DO REINO DE DEUS AO ALCANCE DE LÚCIFER: UMA VIAGEM PELA MENTALIDADE PÓS-MORTE MEDIEVAL CRISTÃ

July 23, 2017 | Autor: Jean Campos | Categoria: Medieval History, História e Cultura da Religião, Imaginário, História do Diabo
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Estudante de licenciatura em História na Universidade de Taubaté, 2° semestre, noturno,estagiário da bolsa PIBID.
ALMEIDA, Rute. Os que Pecam e os que Absolvem: sobre penitentes, pecados, sacerdotes, absolvição e fé na Idade Média (cidade):(data)
GUNTZEL, Alessandro. Depois da morte mas antes do Paraíso, 2009)



Jean Lucas de Campos Silva
DO REINO DE DEUS AO ALCANCE DE LÚCIFER:
UMA VIAGEM PELA MENTALIDADE PÓS-MORTE MEDIEVAL CRISTÃ




Taubaté - SP
2013


Jean Lucas de Campos Silva
DO REINO DE DEUS AO ALCANCE DE LÚCIFER:
UMA VIAJEM PELA MENTALIDADE PÓS-MORTE MEDIEVAL CRISTÃ

Trabalho apresentado à disciplina de Língua Portuguesa, ministrada pela professora Deise Urias, curso Licenciatura em Históra, Departamento Ciências sociais e letras, Universidade de Taubaté.

Taubaté - SP
2013












O temor do Senhor é o princípio do conhecimento, mas os loucos desprezam a sabedoria e a instrução.
(Provérbios 1.7)






DO REINO DE DEUS AO ALCANCE DE LÚCIFER:
UMA VIAJEM PELA MENTALIDADE PÓS-MORTE MEDIEVAL CRISTÃ
Jean Lucas de Campos Silva
Palavras-chave: Deus; Inferno; Fé; Salvação; Medo.
1.Introdução
O artigo apresenta um estudo sobre o pensamento da sociedade européia dos séculos XI ao XV, com relação às pregações Católicas e visões escritas sobre Céu e Inferno, Deus e o Diabo.
Para iniciar o estudo, temos, como base, alguns elementos fundamentais para entender o consciente da sociedade medieval, são eles: a promessa da salvação após a morte aos que seguissem as doutrinas católicas, o medo do castigo eterno e o constante sentimento de culpa e pecado, este último repudiado pela Igreja.
O trabalho evidencia a relevância de se compreender a mentalidade medieval, pois esse imaginário reflete na conduta e modo de vida do homem durante a Idade Média e que podem estar inseridos na mentalidade de muitos cristãos até os dias de hoje. O presente estudo se refere à área da História e da Religião, e tem como fim, refletir sobre duas vertentes que traziam a visão do além-morte para o imaginário da população medieval: as escrituras que a Igreja Católica Medieval pregava sobre o céu, o inferno e o purgatório, e também a visão dos exemplum. Procurei esclarecer aqui, os motivos que levaram a sociedade medieval a ter tanto medo das consequências pós-morte de uma vida pecadora, e as vantagens de uma vida regrada em busca do paraíso.
Os métodos utilizados para a produção do artigo foram baseados em pesquisa de cunho bibliográfico no intuito de encontrar informações e pontos de vista de profissionais confiáveis na Área de História Medieval, Mentalidade Religiosa e até citações bíblicas, de forma que, ao fim, o resultado desta pesquisa contemple precisamente o imaginário cristão medieval.
Os autores pesquisados neste estudo são: Adriano Machado Oliveira e Eduardo Guillermo Castro escrevem "Entre Deus, a culpa e o pecado", citações de Nietzsche e Voltaire contribuem para seu artigo; Rute Salviano Almeida escreve "Os que Pecam e os que Absolvem: sobre penitentes, pecados, sacerdotes, absolvição e fé na Idade Média", cita Jacques Le Goff, Schmitt, decreto de Graciano, Vauchez, Durant e Rops; Ana Luiza de Oliveira e Silva escreve "A figura do diabo no imaginário medieval" ; "História do medo no Ocidente" de Jean Delumeau; "Paraíso versus Inferno: a Visão de Túndalo e a Viagem Medieval em Busca da Salvação da Alma (séc. XII)" de Adriana Zierer;
O resultado desta pesquisa (que só foi possível após a contribuição dos artigos citados acima) é de que o medievo tinha suas práticas e pensamentos desta vida sempre ligadas direta ou indiretamente no propósito de salvação de sua alma, isto é; havia uma preocupação em relação as consequências dos seus atos terrestres e que poderiam levá-lo: ao paraíso, lugar belo, onde conseguiria o gozo eterno, ao purgatório, onde sofreria castigos temporários, ou ao inferno, onde amargaria os piores dos sofrimentos pela eternidade.

2.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é Dom de Deus, não vem das obras para que ninguém se glorie (Ef. 2.8-9).
Para dar início ao estudo das mentalidades cristãs medievais sobre o além, é necessário entender os pontos de vista de pesquisadores da área sobre tal tema e, a partir de seus argumentos, focar os princípios básicos da religiosidade que movia aquele povo medieval que, mesmo sofrendo em terra, continuava a glorificar a Deus e a acreditar na salvação de suas árduas vidas.
Adentremos primeiro no que, talvez, seja o mais relevante dos princípios, a FÉ, e neste ponto, estudo o artigo de Almeida, seus argumentos revelam aspectos da época relacionados à confissão dos pecadores e aos que absolviam, porém, a procura, no artigo da teóloga está voltada a entender especificamente sobre a fervorosidade cristã medieval. Almeida em seu artigo, para contribuir com sua ideia de fé, evoca o historiador francês Daniel Rops, este, assim cita:

A religião impõe-se aos espíritos como um absoluto que ninguém discute. Não se vê o menor traço de indiferentismo e menos ainda de ateísmo. Do mais humilde ao mais importante, é uma sociedade inteira que crê. (ROPS, op. cit. p. 43)
Como vemos nesta citação, a religião é o "recipiente" que se encontra depositada a fé da população, sendo esta absoluta e indiscutível na idade média, questionada aguçadamente apenas mais tarde, com o Iluminismo.
Junto à ideia de crença fervorosa a essa religião, ainda no artigo de Almeida, vemos como ponto auge da fé o criador. Deus, que se coloca como a força que olha e vigia, centraliza toda a energia de processo da vida do homem, ou seja, seu começo meio e fim, sustentando, assim, o contínuo louvor dos filhos para com o pai. Dirigimo-nos novamente a Rops, que se expressa em relação ao Deus acreditado na Idade Média: "Nada se fará na terra sem que, direta ou indiretamente, Deus seja o fim, o meio, a testemunha, o juiz. Toda a civilização medieval será sagrada" (ROPS, op. cit. p. 44).
Além da fé, outro princípio que movia o povo a ter uma conduta que, segundo o catolicismo, era a correta perante os olhos de Deus era o medo, relacionado diretamente ao temor do inferno descrito pela Igreja, (apresentarei uma sobre o inferno, com mais detalhes, em outro momento do artigo) por ora nos voltamos à questão do medo do castigo eterno na outra vida.
O medo partia da consciência de que ao fim de sua vida, o homem seria julgado por Deus em relação às suas ações e pensamentos, que o tornariam culpado ou não, a partir disso, os pesquisadores Adriano Machado Oliveira e Eduardo Guillermo Castro realizaram um estudo sobre essa relação "Deus, homem e culpa", no artigo "Entre Deus, a culpa e o pecado" e, para reforçar seus argumentos, utilizam do pensamento do filósofo Friedrich Nietzsche que, em sua sanidade, irá sustentar a seguinte afirmação:

O advento do Deus cristão, o deus máximo até agora alcançado, trouxe também ao mundo o máximo de sentimento de culpa [...] na mesma razão em que nesse mundo cresceram e foram levados às alturas o conceito e o sentimento de Deus (OLIVEIRA E CASTRO, Entre Deus, a culpa e o pecado APUD Nietzsche, F. 1987 )
Após termos examinado os princípios fé, medo e culpa, enraizados na mentalidade medieval, podemos analisar o pensamento de pós-morte da Idade Média. A historiadora Adriana Zierer, que tem seu pós-doutorado na Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales escreveu "Paraíso versus Inferno: a Visão de Túndalo e a Viagem Medieval em Busca da Salvação da Alma (séc. XII)" e traz em seu artigo, depois de estudar todo o plano físico do que é o céu, o inferno e o purgatório, por meio de discursos de visões de personagens da época, argumentos para defender a ideia de que o medievo se preocupava mais em não ser julgado para o inferno do que alcançar os céus, devido ao tamanho medo do sofrimento infernal:

[...] a salvação era a preocupação fundamental dos medievos mais pelo pavor do castigo que pelo anseio do Céu. Quanto à atingi-la, representava uma árdua batalha para a alma humana, que se debatia entre o desejo dos prazeres e o terror do abismo infernal.
(ZIERER, 2002, p.181)

Ainda no artigo de Zierer, aprofundando os detalhes do "além", encontramos, talvez como melhor fonte do imaginário pós-morte "A visão de Túndalo", que é a história acreditada por quase todos os cristãos da Idade Média sobre o homem que esteve com um anjo enviado por Deus, para o inferno, o purgatório e para os céus para vivenciar os castigos ou os desfrutes que ele poderia conquistar, dependendo de sua vida como mortal. Tal história tem o intuito de materializar o além e torná-lo mais próximo aos sentidos humanos: detalhes do cheiro e o aspecto visual por exemplo, como vemos na descrição de Túndalo apresentado no artigo de Zierer:
Um elemento comum das visões é a ênfase nas sensações dos órgãos dos sentidos. Por exemplo, fedor no Inferno e perfume no Paraíso. Torturas são explicitadas através de escuridão, gritos e dores, em oposição à claridade, cantos e alegria.
(ZIERER, 2002, p.150)

3. O IMAGINÁRIO DE PÓS-MORTE DO CRISTÃO MEDIEVAL:
3.1 O medo como forma de controle de conduta

Mas eu mostrarei a quem vocês devem temer: temam àquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar no inferno. Sim, eu digo a vocês, a esse vocês devem temer.
(Lucas 12:5)

Só podemos entender a conduta do Medievo em seu cotidiano, se raciocinarmos sobre os aspectos que o motivava na sua vida. São dois os elementos principais que formavam o imaginário do sujeito e, que por seguinte o disciplinava na sociedade: a fé e o Medo, a primeira lhe dava segurança, e a última o "controlava". Falarei sobre essa forma de controle em outro momento do artigo.

A necessidade de segurança é portanto fundamental; está na base da afetividade e da moral humanas. A insegurança é símbolo de morte, e a segurança símbolo de vida." (DELUMEAU, 2009, p.23).
Seguindo o pensamento cristão da época, a Igreja Católica era, como se sabe, intermediadora de Deus para com o povo, tudo o que ela informava era uma verdade incontestável e que o povo acreditava veemente. Assim, a Igreja pregava como deveria ser a conduta do cristão, pois, as ações feitas na vida terrena, teriam consequências depois da morte, no momento do juízo final.
É da natureza humana temer, mas aquilo que será temido é construído pela sociedade na qual estamos limitados [...] (COSTA Daniel, O inferno e a sua instituição,2011)

As pregações relacionadas ao outro mundo faziam com que por via do medo, e da crença dos fiéis, a Igreja tivesse o controle da população, essas pregações poderiam ser: maravilhosas, com narrações de um perfeito paraíso para onde iam os puros, que seguiam as doutrinas cristãs, ou um lugar terrível, com pessoas sofrendo, destinado aos que agirem e pensarem contra a Igreja.
O universo da mente do medievo era rodeado pelo medo da morte e, mais precisamente, o que viria a acontecer depois dela, como pregava o Cristianismo medieval. Alessandro Guntzel em seu artigo evoca o escritor Mattoso, e esse último, assim retrata a ligação de medo e Igreja:

A morte acabou por se tornar um elemento essencial da estratégia persuasória por eles (os pregadores) utilizada, como derradeiro momento do período em que o homem podia acumular méritos ou deméritos, por meio de prática das virtudes ou dos vícios, para, imediatamente depois dela, se apresentar ao tribunal divino, que lhe determinava o seu destino eterno. (MATTOSO, 1995, 220).

Todavia, com relação à esse primeiro tema, podemos concluir que: o medo era uma forma que a Igreja utilizava para pregar seus dogmas e métodos de conduta, preenchendo o imaginário do povo com sermões que relatavam o além. Os aspectos desse além na mentalidade cristã medieval será tratada no próximo capítulo.

3.2 O Além cristão: Inferno

A peça essencial do sistema não foi o Paraíso, mas o Inferno. A Igreja Católica para incitar os fiéis a trabalhar por sua salvação apresenta-lhes mais o medo do Inferno que o desejo do Paraíso (LE GOFF, 2002, p. 30).

A igreja (aos olhos cristãos medievais), intermediadora de Deus na terra, pregava visões de elementos que compunham o "outro mundo". Para descrever o lugar para onde os condenados impuros iriam passar a eternidade; isto é, o inferno, a igreja utilizou das escrituras bíblicas, e também dos exempla, esse último com o intuito principal de alertar e, disciplinar os cristãos a uma conduta pura.
Os exempla eram contos, considerados pelos cristãos, como verídicos, usados em sermões para o povo, o intuito desses exemplum era, além de pregar uma conduta de um cristão puro que segue as doutrinas da igreja, facilitar o entendimento da população, para com a pregação religiosa. Os sermões estavam sempre ligados a salvação da alma, em geral eles pregavam: orações aos mortos, renúncia aos pecados, conduta correta perante a igreja entre outras. Direciono neste trabalho, o uso dos exempla, no contexto apenas da pós-morte, e particularmente nesse capítulo, o inferno.
O libro de los exemplos escrito por Leones Clemente Sánchez de Vercial, Arcebispo de Valderez escreveu entre os anos de 1400 a 1421 o que foi considerada uma das maiores obras de exempla da Espanha. Neste sermão, Clemente descreve a passagem de um padre que pedira a Deus para que lhe mostra-se o inferno, percebe-se a ênfase nos castigos que o padre teria visto, enquanto um anjo o guia:
Dios oyole e enbiole su Angel que Le levo al infierno e mostrole diversasmaneras de tormentos, e entre todos los otros muy spantosos e vio um escala em que eram diez grados em que estavan enforcados diez ombres uno sobre outro. E El primero era um viejo muy antiguo mezquino e podrido, e deyuso Del estavan los otros colgados, cada uno em su grado.Los diablos atormentavam estos ombres e crelmente los açotavam e com grafios de fierro los despedaçavan . (CLEMENTE, libro de los exemplos,385°).

A visão de Túndalo, uma narrativa de origem Cisterciense, escrita no século XII pelo Irlandês Marcos, depois editada em várias versões, é um Exemplum acreditado na Idade Média que descreve a viagem de um cavaleiro ao alem, passando pelo inferno, purgatório e por fim o céu.
Esta visão apresenta explicitamente a dimensão geográfica e também o uso dos sentidos humanos para representar o alem.

A corte do Diabo é formada por Lúcifer, o Senhor dos demônios, aprisionado nas trevas do Inferno, Satã, primeiro de seus seguidores, seu bode expiatório e o encarregado de missões na terra e uma série de outros demônios que exerciam suas atividades no Inferno e Purgatório (ZIERER, Paraíso VS Inferno, 2002. APUD LE GOFF & SCHMITT, 2002, I: 321).

[...] os que estão ali são os anjos das trevas e os que se desesperaram da misericórdia de Deus e não acreditaram mais Nele. Estes já estão definitivamente julgados.(ZIERER, Paraíso VS Inferno, 2002. APUD CAROZZI, 1994: 600)

Ainda seguindo as visões, ZIERER produz uma tabela destes relatos do além que foram produzidos nos séculos II e III, e acreditados em toda Idade Média:


(ZIERER, Paraíso VS Inferno,2002)
Além dos exempla, as próprias escrituras bíblicas retratam esse lugar de tormento. Na Bíblia é possível observar diversas palavras diferentes para designar o "popular" inferno: em Isaias 5:14, é usado o termo SHEOL, em 2 Pedro 2:4 o termo TARTAROO é utilizado, Tiago 3:6 apresenta as trevas como GEHENNA. "Em latim a palavra inferno, infernus, significa inferior". (ZIERER, Paraíso VS Inferno, 2010)
A população da idade média acreditava que a origem de todo mal e pecado do mundo vinha de satanás, o líder supremo do inferno, e esse povo interpretava por meio das leituras Bíblicas, que esse demônio, antes da criação dos homens, era um anjo, que ambiciando ser tão poderoso quanto Deus foi expulso do reino dos céus e aprisionado nas profundezas da terra:
Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo.
Insolentes e arrogantes, tais homens não têm medo de difamar os seres celestiais; 
(2 Pedro 2:4)

Outras formas de descrição do além foram feitas a partir das visões, que muitos disseram ter visto, como no caso de São Paulo, que narra os tormentos do Inferno:
Na Visão de São Paulo, por exemplo, os usurários são mergulhados num rio tenebroso onde têm as línguas comidas por não terem sido misericordiosos nem se preocuparem com as viúvas e órfãos (ZIERER, Paraíso VS Inferno,2002 APUD Vision de Saint Paul, 1903: 125-126).

3.2 O Além cristão: Purgatório

A crença no purgatório antes de mais nada, a crença na imortalidade e na ressurreição, em que algo novo para um ser humano pode acontecer entre a sua morte e a sua ressurreição. É um suplemento de condições oferecidas a certos homens para que alcancem a vida eterna. Uma imortalidade que se atinge através de uma única vida. (LE GOFF, 1993, 19).

Para dar início ao tema, vamos olhar para alem do conceito religioso. Segundo citação de Costa, a invenção do Purgatório na Idade Média, tinha uma estratégia econômica, que possibilitava um desenvolvimento financeiro aos cristãos, ao mesmo tempo em que lhes era dada uma chance de alcançar o céu:

A esperança de escapar do Inferno, graças ao Purgatório, permite ao usurário fazer a economia e a sociedade avançar em direção ao capitalismo" (COSTA, Usura e Purgatório: Jacques le Goff e a Antropologia do Sagrado Medieval,2011 APUD LE GOFF)

Na visão da Igreja, o purgatório dava uma chance para aqueles que não tiveram a vida totalmente entregue ao pecado, mas, que também não viveram inteiramente conforme a cristandade pregava, ou seja, o purgatório é o lugar dessa "categoria intermediária, ,destinadas a ele, aqueles que se arrependeram antes de morrer dos seus pecados ligados a carne, lugar de purificação da alma" (GÜNTZEL,2009)
Adentremos então agora, no que diz respeito à mentalidade cristã medieval sobre o purgatório. Para entendermos esse universo imaginário, utilizamos novamente das visões.
Novamente os exempla contribuíram para preencher o imaginário medieval com sentidos e noções detalhistas sobre o lugar dos condenados que teriam suas almas purgadas.
Uma compilação de exemplos foi feita no final do século XIII na Inglaterra, com o título de Speculum Laicorum. Güntzel, em seu artigo utilizou a versão de Hernandez: El Especulo de los Legos para descrever o purgatório:

Purgatório es fuego corporal em qual son atormentadas as almas de los justos que non cunplieron em esta vida penintençia que les era deuida [...](GÜNTZEL, Depois da morte mas antes do Paraíso, 2009 HERNADEZ, 1950, XV El Especulo de los Legos p.382)

Em outro exemplum do livro Orto do esposo, escrito em Portugal no final do século XIV de autor desconhecido, revela-se um aspecto emocional desesperador, do purgatório: "Lugar para chorar e nõ para auer prazer."(GUNTZEL Depois da morte mas antes do Paraíso, 2009 APUD Orto do esposo p.220 cap.XXXIV livro IV) A versão do exempla utilizada neste parágrafo, é de 1956, escrita por Bertil Maler.
Na visão de Túndalo, o exemplum se mostra bastante cruel, com o objetivo de amedrontar os fiéis ao ouvir tais contos. A tradução foi feita por Zierer, em seu artigo Paraíso VS Inferno:
Erant enim in omnibus diversis membris et digitis diversarum bestiarum capita, que ipsa membra mordebant usque ad nervos et ossa. Habebant quoque linguas vivas in modum aspidum, que totum palatium et arteria consumebant omnia usque ad pulmones (ZIERER, Paraíso VS Inferno,2002 APUD Vision de Tindal, 1903: 84).

Eram devorados por outra besta, mais aterrorizante que a predecessora, com dois pés, duas asas muito grandes e de sua boca saíam grandes chamas de fogo. No interior do monstro, os pecadores sofriam tormentos e engravidavam, tanto homens quanto mulheres, de outras feras, as quais pariam, com grandes gritos, por todas as partes do corpo. Estes animais os mordiam até os ossos e queimavam suas artérias e pulmões. (ZIERER, Paraíso VS Inferno,2002)



3.3 O ALÉM CRISTÃO: PARAÍSO
[...] nunca mais terão fome, nem sede, o sol nunca mais os afligirá, nem qualquer calor ardente; pois o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, conduzindo-os até as fontes de água da vida. E Deus enxugará toda lágrima de seus olhos.
(Ap. 7, 15-17)

Durante toda a idade Média, o cristão ambiciou a salvação, isto é, o seu lugar nos céus, a Igreja afirmava que isso apenas seria possível, se o cristão, agisse conforme o que os dogmas e as escrituras Bíblicas pregavam: renunciar ao pecado e fazer doações eram uma das possibilidades para a purificação da alma. "Porque a esmola livra da morte e é a que apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna.".(Tobias 12:9).
Segundo as escrituras bíblicas, é no juízo final, que cada cristão seria julgado por seus atos terrenos, cabendo a Deus apurar se o sujeito seria destinado ao paraíso ou não:

Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom seja mau. (Eclesiastes 12:14)

As visões também reforçavam os aspectos desse lugar celestial que abrigara a felicidade eterna. O livro dos exemplos escrito na península Ibérica pelo Arcebispo de Valderes dentre os anos de 1400 a 1421 trata em alguns capítulos do paraíso, caracterizando-o como um lugar belo com campos maravilhosos:
Un lugar muy fermoso em que estava un campo de maravillosos olores e La su grandeza e e fermosura non podria ser contada" – (p.35 el libro de los exenplos por xeA.B.C- Leonês Clemente Sánchez de Vercial)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Igreja Cristã na Idade média pregou, sob a base das citações Bíblicas, seus sermões sobre a salvação da alma do homem, com o objetivo de renunciar o pecado e os males que contrariavam os dogmas católicos, para evitar as punições da outra vida.
Por via dessas pregações, a Igreja utilizava dos sermões, que transmitiam ao público uma visão de como seria o além: Céu, Purgatório e Inferno, esses dois últimos, descritos de forma apavorante pela Bíblia, e pelos Exemplum. A partir da leitura de trechos de ambos os textos, foi possível entender o medo que assolava o pensamento da época e, principalmente, mostrar aquilo que foi colocado como objetivo principal do trabalho: o imaginário de pós-morte do cristão medieval.

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