Dois livros sobre a economia escravista - Olivier Pétré Grenouilleau e Maria do Carmo Brazil

July 12, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Slavery, History of Slavery, História do Brasil, Escravidão, Historia Economica, Escravismo
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resenhas bibliográficas / book reviews

Pedro Paulo A. Funari Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas ([email protected])

P é t r é - G r e n o u i l l e a u , O l i v i e r . La traite des Noirs. P a r i s : Presses U n i v e r s i taires d e F r a n c e , 1 9 9 8 , 1 3 0 p p . B r a z i l , M a r i a do C a r m o . Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava

em

Mato

Grosso,

1718-1888.

Passo

F u n d o : E d i t o r a da U F P F ,

2002,176 pp.

Dois livros sobre a economia escravista A histórica e c o n ô m i c a da escravidão t e m avançado m u i t o , n o s últim o s a n o s , t a n t o n o Brasil, c o m o n o e s t r a n g e i r o (e.g. E l b l , 2 0 0 4 ; F l o r e n t i n o , 2 0 0 2 ) . M u l t i p l i c a m - s e t a n t o o s e s t u d o s d e caso, c o m o o s e s t u d o s mais amplos, e os dois v o l u m e s aqui reunidos c o r r e s p o n d e m b e m a estas d u a s v e r t e n t e s . P é t r é - G r e n o u i l l e a u , h i s t o r i a d o r e c o n ô m i c o , a u t o r d e o u t r o s clássicos s o b r e o tráfico n e g r e i r o ( P é t r é - G r e n o u i l l e a u 1 9 9 5 ; 1 9 9 6 ; 1 9 9 7 ; 1998), apresenta u m a visão m a c r o s c ó p i c a d o c o m é r c i o d e cativos africanos, c o m a n o v i d a d e d e inseri-lo e m u m c o n t e x t o h i s tórico mais amplo e anterior à expansão marítima européia. Atribui a " i n v e n ç ã o " d o tráfico n e g r e i r o a o m u n d o m u ç u l m a n o , a p a r t i r d o s é c u l o V I I d . C . e c a l c u l a q u e , a t é o final d o s é c u l o X X , c e r c a d e 1 4 m i l h õ e s de pessoas t e n h a m sido d e p o r t a d a s para terras islâmicas, da África d o N o r t e a o E x t r e m o O r i e n t e . A entrada e m cena d o tráfico atlântico insere-se, portanto, em u m a tradição m u i t o anterior e q u e f o r n e c e u a b a s e p a r a sua efetivação, c o m u m t o t a l e s t i m a d o d e 1 1 . 6 9 8 . 0 0 0 p e s s o a s traficadas n o A t l â n t i c o e n t r e 1 4 5 0 e 1 9 0 0 . P é t r é - G r e n o u i l l e a u ressalta, t a m b é m , o p a p e l d o tráfico n a s s o c i e d a d e s a f r i c a n a s , c o m o f a t o r e s s e n c i a l p a r a a m a n u t e n ç ã o das elites l o c a i s ,

história econômica & história de empresas VIII.1 (2005), 195-197

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v o l t a d a s p a r a a e s c r a v i z a ç ã o d e p o v o s v i z i n h o s , j á q u e s e c a l c u l a q u e três q u a r t o s d o s c a t i v o s v e n d i d o s aos e u r o p e u s t e n h a m p r o v i n d o d e lutas i n t e s t i n a s africanas. Se do l a d o a f r i c a n o o tráfico s e r v i a à m a n u t e n ç ã o d e d e s i g u a l d a d e s sociais e a o p r e d o m í n i o das elites locais, d o l a d o e u r o p e u o c o m é r c i o n e g r e i r o s e r v i u a o c a p i t a l i s m o d e diversas m a n e i r a s . O a u t o r e n f a t i z a o p a p e l d o tráfico n o p r o c e s s o d e m e r c a n t i l i z a ç ã o d o m u n d o , naquilo q u e I.Wallerstein c h a m a d e transformação d e t u d o e m m e r c a d o r i a . O traficante desenvolveu a paixão pelo risco, c o m p o n e n t e essencial d o c a p i t a l i s m o . O a u t o r e s t u d a , a i n d a , o l o n g o p e r c u r s o d o a b o l i c i o n i s m o , c o m d e s t a q u e p a r a a p e r s i s t ê n c i a d o tráfico t o r n a d o i l e gal, c o m o r e s u l t a d o d a c o n t i n u i d a d e d a d e m a n d a e c o n ô m i c a d o s l a t i f u n d i á r i o s , e m diversas p a r t e s d o c o n t i n e n t e a m e r i c a n o . M a r i a d o C a r m o Brazil, professora d a Un i v e r s i d a d e Federal d e M a t o Grosso do Sul, c o o r d e n a o P r o j e t o C o m u n i d a d e s N e g r a s , de valorizaç ã o e e s t u d o d o s a n t i g o s n ú c l e o s d e resistência escrava e m M a t o G r o s s o e M a t o G r o s s o d o S u l . B r a z i l d e d i c o u - s e a u m e s t u d o d e caso — a História E c o n ô m i c a d a escravidão e m u m c o n t e x t o periférico. D e fato, n ã o são n u m e r o s o s o s e s t u d o s d o e s c r a v i s m o e m áreas m a i s d i s t a n tes do n o r d e s t e a ç u c a r e i r o e das áreas cafeeiras do s u d e s t e . A a u t o r a m o s t r a c o m o a e s c r a v i d ã o g e r a v a resistências i n t e r n a s e fugas g e r a d o r a s d e q u i l o m b o s . A p o l í t i c a p o m b a l i n a c a r a c t e r i z o u - s e p e l a defesa das f r o n teiras, c o m u m a p o l í t i c a d e p o v o a m e n t o q u e a a u t o r a m o s t r a d a r - s e e m u m c o n t e x t o escravista: e m 1 8 0 0 , 4 6 % d a p o p u l a ç ã o m a t o - g r o s s e n s e v i v i a m e m c a t i v e i r o e 1 6 , 4 2 % e r a m b r a n c o s livres. E m 1 8 1 5 , c o m o e n f r a q u e c i m e n t o d a m i n e r a ç ã o , d i m i n u i a p r o p o r ç ã o d e escravos, m a s a u m e n t a a m i s c i g e n a ç ã o . M u i t o s escravos d e i x a v a m d e ser p u n i d o s c o m a p e n a m á x i m a e m r a z ã o d e seu v a l o r e c o n ô m i c o , p o i s o p r e j u í z o d e c o r r e n t e d a p r i s ã o d o t r a b a l h a d o r cativo, d a i n v a l i d e z c a u s a d a p o r a ç o i tes o u d a p e n a d e m o r t e p o d i a frear a a p l i c a ç ã o d o s m e c a n i s m o s m a i s severos d a lei. B r a z i l m o s t r a c o m o o a m b i e n t e g e o g r á f i c o favorecia a f o r m a ç ã o d e q u i l o m b o s e m áreas f r o n t e i r i ç a s , m u i t a s v e z e s e m a s s e n t a mentos indígenas. A m b o s o s v o l u m e s d e m o n s t r a m , c a d a u m à sua m a n e i r a , a i m p o r tância dos contextos históricos concretos no estudo da e c o n o m i a da escravidão africana. Na África, o papel e c o n ô m i c o da captura e da e s c r a v i z a ç ã o l i g a - s e à s c o n t r a d i ç õ e s d e classe n o i n t e r i o r das s o c i e d a d e s africanas. O tráfico d e s e n v o l v e u - s e e e x p a n d i u - s e , p o r m u i t o s s é c u l o s , n a i n t e r a ç ã o d e s t e s c o n f l i t o s i n t e r n o s africanos e das n e c e s s i d a d e s d e trabalho escravo, p r i m e i r o n o m u n d o islâmico e , d e p o i s , t a m b é m n o m u n d o atlântico. O mercantilismo favoreceu a expansão do uso da

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Pedro Paulo A. Funari

e s c r a v i d ã o a f r i c a n a e d o tráfico p a r a a m p l a s áreas d o p l a n e t a , a t i n g i n d o n ã o a p e n a s a s áreas m a i s ó b v i a s e ligadas a o s i s t e m a capitalista, c o m o r e g i õ e s p e r i f é r i c a s e p o u c o i n t e g r a d a s — caso d a f r o n t e i r a m a t o - g r o s s e n s e . O s i n t e r e s s e s e c o n ô m i c o s d e escravistas e traficantes n ã o s e l i m i t a v a m , p o r t a n t o , à s áreas t r i b u t á r i a s d o c a p i t a l i s m o g l o b a l , m a s a t i n g i a m o s r i n c õ e s m a i s d i s t a n t e s e m e n o s i n t e g r a d o s . A m b o s o s a u t o r e s ressalt a m , e m suas o b r a s , q u e a d i v e r s i d a d e d e m o d e l o s i n t e r p r e t a t i v o s e m discussão t e m sido p r o d u t o r a de Um c o n h e c i m e n t o m e n o s unilateral e a p r i o r í s t i c o , assim c o m o p r o p u g n a m a n e c e s s i d a d e d a m u l t i p l i c a ç ã o d e e s t u d o s d e caso q u e p o s s a m f o r n e c e r i n d i c a ç õ e s s o b r e a d i v e r s i d a d e e m e s m o a s c o n t r a d i ç õ e s das s i t u a ç õ e s escravistas c o n c r e t a s . C o m o p r o p õ e Brazil, "a c o m p r e e n s ã o do escravismo é impossível de se alcançar fora da f é r r e a d i a l é t i c a e n t r e o t o d o e a p a r t e , e n t r e o g e r a l e o p a r t i c u l a r " (p. 1 5 9 ) .

Referências Elbl, Ivana. "Slaves are a very risky b u s i n e s s . . . " . C u r t o , J o s é C ; Lovejoy, P a u l E . (Organizadores). Enslaving amnections. Changing cultures of África and Brazil during the Era of Slavery. N e w York: H u m a n i t y B o o k s , 2 0 0 4 . F l o r e n t i n o , M a n o l o Garcia. Em Costas Negras: Uma História do Tráfico Atlântico de Escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 2ª e d . , S ã o Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 2 0 0 2 . G r e n o u i l l e a u , Pétré.Joseph Mosneron (1748-1833), armateur négrier nantais. Portrait cnlturel d'une bourgeoisie negociante au siècle des Lumières. R e n n e s : A p o g é e , 1 9 9 5 . ________. L'argent de la traite. Milieu négrier, capitalisme et développement: un modèle. Paris: Aubier, 1996. ________. Les négoces maritimes français, XVIIe.-Xxe. Siècle. Paris: Belin, 1997. ________. Nantes au temps de la traite des Noirs. Paris: H a c h e t t e , 1998.

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