Dois paus na fogueira: Movimento LGBT e identidade homoerótica em João Pessoa

June 29, 2017 | Autor: Thiago Oliveira | Categoria: Movimento Lgbt
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Dois paus na fogueira: Movimento LGBT e identidade homoerótica em João Pessoa1 Thiago Oliveira2 UFPB Resumo O presente artigo relata as ações desenvolvidas pelo projeto “Olhares sobre a Diversidade”, realizado no segundo semestre de 2011 no âmbito de contribuir com as pesquisas então em desenvolvimento sobre o movimento LGBT e a construção de identidades coletivas homoeróticas. A metodologia empregada envolveu observação participante, pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas e em profundidade junto aos grupos que compõem o movimento LGBT na cidade de João Pessoa: Movimento do Espírito Lilás (MEL), Grupo de Mulheres Lésbicas Maria Quitéria, e a Associação de Travestis e Transexuais da Paraíba (ASTRAPA). Percorremos aqui alguns espaços e iniciativas observados durante a pesquisa de campo para apresentar trânsitos e deslocamentos discursivos em torno da perspectiva e significados atribuídos pelo MEL à homossexualidade, tendo em vista este ser o grupo mais antigo em atuação no segmento no estado. Com base analítica no construtivismo social nos interrogamos como essas práticas se relacionam a demandas políticas e segmentárias dentro do movimento homossexual na Paraíba. Palavras-chave: Movimento LGBT; Identidades Políticas; Homossexualidade

Introdução “Sei que alegre, ma no tropo” Chico Buarque

O presente trabalho emergiu de uma parceria conjunta entre Universidade e movimentos sociais, especialmente os grupos de militância em prol da cidadania de LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Com o objetivo de registrar a memória viva do movimento LGBT na Paraíba, o projeto foi desenvolvido 1

Trabalho apresentado durante a 28º Reunião Brasileira de Antropologia, realizada na PUC-SP, entre 02 e 05 de julho de 2012. 2 Bolsista de Iniciação Científica UFPB/CNPq. E-Mail: [email protected]

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entre junho e dezembro de 2011 com o envolvimento de uma professora antropóloga e dois alunos de graduação, além de outros professores e profissionais técnicos que contribuíram com as atividades segundo interesses e níveis de comprometimento diversos. Em seu início, a pesquisa envolveu os grupos mais antigos e atuantes na política LGBT no estado, estando todos sediados na capital, João Pessoa. Os grupos que compuseram a pesquisa foram o Movimento do Espírito Lilás (MEL), o Grupo de Mulheres Lésbicas Maria Quitéria, e a Associação Paraibana de Travestis e Transexuais (ASTRAPA). A pesquisa envolveu métodos predominantemente qualitativos, organizados segundo pretensões sócio antropológicas. Entre os instrumentos utilizados para coleta de dados contamos com o método clássico de observação participante, entrevistas semiestruturadas, conversas informais e pesquisa documental. Além disso, a participação em eventos promovidos pelo movimento também foi um procedimento usado pra entender a dinâmica das relações ali estabelecidas. Nos primeiros meses os esforços seguiram no sentido de nos inteirarmos da dinâmica funcional da organização e seus membros. O critério para seleção dos informantes deu-se mediante apontamento dos militantes mais conhecidos ou mais representativos entre os pares na instituição. Sendo assim, as primeiras entrevistas foram realizadas com o militante Luciano Bezerra, e em seguida com militantes da já referida ASTRAPA: Malu Morenah, Gel Laverna e Fernanda Benvenutty. A apresentação aqui realizada é organizada em dois momentos: (i) uma apresentação do processo histórico de constituição do panorama sobre o qual nos debruçamos, e (ii) uma problematização sobre os significados atribuídos pelo movimento para a homossexualidade, analisando especialmente as falas e atitudes performadas pelos entrevistados e outros representantes durante a pesquisa de campo.

Entrar no campo: interstícios de uma memória afetiva Em junho de 2011 iniciamos nosso trabalho de investigação e reconhecimento do movimento LGBT na Paraíba. Nosso primeiro parceiro no projeto foi o Movimento do Espírito Lilás – MEL, grupo em atuação no estado há quase 20 anos. Antes mesmo de cogitar a possibilidade, em uma experiência particular, ainda adolescente, lembro de ter visitado o espaço que o grupo ocupava na época. O elegante edifício Bananeiras, 2

localizado na rua Duque de Caxias, uma das principais ruas do centro de João Pessoa, na época sediava um escritório onde a lógica aparente aos seus frequentadores era a ordem, organização e higiene de um grupo sério e absolutamente compromissado com seu projeto: garantir a cidadania e dignidade de homossexuais de todo o estado. Uma sala muito ampla tinha as paredes preenchidas por cartazes de tamanhos variados expondo corpos diversos em situações e pautas variadas: prevenção a AIDS, combate à violência contra mulher e homossexuais, respeito às travestis e outras pautas que reafirmavam a posição do grupo. Oito mesas grandes preenchiam a sala e conectavam os pontos que garantiriam um mundo melhor, ao menos ali. Além dessa primeira experiência com o movimento LGBT, nos anos seguintes participei de outras atividades promovidas pelo movimento, a exemplo de seminários e duas paradas, entre 2005 e 2009, a primeira chama de Parada do Orgulho Gay, e a segunda Parada pela Diversidade Sexual da Paraíba, nome que vem sendo adotado até hoje. Seis anos após essa primeira experiência com o movimento LGBT, ao iniciar o projeto, minhas ilusões sobre o movimento permaneciam. Qual não foi meu choque ao chegar à atual sede do movimento, ainda na rua Duque de Caxias, todavia, mais ao fim, próximo a centro velho da cidade. Um corredor escuro onde as paredes, ornadas com concreto e vidrilhos confundem dor e brilho, conduziam a dois vãos de escada que nos levaria a pequena sala do segundo andar. Ao chegarmos, duas mesas de plástico pequenas compunham a sala de reuniões. Lado à porta e frente à mesa: uma televisão, um sofá velho em couro e um computador desconjuntado despejado à lateral esquerda, próximo a uma janela que quando aberta mostrava uma vista do centro da cidade comprometida pelas plantas que subiam pela parede lateral e adentravam. Algumas pilhas de cadeiras plásticas ornavam o ar de passado e esquecimento. Dos muitos cartazes e bandeiras a ilustrar a antiga sede de minhas memórias afetivas, encontro agora uma estante onde se empilham pastas com contas e comprovantes de pagamentos; alguns poucos relatórios e pedaços de projetos compõem a cena. Orgulhoso, o então vice-presidente do grupo, Renam Palmeira, nos mostra álbuns e pequenas caixas preenchidas com fotografias. Ali a história do grupo mais antigo do estado, lembranças de um passado com algumas glórias, muitas perdas; lembranças de um passado sem memória. Começava ali nossa busca à história do movimento LGBT na Paraíba.

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Além do vermelho e preto: bibas, sapas e monas na Paraíba No final da década de 1980, acompanhando o período de democratização e abertura política no Brasil, o movimento de homossexuais, inclusive de estudantes universitários, começou a se fortalecer em João Pessoa e deu origem a dois grupos: “Nós Também”, composto por docentes e discentes universitários e o “Beira de Esquina”3, homossexuais masculinos oriundos das classes populares. Posteriormente, em 1992, surgiu a partir da fusão e posterior dissolução desses dois grupos o Movimento do Espírito Lilás (MEL), com o objetivo de atuar na prevenção das DSTs/AIDS e na defesa dos direitos humanos de homossexuais na Paraíba. “A violência contra homossexuais tem sido a preocupação central do MEL, haja vista a presença da homofobia na Paraíba. Nesse sentido, o MEL tem mobilizado a opinião pública através dos meios de comunicação de massa, das entidades e das organizações de direitos humanos e dos movimentos sociais e populares no sentido de denunciar e anunciar a proteção e a defesa da pessoa violentada e, ao mesmo tempo, contribuir para a construção de uma consciência que respeite a diversidade de qualquer natureza” (VIEIRA, 2008, p. 158). .

A partir da mobilização do MEL, travestis e transexuais demonstraram a necessidade de dar um foco maior a esse público, e assim nasceu a ASTRAPA (Associação das Travestis e Transexuais da Paraíba), em 2002, que tem como objetivo “articular, mobilizar, propor e monitorar políticas públicas de superação e enfrentamento à discriminação e à violência homofóbica e fortalecer a autoestima e promover a cidadania plena de travestis e transexuais” (www.astrapa.blogspot.com). Nesse mesmo ano, também a partir do MEL, foi formado também o “Grupo de Mulheres Lésbicas Maria Quitéria”, com o propósito de combater a homofobia, contribuir nas políticas públicas para a diversidade sexual e fortalecer a autoestima, a saúde, a cidadania e os direitos humanos de mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais femininas. O nome do grupo surgiu em homenagem a uma mulher nordestina que, no século XVIII, lutou pela independência do Brasil e que recebeu a alcunha de “mulhersoldado”. Sob a coordenação das três organizações LGBT em João Pessoa, em 2002, foi realizada a 1ª Parada Gay em João Pessoa. Ainda no final de 2002, mais uma organização foi inaugurada, o “Gayrreiros do Vale do Paraíba”, na cidade de Itabaiana, interior do estado, também com o intuito de 3

Não há um consenso sobre o período de atuação desses dois primeiros grupos. Trevisan (2004) em revista à história dos grupos homossexuais aponta que após a desintegração do Somos, em 1983.

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João Pessoa metropolitana

e

região

Movimento do Espírito Lilás (MEL) Grupo de Mulheres Maria Quitéria Associação das Travestis e Transexuais da Paraíba (ASTRAPA)

Cajazeiras Associação do Orgulho LGBT de Cajazeiras

- municípios com grupos de atuação, porém sem nome ou estrutura. (Catolé do Rocha, Guarabira, Mari, Sapé e Mamanguape)

Figura 1: Grupos e Organizações LGBT atuando na Paraíba

Itabaiana Gueyrreiros do Vale do Paraíba

Campina Grande Associação dos Homossexuais de Campina Grande (AHCG) Ação pelo Respeito à Cidadania e Diversidade Sexual (ARCIDES) Centro Informativo de Prevenção, Mobilização e Aconselhamento aos Profissionais do Sexo (CIPIMAC)

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atuar no atendimento e na prevenção ao HIV/AIDS para todo o público LGBT da região por meio de ações educativas, campanhas, oficinas, palestras, eventos artístico-culturais, etc. Em 2004, foi fundada a Associação de Homossexuais de Campina Grande (AHCG), “com a missão de lutar pela consolidação da cidadania LGBT na cidade de Campina Grande e compartimentos da Serra da Borborema. Tem participação efetiva no Fórum ONG/AIDS-PB e na formação de redes regionais e nacionais que discutem temáticas relacionadas à vivência dos homossexuais, a conquista da cidadania e qualidade de vida” (www.ahcgonline.blogspot.com).

Em Campina Grande, há outra associação que atende travestis e homossexuais profissionais do sexo, a CIPIMAC (Centro Informativo de Prevenção, Mobilização e Aconselhamento aos Profissionais do Sexo). Em 2011 surgiu mais um grupo de atuação e combate à violência contra o público LGBT, dando especial apoio à travestis e transexuais, a ARCIDES – Ação pelo Respeito à Cidadania e Diversidade Sexual (www.arcidescg.blogspot.com). No sertão da Paraíba, a única entidade da sociedade civil organizada é a Associação do Orgulho LGBT de Cajazeiras. Há outras regiões também que têm realizado mobilizações contra a homofobia como Mari, Guarabira, Mamanguape e Baía da Traição. Assim como em sua formação e processo de desenvolvimento durante a década de 1990, ainda hoje o cenário de militância LGBT na Paraíba se organiza sobre formatos variados, sejam ONGs, movimentos sociais, associações ou iniciativas individuais. Todavia, não só de grupos constituídos é formado o movimento LGBT no estado; espalhados pelo brejo, sertão e região da zona da mata, observa-se a existência de frentes de atuação, quase sempre centralizadas na figura de um ou dois indivíduos e que estabelecem uma relação com os demais grupos organizados, especialmente os sediados no litoral e com maior tempo de atuação, estrutura e colaboradores (ver Figura 1). Entre os municípios que desenvolvem essa dinâmica, vem se desenvolvendo ações conjuntas e eventos diversos especialmente nos municípios de Guarabira, na região do brejo, e de Catolé do Rocha, no sertão, próximo à divisa com Rio Grande do Norte. Como observa França (2006), um elemento particular do movimento LGBT é sua constituição histórica pautada na elaboração de sujeitos marcados por práticas, posturas e hábitos de consumo compartilhados, muitas vezes lidos como característicos e inatos à homossexualidade, contribuindo assim para a caracterização da 6

homossexualidade como uma categoria essencializada. Na contramão dessa abordagem, desde Frederick Barth, as identidades tem sido pensadas como construções, não como objetos estáveis e imutáveis. Barth (1998), entende as identidades como processos de marcação e distinção em relação ao outro. Esse processo é social e relacional, situado no tempo e espaço em que determinadas relações se estabelecem e se elaboram num esforço de diferenciação que tem por fim criar barreiras, fronteiras. Todavia essa leitura das ciências sociais, a investida tomada pelos movimentos sociais mais proficientes das três últimas décadas (os movimentos homossexual, feminista e negro), vários estudos apontam para a associação a categorias essencializadas, autoatribuída, e muitas vezes esvaziadas. Assim, nas últimas décadas se produziu no movimento feminista clássico uma política de visibilidade que reconhecia o sujeito “mulher” como uma categoria estável, autoatribuída em relação ao sexo anatômico; ao movimento negro o surgimento da negritude e da ideia de ser negro como estável, tendo como item norteador a cor da pele. Interessante observar como esses marcadores sociais (gênero e raça) são os mais difíceis de desvencilhar-se pois, como observa Mariza Corrêa, Além de terem em comum o fato de serem marcadores biologizados, naturalizados, historicamente, raça e sexo circulam como marcadores sociais, como cor e gênero, independentemente da definição de sexo ou de raça do corpo que os sustenta. (CORRÊA: 2000, p.28).

O que chama a atenção, e é explícito no posicionamento tanto de Corrêa como nas teorias pós-feministas é o esvaziamento de sentido, a essencialização de categorias em si bastante problemáticas. Como coloca Butler , “gender is always a doing, though not a doing by a subjective might be said to preexist the deed4” (1990, p25). Problematizando a questão, Regina Facchini se posiciona: O que talvez ocorra é que movimentos como o feminista, o negro e o homossexual tenham maior tendência em fundamentar essa igualdade [esse elemento aglutinador para os indivíduos dentro do grupo] num atributo essencial e a obscurecer o caráter construído da aliança política voltada para um determinado fim. (Facchini: 2009, p28-29)

Todavia, o elemento aglutinador do movimento homossexual, diferente do negro e do feminista, reside muitas vezes num caráter subjetivo, ou que não está no nível observável, tampouco é uniforme a ponto de identificar como único e reproduzido em todos os pares. É uma categoria que se pulveriza e se apresenta de formas distintas. 4

O gênero é sempre um fazendo, uma construção em continuo, ainda que não por um sujeito que se possa dizer preexistente ao feito.

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Destarte, aquém daquilo que aglutina, é preciso buscar elementos visíveis para estabelecer a coletividade da identidade: a violência, a subalternização e marginalização, a aids. O grande crescimento do movimento LGBT no Brasil está inevitavelmente vinculado à pandemia da aids. Para a homossexualidade, desde meados da década de 1980, quando começam a surgir no Brasil os primeiros casos públicos da epidemia, a aids tem sido a maior inimiga e simultaneamente a melhor amiga dos homossexuais. O ethos homossexual então vinculado ou reduzido aos guetos de prostituição, sociabilidade marginal e trocas sexuais “no armário” tomam as páginas dos noticiários e jornais. O que se vê então é uma perigosa associação entre homossexualidade e aids, que todavia, como esclarece García (2009, p540-541), foi o maior motor de promoção da visibilidade e luta pela cidadania dos homossexuais no Brasil e em outras regiões do mundo. O que se desenvolveu em seguida foi a criação de redes de solidariedade e cooperação entre Estado e organizações LGBTs caracterizadas por trocas simultâneas: se por um lado o Estado deveria reconhecer a legitimidade da homossexualidade, concretizando os homossexuais como sujeitos de direito, por outro lado, caberia ao movimento homossexual contribui para a limpeza da sociedade, por meio do controle da epidemia da qual eles eram portadores. A homossexualidade assim passa a ser vista como uma arma biológica, e o homossexual como um potencial agente ativador. A solução então encontrada são as parcerias na busca de um higienismo quase paranoico que se desenvolve até os dias atuais. A homossexualição da aids somada à des-homossexualização da atenção sanitária teve como corolário histórico um efeito social imprevisto: a visibilização e “homossexualização” de muitos homens que teriam sexo com outros homens. Nos grupos populacionais dizimados pela epidemia, conformou-se uma “comunidade no desastre” que fortaleceu a identidade homossexual: aquela construção identitárias que havia surgido no século XIX como um tipo patológico que condensava e consagrava científica e objetivamente uma estigmatização de séculos, ao final do século XX foi ressignificada como uma bandeira útil para que alguns cidadãos reclamassem respeito aos seus direitos civis – incluindo o direito à saúde. (...) Na década de 1980 na Argentina e em outros países da América Latina, a identidade homossexual e a questão gay emergiram com seus primeiros e humildes êxitos políticos. (García: 2009, p544 – grifos do autor)5 5

Apesar da mobilização crescente na década de 1980 na Argentina, como aborda o autor, as leituras mais elaboradas da questão no Brasil apontam a década de 1980 como um período de inércia e dissolução de muitos grupos. De maneira geral, além da Bahia, Rio de Janeiro e Distrito Federal, é a partir dos anos

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Os convênios e parcerias então entre movimento homossexual e Estado tem por finalidade a cooperação em torno do combate à aids. É justamente em torno da aids que começam a se estruturar as primeiras manobras políticas de visibilização de uma identidade coletiva gay. Se por um lado a homossexualidade lhes é associada e é tomada como bandeira de luta e reconhecimento de direitos civis, por outro lado o movimento atua como agente sanitário, de controle e vigilância, estabelecendo para si uma ideia de homossexual como aquele que sabe se prevenir. Com o apoio do Ministério da Saúde e das secretarias municipais e estaduais, desde 1984 as parcerias vêm se estabelecendo, sendo a primeira parceria estabelecida no estado de São Paulo. Tais parcerias via de regra se estabelecem pelo fornecimento de recursos para atividades diversas que envolvem desde a distribuição de material informativo, preservativos até a criação de equipamentos públicos de controle e cuidado de soropositivos. Na mídia também, aquém do reconhecimento da homossexualidade em outros departamentos estatais, a saúde

vem

dando

especial

atenção,

uma

atenção

estratégica

diríamos,

à

homossexualidade, como se pode ver nos cartazes elaborados para campanhas nacionais de combate a aids realizadas em parceria entre o Governo Federal e grupos locais.

1990 que o movimento homossexual toma grandes proporções e estabelece seus vínculos e parcerias iniciais como o Estado. Ver Facchini: 2005; 2009; e França, 2006..

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Figuras 2, 3, 4 e 5 – Cartazes e material de divulgação de campanhas nacionais de controle da aids realizadas em parceria com grupos LGBT pelo Brasil - campanhas de 2011, 2007, 2007 e 2011 respectivamente. Fonte: Ministério da Saúde. Disponíveis em e último acesso em 23.05.2012

Entendidos e Assumidos: movimento e identidades possíveis Em um estudo publicado em 1998, o sociólogo americano Joshua Gamson elaborando um panorama das pesquisas sobre movimentos sociais nos Estados Unidos na década de 1990 observa como tais grupos vêm se estabelecendo em torno de identidades coletivas. Em um esforço de visualizar como essas identidades são elaboradas e ativadas pelos grupos, Gamson observa que, no interior dos movimentos, e aqui cabe uma especial atenção ao movimento LGBT, as identidades coletivas elas não apenas são requisitos necessários a identificação desses grupos, como são um também um fim em si, de tal forma, o sujeito político homossexual no Brasil tem se elaborado em torno de uma identidade coletiva que tem como base a homossexualidade, categoria que não apenas é o elemento comum entre os pares, mas também o objetivo em si. Desta forma estabelece-se uma tensão entre ser gay e estar gay. Como sujeito político, o movimento LGBT em geral não tem arriscado em propostas fluidas de identidade, reconhecendo assim para si uma ideia de homossexualidade que poderíamos dizer preexistente aos pares. Simultâneo, a configuração de tal identidade vem se alterando e atualizando segundo às demandas políticas e sociais dos contextos locais em que estão envolvidas. Esse princípio coloca em xeque não apenas a dimensão da homossexualidade como fator biológico, natural. 10

reclamado por exemplo por transexuais que buscam na patologização de seu estado um recurso para que o Estado intervenha e lhes ofereça meios de adequação do corpo às exigências do sexo almejado. A busca está, neste caso, em ter um corpo coerente, como coloca Butler (2003, p31) com o desejo e com o gênero, de modo que, supõe-se haver coerência quando temos: mulheres performatizadas  com sexo anatômico correspondente  e que mantém seus desejos por homens heterossexuais. Implanta-se assim um modelo de rigidez sobre corpos fluídos e desejos vaporizados. Tendo o desejo, a orientação sexual como componente aglutinador dentro do movimento sexual, é possível reconhecer todavia a existência de dispositivos reguladores, de modo que, não cabe dentro da política os elementos poéticos, ou seja, a política não poderá, nem irá abarcar todas as manifestações performatizadas pela relação sexo-gênero-desejo. “A matriz cultural por intermédio da qual a identidade de gênero se torna inteligível exige que certos tipos de “identidade” não possam “existir” – isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. Nesse contexto, “decorrer” seria uma relação política de direito instituído pelas leis culturais que estabelecem e regulam a forma e o significado da sexualidade” (BUTLER, 2003, p. 39).

De tal forma, é preciso reconhecer que nem todas as categorias identitárias que se pode reconhecer, ou abarcar dentro do que seria o homossexual, estão presentes ou são passíveis de representar dentro da política de militância. Em geral, nas margens da política aparecem as relações incoerentes, não eróticas e não higiênicas, como por exemplo drag queens, transformistas, crossdressing, boylovers6, BDSM e outras identidades eróticas com base em práticas sexuais que vem despontando com o processo de massificação e publicitação da intimidade exposto do Anthony Giddens (1998). Em João Pessoa, os grupos que compõem o panorama LGBT estão vinculadas a possibilidades identitárias já conhecidas, ou reconhecíveis na gramática dos gêneros: gays, lésbicas, travestis e transexuais. Aquém da limitação que estas categorias impõem, e as que simultaneamente são excluídas pela adoção destas, vislumbra-se no interior de cada uma destas identidades sexuais, uma miríade de outras possibilidades. Como 6

Consoante Oliveira (2009), os boylovers constituem-se como identidades eróticas de orientação hetero ou homossexual que tem por base o desejo em menores. Todavia, diferente do pedófilo, o boylover demonstra o reconhecimento das limitações sociais do seu desejo, e estabelece-se como um conflito entre o poder e o querer. Conflitos semelhantes podem ser observados na emergência de outras possibilidades identitárias, a exemplo dos crossdressing, que transitam com um gênero em vestimentas relacionadas ao seu oposto, e ao BDSM, que tem seu conflito estabelecido entre o prazer e a dor, a violência e a paixão, a confiança e a violação do corpo alheio.

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exemplo, podemos ver dentro do universo da homossexualidade masculina uma grande variedade de categorias classificatórias, tais como milicos, lolitos, ursos, leathers, barbies e outras nomenclaturas que denunciam desvios nas cadeias de coerência exigidas pelos dispositivos de vigilância da homossexualidade (Foucault, 1978). Na busca pelos deslocamentos e trânsitos na elaboração de tais identidades, durante o segundo semestre de 2011 pudemos analisar uma série de materiais, que apesar de reduzidos e das péssimas condições, pode oferecer elementos importantes ao debate sobre as identidades coletivas e os movimentos sociais, “dado que o processo de construção de identidades coletivas seja crucial para a interpretação de todas as forma de ação coletiva” (Facchini: 2009, p33).

Fluxos Enunciativos A análise aqui realizada toma por princípio falas de militantes colhidas em conversas e entrevistas, as observações feitas durante o período de campo e também material informativo, cartazes e outros recursos escritos coletados em pesquisa documental. Na averiguação dos documentos pudemos observar algumas grandes correntes ou bandeiras temáticas que se vinculam às pautas reivindicadas e em certam medida aos processos de fabricação das identidades coletiva que pretendemos historicizar aqui. Estas correntes, apesar do fluxo das demandas temporais, muitas vezes co-ocorrem e são atualizadas também na dimensão do espaço social e político. São elas: 

Aids



“Cartilhismo”



Violência



Direitos Civis

- AIDS Como dito linhas acima, a aids ocupa um lugar central não apenas para a visibilidade da homossexualidade, mas também para o estabelecimento e expansão do movimento LGBT pelo Brasil. As relações perigosas entre a “peste rosa” e a impossibilidade do Estado em lidar com uma crise emergente estimulou o estabelecimento de alianças e o reconhecimento de políticas públicas de saúde que propiciaram o surgimento de uma onda higienista a limpar o gueto gay. O prazer perigoso do coito é colocado como um alvo a ser derrubado em detrimento do sexo com 12

preservativo e aos medicamentos para aqueles já infectados. Todavia a intensa massificação das relações entre Estado e grupo LGBT esta não foi a única orientação adotada pelo movimento LGBT no Brasil. Ao esforço coletivo de contenção coletiva da aids somava-se ainda o combate à violência e a busca pelo reconhecimento dos direitos civis da população homossexual. Na Paraíba, o MEL tem sua fundação fortemente vinculada à crise da aids. Em oposição à atuação dos grupos que lhe foram anteriores, o Nós Também e o Beira de Esquina, marcados por uma proposta de intervenção relacionadas à arte e à cultura, também caracterizado pela liberação sexual e o jogo político com o jocoso, o processo de fundação do MEL ancora suas primeiras ações públicas vinculadas ao combate ao homossexualismo, à repressão policial, mas é efetivamente com os projetos financiados pelo Ministério da Saúde e secretarias estadual e municipal que o grupo toma visibilidade e consegue articular ações com melhores resultados. Observamos nas falas dos líderes e representantes do movimento que presenciaram ou participaram desses movimentos uma forte preocupação higienista, de modo a construir um perfil responsável do movimento LGBT, consciente das regras de conduta e etiquetas sexuais para evitar o contágio ou infecção pelo vírus. A participação de categorias ou grupos associados à práticas de risco é reduzida ou negada, bem como ações para “conversão” destes que são armas em potencial não só para a sociedade, já que são portadores de um poder de morte, como também para o movimento, ao estabelecer e reforçar a associação homossexual-aids. São desenvolvidas ações efetivas de controle da peste por meio de campanhas educativas em “pontos de pegação”, espaços habituais de trocas eróticas entre “homens de verdade”, travestis, e bichas com distribuição de preservativos, mais recentemente lubrificantes, e material educativo. As ações de sensibilização associam-se a outras estratégias, tais como a inserção do tema nas escolas por meio de palestras e intervenções, a visibilidade política em atos públicos, a inserção em unidades locais como associações de bairro e parcerias com outros movimentos sociais, a exemplo do estudantil, e partidos políticos de esquerda7. Em geral, estas parcerias está relacionada a participação de militantes em outros movimentos sociais e partidos antes de ingressarem na militância LGBT. Outra marca desse processo é a formação de “agentes multiplicadores”, estratégia adotada com fins a formação de profissionais capacitados 7

Com relação a estes dois últimos a atuação de frentes LGBT ou de segmentos dentro dos movimentos e partidos de militância LGBT é bastante reduzida, não apenas nos períodos iniciais, como atualmente.

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para informar sobre doenças sexualmente transmissíveis, a aids e as formas de contágio, convivência com a doença para os infectados e distribuição de material preventivo. Todas as iniciativas desenvolvidas nesse aspecto entre os anos de 1992, quando da fundação do grupo, até 2006, pelo menos, foram financiadas pelo Estado, principalmente pelo Ministério da Saúde, entre 1999 e 2005.

- Cartilhismo O que chamamos aqui de cartilhismo refere-se a uma iniciativa constante informação à sociedade de construções identitárias dentro do movimento homossexual em torno dos atores que o compõe. Em geral a ação é materializada pela presença de glosas explicativas, listas de termos e glossários que definem sujeitos como: homossexual, lésbica, travesti, transgênero, bissexual, simpatizante, entre outros. Torna-se interessante uma análise mais detalhada da forma como esse material e a sua divulgação a um público amplo exercem-se como um esforço de evidenciar as distinções existentes dentro do movimento, informando ao público e em certa medida, aos próprios sujeitos envolvidos, formas e modelos classificatórios. Mais uma vez, retomamos aqui a ideia de Butler (2003, p33), de que, para que algumas categorias possam existir, é preciso que outras não existam, e isso pode ser observado não apenas pela forma restrita em que as categorias são definidas em relação à coerência estabelecida ou manifestada nas relações entre corpo-gênero-desejo, quanto pela ausência de outras categorias que não performatizam formas socialmente aceitas como coerente, seja sob uma visão heteronormativa, seja pelo prisma político dos militantes. Outro elemento passível de análise e que se mostra bastante curioso é a retirada da categoria simpatizante das possibilidades identitárias abarcadas pelo movimento LGBT, aproximadamente por volta de 1998. Aqui, a ideia de simpatizante como um aliado é cambiada por um dualismo entre GLT e GLS. Esse dualismo, na nossa óptica complementar, advém da impossibilidade de categorias flexíveis. Assim, temos um circuito político e um circuito mercadológico, que apesar das relações ativas que estabelecem e contribuem para o apagamento da ideia de gueto em favor de um mercado especializado e segmentado (França, 2006). O posicionamento essencialista de SER GAY a que se relaciona o movimento LGBT não pode assim conceber formas paradoxais como aquele que simpatiza com a causa e se reconhece como simpatizante. Seria a politica LGBT exercida unicamente por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros? As relações que se estabelecem eventualmente se caracterizam em geral 14

como parcerias hierárquicas, onde o solicitador (movimento) parece ter causas maiores e mais nobres que o fornecedor (mercado), nessa complexa economia política. Todavia, essas conexões ativas, como são chamadas por Facchini, não são nosso objeto aqui, e assim, não nos deteremos mais. Outra categoria inserida como ponto de discussão, todavia em veículos direcionados não ao público, mas à formação de agentes multiplicadores é a ideia de HSH e MSM, ou seja, homem que faz sexo com homens, e mulher que faz sexo com mulheres, em oposição às categorias gay e lésbica. Essas construções que rompem com a gramática dos gêneros só chegam ao público por meio da promoção de políticas públicas, apesar do longo tempo em que vem sendo utilizadas no discurso científico e político. Caberia talvez questionar quais fatores estão envolvidos na (não) promoção e visibilidade destas categorias incoerentes e desafiadoras à rigidez imposta pela politica atual e tradicional LGBT.

- Violência Elemento presente e discutido desde o período de formação dos primeiros grupos LGBT no Brasil, as estratégias identitárias relacionadas à violência em geral tem se configurado e apresentado pela vitimização dos homossexuais em torno das pautas históricas. Dessa forma, na década de 1980, o homossexual é apresentado como vítima da aids e do extermínio permitido pelo Estado nos primeiros anos da epidemia (Butler, 1992; Sontag, 1996) para em seguida ser vítima da violência simbólica e material da violência, o que se observa pela imensa produção de relatórios de crimes homofóbicos, algo até então inédito até o surgimento do Grupo Gay da Bahia (GGB). Com o passar dos anos acontece o desenvolvimento de variações categóricas no enquadramento da homofobia, passando-se então a segmentar a violência em detrimento das categorias subjacentes à política. Surge assim, no esquema do politicamente correto, o emprego de termos de lesbofobia e transforbia, para empregar a violência contra lésbicas e transgêneros (travestis e transexuais) respectivamente. Na Paraíba, desde 2003, relatórios e tentativas de levantamento de crimes homofóbicos vem sendo realizados pelo MEL, em conjunto com outras organizações. Todavia, o processo tem entraves nos métodos de coletas de dados, em geral tomado a partir da mídia impressa, que nem sempre publica a orientação sexual da vítima. Aqui também, a orientação sexual é tida como razão constante para os assassinatos, desconsiderando-se quase sempre a possibilidade de outras motivações para os crimes. 15

Nos últimos seis anos, a Paraíba apresentou importantes avanços em relação às políticas públicas para toda comunidade LGBT. Fruto de um convênio entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e a ASTRAPA, foi criado, em 2005, o Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia de João Pessoa, que oferece serviços e atendimentos na área de direito, assistência social e psicologia. Desativado entre 2008 e 2011 devido ao reduzido orçamento, o Centro voltou a funcionar em meados de 2011. Nesse mesmo ano, a prefeitura municipal lançou a Lei 10.501/2005, que institui o dia 28 de julho como Dia Municipal da Diversidade Sexual. Em 2008, foi realizada em João Pessoa, assim como em diferentes capitais do país, a 1ª Conferência Municipal de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, em preparação para a 1ª Conferência Nacional LGBT. Desta conferência foi construído o Primeiro Plano Nacional de Cidadania e Direitos Humanos LGBT. Em julho de 2009, outra conquista foi realizada com a inauguração da 1ª Delegacia Especializada de Crimes Homofóbicos de João Pessoa. Essa delegacia deveria contribuir para notificar, denunciar e investigar os crimes contra homossexuais que ocorrem na capital e, posteriormente, realizar um esforço de multiplicação para outras delegacias em diferentes cidades do estado. Atualmente, grande parte dos crimes não são notificados e mesmo os homicídios não são devidamente investigados e qualificados como homofóbicos. Mesmo com a criação da delegacia especializada, a estrutura de funcionamento desta não difere das demais, e a falta de uma estrutura de atendimento adequado e preparação de agentes públicos para lidar com questões de violência envolvendo principalmente travestis é uma queixa recorrente. Estudos da Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (RITLA) e do Instituto Sangari, em parceria com o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde, apontam para um crescimento assustador de mortes violentas na região metropolitana da capital paraibana. Essas pesquisas chamam atenção, pois muitos desses assassinatos são de jovens gays e travestis que vivem em situação de extrema vulnerabilidade econômica e social. A discriminação sofrida pelos LGBTs ocorre em diferentes esferas sociais, entre elas a família, a igreja e a escola. Conforme a pesquisa “Juventude e Sexualidade”, publicada pela UNESCO em 2004, na qual foram entrevistados 3.099 educadores/as, 60% não sabem como abordar a questão da homossexualidade em sala de aula e 27% dos estudantes não gostariam de ter um colega homossexual. Esses fatos não ocorrem apenas porque os professores não desejam trabalhar esta temática, mas porque não 16

obtiveram conhecimento adequado durante sua formação. A pesquisa mostra que a falta de informações pode ser prejudicial para os/as alunos/as homossexuais que estão na escola, provocando até mesmo sua evasão do ambiente escolar. Os/as jovens LGBT, quando no processo de descoberta de sua sexualidade, acabam na maioria das vezes sendo expulsos de seus lares, faltando-lhes um acompanhamento social, tanto para si próprio como para a família. Para modificar esta realidade de segregação, discriminação e exclusão social com a população LGBT da Paraíba, torna-se necessário o esforço de diferentes setores do poder público e da sociedade civil no enfrentamento e combate às práticas homofóbicas, na perspectiva de garantir o direito à livre orientação sexual e de gênero e inserir as pessoas homossexuais e vítimas de violência nas políticas públicas e programas governamentais existentes. Em resposta a essa grave situação, a Secretaria de Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba (SEDH/PB) publicou a Portaria nº 041/2009 que estabelece o uso do nome social das travestis e transexuais nas unidades de atendimento da SEDH. Na Paraíba, a SEDH/PB foi instituição pioneira nessa iniciativa, cuja normativa foi assinada em de 11 de setembro de 2009, durante o Seminário Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, na Escola de Serviço Público do Estado da Paraíba (ESPEP), com a participação de 150 servidores/as públicos estadual das mais diversas áreas, desde educação, saúde, assistência social, segurança pública e administração penitenciária. Seguindo o avanço da legislação estadual, a Prefeitura Municipal de João Pessoa também instituiu documento semelhante do uso do nome social, estendendo sua amplitude para as Secretarias de Desenvolvimento Social, Educação e Saúde, a partir da Portaria nº 384/2010, de 23 de fevereiro de 2010, atendendo inclusive as travestis matriculadas na Rede Pública de Ensino. O nome social está cada vez mais se tornando realidade no Brasil. Há no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara nº 72/2007 que possibilitará a substituição do prenome de pessoas transexuais, mas ainda não foi ao plenário, paralelamente por intermédio da mobilização e da articulação do movimento LGBT em vários Estados da Federação há normativas que estabelecem o uso do nome social das travestis e transexuais. Segundo a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), hoje no Brasil há 11 estados e 8 municípios que regulamentaram a adoção do nome social nas escolas, contando ainda com mais 4 Estados que dispõem de documentos específicos nas secretarias de assistência social e saúde. Entretanto, a adoção do nome social tem sido um desafio para estudantes travestis e transsexuais que tentam retornar para as escolas, especialmente no 17

interior do estado, pois os/as profissionais da educação ainda tem como referência as identidades de gênero convencionais, e heteronormativas, e muitas vezes não facilitam uma adaptação dessas estudantes no ambiente escolar, de modo a reforçar a homofobia. É preciso salientar ainda que, segundo a Associação das Travestis e Transexuais da Paraíba (ASTRAPA), há um grande número de travestis que são analfabetas. Observa-se durante os 20 anos de atuação do MEL em João Pessoa e região um contínuo de tratamento em relação à violência, que se desenvolve da violência concreta e material, no início e vai incorporando outras formas de manifestação, a exemplo da violência simbólica e da negligência em relação a direitos civis básicos que se apresentam de forma proeminente nos últimos anos.

- Direitos Civis Pauta mais presente no movimento LGBT nos 5 últimos anos, a problemática tem circulado em torno da construção ou afirmação da equiparação jurídica de direitos a casais hetero e homossexuais. Entre os debates mais recorrentes, observamos os esforços na tentativa de legitimar por vias jurídicas os mecanismos de construção de parentesco, a exemplo da adoção por casais (ou não) homossexuais, da homoparentalidade e do casamento civil. Ainda na esfera jurídica, alguns ganhos vem se concretizando nos últimos anos, a exemplo da possibilidade de inserir parceiros ou parceiras como dependentes em planos de saúde, na debitação do imposto de renda, ou em alguns casos, como herdeiro, mesmo que neste último ainda seja necessário uma intensa disputa jurídica, tendo em vista a inexistência dos aparatos legais que reconhecessem a conjugalidade entre parceiros do mesmo sexo apontados linhas acima. Apesar da realidade já presente em muitas famílias e cidades, onde casais homossexuais exercem suas atividades livremente como família, tenham filhos ou não, e sejam quais forem os métodos empregados para a inserção destas crianças nos meios familiares, está parece ser uma questão bem mais complexa e problemática, tendo em vista o conservadorismo das instâncias jurídicas de base, e mais ainda do posicionamento de uma parcela sensível da população, fortemente influenciada por outros dispositivos reguladores como a religião e a mídia. O que cabe aqui é questionar quais as propostas identitárias estabelecidas por estas frentes de luta. Estaríamos atravessando um período de mudança caracterizado pela troca de um modelo segregacionista de categorização para um modelo igualitário?

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Considerações Finais A atuação dos movimentos sociais na promoção da igualdade social e de justiça é um aspecto que ainda precisa ser melhor estudado de modo a estabelecer um jogo de reconhecimentos e alteridade nas relações de poder. Em relação o movimento LGBT, o excepcional desenvolvimento deste em relação ao declínio de outros movimentos relacionados a segmentos outros, tais como os movimentos negro e feminista, caracterizam um fenômeno peculiar sobre o qual abordagens localizadas com fins a reconhecer a atuação destes grupos nas realidades locais pode ser um investimento potencial e importante. Semelhante, a busca pela compreensão dos significados atribuídos e dos simbolismos encenados por estes grupos parece ser um campo fértil e ainda pouco explorado nas ciências sociais. Dada a falta de material para análise, realidade encontrada também em outros casos, como o goiano abordado por Braz; Avelar; Jesus (2011) este paper buscou apenas fazer algumas considerações sobre o andamento da pesquisa e suscitar questões para a continuidade da atividade. Entendemos também a dupla limitação dessa ideia; por mais fundo que queiramos chegar na questão, a busca antropológica pela totalidade imaginada do tema é barrada pelas impossibilidades naturais à pesquisa, como relata Geertz “não cheguei nem perto do fundo da questão. Aliás, não cheguei ao fundo de nenhuma questão sobre a qual tenha escrito”, pois, como diz em seguida, “a análise cultural é intrinsecamente incompleta, e pior, quanto mais profunda, mais incompleta”. Então que seja essa incompletude responsável uma meta.

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