Docência escolar e o lugar de valorização cultural indígena brasileira: o caso do PARFOR

June 28, 2017 | Autor: Walace Rodrigues | Categoria: DOCENCIA UNIVERSITARIA, Indígena, Pedagogia Parfor, Valorização cultural
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Docência escolar e o lugar de valorização cultural indígena brasileira: o caso do PARFOR Walace Rodrigues *

Eixo: Formação docente (Políticas públicas e suas repercussões na formação de profissionais para a educação básica) Subeixo: Aprendizagem docente e desenvolvimento profissional

Resumo Este escrito objetiva mostrar a importância do ensino que respeita e considera aspectos das culturas indígenas brasileiras no âmbito da docência escolar, já que, conforme nossa legislação educacional (LDB 9394), os conteúdos históricos e culturais referentes aos povos indígenas devem ser ensinados no *

Doutorando em Humanidades (área de Antropologia da Arte), mestre em Estudos Latino-Americanos e Ameríndios e mestre em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Universiteit Leiden (Países Baixos). Pós-graduado (lato sensu) em Educação Infantil pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Licenciado pleno em Educação Artística pela UERJ. Professor Assistente da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

2 Ensino Fundamental e Médio. A pergunta (problema) que se coloca aqui é: estão os professores do PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) sendo formados para a valorização da cultura indígena em sala de aula? Descrevo, aqui, enquanto forma de análise metodológica, minhas experiências enquanto professor para os cursos do PARFOR de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em dois campus distintos. As especificidades dos estudantes do PARFOR desta região (Bico do Papagaio) fazem destes estudantes um exemplo claro da importância da formação de docentes críticos em relação à valorização das diferenças no ambiente escolar. A relevância deste escrito está em se colocar como um diagnóstico da formação docente do PARFOR no que se refere à valorização das diferenças étnicas encontradas dentro das salas de aula brasileiras e com as quais os docentes devem conviver e ensinar a respeitar. Palavras-chave: Docência, valorização cultural, indígena, PARFOR.

Introdução Este artigo foi escrito especialmente para o VI Encontro inter-regional Norte, Nordeste e Centro-oeste sobre formação docente para Educação Básica e Superior (ENFORSUP) e o I Encontro internacional sobre formação docente para Educação Básica e Superior (INTERFOR). Ele foca em minhas experiências enquanto professor para as turmas de PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) na Universidade Federal do Tocantins (UFT), nos campos de Araguaína e Tocantinópolis, nos cursos de licenciatura em Pedagogia e em Letras. A partir de minha constatação de que os estudantes do PARFOR tinham pouco, ou nenhum, conhecimento sobre as artes indígenas, pude voltar meu trabalho para a formação estética destes estudantes e focar na desconstrução de estereótipos sobre os povos indígenas nacionais, buscando valorizar as contribuições indígenas para a sociedade e a cultura nacionais. Devo lembrar que os vários estudantes do PARFOR são professores atuantes no interior do Estado do Tocantins, um estado onde há vários povos indígenas e que têm uma produção estética nacionalmente reconhecida pela antropologia da arte, porém desconhecida para estes estudantes do PARFOR e para grande parte da população brasileira. Também, este artigo busca mostrar a forma como trabalhei para tentar aproximar tais estudantes das imagens de artes indígenas, tentando interpretá-las, buscando apreciá-las e fazendo delas

3 uma fonte de inspiração para que estes estudantes-professores utilizem tais imagens com seus alunos do Ensino Fundamental. Ainda, este artigo tem uma relação profunda com meu projeto de extensão intitulado “Reflexões sobre a estética indígena para o campo da Arte-Educação”, executado entre 2011 e 2012, e com meu projeto de pesquisa intitulado “A estética dos povos indígenas brasileiros aplicada à arteeducação”, executado entre 2012 e fevereiro de 2015, ambos com o auxílio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Desenvolvimento

Para começar, gostaria de definir o programa que serve de objeto de análise deste escrito: o PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica). Este plano é uma iniciativa do Governo Federal para graduar professores que somente têm ensino Normal (de nível médio) e que exercem suas funções como educadores dentro das salas de aula de nosso país. A maior parte deste estudantes não tem nenhuma graduação a nível superior. A Lei de Diretrizes e Bases da educação (Lei 9.394/1996), com várias alterações até 2013, nos impõe a necessidade de formação mínima de nível superior em licenciatura plena para atuar na educação básica, conforme artigo 26, que transcrevo aqui: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996, artigo 26).

A partir desta necessidade de formação Superior dos professores atuantes, e somente com o Ensino Médio da modalidade Normal, é que foi formulado, sob os encargos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o PARFOR. Este plano visa formar os profissionais da educação que trabalham ativamente na área da educação escolar, ou seja, professores atuantes dos recôncavos do Brasil, de lugares onde existe pouca ou nenhuma possibilidade de formação superior. Os estudantes do PARFOR com os quais trabalhei são professores do interior do Bico do

4 Papagaio, no extremo norte do Estado do Tocantins. Suas condições de trabalho são, geralmente, bastante precárias e se nota que eles necessitam de uma formação mais sólida de conteúdos e balizada no respeito às diferenças, na formação da criticidade e na humanização que a educação pode trazer. Algumas universidades federais foram selecionadas pela CAPES para a execução do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica em seus estados de atuação e localização, e a Universidade Federal do Tocantins (UFT) faz parte deste grupo de universidades que detêm a responsabilidade de formar e diplomar estes estudantes. Como professor desta universidade e atuante no PARFOR, resolvi mostrar como tento conscientizar meus estudantes da importância de valorizar as culturas indígenas através de suas criações artísticas. Como este escrito trata de uma análise de experiências, vale informar que participo do PARFOR como professor formador desde 2012 e que tenho ofertado disciplinas ligadas à Arte nos cursos de licenciatura em Pedagogia e Letras, dos campus de Tocantinópolis e Araguaína, da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Quanto à valorização das culturas indígenas brasileiras, a mesma Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira (lei 9.394/96) dá especial atenção aos conteúdos ensinados sobre os povos indígenas nacionais e sobre a cultura afro-brasileira. Essa tentativa de aproximação dos estudantes com as culturas indígenas enriquece a visão dos alunos em relação aos outros povos formadores da sociedade nacional. O artigo da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96) que especificamente direciona as escolas a ensinarem estes conteúdos é o artigo 26-A, que transcrevo abaixo como embasamento legal para a ação de valorização dos vários grupos formadores da sociedade brasileira: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). (BRASIL, 1996).

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Portanto, para além das razões legais de valorização das culturas dos afro-brasileiros e indígenas no contexto escolar, há uma necessidade ética em combater qualquer tipo de discriminação, tendo a escola papel fundamental nesta função, principalmente durante a formação infantil, quando as crianças começam a conhecerem-se enquanto indivíduos integrados em sociedade. Assim, as diferenças devem ser valorizadas na escola com o objetivo de enriquecer os conteúdos e para que se respeitem as várias visões de mundo existentes em uma sociedade. Uso aqui uma passagem da professora Vera Neusa Lopes (2005) que fala exatamente sobre esse ponto:

A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a diferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é preciso valorizá-la para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características próprias e individualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitos humanos e cidadania. Aprendendo a se ver, a ver o seu entorno (família, amigos, comunidade imediata) de modo objetivo e crítico, a comparar todos elementos com os de outros tempos e lugares, a criança desenvolve comportamentos adequados para viver numa sociedade democrática. (LOPES, 2005, p.189).

Para que possamos construir uma nação livre, solidária e igualitária, onde ser cidadão não se constitua em um privilégio de poucos, devemos buscar informar sobre todos os povos que compõem a sociedade nacional (asiáticos, brancos, negros, indígenas, entre outros) e tentar valorizar as culturas e feitos destes outros povos, principalmente, mas não exclusivamente, dentro da escola e durante a educação infantil. Ainda, a pesquisadora indiana Gayatri Spivak, muito conhecida por seus estudos nas áreas de feminismo e pós-colonialismo, nos informa que racismo 1 é aprendido, portanto, pode, também, ser desaprendido na tentativa de mostrar possibilidades mais críticas e criativas. Coloco aqui uma passagem de Spivak (1996) sobre este processo de desaprendizado:

Se nós aprendemos racismo, nós podemos desaprendê-lo, e desaprendê-lo precisamente porque nossas ideias sobre raça representam um fechamento de possibilidade criativa, a perda da opção do outro, outro conhecimento. (SPIVAK apud LANDRY; MACLEAN, 1996, p. 4, tradução livre).

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Aqui tomamos “racismo” como uma discriminação por motivos raciais, desprezando alguma(s) “raça”(s) e valorizando outra(s). Essa discriminação também afeta todas as contribuições culturais, sociais e históricas dos “desprezados”.

6 O ato de informar aos estudantes do PARFOR sobre os vários povos formadores da sociedade nacional se mostra mais que necessário, não somente por seu aporte legal, como já foi dito, mas por uma revisão ética e histórica de valorização devida a alguns povos desprezados na sociedade nacional, como no caso dos indígenas. Assim, a escola deve incentivar as crianças a pensarem criticamente sobre um Brasil mais múltiplo e heterogêneo em sua formação cultural. Para tanto, os professores, também, devem ser formados para aceitar e conhecer a diversidade étnica que existe em nosso país, buscando valorizá-la no ambiente escolar. É papel da escola ajudar as crianças a terem representações simbólicas corretas sobre a sociedade em que vivem e sobre as várias vertentes étnicas encontradas nesta sociedade. Em um país tão mesclado etnicamente como o nosso, o entendimento de cada grupo social e seu papel na sociedade nacional se torna essencial. Uso aqui uma passagem dos educadores Ercília Maria de Paula e Fernando Wolff Mendonça (2009) sobre a construção de conteúdos sociais simbólicos e o papel da escola:

A escola é criação social e representa um espaço em que as apropriações comuns de uma sociedade podem ser ordenadas e classificadas de acordo com a utilidade e a significação dos conceitos sociais, desde que essas apropriações tenham relevância para o desenvolvimento da criança, sendo utilizadas como ferramenta de interação da criança com o grupo social. (PAULA; MENDONÇA, 2009, p.51).

Esse conhecimento que a escola deve compartilhar com seus estudantes também tem uma vertente ética em relação às representações dos grupos formadores da sociedade nacional. Essa atualidade sobre a discussão de valores éticos pode ser vista na seguinte passagem de Edilson Santana (2007): No mundo contemporâneo, tudo se converte em ameaça e exige uma construção ética inédita, que tem como centro as tecnologias biológicas e a energia nuclear, para as quais os regramentos da tradição acham-se inoperantes. Neste contexto, torna-se inevitável o questionamento das éticas aplicadas, tais como a bioética. Tudo reclama um ethos mundial, uma ética universal, capaz de corrigir a rota que vem levando à grave crise da injustiça social. (SANTANA, 2007, p. 94).

Assim sendo, seguindo os ensinamentos de Paulo Freire (1997, p. 46), sobre a importância da “outredade” do “não-eu” para assumir a radicalidade do meu “eu”, podemos verificar que o reconhecimento da importância social e cultural dos indígenas nacionais se mostra na necessidade de valorização das contribuições destes grupos sociais, não somente em um sentido ético, mas, também, em um sentido de levar a nosso auto-entendimento cultural e artístico. Também é

7 interessante notar que o nosso “outro”, o indígena, não é um habitante de outro país, mas o autóctone da nação brasileira, um cidadão nacional digno de ser conhecido e respeitado. E qual a melhor maneira de começar a conhecer o “outro” senão pela sua arte e sua cultura? E qual o melhor lugar para compreender a cultura do “outro”, em nosso caso a cultura indígena, senão no próprio museu do “outro”, o Museu do Índio? Ai onde as sociedades indígenas são representadas com todos seus atributos culturais, sociais e criações artísticas, tornando fácil a percepção e a descoberta de suas riquezas. Mas se na cidade onde se ensina não há museus, muito menos um museu dedicado aos indígenas? Ai, uma das soluções tem que ser mesmo a descoberta da arte e da cultura dos indígenas no ambiente escolar. Ainda, em seu livro “Arte indígena, linguagem visual”, de 1989, a antropóloga da arte Berta Ribeiro nos deixa ver a arte indígena como uma forma de linguagem (daí passível de leitura, de codificação e decodificação), discutindo, no referido livro, sobre as definições de arte primitiva e arte étnica, levantando pontos como a Arte enquanto elemento de cultura, a tecnologia da cultura material, padrão e estilo artísticos, as questões de gênero na confecção de objetos de arte indígena, a Arte como iconografia, a linguagem dos adornos corporais, os mitos, os ritos e os objetos rituais, a Arte como identidade étnica e sobre a necessidade de mais estudos nesta área. Uso aqui uma passagem de Berta Ribeiro (1989) sobre a riqueza de informações que a arte indígena pode nos fornecer:

O estudo dos objetos, das técnicas que os tornam possíveis e de seus significados é tema ligado às esferas do econômico, do social e do simbólico nas sociedades indígenas. Os esquemas de interpretação dessa problemática, na medida em que forem ampliados, reorganizados e discutidos possibilitarão o desenvolvimento empírico e teórico de uma antropologia da arte, de uma etnoestética ou uma arte étnica dignas desse nome. (RIBEIRO, 1989, p. 25).

A antropóloga Lúcia van Velthem (1994) nos deixa ver, na passagem abaixo, que a

decodificação das artes indígenas devem partir do entendimento da iconografia (leitura da imagem) colocada sobre os vários suportes onde a arte indígena está agindo:

Os estudos sobre a estética corporal (pintura e decoração, máscaras) compreendem a temática mais estudada até o presente, uma vez que é neste domínio estético que mais facilmente sobressaem aspectos cognitivos importantes, como a noção de pessoa. Outro item específico envolve os objetos e a estética, enfatizando sobretudo as representações simbólicas que buscam conectar diferentes categorias artesanais (notadamente plumária, cestaria e cerâmica) aos sistemas de cognição indígena. A maioria desses estudos elabora suas análises a partir da

8 iconografia decorativa dos artefatos, a qual se revela um campo privilegiado para a visualização de sistemas representativos, notadamente de identidade étnica, de construção de mundo e das relações sociais. (VAN VELTHEM, 1994, p. 86).

Também, a desconstrução dos discursos hegemônicos (masculinos, brancos e eurocêntricos) sobre os indígenas brasileiros foi uma das alternativas utilizadas por mim, enquanto professor, para alertar aos estudantes do PARFOR sobre a importância de analisar os discursos (imagéticos, escritos, orais, gestuais, sonoros, etc.) construídos historicamente pelos não-indígenas e que se referiam aos indígenas. Coloco aqui uma passagem de Marita Sturken e Lisa Cartwright (2005) sobre o que pode ser considerado discurso dentro da visão de Michel Foucault: Em geral, é o processo organizado socialmente de falar sobre um determinado tema. De acordo com Michel Foucault, discurso é um corpo de conhecimentos que define e limita o que pode ser dito sobre algo. Enquanto não há uma lista determinada de discursos, o termo tende a ser usado por vários tipos de conhecimentos sociais, tais como os discursos econômicos, de direito, de medicina, de política, de sexualidade, de tecnologia, etc. Discursos são específicos para contextos sociais e históricos particulares, e eles mudam com o tempo. É fundamental para a teoria de Foucault que os discursos produzem certos tipos de temas e conhecimento, e que nós ocupamos, em vários graus, uma posição de sujeito definida dentro de uma imensa gama de discursos. (STURKEN; CARTWRIGHT, 2005, p. 354, tradução livre).

Ainda, para deixar claro o que seria esta desconstrução a que me refiro, que seria, resumidamente, uma leitura dos textos (orais ou não) buscando desvendar os discursos de força que o moldaram, utilizo-me de uma passagem de Simon Blackburn (2006) sobre o que seria a desconstrução, de acordo com as teorias do filósofo francês Jacques Derrida:

Desconstrução: conceito sobre a urgência da importância dos aspectos retóricos inconscientes dos trabalhos, argumenta que a atenção ao incidental geralmente subverte a doutrina principal do texto: o processo de desconstrução mostra como a mensagem do autor ostensivamente é enfraquecida por outros aspectos de sua apresentação. Derrida argumenta contra o “fonocentrismo” que privilegia a fala em detrimento da escrita, imaginando que a presença do autor dá um ponto fixo de significado e intenção. Este desejo por um “centro” gera oposições familiares (sujeito/objeto, aparência/realidade, etc.) que precisam ser ultrapassadas e deixadas de lado. (BLACKBURN, 2006, p. 95, tradução livre).

Assim, com a ideia de desconstruir os discursos hegemônicos sobre os indígenas,

9 através do estudo de imagens de obras de arte étnica, tentei, através de atividades de estudos dos elementos visuais em artes, decodificar as imagens dos objetos indígenas trazidas para os estudantes do PARFOR. Esta atividade se caracterizava em compreender a imagem do objeto indígena através das cores, formas, texturas, tamanhos, linhas, simetria, repetição, etc. A partir desta análise formal do objeto artístico indígena, buscamos compreender como os indígenas trabalham com os elementos artísticos formais. Busquei, portanto, que os estudantes do PARFOR tentassem inferir uma significação ao produto cultural indígena, conforme a passagem de Marita Sturken e Lisa Cartwright (2005) sobre o contexto de produção cultural atual:

No consumo cultural, se refere à produção de significado em produtos culturais. Termo usado por Stuart Hall para descrever o trabalho feito pelos produtores culturais em codificar os produtos culturais (tais como shows de TV, filmes, anúncios, etc.) com determinado significado que será então decodificado pelos espectadores. De acordo com Hall, fatores como o “enquadramento de conhecimento” (status social, conhecimento cultural, e gosto dos produtores), “relações de produção” (contextos trabalhistas de produção), e “infraestrutura técnica” (o contexto tecnológico de produção) influenciam esse processo de codificação (STURKEN; CARTWRIGHT, 2005, p. 354, tradução livre).

Ainda, os estudantes foram orientados a decodificar imagens de obras de arte indígena conforme os elementos de linguagem visual aprendidos e exercitados. Assim, eles puderam tentar dar significações às imagens vistas e compreender um pouco a riqueza estética dos objetos indígenas. Uso outra passagem de Marita Sturken e Lisa Cartwright (2005) sobre dar significação ao que é analisado: No consumo cultural, se refere ao processo de interpretação e dar significação a produtos culturais em concordância com códigos culturais compartilhados. Usado por Stuart Hall para descrever o trabalho dos consumidores culturais quando eles veem e interpretam esses produtos culturais (tais como shows de TV, filmes, anúncios, etc.) que foram codificados pelos produtores. De acordo com Hall, fatores como o “enquadramento de conhecimento” (status social, conhecimento cultural), “relações de produção” (contextos de visualização dessa produção), e “infraestrutura técnica” (o meio tecnológico que é assistido) influenciam esse processo de decodificação (Idem, p. 353, tradução livre).

Durante minhas aulas das disciplinas de “Metodologia do Ensino de Artes” e de “Arte e Educação”, nas licenciaturas de Pedagogia e de Letras, pude notar que os estudantes do PARFOR se beneficiavam sobremaneira das experiências de leitura de imagens indígenas (decodificação formal) e das descobertas discursivas (desconstrução dos estereótipos sobre os indígenas) propostas em tais disciplinas.

10 Devo lembrar que os estudantes do PARFOR já são professores, que buscam formação pedagógica em nível do ensino superior e que trabalham ativamente em suas comunidades. Sendo assim, uma abertura de horizontes em relação às criações artísticas dos “outros” da história brasileira (neste caso, dos indígenas) beneficia uma análise crítica dos conteúdos e da realidade. O exercício de tentar decodificar imagens indígenas é uma exercício que serve para os educadores do PARFOR, não somente como metodologia para ser utilizada em sala de aula, mas enquanto uma prática pessoal de descobertas e valorização. Compreender o que se vê e aquilo que se acha “belo” pode ser uma prática que nos leve a valorizar as produções dos “outros” agentes de nossa sociedade, instigando o respeito em relação a eles e aos seus fazeres e saberes.

Considerações finais

As políticas governamentais na área da educação pública, como no caso do PARFOR, não somente vêm de encontro à execução da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas, também, traz repercussões profundas e, acredito eu, positivas na formação destes profissionais da educação básica e na sua própria prática docência. A partir do momento em que estes profissionais começam a questionar suas próprias práticas em sala de aula, eles começam a pensar criticamente e a pesquisar mais, querendo sempre estar atualizados. Inicia-se ai o ciclo do “querer saber sempre mais”. As especificidades dos estudantes do PARFOR da região do Bico do Papagaio, no norte do Estado do Tocantins, fazem destes estudantes-professores um exemplo claro da importância da formação de docentes críticos em relação à valorização das diferenças no ambiente escolar. Assim, conhecer as artes indígenas e trabalhar com elas deve transformar mentalidades em relação aos povos indígenas e em relação a nós mesmos. Concluindo, pude constatar que os estudantes do PARFOR estão pouco preparados para lidar com as diferenças em sala de aula, porém eles estão abertos às novas descobertas. Daí a necessidade de uma formação continuada que valorize as diferenças étnicas encontradas dentro das salas de aula brasileiras e com as quais os docentes devem conviver e respeitar.

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Referências bibliográficas

BLACKBURN, Simon. Dictionary of Philosophy. New York, Oxford Univ. Press, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei no 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

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RIBEIRO, Berta G. Arte Indígena, Linguagem Visual. São Paulo: Editora da USP, 1989.

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VAN VELTHEM, Lucia Hussak. Arte indígena: referentes sociais e cosmológicos. IN: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e Desporto, 1994, pág. 83 a 92.

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