Jesus!

Depoimento 3 - Entrevistador: Bom galera, mais um pai de aluno que estará dando um breve relato do que o projeto Faixa Preta de Jesus tem promovido na formação do caráter, na formação de cidadão do seu filho. Estamos com o pai do Aluno 3 e ele vai estar falando pra gente o que aconteceu. Como era o Aluno 3 antes? - Responsável 3: O Aluno 3 antes do projeto era uma pessoa viciada em drogas, estava envolvido com trafico de drogas também, depois que ele conheceu o projeto graças a Deus houve uma mudança radical na vida do meu filho e eu tenho que agradecer a Deus primeiramente e depois eu tenho que agradecer o projeto que foi uma porta que Deus abriu na vida do meu filho que 150

tenha vindo contribuir pra um crescimento tanto espiritual dele como também profissional. - Entrevistador: Muito bom, muito bom! E como era ele no tratamento com o senhor? Ele era carinhoso ou ele era aquela pessoa distraída por causa dos problemas?Fala pra mim como era o comportamento dele em casa. - Responsável 3: O Aluno 3, apesar de ser criado no ambiente evangélico, ele era um cara que apresentava uma revolta nele da qual a gente não conhecia. Não conseguia detectar qual o tipo de revolta existente nele. Pois ele começou a se envolver com drogas e com o tráfico. - Entrevistador: E hoje? Como é o Aluno 3 hoje, o novo Aluno 3 atleta do Faixa Preta de Jesus. - Responsável 3: Hoje está totalmente mudado, totalmente diferente é um cara focado, é um cara com objetivos, um cara que só pensa em conquistar o objetivo dele que é a luta. E isso se deu no Faixa Preta de Jesus! - Entrevistador: Glória a Deus, então estamos aqui com mais um pai de um campeão que conseguiu mudar sua vida com o Projeto Faixa Preta de Jesus. 1... 2... 3... - Edivaldo: Faixa Preta de Jesus!

Depoimento 4 - Entrevistador: Bom, estamos aqui hoje com mais uma mãe de um aluno que tem seu filho aqui no faixa preta, qual e o nome do seu filho? - Responsável 4: Aluno 4 - Entrevistador: Ah, você é a mãe do Aluno 4! E conta pra gente como era o Aluno 4 antes de conhecer o Projeto Faixa Preta de Jesus. - Responsável 4: O Aluno 4 era um pouco teimoso, brincava sempre com crianças que não eram muito de amizades pra ele ter. Depois do Faixa Preta ele melhorou bastante as amizades, tá mais obediente, tá mais comportado e estudioso. Até porque se ele não estudar, ele não tem como ficar no Faixa Preta. Então ele tira notas boas no colégio, leva os estudos a serio e é uma benção. - Entrevistador: Quer disser então que ele mudou da água pro vinho?

151

- Responsável 4: Mudou! Ele jogava muito futebol e eu avisava pra ele assim “Meu filho, todos são seus amigos, mas você tem que ver o que eles fazem! O comportamento deles, você tem que visualizar o que serve pra você e o que não serve”. Então depois que ele entrou no Faixa Preta ele se distanciou completamente. Então, ele ainda tem amizades daquela época, mas fala “Oi, como vai, tudo bem?”, mas não se aproxima mais. Então quer disser ele melhorou muito, muito, muito! - Entrevistador: E a questão do relacionamento mãe e filho? Como foi essa mudança? - Responsável 4: Ele ficou muito mais carinhoso. Ele chega me abraça, conta do Faixa Preta: “Mãe fui lá embaixo ajudar a montar o ringue, a gente vai ganhar um ringue”, foi uma felicidade muito grande e espetacular o que ele fala pra mim daqui. É uma alegria muito grande que ele sente! - Entrevistador: É isso ai galera, mais uma mãe de um futuro campeão do Projeto Faixa Preta de Jesus. 1... 2... 3... - Responsável 4: Faixa Preta de Jesus !

Depoimento 5 - Entrevistador: Estamos aqui gente com mais uma mãe de um aluno do Projeto Faixa Preta de Jesus, ela é mãe do Aluno 5 e vai dar um breve relato pra gente como o Faixa Preta de Jesus tem agido na vida do filho dela. Como era o Aluno 5 antes de conhecer o Projeto Faixa Preta de Jesus? - Responsável 5: Era uma criança muito rebelde, muito rebelde mesmo! Eu não conseguia manter ele na escola, não conseguia que ele ficasse quieto. Ele não tinha disciplina em nada! Agora eu vejo que ele mudou e tá uma criança muito boa. Ele chegava dentro de casa e não me obedecia, não obedecia ao padrasto, não obedecia ninguém! Agora ele mudou. - Entrevistador: E na escola, como ele era e como ele esta agora? Na escola. - Responsável 5: Na escola? Uma vez eu cheguei aqui pra encontrar o Ricardo e falei: “Olha, eu quero saber se ele vai querer continuar aqui. Eu vim trazer ele aqui pra mostrar pra você como ele ta na escola” Nem os diretores, nem a escola, queriam ele de jeito nenhum. - Entrevistador: E agora? Como tá o Aluno 5 na escola?

152

- Responsável 5: Agora ele tá o primeiro aluno na escola. Me deram até os parabéns. Me chamaram lá. A diretora da escola me chamou e disse “Como a gente te chamou varias vezes pra reclamar dele, agora viemos aqui te dar os parabéns, seu filho ta outra pessoa e aonde ele tá?” E eu falei que ele estava fazendo o Projeto Faixa Preta de Jesus. E falaram pra deixar ele lá, que lá é o melhor caminho pra vida dele! - Entrevistador: E na relação mãe e filho? Como foi essa mudança na vida do seu filho? - Responsável 5: Ah, bem melhor. Ele ta muito mais carinhoso, não só comigo, mas com o padrasto dele que era um problema sério. Agora eu vejo os dois brincar, abraçar e me sinto mãe mesmo. Mas as pessoas que conviviam com ele eram muito distantes, agora ele cativou todo mundo pra ele, porque ele não conseguia ficar perto de ninguém, agora as pessoas brincam com ele, ele brinca com o padrasto. Ele já chega em casa e deita em cima do padrasto dele e parece pai. - Entrevistador: Então gente é isso ai, mais um relato da transformação de vidas de um garoto que era apático, hiperativo, e vocês estão comprovando como Deus atuado, como Deus tem usado pessoas pra poder direcionar as crianças do projeto Faixa Preta de Jesus. 1... 2... 3 ... - Responsável 5: Faixa Preta de Jesus!

Entrevistador: Alexandre Miranda Local da Filmagem: Centro de Treinamento do Faixa Preta de Jesus

153

ANEXO B

TABELA SOBRE A BANCADA RELIGIOSA NA VOTAÇÃO DA PEC DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL 170

Votaram “SIM” – 56 (cinqüenta e seis) deputados representantes da bancada religiosa foram a favor da PEC de redução da maioridade penal, em sessão realizada no dia 30 de junho de 2015. Parlamentar Alan Rick Altineu Cortes Anderson Ferreira André Abdon Antônio Bulhões Antônio Jácome Bruna Furlan Carlos Andrade Carlos Gomes Cleber Verde Del. Francischini Edmar Arruda Eduardo Cunha Erivelton Santana Ezequiel Teixeira Geovania de Sá Irmão Lazaro Jefferson Campos Jhonatan de Jesus João Caldas (JHC) João Campos Jorge Tadeu Mudalen Josué Bengtson

Partido PRB PR PR PRB PRB PMN PSDB PHS PRB PRB SD PSC PMDB PSC SD PSDB PSC PSD PRB SD PSDB DEM PTB

UF AC RJ PE AP SP RN SP RR RS MA PR PR RJ BA RJ SC BA SP RR AL GO SP PA

Denominação Batista Assembleia de Deus - Ministério Madureira Assembleia de Deus Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Assembleia de Deus Congregação Cristã do Brasil Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Assembleia de Deus Assembleia de Deus Mundial do Poder de Deus Sara a Nossa Terra Assembleia de Deus Projeto Vida Nova Assembleia de Deus Batista Evangelho Quadrangular Universal do Reino de Deus Internacional da Graça Assembleia de Deus Internacional da Graça Evangelho Quadrangular

170

As linhas em destaque nas tabelas são referentes a parlamentares representantes do estado do Rio de Janeiro.

154

Julia Marinho Leonardo Quintão Lincoln Portela

PSC PMDB PR

PA MG MG

Assembleia de Deus Presbiteriana Batista Nacional

Lindomar (Garçon) B. Alves PMDB

RO

Evangelho Quadrangular

Manato SD Marcelo Aguiar DEM Márcio Marinho PRB Marcos Rogério PDT Marcos Soares PR Marquinhos Mendes PMDB Missionário José Olimpio PP Nilton Capixaba PTB Onyx Lorenzoni DEM Pastor Eurico PSB Pastor Franklin PTdoB Pastor Gilberto Nascimento PSC Pastor Jony PRB Pastor Marco Feliciano PSC Paulo Freire PR Prof. Victório Galli PSC Roberto Alves PRB Roberto Sales PRB Ronaldo Fonseca Pros Ronaldo Martins PRB Ronaldo Nogueira PTB Rosangela Gomes PRB Sérgio Brito PSD Sóstenes Cavalcante PSD Stefano Aguiar PSB Takayama PSC Tia Eron PRB Vinicius Carvalho PRB

ES SP BA RO RJ RJ SP RO RS PE MG SP SE SP SP MT SP RJ DF CE RS RJ BA RJ MG PR BA SP

Cristã Maranata Renascer em Cristo Universal do Reino de Deus Assembleia de Deus Internacional da Graça Metodista Mundial do Poder de Deus Assembleia de Deus Luterana Assembleia de Deus Igreja Mundial do Poder de Deus Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Assembleia de Deus Catedral do Avivamento Assembleia de Deus Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Universal do Reino de Deus Assembleia de Deus Assembleia de Deus Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Batista Assembleia de Deus Vitória em Cristo Evangelho Quadrangular Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus Universal do Reino de Deus

Fonte: Mídia, Religião e Política.

Votaram “NÃO” – 9 (nove) deputados representantes da bancada religiosa foram a favor da PEC de redução da maioridade penal, em sessão realizada no dia 30 de junho de 2015.

155

Aureo Benedita da Silva Cabo Daciolo Christiane Yared Clarissa Garotinho Eliziane Gama Max Filho Sérgio Vidigal Washington Reis

SD PT _171 PTN PR PPS PSDB PDT PMDB

RJ RJ RJ PR RJ MA ES ES RJ

Metodista Presbiteriana Evangélico Não-Determinado Evangelho Eterno Presbiteriana Assembleia de Deus Presbiteriana Batista Assembleia de Deus

Fonte: Mídia, Religião e Política.

Faltaram à sessão. Aguinaldo Ribeiro Fábio Souza Francisco Floriano Laércio Oliveira Silas Câmara

PP PSDB PR SD PSD

PB GO RJ SE AM

Toninho Wandscheer

PT

PR

Batista Fonte de Vida Mundial do Poder de Deus Presbiteriana Assembleia de Deus Comunidade Cristã Nova Vida de Fazenda Rio Grande - PR

Fonte: Mídia, Religião e Política

Deputados da bancada religiosa que mudaram seu voto:

Votou "NÃO" na primeira sessão, de 30 de junho, e mudou para "SIM" na segunda votação, em 1º de julho. João Caldas (JHC)

SD

AL

Internacional da Graça

Absteve-se na primeira votação e votou "SIM" na segunda.

171

Atualmente sem partido, porém eleito Deputado Federal em 2014 com 49.831 votos validos, Cabo Daciolo foi expulso do Psol-R em maio/2015. A decisão saiu dois meses depois do parlamentar ser suspenso por decisão da Executiva Nacional, acusado de contrariar o estatuto da legenda ao fazer declarações e protocolar projetos de cunho religioso. Para saber mais, ver: http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/apos-polemicas-psol-expulsa-deputado-cabo-daciolodo-partido-5792.html

156

Lindomar (Garçon) B. Alves PMDB

RO

Evangelho Quadrangular

Votou "NÃO" na primeira votação e se ausentou na segunda. Toninho Wandscheer

PT

PR

Comunidade Cristã Nova Vida de Fazenda Rio Grande - PR

Fonte: Mídia, Religião e Política.

157

ANEXO C

ESTAMPAS DAS CAMISETAS PRODUZIDAS PELA MARCA “JESUS DIDN´T TAP”, DE JASON FRANK

Nas estampas das camisetas, desenhos de Jesus Cristo lutando contra o diabo. Jesus aplica golpes, arremessos e técnicas de imobilização características do universo do MMA.

158

ANEXO D

REPRESENTAÇOES DE JESUS CRISTO COMO LUTADOR Imagens produzidas pelo ilustrador Stephen Sawyer, de 58 anos, que criou o projeto “Art4God” [Arte para Deus] com objetivo de aproximar os jovens do caminho do evangelho.

Nas duas primeiras iconografias, a imagem de Jesus como um homem jovem, belo e forte. Na última cena, o braço de Cristo e de um viciado em drogas torna-se um só.

159

ANEXO E ENSAIO FOTOGRÁFICO: EU SOU FAIXA PRETA DE JESUS172

172

Fotos feitas por mim em setembro de 2014, no CT do projeto Faixa Preta de Jesus.

160

161

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