DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO AO MONITORAMENTO PARTICIPATIVO: O LUGAR E O MÉTODO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS ESCOLHAS ESTRATÉGICAS DE GOVERNO

July 3, 2017 | Autor: Zeca Teodoro | Categoria: Political Participation, Participatory Budgeting
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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014

DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO AO MONITORAMENTO PARTICIPATIVO: O LUGAR E O MÉTODO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS ESCOLHAS ESTRATÉGICAS DE GOVERNO

DANIEL PITANGUEIRA DE AVELINO JOSÉ CARLOS DOS SANTOS

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Painel 01/003

Participação social e transversalidade

DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO AO MONITORAMENTO PARTICIPATIVO: O LUGAR E O MÉTODO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS ESCOLHAS ESTRATÉGICAS DE GOVERNO Daniel Pitangueira de Avelino José Carlos dos Santos

RESUMO

O Brasil é referência mundial em estruturas de participação social e as práticas reconhecidas de orçamento participativo são em boa medida responsáveis por essa boa fama. A experiência do governo federal é ainda precária, em relação à participação social nas fases de elaboração orçamentária. Apesar disso, o que se observa é que vem sendo construída no governo federal uma estratégia e uma cultura de acompanhamento da execução das atividades públicas pela sociedade por meio dos conselhos nacionais, o que pode por sua vez ser considerada uma referência em termos de monitoramento. Essa prática apresenta uma forte característica de acompanhamento continuado daquilo que já foi pactuado, deslocando o momento de maior intensidade participativa das fases de debate prévias à aprovação legislativa para a execução da política propriamente dita, como um instrumento de gestão pública. Além disso, o caso federal privilegia, como método, a discussão das escolhas estratégicas de governo e suas metas, o que confere protagonismo ao planejamento público e sua expressão, o Plano Plurianual – PPA.

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1 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Os orçamentos participativos consistiram em um conjunto de práticas governamentais voltadas ao fortalecimento da participação da sociedade civil nas decisões públicas. Em comum, elegem a definição do orçamento municipal, por meio da elaboração do projeto de lei orçamentária anual, como o momento em que a população é consultada e tem a oportunidade de colaborar com a priorização da atuação do ente público. Considerado esse contexto, as formas e as metodologias para a intermediação de interesses são bastante heterogêneas. O caso do orçamento participativo de Porto Alegre, em 1989, é considerado como a manifestação mais conhecida da prática. Desde então, a adoção de processos participativos na elaboração da lei orçamentária anual vem ganhando espaço junto aos municípios brasileiros. A década de 1990 e o início da década de 2000 representaram uma expansão particularmente visível no número de municípios com orçamento participativo. A expansão desses tipos de processos participativos pode ter uma possível explicação no contexto político da época. Enquanto no governo federal havia uma ênfase na busca do equilíbrio fiscal e no que viria a ser a Reforma Gerencial do Estado, com um arrefecimento do ímpeto de abertura e democratização da máquina pública marcado pelo processo constitucional de 1987 e 1988, nas administrações municipais havia espaço político suficiente para o experimentalismo e adoção de novas estratégias de legitimação das decisões públicas. Com isso, boa parte da energia transformadora das organizações e movimentos sociais encontrou solo mais fértil nas experiências locais de orçamento participativo.

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Número de municípios com práticas de orçamento participativo

Fonte: Projeto Democracia Participativa, 2004.

Já na década de 2000 era possível encontrar municípios realizando algum tipo de orçamento participativo em todas as regiões brasileiras. A difusão dessas experiências pelo território nacional evidenciou que não se tratava de uma estratégia de participação social modelada para as grandes capitais ou restrita ao tipo específico de relação que se formou entre sociedade e governo municipal na capital Porto Alegre de fins da década de 1980. Pelo contrário, a sucessiva adoção dos modelos de orçamentos participativos por cidades com contextos sociais muito díspares revelou certa universalidade das características fundamentais da prática, no cenário urbano brasileiro, ao mesmo tempo em que trouxe destaque para sua flexibilidade procedimental, que produziram as adaptações na forma de organização do processo participativo, de acordo com a realidade de cada cidade.

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Distribuição nacional dos municípios com orçamento participativo, 2004

Fonte: PNUD/SG-PR-Brasil Federalismo, 2004

- Conferência Internacional Democracia, Participação Cidadã e

O mesmo mapa é capaz de revelar, ainda, que a expansão do orçamento participativo nos municípios brasileiros não ocorreu de forma homogênea e que houve, desde então, uma grande concentração dos casos nas Regiões Sul e Sudeste do país, em especial no interior dos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo. Isso sugeria a existência de condições favoráveis que seriam mais presentes e mais intensas naqueles dois estados do que em outros em que a expansão aconteceu de forma mais lenta. Alguns fatores sociais, como nível de renda e escolaridade, podem ser explicações parciais para o fenômeno. Outra é a predominância de gestores municipais ligados a partidos ideologicamente de esquerda naquelas regiões.

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Quantidade de experiências de orçamento participativo no Brasil, segundo o partido autor da iniciativa – Brasil, 1989-2000 Gestão política

OP

% PT

% PMDB

% PSDB

% OUTROS DIREITA

% OUTROS ESQUERDA

1989-1992

13

92

3,4

-

-

-

1993-1996

53

62

-

-

-

-

1997-2000

120

43

11,7

15,9

9,1

20,3

2000-2004

190

59

17,5

11,6

2,7

9,2

2005-2008

201

65

18,5

10,5

1

5

Fonte: Avritzer; Vaz, 2013.

A análise dos dados mostra que, apesar de ser na origem uma iniciativa tipicamente petista, o orçamento participativo passou a ser uma prática compartilhada por um espectro mais amplo de partidos, inclusive de adversários históricos do PT. A adoção por um número maior de legendas é uma indicação de que o desenvolvimento de processos de participação social ligados à elaboração orçamentária cada vez mais é assumida pelos gestores municipais como um exemplo de boa prática nas administrações locais. Uma outra mirada sobre os números permite notar que o período de maior expansão das práticas de orçamento participativo, no começo da década de 2000, corresponde também ao momento de maior distribuição da iniciativa entre os diversos partidos. Em outras palavras, é possível perceber uma relação entre os fenômenos, o que torna razoável inferir que o orçamento participativo conquista mais espaços quando é mais apropriado como ferramenta de gestão por prefeitos ligados a partidos de diferentes espectros ideológicos. Com essas considerações de caráter mais geral, seria adequado imaginar que a ocupação de governos estaduais e federal por coalizões com presença do PT pudesse levar à adoção de práticas de orçamento participativo também nesses entes da federação. De fato, o final da década de 2000 e início da

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década de 2010 assistiu à expansão da adoção de práticas participativas na elaboração da lei orçamentária anual em diversos estados brasileiros, como foram os casos do Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Paraíba, atualmente membros da Rede Brasileira de Orçamento Participativo (Anexo I). Os processos de orçamento participativo estadual colocam em questão os conceitos desenvolvidos nas experiências municipais e exigem a reformulação das metodologias para alcançar maiores escalas e novos recortes territoriais. Envolvem, portanto, uma adaptação bastante significativa. Quando a análise se desloca para o plano do governo federal, a situação não é facilmente perceptível. Não se identifica ainda uma estratégia mais ampla de participação da sociedade civil nas discussões sobre orçamento público, que se possa identificar com as práticas de orçamento participativo. Com isso, há um hiato aparente entre a tendência que se desenvolve no âmbito local e o estado em que ainda se encontra o processo de elaboração do orçamento federal. Isso pode ser devido às diferenças de escala entre o contexto de uma administração local e o do governo federal, o que exigiria uma metodologia diferenciada que termina por se afastar do que se conhece como orçamento participativo. Para confirmar essa presunção é importante avaliar se existem práticas participativas no âmbito federal que envolvam a elaboração orçamentária e como elas acontecem.

2 CONSELHOS E ORÇAMENTO O Brasil conta com um número expressivo de órgãos colegiados de participação social, na forma dos conselhos de políticas públicas. No âmbito federal, estão presentes em diversas áreas de governo e em diferentes políticas públicas. Segundo o Guia dos Conselhos Nacionais, editado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, temos em funcionamento 35 conselhos, 05 comissões nacionais e outros 57 órgãos colegiados (BRASIL, 2013):

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Conselho Deliberativo do Fundo de Conselho das Cidades Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) (CONCIDADES)

Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES)

Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)

Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC)

Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH)

Conselho Nacional de Educação (CNE)

Conselho Nacional de Saúde (CNS)

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

Conselho Nacional de Imigração (CNIg)

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)

Comissão Nacional de Agroecologia Conselho de Relações do e Produção Orgânica (CNAPO) Trabalho (CRT)

Conselho Nacional de Conselho Nacional de Segurança Pública Juventude (CONJUVE) (CONASP)

Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT)

Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC)

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)

Conselho Nacional do Esporte (CNE)

Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI)

Conselho Nacional Assistência Social (CNAS)

Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI)

Conselho Nacional de Conselho Nacional de Aquicultura Política Sobre Drogas e Pesca (CONAPE) (CONAD)

Comissão Nacional para Erradicação Conselho Nacional de Ciência e do Trabalho Escravo (CONATRAE) Tecnologia (CCT)

Conselho Curador do FGTS (CCFGTS)

Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS)

Conselho Nacional do Turismo (CNT) Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)

Conselho Nacional de Combate a Conselho Nacional de Conselho Nacional dos Discriminação e Promoção dos Promoção da Igualdade Direitos da Pessoa com Direitos de LGBT (CNCD) Racial (CNPIR) Deficiência (CONADE)

Conselho Nacional de Conselho Curador Empresa Brasil de Desenvolvimento Rural Comunicações Sustentável (CONDRAF)

Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC)

Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI)

Os conselhos foram criados como órgãos colegiados de participação social, voltados para o fortalecimento da relação entre Estado e sociedade civil, nas respectivas áreas. Será utilizada neste trabalho a definição da Secretaria-Geral da Presidência da República, que por meio da Nota Técnica nº 7, de 10 de maio de 2013, conceitua os órgãos colegiados de participação social: A leitura analítica da expressão órgão colegiado de participação social fornece, de maneira direta e intuitiva, os critérios essenciais que definem este conceito: a. órgão significa órgão público, o que especifica que os conselhos são criados e mantidos pelo Poder Público, a quem incumbe zelar pelo seu bom funcionamento. Dessa característica de publicidade decorrem outras duas: (1) os conselhos, como órgãos públicos, são estruturas permanentes do Estado; (2) os conselhos, como órgãos públicos, são estruturas formalmente instituídas por ato governamental. b. colegiado significa que o órgão é composto por mais de um titular, compartilhando o

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mesmo nível hierárquico e poder de decisão, em que as manifestações em nome desta instituição são formadas de maneira coletiva, por deliberação dos seus membros. c. participação social é a inclusão dos cidadãos e cidadãs como sujeitos de direito e titulares de interesse no processo de tomada de decisão governamental. Envolve, portanto, a confluência entre, de um lado, os temas e assuntos da agenda estatal e, de outro, a sociedade civil organizada em torno daqueles temas, na perspectiva de uma agenda pública. Os órgãos públicos são espaços de participação social se conseguem trazer atores sociais para o debate de temas públicos, o que significa, no caso de colegiados, que existem representantes não governamentais entre seus membros. (AVELINO, 2013, p.7)

O conjunto dos conselhos existentes no governo federal não é homogêneo em termos de formas de organização e conjunto de atribuições. Há, portanto, conselhos (chamados deliberativos) com competências mais fortes, que envolvem a tomada de decisão sobre aspectos relevantes das políticas públicas a que se vinculam, e conselhos (chamados consultivos) que atuam como órgãos de assessoramento, fornecendo opiniões, propostas e elementos de convicção de forma não vinculante para determinada autoridade pública, esta sim responsável pela tomada de decisão. De forma geral, o tema do orçamento público é acompanhado pelos conselhos no que diz respeito à área governamental ou à política pública a que estão relacionados. Não há uma obrigatoriedade de submissão da proposta de orçamento público aos órgãos colegiados, que atuam apenas como observadores qualificados, emitindo recomendações a serem apreciadas pelas autoridades competentes, quando houver tema do seu interesse. Existem, no entanto, algumas situações em que as atribuições dos conselhos são um pouco mais amplas. O primeiro caso é o do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado de controle da execução da política de saúde no âmbito federal. Historicamente, o CNS tem sido apontado como um modelo de conselhos de políticas públicas, precursor dos atuais conselhos. A mobilização social que se construiu em torno do tema foi responsável, entre outras transformações, na definição constitucional do Sistema Único de Saúde, que inclui a participação em suas diretrizes básicas: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...)

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III - participação da comunidade. A Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, foi a responsável pela definição dos conselhos de saúde como órgãos colegiados de participação social no âmbito do Sistema Único de Saúde em conjunto com as Conferências Nacionais, dando operacionalidade à previsão constitucional de participação da comunidade. É nessa lei que estão definidas algumas regras de organização e atribuições dos conselhos de saúde, como a seguinte: Art. 1º. (...) § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.

De forma mais específica, o CNS constitui uma das instâncias de decisão no processo de elaboração do orçamento público na área da saúde. Para isso, cumpre o princípio do planejamento e orçamento ascendente, definido no art. 36 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, como a compatibilização das necessidades da política com a disponibilidade de recursos, do nível local até o federal, ouvindo os órgãos deliberativos. No caso do governo federal, o Regimento Interno do CNS dispõe: Art. 11 Compete ao Plenário do CNS: (...) IV - aprovar a proposta setorial da saúde, no Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Geral da União e participar da consolidação do Orçamento da Seguridade Social, após análise anual dos planos de metas, compatibilizando-a com os planos de metas previamente aprovados, observado o princípio do processo de planejamento e orçamento ascendente;

Há, portanto, na área da saúde, uma institucionalização da participação social prevista constitucionalmente que envolve, inclusive, a atribuição de discutir e decidir sobre as propostas orçamentárias da respectiva política. Essa construção não se assemelha ao orçamento participativo, por envolver um número menor de representantes da sociedade civil e por estar restrita a apenas uma área de políticas públicas, mas já indica que existem alguns instrumentos de ampliação da participação social em decisões orçamentárias federais.

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Caso semelhante acontece com a área da assistência social, que guarda muitas semelhanças com a saúde em termos de promoção da participação social. Também aqui há uma base constitucional que garante a participação da sociedade na decisão sobre as políticas de assistência social, com o acréscimo de que neste caso a intermediação de organizações representativas é explicitamente prevista: Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: (...) II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

De modo semelhante à área da saúde, as políticas de assistência social também estão organizadas na forma de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que, por sua vez, apenas recentemente ganhou base legal com as alterações de 2011 à Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. É nessa lei que estão dispostas as atribuições do Conselho Nacionais de Assistência Social (CNAS), inclusive no que diz respeito à deliberação sobre o orçamento da área: Art. 17. Fica instituído o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução por igual período. (...) Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social: (...) VIII - apreciar e aprovar a proposta orçamentária da Assistência Social a ser encaminhada pelo órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social;

Essa mesma regra se repete no Regimento Interno do CNAS (art. 2º, X), o que evidencia uma consolidação do papel do órgão colegiado na apreciação da proposta orçamentária da área de assistência social. Portanto, além da saúde, também na assistência social há uma estrutura permanente responsável por trazer um olhar da sociedade sobre a elaboração do orçamento público.

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Por fim, merece destaque o caso do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), tratado na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse texto legal estão dispostas as diretrizes da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que incluem a criação de um fundo para financiamento das suas atividades. Nessa estrutura, os conselhos aparecem como órgãos colegiados responsáveis pela gestão dos respectivos recursos em cada esfera de governo: Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: (...) II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; (...) IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

O CONANDA teve a sua estrutura e atribuições definidas no Decreto nº 5.089, de 20 de maio de 2004, que regulamenta o Estatuto nesse particular. A função de gerir o fundo de direitos da criança e do adolescente no âmbito federal é confirmada, acrescida de algumas competências sobre a aprovação orçamentária: Art. 2º Ao CONANDA compete: (...) VII - acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da União, indicando modificações necessárias à consecução da política formulada para a promoção dos direitos da criança e do adolescente; VIII - gerir o fundo de que trata o art. 6o da Lei no 8.242, de 12 de outubro de 1991, e fixar os critérios para sua utilização, nos termos do art. 260 da Lei no 8.069, de 1991; e (...)

Dessa forma, também ao CONANDA é reconhecida a atribuição de intervir sobre o processo de elaboração do orçamento federal, na sua área de atuação, muito embora essa determinação surja com características diferentes daquelas vistas no caso da saúde e da assistência social. Aqui ganha destaque a existência do fundo financiador da política que, muito embora também esteja presente nas áreas de saúde e assistência social, tem no CONANDA seu órgão de gestão, não apenas de controle e fiscalização.

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Esses casos ilustram como o processo de participação da sociedade sobre a elaboração orçamentária do governo federal tem sido diferente do que foi implementado no âmbito local via orçamentos participativos, mas não foi ausente. A participação social é mediada pelos conselhos nacionais – e, portanto, indireta – e se restringe, em cada caso, à proposta orçamentária de cada uma das áreas. Por outro lado, também diferente dos casos de orçamento participativo, a instância de participação social é permanente e também responsável pelo acompanhamento da execução do que foi aprovado. Trata-se de um formato diferente, talvez mais adequado à escala do governo federal.

3 PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO Outro aspecto que chama a atenção no caso do governo federal é o conjunto de experiências de promoção da participação social no planejamento público. Para que seja melhor analisado, é preciso recordar que o orçamento público é parte de um sistema de planejamento e orçamento, com base constitucional: Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais.

No caso do governo federal, esses instrumentos foram organizados em torno do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, regido pela Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001, tendo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão como seu órgão central, coordenando os órgãos setoriais e os órgãos específicos. Essa lei define as responsabilidades de cada integrante do sistema, que, diferente dos outros apresentados até aqui, não conta com um órgão colegiado de participação social vinculado e não prevê a articulação com os outros entes da federação – não é um sistema “único”, mas apenas federal. Do mesmo modo, não prevê a participação social como uma de suas diretrizes.

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Mesmo sem essa base legal mais sólida, o governo federal desenvolveu algumas iniciativas de ampliação da participação social na elaboração do planejamento público, não por coincidência no mesmo período de expansão do orçamento participativo pelos municípios brasileiros, no início da década de 2000, e também em uma gestão do PT. Assim, enquanto o orçamento participativo ganhava fôlego em um número maior de municípios e iniciava sua impulsão sobre alguns estados, o governo federal trazia a sociedade para debater sobre o seu Plano Pluarianual (PPA). A primeira experiência aconteceu em 2003, durante a elaboração do PPA 2004-2007. Organizações e movimentos sociais foram chamados para um grande processo de mobilização e consulta, que envolveu a realização de audiências regionais acerca do conteúdo do planejamento governamental para os quatro anos seguintes. Diferente dos casos de acompanhamento orçamentário pelos conselhos, nessa mobilização todo o conjunto das políticas públicas foi posto em debate. Processo semelhante foi repetido em 2007, para a elaboração do PPA 2008-2011. Desta vez, o foco da mobilização foram os conselhos nacionais, que foram chamados a realizarem debates específicos sobre as políticas a que estavam vinculados, cujos resultados seriam reunidos e enviados ao governo federal. Tanto em 2003 quanto em 2007 foi possível perceber críticas da sociedade acerca da falta de continuidade do processo após o momento de elaboração do PPA. Considerando essa situação, o processo participativo desenvolvido em 2011, para elaboração do PPA 2012-2015, alterou significativamente o formato do diálogo. Foi criado o Fórum Interconselhos, como instância de discussão transversal das políticas públicas, formado por representantes de todos os conselhos nacionais e de mais algumas entidades e movimentos sociais. Coube ao Fórum intermediar o debate que já ocorria no âmbito de cada conselho e reunir o resultado na forma de propostas da sociedade civil ao governo. Esse processo foi complementado por um conjunto de diálogos regionalizados realizados com governadores e representantes de entidades municipalistas, em todas as regiões do Brasil. Desse percurso vieram para o planejamento federal propostas dos municípios e também dos governos estaduais, que na mesma época elaboravam os seus PPAs para o mesmo período. Houve, assim, uma preocupação de alinhamento federativo das ações do governo federal.

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O grande diferencial do Fórum Interconselhos é que a mobilização da sociedade não se esgotou no momento da elaboração do Projeto de Lei do Plano Plurianual. Passado esse momento, o Fórum foi convocado mais outras três vezes. A segunda, ainda em 2011, para apresentar à sociedade o resultado de cada uma das propostas apresentadas, na forma de respostas específicas elaboradas pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal. A terceira ocorreu em 2012 e teve como objetivo apresentar as Agendas Transversais do PPA e pactuar entre os participantes a forma de monitoramento do plano cuja vigência se iniciou naquele ano. Por fim, a quarta e mais recente edição do Fórum Interconselhos ocorreu em 2013, já como instância de monitoramento do planejamento e orçamento, na qual foram apresentados de forma oficial e unificada os relatórios de execução de cada uma das Agendas Transversais, para crítica da sociedade civil. Este formato se expandiu no ano de 2013 para alcançar também a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) do governo federal. Representantes de conselhos e movimentos sociais foram convidados a integrar um grupo de discussão que apresentou propostas de emendas ao texto da LDO 2014, que foram individualmente analisadas e respondidas na mesma forma específica iniciada pelo Fórum Interconselhos. Do mesmo modo, também em 2013 foi realizada a primeira audiência pública convocada pelo governo federal com o objetivo de discutir a sua proposta orçamentária, antes do envio ao Poder Legislativo. As propostas recebidas foram encaminhadas aos Ministérios gestores das respectivas políticas e respondidas individualmente. Desde 2003, portanto, houve um conjunto de iniciativas no governo federal que visavam a ampliar o grau de participação da sociedade no processo de definição do seu planejamento e orçamento. Essas ações, porém, não seguem o formato de orçamento participativo e contam com algumas características que lhes são próprias. Uma primeira observação é o fato de que, ao contrário do que ocorre nas administrações locais, no governo federal a participação no planejamento precede e direciona os processos participativos de cunho orçamentário. Isso revela uma ênfase

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institucional na função de planejamento como orientadora da ação governamental, inclusive da alocação de recursos orçamentários. Com isso, instrumentos como o Plano Plurianual ganham muito mais destaque que a Lei Orçamentária Anual e sobre ele se voltam os maiores esforços de ampliação da participação e desenvolvimento de estratégias de monitoramento. Outra importante distinção é a natureza da representatividade em cada tipo de processo participativo. No âmbito local, prevalecem as estratégias representativas que privilegiam o envolvimento direto dos cidadãos e a escolha de representantes com base territorial ou comunitária. Já no governo federal há com mais frequência a representação institucional, em que são representados não os cidadãos diretamente, mas os conselhos nacionais e as entidades e movimentos da sociedade

civil

organizada,

o

que

faz

surgirem

os

“representantes

de

representantes”, ou indivíduos que são, simultaneamente, responsáveis por falar em nome de várias instituições das quais fazem parte com igual legitimidade. No caso do governo federal há, ainda, a prevalência de órgãos colegiados e movimentos sociais de âmbito nacional, em contraste com as coletividades comunitárias e territorializadas nos orçamentos participativos. Por fim, há no caso do governo federal uma preocupação muito forte com a permanência e continuidade da estratégia participativa, o que leva inclusive à institucionalização de alguns espaços de debate como órgãos permanentes da estrutura estatal. Nisso diferem bastante dos processos de orçamento participativo municipais, que são marcados por uma intensa mobilização durante o período de elaboração da Lei Orçamentária Anual, mas em geral não contam com uma intensidade equivalente para o acompanhamento ou monitoramento da execução das ações pactuadas. O fato de se basearem em eventos participativos transitórios, sem a permanência dos coletivos criados, torna as experiências locais mais vulneráveis à falta de continuidade e à desmobilização da sociedade após a elaboração do instrumento orçamentário. Em resumo, há nítidas diferenças de abordagem entre os processos participativos federais e locais que tratam dos instrumentos de planejamento e orçamento. Pelo fato de ser mais conhecido, o modelo de orçamento participativo municipal termina por ser utilizado como parâmetro de comparação para aferir se há

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ou não participação social na elaboração orçamentária em um determinado ente federativo. É preciso reconhecer, no entanto, que o orçamento participativo é apenas uma das formas pelas quais esse influxo democrático pode ocorrer, não a única. O governo federal demonstra uma abordagem diferenciada, em relação ao orçamento participativo, que pretende ser mais adequada à escala nacional. Em resumo, isso envolve a ênfase nos instrumentos de planejamento mais do que nos de orçamento, a utilização de formas indiretas de representação da sociedade e a aposta em processos continuados e instâncias permanentes, que possam ser mobilizados não apenas durante a elaboração da peça de planejamento ou orçamento, mas também durante a sua execução, como espaços de monitoramento. É, portanto, uma alternativa de participação social que merece ser entendida e analisada como tal.

REFERÊNCIAS AVELINO, Daniel Pitangueira de. Órgãos colegiados e sistema nacional de participação social: conceito, aperfeiçoamento e articulação. Nota Técnica 7/2013SNAS/SG/PR. 10 de maio 2013. Brasília: SGPR, 2013. AVRITZER, Leonardo; VAZ, Alexander N.. O surgimento do orçamento participativo e a sua expansão pelo Brasil: analisando potencialidades e limites. In: DIAS, Nelson (org.). Esperança democrática: 25 anos de orçamentos participativos no mundo. São Brás de Alportel (Portugal): Associação In Loco, 2013, p.163-173. BRASIL. Secretaria-Geral da Presidência da República. Guia dos conselhos nacionais. Brasília: SGPR, 2013.

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Anexo I PARTICIPANTES DA REDE BRASILEIRA DE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO Região Sul

Região Sudeste

Bagé (Rio Grande do Sul)

Aracruz (Espírito Santo)

Bento Gonçalves (Rio Grande do Sul)

Araçatuba (São Paulo)

Brusque (Santa Catarina)

Araraquara (São Paulo)

Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul)

Bauru (São Paulo)

Canoas (Rio Grande do Sul)

Belo Horizonte (Minas Gerais)

Campo Largo (Paraná)

Botelhos (Minas Gerais)

Caxias do Sul (Rio Grande do Sul)

Botucatu (São Paulo)

Concordia (Santa Catarina)

Betim (Minas Gerais)

Esteio (Rio Grande do Sul)

Cachoeiro do Itapemirim (Esp.Santo)

Garibaldi (Rio Grande do Sul)

Cariacica (Espírito Santo)

Gravataí (Rio Grande do Sul)

Congonhas (Minas Gerais)

Joinville (Santa Catarina)

Contagem (Minas Gerais)

Nova Hartz (Rio Grande do Sul)

Cubatão (São Paulo)

Parobé (Rio Grande do Sul)

Diadema (São Paulo)

Porto Alegre (Rio Grande do Sul)

Embu das artes (São Paulo)

Santa Maria (Rio Grande do Sul)

Francisco Morato (São Paulo)

Santa Rosa (Rio Grande do Sul)

Guarulhos (São Paulo)

Santana do Livramento (Rio Grande do Sul)

Ipatinga (Minas Gerais)

São Leopoldo (Rio Grande do Sul)

Jacareí (São Paulo)

Sapucaia do Sul (Rio Grande do Sul)

Mogi-Guaçu (São Paulo)

Seara (Santa Catarina)

Monte Alto (São Paulo) Montes Claros (Minas Gerais) Nova Lima (Minas Gerais) Osasco (São Paulo) Santo André (São Paulo) São Bernardo do Campo (São Paulo) São Carlos (São Paulo) Serra (Espírito Santo) Suzano (São Paulo) Teresópolis (Rio de Janeiro) Várzea Paulista (São Paulo) Viana (Espírito Santo) Vitória (Espírito Santo)

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Região Nordeste

Região Norte

Anadia (Alagoas)

Manaus (Amazonas)

Caaporã – (Paraíba) Cajazeiras – (Paraíba) Campina Grande (Paraíba) Conde (Paraíba) Crateus – (Ceará) D. Inês – (Paraíba) Fortaleza (Ceará) João Pessoa (Paraíba) Lauro de Freitas (Bahia) Patos – (Paraíba) Paudalho (Pernambuco) Picuí – (Paraíba) Pombal (Paraíba) Recife (Pernambuco) CIDADES EM PROCESSO DE ADESÃO Região Sul

Região Sudeste

Biguaçu – (Santa Catarina)

Campinas – (São Paulo)

Capão da Canoa – (Rio Grande do Sul)

Juatuba – (Minas Gerais)

Cruz Alta – (Rio Grande do Sul)

Linhares – (Espírito Santo)

Dois Irmãos – (Rio Grande do Sul)

Ouro Branco – (Minas Gerais)

Erechim – (Rio Grande do Sul)

Ouro Preto – (Minas Gerais) Taboão da Serra – (São Paulo) Maricá – (Rio de Janeiro) Região Nordeste

Barbalha – (Ceará) Cascavel – (Ceará) Natal – (Rio Grande do Norte) Olinda – (Pernambuco) Santarém – (Paraíba) Serrinha – (Bahia) ESTADOS Distrito Federal

Rio Grande do Sul

Paraíba Fonte: www.redeopbrasil.com.br . Acesso em fevereiro de 2014.

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___________________________________________________________________ AUTORIA Daniel Pitangueira de Avelino – Secretaria Geral da Presidência, SG/PR. Endereço eletrônico: [email protected] José Carlos dos Santos – Presidência da República, GP/PR. Endereço eletrônico: [email protected]

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