Do Paleolítico ao Romano. Investigação arqueológica na área de Lisboa. os últimos 10 anos: 1984-1993

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lisboa

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DO PALEOLlTICO AO ROMANO

INVESTIGAÇAO , ARQUEOlOGICA NA ÁREA DE LISBOA os últimos 10 anos: 1984-1993

por João Luís Cardoso (*)

Introdução or ocasião da exposição Arqueologia no vale do Tejo, organizada pelo Departamento de Arqueologia do então IPPC, em Outubro de 1987, publicámos no respectivo catálogo um trabalho de síntese sobre a evolução da ocupação humana da região de Lisboa, do Paleolítico à Idade do Ferro (CARDOSO, 1987). De então para cá, novos trabalhos se produziram, constituindo esta a única forma de divulgar eficazmente os conhecimentos obtidos, através de acções de campo ou de estudos de gabinete. Este trabalho consubstanciar-se-á, pois, nos artigos científicos publicados no decurso da última década, de que temos conhecimento, com base nos quais se ensaiará uma síntese actualizada dos conhecimentos arqueológicos da região correspondente à cidade e telTitórios imediatamente adjacentes, incluindo os concelhos de Oeiras, Cascais, Sintra, Amadora e Loures. Excluir-se-ão, obviamente, as pequenas notícias publicadas na Imprensa ou em órgãos noticiosos das autarquias da área em apreço. Trata-se, enfim, de ensaio que, além de datado, releva da experiência acumulada pelo autor sobre a região, desde inícios da década de 1970.

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Paleolítico inferior e médio A publicação, em 1985, de trabalho sobre a jazida paleolítica do antigo campo de aviação da Amadora (ZBYSZEWSK1 & CARDOSO, 1985) marcou o relançamento do estudo das estações paleolíticas do ComC ENTRO

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plexo Basáltico (ou Vulcânico) de Lisboa, interrompido desde a década de 1950. Tal objectivo prosseguiu nos anos seguintes, estudando-se as ricas colecções do Museu do Instituto Geológico e Mineiro, outrora doadas por Joaquim Fontes, Alves Costa e Jean Ollivier. Nesta linha se inscreveu o estudo dos materiais paleolíticos de Linda-a-Pastora (ZBYSZEWSKI & CARDOSO, 1987). Em 1988, vieram a lume mais dois estudos sobre esta região, um relativo à importante estação paleolítica de Borel Horta, Amadora (ZBYSZEWSKI & CARDOSO, I988a), outro sobre três estações paleolíticas da Serra de Monsanto: a Tapada da Ajuda, o Moinho das Cruzes e o Moinho da Carrasqueira (ZBYSZEWSKI & CARDOSO, I988b). Na região de Loures, é de reter a síntese de Marques (1986). O grande volume de informação assim recolhida, justificava e impunha uma síntese, mesmo que provisória, que conti vesse as principais conclusões decorrentes do estudo de cada estação e das comparações por elas mutuamente sugeridas. Foi com esse objectivo que se apresentou, em Novembro de 1991 , comunicação ao 10 Congresso Mediterrânico de Etnologia Histórica (ZBYSZEWSKI & CARDOSO, 1992). Esta linha de investigação prosseguia, entretanto, no Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras), com base nos materiais recolhidos no decurso de mais de vinte anos de prospecções arqueológicas (CARDOSO & CARDOSO, 1993), ao mesmo tempo que se estudavam outros OE

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ABSTRACT pdated synthesis 01 the archaeological research in Lisbon in the last decade (Irom the Paloeolilhic to the Raman ~me). Cultural and chronological framework . with the presentation 01 materiais and dates (partly new) that reveal the significant scientific progress ochieved.

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RÉSUMÉ ynthése réoctualisée des trouvoilles de la précédente décennie de recherche orchéologique dons la région de Usbonne. du Paléolithique ou début de I' ére romoine. Caroclérisation culturelle et chronologique. ovec présentotion de motérioux et dototions portiellement inédiles qui reftétent les progrésscientifiques significotifsenregistrés.

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n Coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras - Câmara Municipal de Oeiras. Professor na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Un~ versidade Nova de Lisboa.

lisboa conjuntos resultantes de antigas colheitas; com efeito. a larga maiOlia das jazidas inventariadas por Afonso do Paço já desapareceu. na voragem da expansão urbanística, quase sempre desordenada. observada em torno da capital. Em consequência deste esnldo. sistematicamente levado à prática. resultou um volumoso trabalho contendo a análise exaustiva dos mateliais de 38 das cerca de 100 ocOlrências assinaladas por A. do PAÇO ( 1940). sendo 23 locais do Concelho de Oeiras. IOdo concelho de Amadora. 3 do de Lisboa e 2 do de Loures (CA RDOSO el .al., 1992). Sendo c1ru'O que nem todos os locais possuem a mesma impol1ância. reflectida pelo número de ru1efactos recolhidos, o que não oferece dúvidas é o carácter concentrado dos materiais. obviamente mais evidente em locais onde ocomam em maior abundância. constinlindo verdadeiras estações. sem prejuízo de. globalmente. integrru'em uma única mancha arqueológica. inuinsecamente homogénea.j ustiticando assi m a designação de Paleolílico do Complexo Basáltico de Lisboa, cuja validade só foi cabalmente demonsu'ada e justi ficada naq uele estudo (CARDOSO et ai.. 1992). Com efeito. é nítida a relação enu'e a distribuição dos mateliais arqueológicos e a área ocupada pelos afloramentos de solos e rochas vulcânicas. evidenciando uma estreita dependência geológica do povoamento. explicada por razões de ordem paleoecológica (a área basáltica. ondulada e pouco acidentada. lica de água. constituiria um excelente tenitório de caça. conuastando com os domínios calcários envolventes). A ocupação humana de k1.l território remonta à época mais recuada do talhe de pedra. há mais de 1.2 milhões de anos. sendo COITelacionável com os primeiros momentos da presença humana na ELuupa: enconU(l-se testemunhada por pequenos seixos. com rolrunento maJinho. simplesmente afeiçoados. vestígios de antigos níveis de praia. a cota~ superiores a 120 m. hoje quase totalmente desaparecidos (CARDOSO & PENAL VA. 1979). O auge da ocupação do Paleolítico infelior e médio dos ruredores de Lisboa ter-se-á verificado no decurso do Acheulense superi or e do Mustierense. que poderemos situar entre a segunda parte da glaciação rissiana e o início do Würm recente (200.000-30.000 anos BP). Não obstante tais presenças cOlresponderem. invruiavelmente. a estações de supelfíci e. sem indícios de estratigratia. a sucessão técnico-industrial e cultural é coerente e globalmente homogénea. Reconheceu-se. ainda. nítida dependência entre a natureza das matérias-plimas utilizadas no intelior desta vasta região e as fontes onde se encontravam di sponíveis. Assim. na região mais ocidental. onde os afloramentos calcários estão próximos e são ricos de nódulos de sílex. é este material que. predominantemente, foi utilizado; a zona média da área basáltica. correspondente à região da Amadora, parece constituir Uallsição onde algumas das estações se sinl3m já bastante distanciadas do~ locais onde o ~ í1 ex se poderia obter: C EN TRO

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não obstante. foi ainda esta a matéria-plima mais utilizada. pelas suas características propícias. sendo. pois. objecto de procura. exploração e transporte para locais onde ulterionnente era trabalhada. Entim. nas estações paleolíticas mais orientais. situadas na região de Loures. é o quartzo fil oneano. fac ilmente obtido nos depósitos detríticos grosseiros do Cenozóico. que afloram na região envolvente sob a 1'011113 de seixos mal rolados. que constitui o grosso da utensilagem (CARDOSO et aI.. 1992). Das restrultes estações do Paleolítico infelior e médio publicadas no decurso da última década. de contextos diferentes do referido. avulta a gruta do COITeio-Mór (Loures). Trata-se de uma cav idade cársica. ex istente nos calcários cretácicos. descobel1a acidentalmente no decurso da lavm de pedreira. que pôs a descobel1O extensa galelia. seccionada longitudinalmente pela frente de exploração. Os trabalhos de emergência realizados permitiram reconstituir uma sucessão estratigráfica cuja base era representada por depósito com materiais essencialmente mustierenses. de snex (ZBYSZEWSKl et ai.. 1987). Na classificação destes recon'eu-se ao método das séries. baseado na pátine, devido à ausência de indicações estratigráficas para a larga maiolia dos ru1efactos. recolhidos nas telTas de desmonte. segundo informação prestada pelos escavadores. Fora da região basáltica. embora na sua peliferia. situa-se igualmente a jazida de Santana. no sopé da serra de Monsanto. Tal como a anterior. o substrato é constituído por calcários duros do Cretácico superior. H. BREUIL ( 1918). que observou os mateli ais, no decurso da sua primeira estadia em POl1ugal. considerou-os essencialmente neolíticos; a falta de elementos estratigráficos seguros dificultava, de facto. atlibuição cronológico-cultural. Tal foi o objectivo do estudo de RAPOSO el ai. (1985): da aplicação do método de Bordes. concluúnm. ao conu'áJio de Breuil. a favor de uma indústJia de recorte bem definido: "ii s'agil biel/ d'ul/ MOIIstérien, soil Tipique, soit peut-être plu.\' l'raiselllblablelIIent de traditioll Acheuléenne" (p. 91). Pessoalmente, aceitamos a hipótese de tais mateliais cOITesponderem. sobretudo. a uma ofi cina de tal he neolítica. tendo em vista a obtenção de supoltes de snex. ultel;01111ente transformados noutro local. como no próximo povoado de Vi la Pouca. Assim se explica a elevada percentagem de produtos de debitagem não trabalhados e de núcleos. as mais das vezes informes.

Paleolítico superior Os progressos nos conhecimentos sobre a ocupação hwnrula no decurso do Paleolítico supelior da região de Lisboa consubstanciru·am-se. nos últimos dez anos. no essencial. em trabalhos de síntese sobre o Solutrense da Estremadura (ZILHÃO. 1987. 199 1). DiscutemALMADA

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lisboa -se elementos antes publicados, avultando, na região que nos interessa, a gl1Jta das Salemas. Trata-se de cavidade cársica, estreita e alongada, existente nos calcários duros do Cretácico supelior, na base de pequena cornija que domina. do alto da encosta esquerda, o profundo vale da ribeira de Loures. A sequência estratigráfica publicada (ROCHE & FERREIRA, 1970) faz corresponder à camada 6 alguns aItefactos atípicos, atribuídos sob reserva ao Paleolítico médio; na camada 7, recolheu-se escassa indústria, de características perigordenses. tal como na camada 6. Nas camadas 5 e 4, as indústlias líticas indicam o Solutrense superior, sucedendo-se outl'as, neolíticas, nas caInadas mais altas, altura em que a gmta foi ocupada por uma necrópole. Não se dispunha. porém. de datações radiométricas susceptíveis de completarem a informação fornecidas pela tipologia do instl1Jmentallítico recolhido. Tal lacuna foi , entretanto, preenchida (CARDOSO, 1993). Assim. a camada 8, com a sigla TVb (="ten-a vermelha da base"), deu a data, sobre materiais ósseos, de: ICEN 379 - 24 820 ± 500 BP. a qual é demasiado recente para o Paleolítico médio, reforçando as reservas sobre os materiais líticos con-espondentes, que são atípicos, como referimos. A outra datação incidiu sobre ossos do nível VS (="vermelho supelior"). ICEN 376 - 20 250± 320 BP. A camada em que jaziam os restos ósseos utilizados na datação - na quase totalidade de coeIho - cOITes ponde à atribuída ao Perigordense por ROCHE & FERREIRA (1970). ZILHÃO (1987), ao rever os materiais líticos. refere uma peça de tipologia solutrense, o que porém não chega, no nosso entender, para alteraI' a atlibuição da respectiva caInada ao Perigordense, atendendo aos inevitáveis remeximentos pós-deposicionais oconidos. No entaI1to, a data obtida é compatível com o início do Solutrense em POItugal, sendo estatisticamente idêntica à obtida em Vale Almoinha (ZILHÃO et ai. 1987); não se compreende, pois, as dúvidas levantadas pela atribuição ao Solutrense da data em causa pelo próprio (ZILHÃO, 1990), com base em uma ponta de dorso com pedúnculo lateral recolhida naquela camada lhe parecer demasiado evoluída para cronologia tão recuada. Sem deixar de aceitaI' como mais provável a hipótese de a datação respeitar, de facto, ao Perigordense superior, relembremos ainda ZILHÃO et aI. (1987. p. 34), ao declarar que "a sequência do Sudoeste de França tão-pouco possa ser usada como padreio para a interpretaçeio do SolUlrense português, nomeadamente no que respeita ao valor das pontas à cran [. .. Jcomo fóssil director cronológico " ... exactamente o tipo da peça recolhida nas Salemas e que esteve na origem das suas próprias reservas. Outra cavidade do concelho de Loures com vestígios de ocupação humaI1a paleolítica é a vizinha gmta CEN TR O

do pego do Diabo, situada na encosta direita da ribeira de Loures. Trata-se. tal como a gruta aI1terior, de uma estreita e longa galeri a: o enchi mento sedimentaI" do interior foi explorado em diversas épocas, a última das quais no aI10 de 1988; a indústria caracteliza-se pela presença de lamelas de dorso, presentes na Camada 2, correspondente a depósito detrítico grosseiro de matliz aI'eno-argilosa castanha. A bai xa densidade de artefactos e a concomitante elevada percentagem de peças retocadas, faz crer. tal como para a gmta das Salemas, num habitat temponúio e muito provisório. talvez devido ao fraco abligo oferecido pela gmta (ZILHÃO, 1988). A estratigrafia tem analogias com a da gruta das Salemas: considerando, nesta última jazida, a /~\ presença de lamelas retocadas :'r .. \Ylj'I ' nas camadas atribuídas ao 3 Solutrense (ZILHÃO, 1987), selia possível correlacioná-Ias com a Camada 2 do Pego do Diabo (ZILHÃO, 1988), hipótese que o espectro faunístico de grandes mamíferos, análogo em ambos os casos, não contl'adiz (CARDOSO, 1993). Porém, em trabalho ulterior, ZILHÃO (1992) atribui a referida indústria ao AuriFigura 1 nhacense, datado de há cerca de 28.000 aI1OS. A ser assim, Indústrias do Paleolítico infetrata-se da única ocolrencia deste tecno-complexo conherior e médio do Complexo Basáltico de Lisboa. cida na região em apreço. A terceira gl1Jta que. no decurso da última década 1. biface piriforme espesso sobre seixo (Acheulense contribuiu para o conhecimento da presença humaI1a do superior). Talaíde , Paleolítico Supelior da região Lisboa, foi a do Correio2. raspadeira nucleiforme -MoI' (Ferreira & LEITÃO, s/d). A única peça caractesobre seixo (Acheulense superior). Alto das Cabeças. rística mas sem indicação estratigráfica -uma ponta à Porto Salvo, cran solutl'ense - demonstra que a sua ocupação será 3, ponta denticulada (Mustierense), idem. coeva da fase mais importante da gl1Jta das Salemas.

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4, núcleo sobre seixo (Mustierense), idem,

Epipaleolítico (Segundo CARDOSO & CARDOSO, 1993, fig , 4e5),

Na última década e na região que nos interessa, apenas um estudo foi dedicado a este período (CARDOSO & FERREIRA, 1992). Trata-se de um conjunto homogéneo proveniente de Penha Verde (Sintra), dominado por pequenas raspadeiras unguifolmes de sílex, e onde faltam as pequenas lamelas de dorso que, usualmente, acompanham as primeiras em contextos aziLienses ou fini-paleolíticos. DE

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lisboa Os materiais estudados em 1992 provêmdas telTas que foram utilizadas como matriz da muralha caJcolítica que coroa o topo do morro sendo, portanto. mais antigos do que ela; integram um conjunto maior, globalmente coerente e homogéneo, constituído também pelos materiais recolhidos em estratigrafia por debaixo do povoado calcolítico, anteriormente publicados (ROCHE

Figura 2 Vaso com decoração "em espiga '. obtida por incisão (Neolítico antigo). Gruta do Correio-Mór. Desenho inédito.

& FERREIRA, 1975), então atribuídos ao Neolítico. Porém, a cronologia proposta é contrariada pela total ausência de cerãmicas, bem como pela tipologia da indústria lítica; pontificam também as raspadeiras unguiformes. faltando lamelas e pontas de dorso abatido, cuja ausência não deverá ser considerada como acidental, visto não se poder invocar recolha selectiva de material: no espólio, figuram peças tão ou mais pequenas do que as emfalta. Estaremos, por conseguinte, perante um conjunto homogéneo, epipaleolítico, de caractelísticas até agora desconhecidas em território pOltuguês, correspondendo, no caso vertente, a ocupação temporária, embora extensa, do morro da Penha Verde por parte de uma comunidade que o teria escolhido pelas excelentes condições de visibilidade ali oferecidas. Além deste conjunto, homogéneo e estratigraficamente bem definido, são de referir numerosos artefactos, quase sempre de mau recorte tipológico, dispersos pelos terrenos basálticos, integrando a série mais recente da sucessão caracterizada - do Paleolítico superior elou Pós-Paleolítico - cuja cronologia pode atingir a Idade do Bronze, representada por elementos denticulados de foices, de sílex, sobre lasca (CARDOSO ef aI., 1992).

Neolítico antigo Os únicos testemunhos seguramente pertencentes ao Neolítico antigo da região em apreço, provêmda gruta do Correio-Mór, publicados, porém, há mais de dez C ENTRO

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anos (FERREIRA & LEITÃO, s/d). Os autores consideram, na sequência estratigráfica um nível arqueológico puramente neolítico; dentre os materiais cerâmicos, uns atribuiram-nos a exemplare com decoração cardial - que não confilmamos como tal - possuindo outros decorações impressas e incisas, englobadas sob a designação de "falsa folha de acácia e afins ". Globalmente, representam o Neolítico antigo evolucionado. Datação recentemente obtida para uma importante estrutura de combustão, deu a datação (inédita) de: ICEN 1099 - 6330 ±60 BP, a que corresponde a fase cultural mencionada. Mais dúvidas suscita o povoado das Salemas, talvez coevo da necrópole neolítica do mesmo nome. Situava-se sobre um campo de lapias destruído pela lavra de uma pedreira (FERREIRA & CASTRO. 1967). Uma datação sobre ossos humanos encontrados no nível de terras negras, associados aos materiais arqueológicos, na parte mais alta das cavidades do lapias, deu o resultado de (CARDOSO & EISENMANN, 1989): ICEN 351- 6020 ± 120 BP, compatível com o Neolítico antigo evolucionado. Entre as formas cerâmicas avultam as decorações impressas e incisas, bem como as plásticas (cordões em relevo inten'ompidos) e bordos extrovertidos e em aba, denteados, avultando um grande vaso de colo alto e fundo cónico, com pegas de suspensão e decoração incisa na carena (CASTRO & FERREIRA, 1959). A associação cerâmica. que não sabemos se é homogénea, onde também ocorrem formas carenadas, é perfeitamente compatível com o Neolítico final, o mesmo acontecendo ao grande vaso referido (SPINDLER, 1978, Abb.6), pelo que persiste a dúvida quanto ao verdadeiro significado arqueológico daquela data. Neolítico médio A única jazida da região com ocupação atribuível ao Neolítico médio é a glUta dos Penedos - Loures. Em escavação al i efectuada, recolheram-se restos de quatro vasos de boca elíptica (HARPS0E & RAMOS, 1987) que documentam tal fase cultural. O Neolítico médio encontra-se, na região, como em toda a Estremadura, insuficientemente caracterizado. Nos últimos dez anos não se produziu nenhuma infomlação nova a seu respeito na região em apreço, a não ser a formulação da sua própria existência, no presente trabalho. Neolítico final No decurso dos trabalhos de escavação efectuados no povoado de Montes Claros, em 1988 (CARDOSO & CARREIRA, 1989), identificaram-se dois núcleos bem diferenciados de cerâmicas pré-históricas: o mais antigo continha vasos de bordo denteado, taças careALMADA

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1 nadas e fragmentos com decorações plásticas, impressas e incisas; o mais moderno encontrava-se representado pelas cerâmicas campaniformes (estilo inciso). Tal diferenciação, não referida pelos autores que anteriormente escavaram a jazida e, sobretudo, a aparente associação de cerâmicas incisas e impressas - de tipologia que tradicionalmente se insere no "Neolítico antigo evolucionado" - com bordos denteados, de tipos que, indubitavelmente, pertencem ao Neolítico final de &tremadW'll, levou-nos a rever outros conjuntos arqueológicos, no sentido de confinnar, ou não, as observações efectuadas em Montes Claros. Procurou-se, primeiramente, estudar os materiais das escavações antigas, conservados no Museu da Cidade de Lisboa. Aí viemos a encontrar cerâmicas com decorações idênticas às por nós recolhidas e, tal como estas, acompanhadas de bordos denteados (CARREIRA & CARDOSO, 1992, Est. I a 3). Tais observações são extensíveis a outros contextos arqueológicos da mesma área; assim, no povoado vizinho de Vila Pouca, também identificámos a mesma associação, aparentemente proveniente de um único contexto estratigrafado (MOITA, 1967). Alargando as nossas observações, tanto para Norte, como para Sul, avultam quatro sítios de características habitacionais, com estratigrafia: os povoados de Oleias (Sintra), da Parede (Cascais), de Leceia (Oeiras) e do Alto de S. Francisco (Palmela). Em Oleias, na trincheira de reconhecimento executada no terreno A, foram recuperadas cerâmicas incisas e impressas em aparente associação com vasos de bordo denteado e taças carenadas (SERRÃO & VICENTE, 1958, Est. I e Il). O mesmo se verifica no povoado da Parede (SERRÃO, 1983) e de Leceia (CARDOSO, 1989), ambos documentando, por comparação com o de Oleias, marcado empobrecimento de cerâmicas decoradas. Tal situação está, aliás, documentada em Oleias; nas recentes escavações ali efectuadas (GONÇALVES, 1993b), reconheceu-se sucessão estratigráfica onde o empobrecimento de tais cerâmicas era acompanhado pela crescente presença de taças carenadas. As escavações realizadas no povoado do Alto de S. Francisco (Palmela) contribuiram, decisivamente, para a demonstração da coexistência de cerâmicas incisas e impressas de padrões decorativos idênticos aos do NeoIitico antigo evolucionado, com taças carenadas e vasos de bordo denteado, associação claramente pertencente ao Neolítico final (SILVA & SOARES, 1986, Fig. 43). Tais observações conduziram à apresentação de um ensaio evoluti vo para a cultura material da Baixa Estremadura, no decurso do Neolitico final, designadamente ao nível da cerâmica (forma, padrões e técnicas decorativas), inquestionavelmente um dos seus elementos mais expressivos (CARREIRA & CARDOSO, 1993): - num primeiro momento do Neolítico fmal, situado em meados do IV milénio a.c., teriamos uma assoC E NTRO

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ciação cerâmica constituída por formas lisas e decoradas herdeiras directas das suas antecessoras do Neolítico antigo evolucionado da mesma região (JORGE, I 990a, p. 128), coexistindo com vasos de bordo extrovertido, ou em aba, com decoração denteada. Exemplo: povoado de Oleias. - em momento tardio do Neolítico final , na passagem do IV para o III milénio a.c., outros conjuntos estratigrafados atestam o empobrecimento de cerâmicas impressas, ao mesmo tempo que as formas carenadas se acentuam, mantendo-se a frequência de vasos de bordo denteado. Exemplos: Parede, Leceia. A substituição das cerâmicas impressas e incisas por cerâmicas lisas e, nestas, a crescente afinnação das taças carenadas, fez-se gradualmente no decurso da segunda metade do IV milénio a.C .. O conjunto do Alto de S. Francisco, documentará, pela ainda insistente presença de cerâmicas decoradas, a par de já numerosas formas carenadas, tal realidade. Além da ocupação do Neolítico final identificada emLeceia (CAROOSO et aI., 1987;CAROOSO, 1989), outros povoados da região com presenças coevas foram "revisitados" nos últimos dez anos, por vezes com base em materiais de antigas escavações, ou valorizando um D E

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Figuro 3 Cerâmicas características das três fases culturais identificadas no povoado pré-histórico de Leceia, Oeiras.

1. fase 3, Calcolítico pleno da Estremadura: tronco-cónico ('copo') com decoroçâo em 'folha de acócia'. 2 e 3. fase 2. Calcolítico iniciai da Estremadura: cerâmicos caneladas ('copo', n' 2, e taça , n' 3). 4 a 6. fase 1, Neolítico final : vasos decorados, de bordo em aba: bordos denteodos (n Q 4 e n' 5) e taça carenada (nQ 6). (Segundo CARDOSO & CARDOSO, 1993, fig. 17 0 19).

gl1lpo tipológico específi co. Referimo-nos ao povoado da Parede (GONÇALVES, 1990, 199 1) e ao do Moinho dos Bichos - Loures (SANTOS, 199 1): o último é povoado de altura que fomeceu conjunto cerâm ico coerente, constituído por vasos li sos de bordo espessado, vasos de bordo em aba denteado, cordões inten"Ompi dos e taças carenadas, A associação cerâmica constituída por estes dois grupos de recipientes levou SPINDLER (1976) a individualizm'o gl1lpo neolítico da Parede (Neolitische Parede-Gl1lppe), presente não apenas em povoados, mas emllecrópoles de diversos tipos, Muito embora estejamos de acordo com GONÇALVES (1990, p. 27) ao "admirar a coragelll" do refelido arqueólogo. porque este, na altura, dispunha, essencialmente, de conjuntos não estratigrafados,já não podemos estar de acordo com ele ao recusar aquela proposta, Comefeito, as escavações de Leceia viermn demonstrar o inquestionável cm'ácter cultural do referido gl1lpo, Não podemos também concordar com o maniqueísmo da afirmação de GONÇALVES ( 1990, p. 31 . 32) ao declm'ar que "o facto de não ser impossÍI'el que algumas cerâmicas com bordos denteado.l·sejam al/terim'es aos "copos " canelados. não quer di:er de 1II0do algllm que essa situaçâo seja generali7.ál'el a todas as cerâmicas deste tipo ", É óbvio que, em comunidades cujo traço essencial é a continuidade, as eventuais evoluções artefactuais registadas, só têm significado se tratadas estatisticamente: e. a esse nível, é inquestionável o ocaso, no Calcolítico inicial. ao menos na Estremadura, tm1to dos bordos denteados como das fOlmas carenadas, As necrópoles colectivas, que caracterizam o Neolítico final e gr
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