Do pacto e seus rompimentos: Os Castros Galegos e a Condição de Traidor na Guerra dos Cem Anos

May 31, 2017 | Autor: Fátima Fernandes | Categoria: History, Medieval History, History of Law
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Apresentação. Quando hoje se fala de exilados, desterrados, fugitivos de situações constrangedoras da sua liberdade, de suas condições de sobrevivência e trabalho falamos quase sempre de imigrantes que, contra seu mais profundo desejo abandonam sua terra e família e buscam outras oportunidades de vida. Mas existem também aqueles que objeto de condenação jurídica são extraditados de volta a sua terra natal ou por vezes deportados do local onde se refugiam a partir de uma sentença. Permanecem, ainda hoje, várias nuances de um mesmo movimento de mobilidade quase sempre involuntária cuja precisão é buscada em uma legislação em muitos casos ainda incapaz de atender às suas especificidades, daí a necessidade de vivermos plenamente o presente exorcizando idealizações e rótulos de barbárie medieval muitas vezes aplicados levianamente a realidades contemporâneas. As formulações medievais plenas de especificidade em relação a seus sistemas de valores e visão de mundo constituem importante base de nossas tradições jurídico-legislativas, mas não as determinam. O esforço dos Doutores em Direito medieval, legistas, juristas e mesmo dos reis de

atualização das normas e sua sintonia com a realidade devem ser reconhecidos; um esforço que merece reflexão até os dias atuais e que dispensa visões simplistas e anacrônicas projetadas sobre si a partir da contemporaneidade. Assim, no período em que nos detemos, a medievalidade, a questão já presente das mobilidades de grupos nobiliárquicos antecede aos movimentos nacionalistas e arrasta a discussão para um universo teórico específico, pouco conhecido, merecendo, portanto, estas reflexões que se seguem. Não existiam ainda Estados, classes ou partidos, mas sim, reinos, ordens e solidariedade de grupos cujos valores predominantes e válidos atendiam às necessidades e realidades existentes, vivas, mutáveis em transformação, especialmente na Idade Média tardia na qual nos detemos. Assim, conhecer as razões profundas que moveram estes grupos na medievalidade pode permitir uma revisão de análise de movimentos atuais, por vezes confundidos em suas razões com fenômenos do passado, quando deveriam ser entendidos livres de leituras contaminadas por jargões interpretativos. Uma incompreensão que inibe a gestação de ações coerentes, pertinentes e concretas aplicadas aos problemas geradores destes movimentos ou pelo menos a sua interpretação, afinal, só o conhecimento específico de uma realidade permite uma ação eficiente sobre a mesma. Portanto, neste trabalho pretendemos compreender o fenômeno das mobilidades de grupos nobiliárquicos e a possível conversão de seus agentes à condição de degredados na Idade Média, numa análise despida de retroprojeções e, portanto, de anacronismos. Um contexto onde o pacto, o acordo, o vínculo representam as várias facetas da mutualidade característica das relações pessoais, políticas e sociais de um modo geral e onde o rompimento constitui uma decorrência, um efeito colateral de um reposicionamento das relações e vinculações de poder. Veremos que aproximando-nos dos séculos finais da medievalidade tende-se a uma definição mais institucionalizada de reino, monarquia e, por conseguinte, estes fenômenos passam a ser entendidos e regulados juridicamente e recebem, conforme o caso, uma condenação resultante de sentença régia que coloca seus agentes na condição de degredados. Reflexões que nos levam a outros eixos como a validade do conceito de natural e condições de desnaturamento, fiel e traidor a partir de legislação castelhana e portuguesa visto tratarmos o estudo de um caso, o de um grupo de nobres castelhanos que passa ao reino português em 1369 posteriormente à usurpação de Enrique Trastâmara e, quatro anos depois, são expulsos por cláusula de um tratado lusocastelhano para fora da Península Ibérica indo aportar à Inglaterra. É a partir deste estudo de caso que demonstraremos o exercício da regulação jurídica do conceito de traidor e a sua correspondente penalização na Baixa Idade Média ibérica. Uma análise que demanda prévia imersão num contexto demasiado instável, fluido, rápido de alternâncias de apoio entre os dois blocos beligerantes na Guerra dos Cem Anos, os reinos da França e da Inglaterra e seus respectivos apoiantes, manifestando em todos os reinos a tendência a uma política pendular orientada em princípio por seus interesses próprios. Interesses que podem, no entanto, ser

compreendidos em suas motivações específicas, básicas e também indiretas promovendo um exercício de reflexão que nos permitirá aprofundar nossa problemática de análise. O métier do historiador demanda uma reflexão constante sobre a natureza de seus materiais documentais, a definição e por vezes elaboração de metodologias de abordagem e análise fruto de uma prévia teorização de sua problemática. Um trabalho que leva à promoção de constantes revisões conceituais e atualizações historiográficas de temas que por vezes são vistos segundo os mesmos moldes ao longo de gerações de historiadores. A revisão não se impõe como um método sistemático, mas ela decorre da constatação por parte do historiador, da imprecisão na definição vigente de um conceito, categoria, condição ou natureza em relação a seu contexto original de elaboração. Uma situação que impõe o exercício de revisão das condições de produção desta definição por vezes imprecisa ou simplesmente insuficiente quase sempre ligadas às limitações técnicas e metodológicas do historiador que realizara a interpretação ou ao seu horizonte específico de preocupações contextuais.

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