DOCUMENTOS DA HISTÓRIA DE LONDRINA: AS CASAS DE MADEIRA DO CENTRO DA CIDADE

May 25, 2017 | Autor: Matheus Sussai | Categoria: Historia, Patrimonio Cultural, Memoria, Patrimonio
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DOCUMENTOS DA HISTÓRIA DE LONDRINA: AS CASAS DE MADEIRA DO CENTRO DA CIDADE Matheus Henrique Marques Sussai Graduando em História Departamento de História Universidade Estadual de Londrina (UEL) Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) Orientadora: Profa. Dra. Zueleide Casagrande de Paula [email protected]

RESUMO Neste artigo propomos apresentar o resultado de uma pesquisa de Iniciação Cientíca que proporcionou desdobramentos. Um deles diz respeito a uma exposição realizada no Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss sobre a casa de madeira. Por meio do mapeamento das casas de madeira localizadas na região central da cidade de Londrina (PR), um recorte espacial foi delimitado e dele proveio a catalogação de 138 casas de madeira com fotograas e informações sobre as mesmas. Neste texto, centrarei a exposição rápida no processo da pesquisa, e me deterei mais nos resultados relativos à exposição composta por artefatos do Museu Histórico, mas, sobretudo, pelas fotograas e informações que foram registradas durante o processo de pesquisa. Essas, que ao narrar a história da casa durante o trabalho, foram expostas no Museu Histórico de Londrina com o intuito de chamar a atenção do morador da cidade sobre sua composição de palimpsesto, como aborda Michel de Certeau (1994), que conforma suas muitas cidades internas (CALVINO, 1990), e também sua importância como um documento sobre a história e memória da cidade (LE GOFF, 2003). A apropriação que o comércio fez no uso das casas, a sensibilidade do morador proprietário e o utilitário do morador de aluguel, serão também abordagens presentes no texto. Palavras-chave: História. Memória. Casa de madeira.

ABSTRACT

20 ISSN: 2176-5804 - Vol. 20 - N. 1 - Dez/2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR www.ufmt.br/ndihr/revista

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In this article we propose to present the result of a scientic initiation research that gave developments. One of them concerns an exhibition held in Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss on wooden house. Through the mapping of wooden houses located in central city of Londrina (PR), one spatial area was delimited and of it came the cataloging of 138 wooden houses with photos and information about them. In this text, I shall center fast exposure in the research process, and detain me more on results on exposure made by the Museu Histórico artifacts, but above all the photographs and information that were recorded during the search process. Such that when narrating the history of the house during the work, were exposed in Museu Histórico de Londrina in order to draw the attention of city dweller on the composition of palimpsest, as tackles Michel de Certeau (1994), which conforms its many inner cities (CALVINO, 1990), as well as its importance as a paper on the history and memory of the city (LE GOFF, 2003). The recognition that trade made in the use of the houses, the sensitivity of the resident owner and the utility of the rental resident, will also approaches in the text. Keywords:History. Memory. Wooden house.

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INTRODUÇÃO

E

ste texto visa apresentar e discutir uma pesquisa de Iniciação Cientíca (IC) e um de seus desdobramentos, qual seja, uma exposição realizada no Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss. A referida exposição foi intitulada: Fazer, morar: as casas de madeira do centro de Londrina. Tal exposição é fruto das pesquisas denominadas: “Mapeamento da casa de madeira na região central da cidade de Londrina/PR” e “Inventário da casa de madeira na região central da 1 cidade de Londrina/PR”. Estes dois projetos foram pensados e escritos pela orientadora da pesquisa e desenvolvidos por mim e por Sonia Dantas, respectivamente nessa ordem. Inicialmente os dois projetos caram ligados ao projeto maior intitulado: “Documento, patrimônio e paisagem: projetos arquitetônicos de edicações de Londrina e Rolândia (1932-1950) da coleção iconográca do CDPH2 UEL” , no qual a orientadora respondia pelas pesquisas cujo objeto espacial e temporal tinham o centro de Londrina como tema. Ambos os professores estão lotados no Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ao ndar o projeto ao qual a orientadora desenvolvia pesquisas, os projetos sob sua orientação migraram para outro projeto intitulado: “O inventário das diferenças na operação historiográca: a arte do ser e do fazer em João Batista Vilanova Artigas (19341986)”. Cabe narrar como pensamos a pesquisa, qual a metodologia que utilizamos e os objetivos que foram traçados para atingir o m almejado. Desde o modo de pensar a casa de madeira, o recorte espacial e temporal para a realização do mapeamento, e como este foi efetivado. A partir deste ponto, os resultados serão apresentados. Como a exposição é também resultado de pesquisas de IC, o texto terá, inevitavelmente, de tratar delas, mas com ênfase no mapeamento, posto que foi essa a minha participação no coletivo da pesquisa, e, no segundo momento da exposição.

METODOLOGIA: PENSANDO A PESQUISA A metodologia de pesquisa levou em consideração as estratégias e as táticas para a resistência dos moradores/proprietários/locadores/locatários das casas de madeira a partir de “A Operação Historiográca” de Michel de Certeau (2000). Seus escritos nos orientaram também em suas considerações sobre o fazer historiográco, nesse caso, nosso fazer historiográco como pesquisadores iniciantes, a respeito de onde se inicia esse fazer como “Lugar social” do pesquisador, de onde este produz. Essas questões e a pergunta sobre qual é a sua instituição social num lugar de produção socioeconômico, político e cultural, ou seja, quais compreensões tínhamos de nosso trabalho como aprendiz de historiador e como o historiador responde socialmente pela escrita da história. Nesse sentido, Michel de Certeau “guiou” nossa pesquisa. Para esse autor, o estudo histórico está muito associado ao seu local de realização, em suas próprias palavras: “É o produto de um lugar” (CERTEAU, 2000, p. 73). Em seguida vem a “Prática”, a pesquisa, onde acontece a transformação de coisas do mundo em documentos históricos: “[...] consiste em produzir esses documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto.” (CERTEAU, 2000, p. 81). Por m, a operação historiográca se concretiza (não impossibilitando outras interpretações sobre o documento) com “Uma escrita”, onde nesta se encontram tanto o lugar social, quanto a prática do historiador. É essa última que com as palavras dá sentido historiográco ao mundo, ou melhor, àquilo que foi pesquisado. O “documento histórico” é um conceito que esteve, e ainda está em discussão a todo o momento, mudando de signicado ao longo de novas abordagens sobre sua “condição”. Durante grande parte da história enquanto disciplina acadêmica, o documento escrito obteve uma enorme atenção enquanto um documento histórico, muitas vezes visto como portador de uma verdade única e inefável. É só com a Escola dos Annales, incluindo a sua terceira geração, também conhecida como “Nova História”, que “novos objetos”, “novos problemas” e “novas abordagens” foram aderidos à disciplina da História (FUNARI & SILVA, 2008, p. 70-79). Assim, o historiador passou a construir o seu documento com o olhar de pesquisador: aquilo que via como documento (digno de uma pesquisa histórica, cabível nas metodologias empregadas pela Teoria da História), passava a ser tido como um objeto possível de pesquisas para a área da História. Isso não excluiu a importância dos textos escritos para a História, mas ampliou o campo de pesquisa para o historiador: “A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem.” (LE GOFF, 2003, p. 530). Ou seja, até a casa de madeira, como é o caso da nossa pesquisa, e que muitas pessoas podem deixar de notar a sua importância para a cidade, pode ser vista como um documento histórico relevante para história

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e memória de Londrina. Para aprofundar a discussão teórica, a partir de Le Goff (2003), vemos a casa por uma perspectiva de “documento/monumento” para a ciência da história, onde o documento é a escolha e a criação do historiador, como já apontou De Certeau (2000), e “[...] o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação [...]” (LE GOFF, 2003, p. 526). Para o historiador francês: O documento não é qualquer coisa que ca por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cienticamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. (LE GOFF, 2003, p. 535-536).

O centro da cidade é o lugar onde as transformações espaciais se mostram de maneira mais explícita, essa constatação foi vericada ao lermos as pesquisas de historiadores e outros estudiosos 3 locais que tratam da transformação urbana . É onde as construções, demolições e reconstruções aconteceram com maior frequência, devido à expansão do comércio e a formação da cidade. Podese imaginar, a partir disso, que em um local onde a demolição e a construção de novos edifícios são constantes, aquilo que resistiu e faz referência á história da cidade, é de importância vital para a História de Londrina. Sobre as transformações que ocorrem na cidade, a historiadora Zueleide Casagrande de Paula (2011, p. 13) diz: “A cidade vive entre a expansão territorial com construções que fazem uso das mais modernas tecnologias e a demolição de edicações consideradas velhas, mas não históricas o suciente para serem protegidas pela patrimonialização”. Esse processo de demolição levou-nos a concluir quão relevante era registrar o número de casas de madeira que ainda resistem ao tempo antes que muitas delas desaparecessem. Então, em discussões e reuniões do grupo4, delimitamos um recorte espacial no centro da cidade de Londrina. Este apresentou o seguinte traçado: se iniciou com a Rua Benjamin Constant, até o seu encontro com a Rua Uruguai, e desta até a sua altura com a Avenida Juscelino Kubitschek, que em formato de “L”, se encontra com a Rua Benjamin Constant, fechando o perímetro. Figura1: Perímetro das ruas percorridas. Google Maps (Londrina-PR). Editado. Acessado em Março de 2013.

A partir da denição das ruas, um segundo trabalho foi realizado por mim. Localizar no Google Maps as ruas e fazer o mapa para saber onde iniciava e terminava cada rua dentro do limite, considerando as curvas e bifurcações que marcavam a mudança dos nomes dessas ruas. Somente a partir desse levantamento é que se iniciou o trabalho de campo propriamente, ou seja, as ruas passaram a ser percorridas por nós na busca de casas de madeira para o mapeamento destas. A cada casa localizada, marcava-se no mapa sua localização. Esse mapa “físico” possibilitou e depois exigiu

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um esforço mental da elaboração de um mapa de localização dessas ruas. A cidade ia se desenhando à medida que as casas passaram a ser localizadas. Quando uma casa era encontrada, buscávamos conversar com a pessoa que estava no local, procurando informações a respeito da casa de madeira - principalmente sobre a sua história. Esta parte da pesquisa cou a cargo de Sonia Dantas, cabendo-me o trabalho de registro da edicação em um “arquivo” fotográco que me cabia. Aí entra uma questão interessante: os múltiplos sujeitos e seus olhares para com a casa de madeira. Cabe aqui dizer que uma cidade não é uma construção ideal única e inefável, mas também um lugar de múltiplas interpretações diferentes: uma cidade contém as histórias das vidas de todos os habitantes, e cada um terá um discurso diferente referente a essa, que no caso, é Londrina. Italo Calvino (1990) mostra como uma cidade descrita por quem a conhece ou visita sofre as refrações da memória, ou seja, é ambígua e pode continuar duplicando a sua ambiguidade ao innito. O autor mostra como uma cidade pode comportar outras dentro de seus traços, de seus muros: “[...] as velhas muralhas se dilatam levando consigo os bairros antigos, ampliados, mantendo as proporções sobre um horizonte mais largo nos conns da cidade; [...] uma nova cidade que abre espaço em meio à primeira cidade e impele-a para fora.” (CALVINO, 1990, p. 119). Para Michel de Certeau (1994), a cidade possui um modo de ser que pode se expressar em um palimpsesto5, onde mesmo com as mudanças que ocorreram com o tempo, incluindo demolição de casas, construções de novos edifícios, as mais possíveis transformações do espaço citadino, a cidade contém vestígios do seu passado composto nessa nova imagem que se faz a cada dia. Sobre essa construção das muitas cidades dentro da cidade, cabe a contribuição do historiador Jacques Le Goff quando argumenta sobre a importância da memória para a história de um grupo, de uma sociedade: “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva [...]” (LE GOFF, 2003, p. 476). Essa identidade é construída, a partir de memórias. E a “coleta” das memórias desses moradores das casas de madeira se faz essencial para que a história de Londrina não seja contada apenas pelos que possuem o poder político sobre a cidade, que muitas vezes ignoram a participação dos sujeitos históricos que vivenciam a cidade, entre eles, os moradores das casas de madeira. Como já dito, a fotograa, o registro da casa de madeira, foi um dos trabalhos realizados na pesquisa. Assim, é preciso destacar como esse registro fotográco foi entendido por nós. Quando era encontrada uma casa de madeira e nós buscávamos recolher informações sobre esta, quando éramos autorizados pelo morador, fotografávamos a casa. Nesse sentido, o clássico livro do historiador que trata sobre fotograa para iniciantes, foi uma contribuição. Para Boris Kossoy (2001): Toda fotograa tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época. [...] O produto nal, a fotograa, é portanto resultante da ação do homem, o fotógrafo, que em determinado espaço e tempo optou por um assunto em especial e que, para seu devido registro, empregou os recursos oferecidos pela tecnologia. (p. 36-37).

A partir dos apontamentos de Kossoy, busquei fotografar os pers das casas de madeiras encontradas, mas também os seus detalhes: ornamentos, decorações, tipos de telhados, janelas, portas, entre outros. Essas fotograas, junto com os relatos de vida e informações sobre as casas que os moradores nos passavam, sobretudo à Sonia Dantas, compuseram um acervo digital de imagens e textos, que está sob custódia do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) da UEL. No total, dentro do perímetro especicado, foram mapeadas 138 casas de madeira em 41 ruas percorridas (incluindo avenidas, travessas e alamedas). Dentre todas essas ruas, muitas foram cadastradas com nenhuma casa de madeira mapeada. Mas é importante lembrar que isso não signica que essas ruas, em seus tamanhos reais e totais, não contenham nenhuma casa. Anal, nós trabalhamos com um perímetro espacial onde a maior parte das ruas foi cortada por esse traço perimétrico, sendo apenas algumas que se iniciavam e terminavam dentro desse espaço. Durante o processo de pesquisa, ao dialogar com os contatados das casas de madeira, explicávamos a eles que tínhamos a intenção de fazer uma exposição, caso os moradores que estávamos localizando consentissem em que suas casas fossem expostas. Ao nalizar a pesquisa, dez moradores haviam concordado em que suas casas fossem expostas na exposição no Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss. Desse modo, cabe abordar a exposição e o seu processo (proposição/montagem).

A EXPOSIÇÃO: FAZER, MORAR: AS CASAS DE MADEIRA DO CENTRO DE LONDRINA. Iniciamos pelo título já citado, mas nesse momento nos deteremos em delinear melhor seu propósito. “Fazer, Morar: as Casas de Madeira do Centro de Londrina”, tematiza aspectos da

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construção e moradia (cotidiano) das casas de madeira da região central londrinense, e remete ao que encontramos no contato com o morador. O Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss, por meio de sua diretora, a Profª. Drª. Regina Célia Alegro, destinou à exposição duas salas, espaço esse proposto às exposições temporárias que o museu realiza. A primeira sala se designou em apresentar os aspectos do fazer, do construir, expondo simultaneamente as fotograas, e os mais variados tipos de instrumentos de carpintaria pertencentes ao acervo do museu, com o intuito de tornar manifesto ao visitante, por meio de quais instrumentos de trabalho se constrói uma casa de madeira. Já a segunda sala, foi pensada para tornar tangível, ao visitante, o interior da casa, o cotidiano dentro dela. Esta foi uma forma encontrada de trazer para a exposição aquilo que a fotograa sugeria: o jeito de morar na casa de madeira. Foram expostos objetos que construíram um ambiente que representasse o interior de uma casa de madeira. Dentre estes objetos, se encontravam: sofás, radiolas, relógios de paredes antigos, objetos estéticos de parede, entre outros. Esse texto tem o objetivo de mostrar como a pesquisa desdobrou-se em exposição, ou melhor, colocando-as em relação, pois esse é o ponto central, tem como principal objetivo mostrar ao morador da cidade de Londrina que a história dessa cidade está muito relacionada com as casas de madeira, que pode ser musealizada também. Esse tipo de construção que, entre as décadas de 1940 e 1970 - o “Eldorado” das construções em madeira6 -, foi o principal de um período histórico da cidade, resiste até hoje em uma paisagem citadina que se transforma a todo o momento, inclusive no centro, escondendo e destruindo cada vez mais esse documento histórico. Além de dar voz aos moradores dessas casas de madeira, muitas vezes ignorados pela historiograa que seleciona os tidos como “grandes acontecimentos” da história para criar e dar identidade a uma cidade, o nosso trabalho também objetivou mostrar isso ao resto da população londrinense. Dito isso, acreditamos que essas atividades podem ajudar a ampliar a discussão do documento histórico, e mostrar as outras histórias de uma cidade, que neste texto está sendo contada pelas casas de madeira.

AS DIVERSIDADES DO MORAR NAS CASAS DE MADEIRA DE LONDRINA A exposição se caracterizou por selecionar a diversidade das casas que foram encontradas, principalmente nos seus modos de morar. Assim foram expostas casas de madeira cujo morador permitiu, ou melhor, as fotograas sobre as casas, imagens de fragmentos dessas casas e depoimentos desses moradores, que também mencionaremos aqui. Algumas das casas de madeira. A Figura 2 retrata uma casa da Avenida Juscelino Kubitschek: Figura 2: Casa de madeira da esquina da Avenida Juscelino Kubitschek com a Rua Pará. Autoria: Matheus H. M. Sussai, Junho de 2014.

A casa em questão se localiza na esquina da Avenida Juscelino Kubitschek com a Rua Pará. O terreno em que se encontra também abriga uma dispensa em alvenaria e um quiosque que está 7 fechado. Conversamos com a moradora , a lha do proprietário, que já é falecido. A partir de memórias sobre sua vida e a casa, esta nos disse que mora há aproximadamente 66 anos nessa

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residência, ignorando os 15 que cou casada e saiu dela, mas depois voltou. O que hoje é uma dispensa em alvenaria, antes já fora o local onde seu lho trabalhava com assistência de computadores. Segundo a moradora, a madeira da casa é peroba rosa, e foi o seu pai quem a construiu, no ano de 1947. Sobre a década de 1940 e as construções de madeira em Londrina, Antonio Carolos Zani diz que: “A ocorrência de muita peroba rosa, uma árvore grande e com madeira de boa qualidade, favoreceu o seu uso sistemático na construção das casas [...]”. (2011, p. 45). Hoje a casa se encontra apenas em um meio terreno, a outra metade foi vendida há aproximadamente 38 anos para o “Dr. Moisés” (advogado). O pai da moradora construiu a casa quando esta estava com apenas um ano de vida. A moradora comentou que já morou em três casas de madeira, e em duas de alvenaria. Fora esta casa de madeira da Avenida Juscelino Kubitschek, em que ela reside. A moradora ainda informou que também morou na Rua Goiás e na Rua Lapa, em ambas habitava casas de madeira. Nesta casa construída por seu pai as janelas são originais, mas a edicação sofreu algumas mudanças, porém quase tudo ainda permanece original. A moradora é Londrinense, nasceu no bairro Vila Nova. Quando perguntamos sobre os barulhos produzidos pela casa, esta disse que já percebeu, mas que devido a todo o barulho urbano atualmente, principalmente da rua que é muito movimentada, é quase imperceptível qualquer som que a casa venha a produzir. Disse que a casa não estala, e considera a casa de madeira mais saudável, mais fresca. É notável seu gosto pela casa, mas seu sentimento não aparenta ser um dos mais fortes. Disse que quando morou em um apartamento, este não lhe trouxe boas emoções, e por isso acha que a casa de madeira é melhor para se morar. Argumentou ainda que se pudesse, queria construir outra casa de madeira em outro estilo. Não quer vender a casa, e reclama dos preços que as construtoras oferecem pelas casas de madeira, não sendo justos ao seu real valor. Por exemplo: oferecem apartamentos em outros prédios que não valem o terreno e nem a casa. Reclamação esta, parecida com a de muitos proprietários/moradores das casas de madeira. Figura 3: Relógio. Autoria: Matheus H. M. Sussai. Junho de 2014.

A fotograa acima faz referência a um relógio de parede que se encontrava na casa de madeira que acabamos de comentar. Um exemplar parecido, que faz parte do acervo do Museu Histórico de Londrina, foi exposto junto com as fotograas e os instrumentos de carpintaria na exposição já citada neste texto. As fotograas que z visaram registrar não apenas a casa enquanto perl, mas também os seus mais variados detalhes, tanto internos, quanto externos: objetos pessoais, móveis antigos, ornamentos, decorações, pilares, teto, telhado, entre outros. O relógio é um exemplo dos muitos detalhes internos que essas casas possuem, e que compõem a pesquisa. Outro exemplo é a taramela (ou tramela – uso mais comum do termo), encontrada em várias casas. A taramela se destacou como característica das casas de madeira, sendo encontrada em suas muitas diversidades, tipos e formas. A Figura 4 é uma fotograa de uma das taramelas encontrada nas casas de madeira, e que também compôs a exposição no Museu Histórico de Londrina. Figura 4: Taramela. Autoria: Matheus H. M. Sussai. Agosto de 2013.

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A próxima casa a ser trabalhada expressa uma realidade bem diferente da última que acabamos de discutir. A casa representada pela Figura 5 é utilizada para ns comerciais, uma característica de muitas casas encontradas no mapeamento: Figura 5: Casa de madeira utilizada como Pet Shop. Avenida Rio de Janeiro. Autoria: Matheus H. M. Sussai, Fevereiro de 2014.

Esta casa é outra que a exposição buscou expor fragmentos, e se encontra na Avenida Rio de Janeiro, onde faz parte de um terreno com mais quatro casas, sendo todas de alvenaria, apenas uma com o telhado em madeira. Duas das casas do terreno, incluindo a de madeira em estudo, são alugadas para ns comerciais. As outras três são alugadas para moradia. Em nossa conversa com a locatária, esta nos informou que aluga a casa há três anos, e que não sabe muito sobre a sua história. Como mostra o título da imagem, é utilizada como Pet Shop, estando em ótimo estado de preservação. As reformas (incluindo pinturas e outras transformações visando à estética) são mais comuns nas casas alugadas para ns comerciais, como é notado na casa representada pela Figura 5. Alguns moradores e proprietários, que utilizam a casa para moradia, também reformam. Mas existe uma parcela enorme de pessoas que só estão em casas de madeira por causa de fatores nanceiros. É o caso da próxima moradia a ser apresentada (Figura 6): Figura 6: Casa de proprietária que deseja vender. Rua Uruguai. Autoria: Matheus H. M. Sussai, Agosto de 2013.

A proprietária da casa nos informou que possuía um enorme interesse em vendê-la, mas a imobiliária que se interessou pelo terreno, queria comprar apenas se conseguisse também a casa de madeira ao lado. O empecilho está nesse ponto. O proprietário da casa de madeira ao lado da que está na imagem, se enquadra nos moradores apaixonados por sua casa de madeira, diferente da moradora que quer vender a casa, pois só está nela por fatores (problemas) nanceiros. A moradora está na casa há aproximadamente trinta anos, e o terreno é tão extenso que nele se encontram mais uma casa de madeira aos fundos, e também um grande porão, que foi adaptado à casa principal para moradia de um inquilino. A próxima e última casa a ser abordada nesse trabalho é mais uma com ns comerciais (Figura 7):

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Figura 7: Lavanderia. Avenida Juscelino Kubitschek. Autoria: Matheus H. M. Sussai, Março de 2014.

A lavanderia se encontra na Avenida Juscelino Kubitschek, rua de muita importância comercial para a cidade de Londrina. Na Figura 7, vemos mais uma vez a difusão do comércio e a apropriação da casa de madeira para tal. Em ótimo estado, devido às reformas, a casa de madeira possui um cômodo em alvenaria, que é utilizado como cozinha. A locatária nos informou que aluga a casa há aproximadamente quatro anos. Após essa breve amostragem de casas, apresentamos aqui uma tabela de relação dessas casas, onde analisamos as informações que os moradores nos deram, e zemos a contagem para saber quantas casas eram utilizadas como comércio, como moradia, ou se estão vazias ou em outra categoria (que incluía as casas em que não fomos atendidos). Tabela 1: Relação das casas de madeira.

RUA

COMÉRCIO

MORADIA

VAZIA

OUTROS

Av. Duque de Caxias

3

4

1

1

Av. Juscelino Kubitschek

5

4

0

1

Av. Rio de Janeiro

1

0

1

0

Av. São Paulo

1

0

0

0

Rua Alagoas

2

5

1

1

Rua Belo Horizonte

0

3

0

0

Rua Benjamin Constant

2

1

0

0

Rua Brasil

3

7

2

3

Rua Cambará

0

2

0

1

Rua Espírito Santo

2

11

0

0

Rua Goiás

4

6

1

1

Rua Maranhão

0

2

0

1

Rua Pará

2

1

1

0

Rua Paranaguá

0

2

0

1

Rua Pernambuco

1

1

0

0

Rua Piauí

1

0

0

0

Rua Pio XII

1

0

1

0

Rua Prefeito Hugo Cabral

0

0

1

0

Rua Prof. João Cândido

2

3

0

0

Rua Santa Catarina

1

0

0

0

Rua Santos

0

3

3

0

Rua Sergipe

0

5

0

1 0

Rua Tupi

0

2

0

Rua Uruguai

0

17

5

0

TOTAL

31

79

17

11

Fonte: Autor

REVISTA ELETRÔNICA 20 DOCUMENTO/MONUMENTO

Como podemos observar na tabela acima, dentre as casas encontradas e mapeadas, 31 delas possuía um objetivo comercial, 79 utilizadas para moradia, 17 estavam vazias, e 11 se encaixaram na descrição “outras”, onde a maioria se denia por não ter presente alguém que conversasse conosco e nos passassem as informações necessárias. Somando, temos o número já apresentado de 138 casas de madeira mapeadas nesse pedaço da região central de Londrina. O número referente às moradias é nitidamente superior aos outros, mas as casas utilizadas como comércio não são poucas. Analisando a tabela, podemos ver algumas ruas que se destacaram com a presença de mais casas comerciais do que as usadas para moradia, como é o caso da Av. Juscelino Kubitschek, da Rua Benjamin Constant, e da Rua Pará. Outros casos, como a Rua Espírito Santo e Rua Uruguai, se distinguem das outras pelo alto número de residências. Sobre essa forte presença do comércio, que, ao longo dos anos, se adaptou e se instituiu também em casas de madeira, cabe dizer que a cidade de Londrina passou por transformações em sua estética urbanística, o que é muito normal. Com isso, existiram ruas que ao longo do tempo foram se destacando pelo usufruto comercial, como é o caso da Av. Juscelino Kubitschek. Nessas circunstâncias, as casas de madeira que já pertenceram a essas ruas no passado, podem estar escondidas, ou foram demolidas. A última alternativa é o exemplo acima, onde a casa também se adaptou para a utilização do comércio. Assim, vemos a diversidade do morar nas casas de madeira do centro de Londrina, mapeadas na pesquisa e expostas na exposição. Expusemos quatro exemplos: na primeira casa a moradora possui um sentimento notável pela casa (não um dos mais fortes, como visto em outros moradores), mas forte o suciente para que ela não queira sair de sua casa. No terceiro exemplo (pularei o segundo para falar dele junto com o quarto), temos uma moradora e proprietária que deseja vender a sua casa, pois se pudesse, moraria em um local com mais qualidade de vida. Mas o empecilho principal para que ela consiga, é justamente um morador apaixonado pela sua casa de madeira. E agora, nalmente, no segundo e no quarto exemplo, temos duas casas que hoje são utilizadas para ns comerciais, alugadas pelos donos desses estabelecimentos de comércio. Casas que se adaptaram às transformações que a difusão do comércio proporcionou em Londrina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente texto objetivou relatar um dos desdobramentos que o “Mapeamento da casa de madeira na região central da cidade de Londrina/PR” possibilitou. A partir de seus vários desdobramentos, sobretudo, aquele que deu margem à exposição no Museu Histórico de Londrina, é preciso destacar que outros foram possíveis, como por exemplo, a montagem de um acervo digital, e, este texto, outro, que a partir do referencial dado por Michel de Certeau, também se caracteriza como outro dos desdobramentos da pesquisa. Pois não é o texto que relata a pesquisa, mas o que relata a exposição a partir da pesquisa completa, sendo que mais escritos também se originaram dessa documentação. Este escrito tem o objeto de mostrar a importância que a casa de madeira tem como um documento histórico na construção da história da cidade de Londrina. A partir das memórias desses moradores, das conversas sobre a história e a vida dessas pessoas nas casas, vemos que “várias Londrinas” são relatadas em uma visão bem diferente da que a historiograa tradicional (principalmente a que reverencia os pioneiros e ignora o resto da sociedade) nos oferece. A partir disso pudemos explorar e elaborar os textos da exposição. A história da cidade que procuramos mostrar com a exposição foi a de que ela se construiu e se constrói também com essas pessoas, que trabalharam e ajudaram a cidade a crescer. Um dos pontos principais do texto, além de mostrar os resultados quantitativos (138 casas de madeiras mapeadas no centro), foi abordar como a exposição realizada no museu trouxe na expograa da exposição as diversas maneiras do morar na casa de madeira. Nesse texto, apresentei o exemplo de quatro casas e cinco moradores (pois uma das casas estava ao lado de outra que o morador não queria vender), o que mostra um outro perl de morador. Ficou explícito com a pesquisa que existem moradores/proprietários que moram na casa há um bom tempo e são apaixonados por essa, tendo a chance de morar em outros lugares e não indo; moradores que também ocupam a moradia por período grande, mas não saem da casa por fatores nanceiros e aqueles que alugam a casa (muitos estão há menos de dez anos no local) para utilizar como comércio, devido à sua localização, pois a pesquisa inteira se realizou no centro da cidade, local forte de comércio. Assim, vemos como as casas de madeira no centro da cidade de Londrina foram se transformando com o passar do tempo, resistindo, se adaptando de diversas maneiras, e congurando certa diversidade para os modos de morar/utilizar a casa de madeira. Assim, esses modos foram explorados na exposição, no tema, no processo de seleção das imagens e no arranjo, ou seja, na

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO / NÚCLEO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO HISTÓRICA REGIONAL - NDIHR

expograa da própria exposição.

NOTAS 1

Profa. Dra. Zueleide Casagrande de Paula, Departamento de História – UEL.

2

Coordenado pelo Prof. Dr. Marco Antonio Neves Soares, Departamento de História– UEL.

3

ARIAS NETO, José Miguel (2008); CASARIL, Carlos (2009); JANUZZI, Denise (2005); SILVA, William (2003); ZANI, Antonio Carlos (2011). 4

Zueleide Casagrande de Paula, Matheus Henrique Marques Sussai e Sonia Maria de Oliveira Dantas.

5

Pergaminho que se apagou a primeira escritura para poder reaproveitá-lo, mas a raspagem da escrita nunca conseguia apagar esta por completa, fazendo com que mesmo nos novos textos, vestígios do antigo permanecessem visíveis. 6

O período do “Eldorado” das construções em madeira é caracterizado como o ponto ápice desse tipo de arquitetura na região, tanto pela qualidade, quanto pela quantidade. Riqueza de ornamentos, cores, preocupação estética e caráter permanente, são seus pontos principais. (ZANI, 2011, p. 57). 7

Não vamos expor os nomes das pessoas que participaram da pesquisa para prezar a privacidade de cada um.

REFERÊNCIAS ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em Londrina (1930-1975). Londrina: EDUEL, 2008. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CASARIL, Carlos Casemiro. A expansão físico-territorial da cidade de Londrina e seu processo de verticalização: 1950-2000. Geograa. v. 18, n. 1, jan./jun. 2009, p. 65-94. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. _________. A Operação Historiográca. In: CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 65-119. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. & SILVA, Glaydson José da. Teoria da História. São Paulo : Brasiliense, 2008. JANUZZI, Denise de Cássia Rossetto. O desenvolvimento de Londrina e as transformações nos espaços públicos da região central. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 26, set. 2005, p. 87-94. KOSSOY, Boris. Fotograa e História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. PAULA, Zueleide Casagrande de. A Cidade de Londrina e a Imagem do Patrimônio Edicado: a Estação/Museu e a Secretaria de Cultura/Casa da Criança. In: GAWRYSZEWSKI, Alberto (org.). Patrimônio histórico e cultural: cidade de Londrina-PR. Londrina: Universidade Estadual de Londrina/ LEDI, 2011, p. 09-42. SILVA, William Ribeiro da. A formação do centro principal de Londrina e o estudo da centralidade urbana. Geograa – Londrina – V. 12 – N. 2 – JUL./DEZ. 2003, p. 21-44. ZANI, Antonio Carlos. Casas de Madeira em Londrina. In: GAWRYSZEWSKI, Alberto (Org.). Patrimônio Histórico e Cultural: cidade de Londrina-PR. Londrina: Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2011, p. 43-58.

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