Documentos Digitais - O desafio da preservação.pdf

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CE CI ÊOLO N C IGAI AD A I N F O R M A Ç Ã O

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Documentos digitais O desafio da preservação O surgimento e a disseminação das novas tecnologias da informação e comunicação provocaram profundas alterações na produção de documentos nas mais diversas áreas, impulsionando o registro de informações em formatos digitais. Mas a velocidade da evolução tecnológica, que torna equipamentos e programas rapidamente obsoletos, cria obstáculos à longevidade dos documentos digitais, colocando em risco parte da memória da sociedade. Para enfrentar o problema, é preciso definir e adotar metodologias que garantam a preservação desses registros em longo prazo.

montagem a partir de foto de brandon Blinkenberg/freeimages

Henrique Machado dos Santos Grupo de pesquisa Gestão Eletrônica de Documentos Arquivísticos e Grupo de pesquisa Patrimônio Documental Arquivístico, Universidade Federal de Santa Maria Daniel Flores Grupo de pesquisa Gestão Eletrônica de Documentos Arquivísticos, Grupo de pesquisa Patrimônio Documental Arquivístico e Departamento de Documentação, Curso de Arquivologia, Universidade Federal de Santa Maria

C

om o surgimento das tecnologias da infor­ mação e comunicação, a sociedade con­ temporânea experimentou mudanças sig­ nifi­cativas em seus hábitos. Em relação ao registro de informações, por exemplo, observa-se uma evolução nos mecanismos de escrita, armazenamento e acesso. Segundo os pesquisadores José Osvaldo De Sordi, do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (São Paulo), e Renato Tarciso de Sousa, da Uni­ versidade de Brasília, a tecnologia da informação levou ao aumento do volume de dados registrados pelas socie­ dades humanas. Há uma dependência dessa quantidade exacerbada de informações, consideradas fundamentais para o exercício de diversas funções, tanto no setor pú­ blico, quanto no privado. A informação, quando registrada em um suporte, con­ figura a existência de um documento, que pode ser, por exemplo, um memorando, um ofício, uma ata ou uma fotografia. Tradicionalmente, as informações eram regis­ tradas somente em suportes convencionais, como o per­ gaminho, o papiro e, mais recentemente, o papel, que foi difundido em escala global, tornando-se um padrão uni­ versal. Entretanto, a inserção das ferramentas de tecnologia da informação e comunicação, principalmente no campo administrativo e de pesquisa, possibilitou a expansão do registro da informação, que começou a ser armazenada também em suportes eletrônicos, como a fita magnética, o disco rígido, o CD e o DVD, todos acessíveis somente por meio de um equipamento eletrônico. O fato de a informação ser registrada em suportes eletrônicos não descaracteriza o conceito de documen­ to, pois o registro continua sendo feito, porém em um suporte com certas peculiaridades. O documento digi­ tal, por exemplo, é a informação registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio de um sistema computacional. Portanto, o que mudou foi a forma de criação, armazenamento, acesso, difusão e, principalmente, a preservação do documento. ciÊnciahoje | 330 | outubro 2015 | 19

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foto de andrew hiller/freeimages

CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Novas tecnologias, novos desafios A evolu­ ção tecnológica vem impactando diversos setores da so­ ciedade contemporânea, o que pode ser facilmente cons­ tatado pela disseminação de computadores, tablets e cartões magnéticos. No campo da pesquisa, por exemplo, a presença de novas tecnologias, bem como o surgimento do documen­ to digital, proporcionou uma revolução na comunicação científica, evidenciada pela criação de revistas eletrôni­ cas e de bases de dados. A disseminação dos resultados de estudos científicos por meio de formatos digitais na internet teve grande aceitação dos pesquisadores, devido à facilidade de acesso a diversos conteúdos sem precisar se deslocar, o que aumentou o impacto das publicações no meio acadêmico. As novas tecnologias também vêm exercendo forte influência na moderna administração. A implementação de sistemas de gestão empresarial fez do computador não mais um acessório, e sim um componente funda­ mental para qualquer organização con­ temporânea. Entre os resultados da moderna administração, po­ de-se citar o aumento da pro­ dução de documentos, tanto em suportes convencionais quan­ to eletrônicos. Para apoiar a admi­ nistração das organizações diante do grande volume de documentos produzi­ dos, armazenados e difundidos por meio de computadores, surgiu a demanda por sistemas de gestão eletrônica que proporcionem maior agilidade na tramitação de documentos e na desig­ nação de tarefas organizacionais. A introdução de novas tecnologias, com a consequen­ te produção de documentos digitais, também ocorre, en­ tre outras, nas áreas da saúde, educação, agricultura, pecuária, comunicação e, massivamente, na robótica e na computação. Todos precisam registrar informações consideradas re­levantes para serem usadas posterior­ mente, como a evolução do tratamento de determinada doença, o cultivo de um alimento ou imagens de uma sonda espacial. O conteúdo intelectual que um docu­ mento digital pode contemplar é muito amplo. Devido à constante evolução dessas tecnologias, no­vas ferramentas são criadas, e as antigas, consideradas menos práticas, são gradativamente descartadas, tornan­ do-se obsoletas. Esse ciclo de transformações é conside­ rado tão natural como a mudança de antigos padrões de beleza, mas não é tão simples quanto parece. Na criação de um documento digital, cada programa de computador usado pode produzir diferentes forma­tos e versões de arquivo. Um documento de texto pode ter, por exemplo, a extensão ‘doc’, ‘docx’ (se for feito com uma versão mais recente do programa) ou ‘rtf’. O mesmo pode acontecer na criação de imagens, áudios, vídeos, bases de dados etc. 20 | ciÊnciahoje | 330 | vol. 55

A diversidade de programas de computador, supor­tes de armazenamento, formatos de arquivo, equipamen­ tos e sistemas operacionais aumenta a complexidade da preservação de documentos digitais. Essa atividade, no entanto, não tem recebido a devida atenção, o que poderá acarretar perdas de documentos que deixarão lacunas irrecuperáveis na memória das sociedades con­ temporâneas.

Vulnerabilidade digital

Embora proporcionem maior praticidade, os documentos digitais trazem consi­go vários problemas associados à tecnologia. Segundo a cientista da informação Maria Odila Fon­ seca (1940-2007), o documento passou de objeto físico a objeto conceitual. Ou seja, sua aparência agora se sobre­ põe à sua forma física; o importante é a sua represen­ tação, aquilo que se vê e não o seu conteúdo nas se­quên­ cias de bits, que representam a menor unidade da infor­ mação que pode ser armazenada ou transmitida. Nesse sentido, o pesquisador Luís Fernando Sayão, da Uni­ versidade Federal do Rio de Janeiro, acrescenta que as informações registradas em meio digital dependem de um conjunto de tecnologias específicas para serem cor­ retamente interpretadas, de modo diferente do que acontecia com a in­formação registrada em suportes con­ vencionais. Diversos estudos, como os dos pesquisadores Hum­ berto Innarelli, da Universidade Estadual de Campinas, Miguel Ferreira, da empresa portuguesa Keep Solutions, Amarílis Corrêa, da Universidade de São Paulo, e Miguel Márdero Arellano, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, e os do Conselho Nacional de Arquivos e da Pesquisa Internacional sobre Documen­tos Arquivísticos Autênticos Permanentes em Sistemas Eletrônicos (InterPARES, na sigla em inglês), apontam que os documentos digitais têm uma série de complexi­ dades e especificidades. Entre elas, a vulnerabilidade e a facilidade de alterar, reformatar e falsificar sem deixar qualquer vestígio poderão comprometer a sua autentici­ dade e o seu acesso no futuro. Além disso, é possível ex­ cluir diversos documentos de maneira ‘silenciosa’. Fragilidades como essas podem ser facilmente per­ cebidas ao se compararem os documentos digitais com os convencionais. Alterações na escrita de um documento em suporte convencional deixam diversos vestígios. Da mesma forma, ao se eliminarem diversos documentos nesse suporte, será possível perceber a sua falta, devido à redução do volume ocupado. Por outro lado, tanto a alteração quanto a exclusão de documentos digitais não serão percebidas tão facilmente. Segundo a pesquisadora Marilena Leite Paes, do Conselho Nacional de Arquivos, conhecer a dimensão do problema é uma questão fundamental, pois o uso inade­ quado das ferramentas de tecnologia da informação po­ derá ser responsável pela perda de conjuntos documen­ tais, colocando em risco a integridade dos acervos.

Estratégias de preservação Existem várias estratégias de preservação de documentos digitais, das quais destacam-se: Migração: transferência de um documento digital de um suporte obsoleto, fisicamente deteriorado ou instá­vel para um mais novo; de um formato ultrapassado para outro mais atual ou padronizado; e de uma plataforma computacional prestes a ser descontinuada para outra mais moderna. Tem a vantagem de interpretar os documentos por meio de tecnologias atuais, mas pode provocar alterações na cadeia de bits. Para que não haja perda de sentido na representação, recomenda-se seu uso para objetos estáticos, como foto­grafias e docu­mentos de texto. Emulação: uso de recursos computacionais para fazer uma tecnologia atual funcionar com as características de uma obsoleta, garantindo assim que o documento possa ser interpretado. É recomendado quando se deseja manter características fundamentais dos documentos, por causa de seu alto grau de fidedignidade, mas tem o grande problema de que o emulador também sofrerá obsolescência. Encapsulamento: reunião de toda a informação neces­sá­ria para a correta representação do documento. Reco­ menda-se seu uso para auxiliar no desenvolvimento de for­ma­tos de arquivos independentes de sistemas e pro­ gramas interpretadores. Sua desvantagem é que deman­da maior espaço lógico de armazenamento.

foto de daniela martina/freeimages

Preservação da tecnologia: manutenção de todo o con­ texto tecnológico em que o documento foi criado e armazenado, ou seja, visa preservar os computadores com suas respectivas funcionalidades. Apesar de garantir a correta representação dos documentos digitais, é uma estratégia cara em longo prazo, devendo ser usada apenas por curto período. Refrescamento: limita-se à transferência da informação de um suporte físico de armazenamento considerado antigo para outro mais atual. Esse procedimento deve ser reali­za­do antes que o suporte antigo se deteriore ou fique obsoleto. É eficiente na preservação do suporte e tornou-se um pré-requisito para qualquer acervo, mas deve ser auxiliado por outras estratégias.

Nesse cenário, Humberto Innarelli destaca que os documentos digitais são perdidos com a mesma facili­ dade com que são produzidos. Essa vulnerabilidade po­de ser atribuída a diversos fatores, pois tanto os equipa­ mentos e programas de computador quanto os suportes usados para registro da informação estão em constante mudança, sendo esta a principal causa da perda e ina­ cessibilidade de documentos digitais. A ausência de políticas de preservação digital nas ins­ tituições torna mais grave a situação. Problemas como a incompatibilidade entre arquivos e programas, a degra­ dação das mídias de armazenamento e a aplicação de mé­todos de preservação sem conhecimento prévio po­ dem causar danos irreparáveis aos documentos digitais.

Proteção à memória A fragilidade da preser­va­-

ção dos documentos digitais decorrente da obsolescên­ cia tecnológica preocupa os pesquisadores de arquivo­ logia, biblioteconomia, ciência da informação e áreas afins, já que pode levar à perda de documentos de valor social, cultural e histórico, suprimindo parte da memó­ ria da sociedade. Portanto, torna-se fundamental a adoção de estraté­ gias de preservação digital para manter os registros do­ cumentais (ver ‘Estratégias de preservação’). A aplicação desses procedimentos exige um conhecimento técnico na área de informática, o que reforça a necessidade da interdisciplinaridade para garantir o sucesso das ativi­ dades de preservação. Embora haja diversos estudos que apontam para o risco da perda de documentos digitais, ainda se está longe de encontrar uma solução definitiva para o proble­ ma. A preservação digital não será resolvida de forma isolada: é preciso sincronizar profissionais, tecnologias e metodologias. Afinal, o sistema é maior que a soma de suas partes.

Sugestões para leitura FERREIRA, M. Introdução à preservação digital: conceitos, estratégias e atuais consensos. Portugal: Escola de Engenharia da Universidade do Minho, 2006. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/5820/1/livro.pdf. INNARELLI, H. C. ‘Preservação digital e seus dez mandamentos’. In: SANTOS, V. B. (Org.). Arquivística: temas contemporâneos, classificação, preservação digital, gestão do conhecimento. Distrito Federal: Senac, p. 21-75, 2007. MÁRDERO ARELLANO, M. Á. Critérios para a preservação digital da informação científica (tese). Universidade Federal de Brasília, Departamento de Ciência da Informação, 354 p., 2008. Disponível em: http://bdtd.bce.unb.br/ tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4547. SANTOS, H. M.; FLORES, D. ‘Preservação de documentos arquivísticos digitais autênticos’. Acervo. Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 241-253, jan/jun 2015. Disponível em: http://linux.an.gov.br/seer/index.php/info/article/view/740.

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