Do pato manco ao pato barbudo

Share Embed


Descrição do Produto

Evento: Debate e lançamento do Comitê de Estudantes de História da UFES contra o Golpe
Dia: 06/05/2016
Local: Auditório do IC 4, UFES
Título: Do pato mando ao pato barbudo
Autor: André Ricardo Valle Vasco Pereira
Um dos aspectos fundamentais do processo de impeachment de Dilma Roussef (PT) é o fato dele ter se assemelhado a uma mudança de governo. Dilma é hoje um "pato manco", uma governante enfraquecida, lembrando um presidente que perde a reeleição ou não consegue emplacar o seu sucessor. Naquela fase entre a derrota na eleição e a posse do vencedor, o "pato manco" fica sem poder, sem capacidade de aprovar matérias importantes no Legislativo, pois perde o comando sobre a agenda.
Numa eleição, o vencedor sai das urnas com a legitimidade dos votos obtidos e, mesmo que a situação seja crítica, costuma iniciar o seu mandato desfrutando uma fase de "lua de mel", aquele período no qual os eleitores e as entidades dão uma chance ao novo governo. Não é este, porém, o caso de Temer. Em boa parte, o impeachment passou na Câmara porque um governo enfraquecido tentou competir por votos com um governo virtual. Nestas circunstâncias, a capacidade de barganha dos parlamentares cresceu muito.
Quando o segundo mandato de Roussef começou, o espaço para negociar cargos ficou restrito, pois se tratava de uma continuidade e, com poucas exceções, não houve muitos abandonos da coalizão (como no caso do PSB), que abrissem mais vagas. Além disso, a piora das condições econômicas e políticas do governo se consolidou apenas após a posse, quando as posições já estavam preenchidas. O Congresso se tornou mais conservador e o governo não atentou o suficiente para isso no que se refere ao apoio parlamentar. Esta foi a razão para a vitória de Eduardo Cunha (PMDB) sobre Arlindo Chinaglia (PT) para a presidência da Câmara.
Com a crise econômica e política ocorrendo no mesmo passo, o governo perdeu a capacidade de comandar a agenda do Legislativo e deu à Cunha a chance de promover uma "eleição indireta", quando ele abriu o processo de impeachment. Assim, Michel Temer (PMDB) virou o presidente virtual, se separou publicamente de Roussef e entrou no jogo de negociações com os parlamentares. A aprovação do relatório da Comissão Especial se deu num quantitativo igual à votação de Cunha e do candidato oficial da oposição à presidente da Câmara (Júlio Delgado, do PSB), enquanto o voto contra foi bem parecido com o de Chinaglia. Ou seja, a derrota de Roussef está profundamente relacionada com uma mudança não exatamente do quantitativo, mas do perfil dos parlamentares: um governo socialdemocrata se vendo obrigado a implantar medidas neoliberais enfrentando um Legislativo mais conservador e pró-ativo que o anterior.
Temer, porém, não é um presidente eleito, saído das urnas, com apoio popular para enfrentar a crise. Mais ainda, seu nome está envolvido no processo aberto no TSE contra a chapa de 2014 e as investigações da Lava Jato podem, perfeitamente, chegar a ele. Quer dizer, tanto no caso de Roussef quanto no de Temer, os legisladores e suas lideranças (partidárias e/ou de blocos informais, como os evangélicos, o agronegócio, etc.) adquiriam um poder de pressão maior que o normal. A incapacidade de Roussef de, ao mesmo tempo, evitar a perda de popularidade por causa da recessão, controlar o escândalo de corrupção e montar a coalizão de governo de forma a evitar a autonomização da direita na Câmara cavou a sua sepultura.
Agora, Temer finaliza a negociação de cargos que já acabou com o governo do PT. Não há volta. Porém, de certa forma, ele também é um "pato manco", por conta da recessão (e das políticas de ajuste que vão piorar a situação e, junto com ela, sua popularidade, que já não é boa), além das ameaças legais que pesam sobre ele e que poderão ser recuperadas a qualquer momento. O trabalho dele para controlar o Congresso vai depender de uma negociação de cargos no qual o poder de barganha do presidente virtual é baixo. Há uma contradição nisso: políticas de ajuste com divisão de cargos para lideranças que querem gastar. É como um pai que precisa cortar a mesada dos vários filhos que tem, mas eles descobrem que o genitor tem uma amante e ameaçam contar para a mãe.
O empresariado está ávido por medidas legais que diminuam os seus custos com os trabalhadores, a direita evangélica está ávida por medidas legais que façam avançar sua pauta conservadora para o plano das políticas públicas (em especial na educação), enquanto o corte de políticas compensatórias, como o Bolsa Família, levaria o governo para o buraco em termos de apoio popular. Como equilibrar tudo isso? A resposta é: não há como.
O cenário que eu elaborei aqui, portanto, é de um governo Temer que se apresenta como o ideal para os que estão pensando em 2018. A princípio, Marina Silva (Rede) é a maior beneficiada, pois o PSDB acabou concordando em entrar no governo. Porém, é incerto o quanto esta participação pode, de fato, prejudicar o partido diante do eleitorado. Já a possibilidade de que Lula venha a ser preso e condenado é muito grande. Se isto acontecer, ele não poderá concorrer no próximo pleito.
Sabemos que os índices de aprovação de Bolsonaro e Ciro Gomes são muito baixos. As chances da esquerda por sua vez, dependem de um cenário de radicalização. Hoje não existe nenhum nome com condições claras de disputar a presidência com chances de vitória.
Teremos, portanto, um governo repleto de contradições que, aparentemente, terá dificuldades para implantar políticas de uma maneira coerente, devido à dificuldade em romper de forma clara com as políticas sociais do PT, em atender aos interesses da base de apoio no Congresso e aos empresários, além de manter as altas taxas de juros.
Este cenário cria condições para um crescimento tanto da direita quanto da esquerda.
No caso da esquerda, o grande problema está nos conflitos históricos entre o completo PT/CUT/CTB/MST, por um lado, e os pequenos grupos de esquerda por outros. Tudo isso sem falar na nova militância juvenil baseada numa política de questões e fundada em grupos que recusam a hierarquia, a concentração do comando e não tem a "grande política" como sua prioridade.
A princípio, um governo Temer que aplique o ajuste neoliberal e reduza as políticas sociais dará meios para que as esquerdas consigam mobilizar a Sociedade. O grande impedimento para isso é justamente a divisão entre os grupos. A queda do governo Roussef vai jogar uma grande quantidade de militantes do PT, do PCdoB e do PDT para fora de cargos governamentais. Teoricamente, eles vão tentar se fortalecer no sindicalismo, nos movimentos sociais e no movimento estudantil. Na verdade, isto já está acontecendo hoje.
Podemos notar, no caso dos estudantes que estão ocupando escolas em vários pontos do país, uma política de "entrismo" de grupos políticos organizados. Isto entra em choque direto com a lógica dos coletivos descentralizados.
Sobre a questão de uma unidade de esquerda, há também dois pontos a serem considerados. O primeiro é o papel de Lula. O segundo é a questão das bases sociais.
Recentemente, o que permitiu uma tentativa de reação popular ao avanço da direita foi a tentativa de condução coercitiva de Lula e, na seqüência, a forma como ele reagiu. A atitude enérgica de Lula provocou uma reação da sua base política organizada. Ao mesmo tempo, setores de esquerda e progressistas se escandalizaram com os claros excessos cometidos pela República do Paraná. Os dois blocos se uniram em defesa da democracia e contra o golpe.
Este exemplo mostrou que a liderança de Lula se mostra necessária para promover o máximo de unidade que se mostra possível no momento. Diante da aprovação da admissibilidade do impeachment, porém, Lula recuou. Ele chegou a fazer discursos públicos se apresentando, novamente, como o "Lulinha Paz e Amor".
Nas atuais circunstâncias, Lula teria duas saídas. A primeira seria a de comandar uma resistência popular contra o impeachment, o que dificilmente resultaria em sucesso no julgamento no Senado, mas permitiria criar condições para uma mobilização popular de centro-esquerda em torno da defesa das políticas sociais do PT.
Esta opção poderia resultar em enfrentamentos de rua, que seriam postos em sua conta. Além disso, a radicalização de Lula iria retirar-lhe votos de setores moderados ou mesmo de direita na próxima eleição, caso ele se encontre em condições de disputá-la.
A outra saída é a de colocar a culpa em Dilma Roussef, se recolher e esperar pelo fracasso do governo Temer, principalmente pelo ataque às políticas sociais do PT. Hoje, Lula tem algo em torno de 20% de intenções de voto, mas uma rejeição muito alta. O grande problema é justamente reduzir esta rejeição, pois as pesquisas também indicam a sua imagem como o melhor presidente do país para cerca de 50%.
Se Lula é tão bom, por que sua rejeição é tão alta? A resposta para tanto remete ao problema das bases sociais do lulismo. O termo lulismo foi cunhado por André Singer para dar conta do realinhamento que houve, em primeiro lugar, com relação à persona de Lula e, em segundo lugar, em direção ao PT.
As políticas sociais compensatórias e os aumentos reais do salário mínimo criaram condições para que Lula e, posteriormente, o PT conquistassem o apoio do subproletariado e dos setores desorganizados da classe trabalhadora. Até então, a base social do PT se encontrava nos setores de esquerda da classe trabalhadora organizada e na classe média progressista.
O subproletariado e os setores desorganizados da classe trabalhadora têm, historicamente, uma enorme dificuldade para lutar pelos seus direitos. Desta forma, o clientelismo e o populismo, seja em suas versões de esquerda ou de direita, teve mais sucesso em representá-los no plano político. Singer se refere a estes brasileiros com intrinsecamente conservadores, de forma que a desradicalização de Lula e do PT se mostraram fundamentais para conquistar o seu apoio.
Eu discordo da tese de que os mais empobrecidos da Sociedade brasileira sejam conservadores por natureza. O que faltou foi um processo de politização destas bases sociais. No caso dos setores desorganizados da classe trabalhadora, não houve um esforço sólido para sua mobilização sindical. Em muitos casos, pelo contrário, foi a direita que avançou neste campo.
Durante o governo Lula, houve uma expansão de empregos de baixa renda no setor de serviços, como motoboys, fast-food e call centers. Os sindicatos destas categorias, em muitos casos, foram parar nas mãos de conservadores. A UGT comanda o sindicato de fast-food em São Paulo. A Força Sindical comanda os motoboys do Espírito Santo.
O PT teve a oportunidade de fortalecer e politizar o movimento sindical, mas preferiu controlá-lo e dividi-lo, abrindo espaço para a explosão de centrais sindicais, entre elas as de direita. Esta decisão foi tomada para enfraquecer as esquerdas e impedir a emergência de uma onda reivindicatória que poderia colocar em risco o pacto que havia sido feito com os empresários.
No caso do subproletariado, tomou-se a decisão de não politizar os beneficiários do Bolsa Família e de outras políticas sociais, como o Mais Médicos, que sofreu duro ataque da direita e nenhuma providência foi tomada no sentido de defender o programa junto aos seus usuários.
O PT achou que, conquistando os pobres pelo estômago, iria manter o seu apoio caso seus benefícios fossem ameaçados de corte. Só que a recessão provocou desemprego, anulando os ganhos obtidos com carteira assinada, salário mínimo em alta e endividamento das famílias. O retorno a inflação juntamente com a enorme campanha que caracterizou Lula e o PT como comunistas e corruptos afastou o apoio desta base social. Hoje, o PT conta apenas com os seus militantes orgânicos, os seus simpatizantes e esta frente progressista que luta contra o golpe.
Desta forma, pensando em tentar uma nova eleição, a opção de Lula foi a de se afastar de Dilma e colocar nela a culpa pelo fracasso. Ao mesmo tempo, não liderar uma oposição popular ao impeachment. E esperar pelo fracasso do governo Temer, a expectativa de que a lembrança do ótimo presidente que foi, numa nova conjuntura, possa diminuir a rejeição a ele junto ao subproletariado a aos setores desorganizados da classe trabalhadora.
Obviamente, para que este plano dê certo, é preciso que vários fatores se combinem. Uma das dificuldades está numa possível condenação criminal de Lula. Se isto acontecer o fato dele ter trabalhado contra a ascensão de outros líderes no PT vai cobrar seu preço.
Antes, eu disse que a conjuntura que se abre é favorável ao crescimento da esquerda e da direita. No caso da direita, percebemos claramente que houve um refluxo após a aprovação da admissibilidade do impeachment. Também sabemos que o líder da República do Paraná, o juiz Sérgio Moro, declarou publicamente que a Lava Jato deve terminar até o fim do ano. Alguns membros das organizações de direita pretendem se candidatar nas eleições municipais e o nome de Jair Bolsonaro não cresce no eleitorado.
Desde a eleição do PT em 2002, o PSDB tem sido o refúgio do eleitorado conservador que não se viu capturado pelas estratégias da legenda. Porém, neste momento, o partido não se viu beneficiado pela queda do PT. Houve uma espécie de nivelamento dos blocos políticos que vinham disputando as últimas eleições. Desde 2002, há uma candidatura forte do PT e uma do PSDB, com a presença de uma terceira via, além dos pequenos candidatos de direita e de esquerda.
O PT nunca conquistou a maior parte do eleitorado, ficando um pouco acima do PSDB e, no segundo turno, conquistando votos suficientes da terceira candidatura para vencer. Lula e o PT se concentraram no Nordeste, no interior, e disputando nas grandes cidades, enquanto o PSDB ficou com o Sul-Sudeste, a classe média e as áreas mais urbanas. Há uma divisão eleitoral consolidada e o que ocorre neste momento é uma queda tanto de Lula quanto de qualquer nome do PSDB.
Em 2014, o crescimento de Marina Silva se deu na esteira da morte de Eduardo Campos (PSB) e de um discurso que criticava o governo Dilma, mas não apoiava o denuncismo do PSDB. Era uma terceira via, tendando juntar o "melhor dos dois mundos". Esta proposta foi bombardeada à direita e à esquerda, caindo para a sua posição natural no debate, ou seja, ficar fora do segundo turno.
Agora, Marina é a maior beneficiária, mas fica em situação de empate técnico com Lula e Aécio Neves (PSDB). Nomes radicais, à esquerda e à direita, como Ciro Gomes e Jair Bolsonaro não estão agradando.
Após o impeachment de Collor, Lula, que havia disputado o segundo turno contra ele cresceu nas pesquisas eleitorais. Ele só não venceu em 1994 por conta do golpe dado com o Plano Real. Agora, com a crise do PT e a ascensão canhestra de Temer, o leitorado pune Lula e o PSDB, mas não se desloca para Marina.
O mais interessante deste fenômeno é o fato do PSDB e Aécio Neves não terem sido, à semelhança de Lula após 1992, os maiores beneficiários. Ao mesmo tempo em que Bolsonaro também não evoluiu.
Os grupos de direita que organizaram as manifestações de rua alimentaram um discurso antipartidário e a Lava Jato mostrou que o envolvimento de lideranças políticas na corrupção é muito amplo.
Assim, a enorme rejeição a Lula e a não decolagem do PSDB ou de Marina indicam a possibilidade de um espaço aberto para que uma candidatura outsider, como foi a de Collor e 1989, surja e seja bem sucedida.
Collor explorou o populismo de direita, obtendo apoio dos pobres e dos conservadores de classe média. A grande questão daqui para frente é a seguinte: se o cenário não mudar, quem poderá ocupar este vazio?
O aparente retrocesso da direita com discurso filofascista é algo que precisa ser acompanhado. Afinal de contas, nos últimos anos, houve grande ampliação do conservadorismo no plano cultural no Brasil. Este crescimento foi sólido e se deu sob as barbas do PT. Até agora, porém, ele não se configurou em uma liderança popular que possa disputar o poder. O cavalo, contudo, está selado, esperando que alguém o monte.
Quero encerrar a minha intervenção levado em conta o papel dos Estados Unidos no governo Temer. Eu defendo que o governo deste país, além das empresas do setor petrolífero e de capital financeiro, participaram das articulações para a queda do PT e, mais importante ainda, para o bloqueio o projeto de Nação desta legenda.
Um governo Temer desestabilizado não é do interesse deste bloco. A prioridade é a de colocar a Petrobras à serviço das empresas estrangeiras no Pré-Sal e garantir a continuidade da política econômica com juros altos, impedindo o crescimento do mercado interno brasileiro.
O projeto proposto pelo Senador José Serra (PSDB), que abre o Pré-Sal às empresas estrangeiras, está tramitando agora na Câmara dos Deputados. A queda internacional do preço do produto já esta causando preocupação aos países produtores, que estão se organizando para uma interferência neste sentido. É possível, portanto, que haja uma recuperação da Petrobras no curto prazo, evidentemente seguindo o modelo de ajuste neoliberal.
Em novembro deste ano haverá eleições para a presidência dos EUA. O novo presidente assume em 2017. Os candidatos preferenciais, Donald Trump (Republicanos) e Hillary Clinton (Democratas), não deixaram clara sua posição sobre o Brasil. É evidente, porém, que os dois estão comprometidos com a continuidade da hegemonia norte-americana.
Se este país apoiar o governo Temer, se os agentes do mercado financeiro, como as agências de rating, facilitarem para ele, e se a economia do petróleo se recuperar, é possível que fique mais fácil administrar todas as contradições apontadas antes, comprometendo várias as estratégias que foram citadas aqui.
Elaborar cenários não é coisa simples. O que eu propus aqui foi pensar algumas opções, de forma que possamos centrar nossas atenções em alguns pontos e acompanhar a sua evolução.





1


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.