Dois santos e uma missão: a mensagem cristã oculta na pintura do teto da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador identificada através das análises artístico-histórica, iconográfica e iconológica. In.: Anais I Cong. do Núcleo interdisciplinar de estudos de imagem -Ninfa

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I Congresso do Núcleo interdisciplinar de estudos de imagem - Ninfa

“O borboletear do método”

1ª Edição

ISBN: 978-85-62707-79-7

ANAIS DO CONGRESSO

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Belo Horizonte 12 a 15 de Abril de 2016

Anais do Congresso/I Congresso do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Imagem NINFA/UFMG – O Borboletear do Método; Organização: Denise Aparecida Sousa Duarte; Gislaine Gonçalves; Weslley Fernandes Rodrigues – Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2016.

672 p. Texto em Português ISBN: 978-85-62707-79-7 900. Geografia e História

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FICHA TÉCNICA Realização Grupo NINFA/Departamento de História – UFMG

Organização e Editoração: Clara Abrahão Leonardo Pereira Denise Aparecida Sousa Duarte Gabriela Castro Gislaine Gonçalves Dias Pinto Kellen Cristina Silva Luiza Rabelo Parreira Marcus Ítalo Cruz Augusto Mônica Lage

Reitor da UFMG Jaime Arturo Ramírez Vice-Reitora da UFMG Sandra Regina Goulart Almeida

Weslley Fernandes Rodrigues

Diagramação e arte gráfica Gislaine Gonçalves

Diretor em exercício da FAFICH Carlos Gabriel Kszan Pancera Chefe do Departamento de História Ana Carolina Vimieiro Coordenador do Colegiado de PósGraduação em História Luiz Carlos Villalta Coordenador do Colegiado de Graduação em História André Miatello

Apoio: Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós Graduação em História Programa de Graduação em História Hotel Ibis Styles – Pampulha Pousada Sossego da Pampulha

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Do efêmero ao perene: o lugar da imagem em Perspectiva Pictorum et Architectorum, de Andrea Pozzo SJ Mateus Alves Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504 Outras paisagens: cidades desoladas Michel Mingote Ferreira de Azara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 518 Dois santos e uma missão: a mensagem cristã oculta na pintura do forro da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador identificada através das análises artístico-histórica, iconográfica e iconológica. Mônica Farias Menezes Vicente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 532 “Cena de família de Adolfo Augusto Pinto”: o retrato de família, as referências artísticas e a pintura de gênero. Natália Cristina de Aquino Gomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 554 Como preservar a arte computacional? Ações curatoriais para a criação e manutenção de acervos Pablo Gobira e Fernanda de Cássia Lima Corrêa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 563 A imagem de si como estratégia de sedução: O caso da marca Melissa Sabriny Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 574 Murilo Mendes e Oswaldo Goeldi: relações entre poeta e gravador Tammy Senra Fernandes Genú . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 587 Narrativas foto-textuais: articulações entre fotografia e palavra. Tida Carvalho e Adolfo Cifuentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 600 Apontamentos sobre a escrita da crítica de arte em Belo Horizonte nos anos 60 Valdeci da Silva Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 610 Perguntar-se pelas memórias: a presença como paradigma investigativo Valdeci da Silva Cunha e Walderez Simões Costa Ramalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 622

Street art e o tempo Viviane Guimarães Torquetti dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 633 O componente neoclássico na arquitetura residencial da cidade da Parahyba. Yanna Karla Garcia Silva e Ivan Cavalcanti Filho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 643

Anexos: Cronograma das atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 657 Programação dos Simpósios Temáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 658 Informações sobre o Grupo NINFA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 669 Página | 8

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APRESENTAÇÃO É com imenso prazer que apresentamos o Anais do I Congresso do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Imagem – NINFA – O Borboletear do Método. O evento foi o resultado do esforço de um grupo de alunos da graduação e pós-graduação em História da UFMG que buscavam um espaço para ampliar as discussões efetuadas durante o ano de 2015, quando foi fundado o NINFA. Buscamos reunir importantes pesquisadores da área e os estudantes, abrindo espaço para que todos – desde a graduação – pudessem apresentar as pesquisas sobre imagem que vem sendo efetuadas e que tivessem a chance de enriquecer seus projetos, não somente pela influência da grande experiência dos pesquisadores renomados, mas pela troca de ideias com demais estudantes. A marca do I Congresso do NINFA foi a diversidade, que pode ser apreciada nos textos presentes nesses Anais: a heterogeneidade de temas, matérias e perspectivas se alia à pluralidade dos locais de origem dos estudiosos participantes ou das instituições de ensino a que estão filiados. Esperamos que o encontro seja o primeiro de muitos, e que esse se torne um espaço de aprendizagem para pesquisadores da imagem, contribuindo para a ampliação do número e da qualidade dos estudos. Nessa primeira edição, contamos com a presença ilustre do Professor português Dr. Luís Alberto Casimiro, que ministrou a palestra de abertura, intitulada “Anjos e Demônios: do imaginário pagão a iconografia cristã”, além do Minicurso “Iconografia e Iconologia: a imagem e seu significado”. O Congresso foi composto, ainda, de três mesas redondas, reunindo professores brasileiros de grande renome nos estudos sobre imagem: Mesa 1 – “Opulência Mineira: a arte transcendente”, com o Professor Dr. Magno Mello (UFMG), a Professora Dra. Sabrina Mara Sant’Anna (UFRB), o Professor Dr. Alex Bohrer (IFMG) e o Professor André Dangelo (UFMG). A Mesa 2 – “As inúmeras possibilidades de pesquisa interdisciplinar”, com o Professor Dr. Eduardo França Paiva (UFMG), a Professora Dra. Guiomar de Grammont (UFOP), a Professora Dra. Monica Farias e a Professora Dra. Letícia Martins de Andrade (UFSJ). Tivemos, também, a Mesa 3 – O borboletear do método: a imagem como fio condutor, composta por alguns coordenadores do Grupo NINFA, que falaram sobre a criação do grupo, dos objetivos do mesmo e sobre os resultados desse primeiro ano de discussões. Por último, mas não menos importante, tivemos 5 Simpósios Temáticos que versavam sobre os mais diversos assuntos. Esses foram destinados aos pesquisadores que inscreveram seus trabalhos de pesquisa. Qual não foi nossa surpresa ao receber tantas inscrições de trabalhos tão formidáveis! Quantidade e qualidade que nos deixaram bastante contentes e concretizaram nossa proposta de interdisciplinaridade. Foram 4 dias de intensas discussões e de um grande enriquecimento intelectual. A todos que participaram, muito obrigado!

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Dois santos e uma missão: a mensagem cristã oculta na pintura do forro da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador identificada através das análises artístico-histórica, iconográfica e iconológica1005. Mônica Farias Menezes Vicente Doutoranda em História da Arte Mestra em Artes Visuais UNICAMP/IFBA [email protected] Resumo Quando a pintura de Quadratura, também identificada por Falsa Arquitetura ou Perspectiva, em termos específicos, ocupou os forros das igrejas, seu objetivo não era, em princípio, decorar o ambiente religioso, mas propagar uma mensagem cristã defendida pelo Concílio Tridentino. Reverberando no Brasil Colônia do que se entendia como o mais alto grau de aplicabilidade de competências em uma só composição, esse tipo de pintura chega a Salvador no início dos setecentos resguardando técnicas e estudos científicos, matemáticos, geométricos e religiosos. O Mestre e sua equipe aptos para produzir algo neste nível, ultrapassavam o fazer artístico, cabendolhes, também, conhecimentos profundos ligados à liturgia e às Sagradas Escrituras. A pintura representava um teatro teológico que envolvia o observador em sua mais íntima comunhão com o sagrado, e cabia a ela, simultaneamente, educá-lo pelo olhar e pela emoção, sobre a história cristã e propagar sua fé. A pintura do teto da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador, com possível autoria do Mestre José Joaquim da Rocha e sua Escola de Artífices, por muitos anos escondeu sua verdadeira mensagem, não porque estaria encoberta por várias camadas de tintas oitocentistas e mais modernas, mas por uma identificação simplificada, que foi repetida pela historiografia como sendo “A chegada de São Domingos ao céu sendo recebido pela Nossa Senhora e São Francisco de Assis”, ocultando assim, o verdadeiro tratado teológico que de fato representa. Através de estudos mais aprofundados amparados em análises histórico-artística, iconográfica e iconológica, esta mensagem oculta presente na grande cenografia ao centro da obra, revela que não se trata, apenas, do que foi, até então, propagado. Palavras-chave: Ordem 3a de São Domingos de Gusmão; Análises histórico-artística, iconográfica e iconológica; Tratado litúrgico; Mensagem oculta. Introdução A Ordem Terceira dos Dominicanos baiana teve sua fundação em 30 de Outubro de 1723, com sede, inicialmente no Mosteiro de São Bento e posteriormente transferiu-se para a Igreja de Nossa Senhora da Palma onde ordenavam os Agostinhos Descalços. Segundo o Livro I de

1005 Este texto, apesar

de inédito, faz parte de um estudo mais completo acerca das obras pictóricas e suas interpretações iconográficas, iconológicas e geométricas em andamento. Página | 532

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Acórdãos [f.24-26v], os Terceiros Dominicanos compraram, no Terreiro do Colégio [de Jesus], algumas casas, demolindo-as e lançando no espaço a pedra fundamental do edifício iniciando a construção em 18 de Dezembro de 1731, tendo a frente o Mestre Pedreiro João Antunes dos Reis. Desejando aumentar o tamanho, tentou diálogo com os Terceiros Franciscanos sobre casas que situavam ao fundo da igreja, onde hoje é a atual Sacristia e casa do noviciado. Sem sucesso, recorrem por súplica a Rainha [1780] que lhes atenderam solicitando que os Franciscanos colocassem preço nas ditas moradas. Em 19 de Dezembro de 1781 a referida compra já estava quitada pelos Dominicanos. Em 1758 já é registrado como templo suntuoso, tendo suas paredes recobertas de talha dourada. A riqueza da Ordem reverberava nas procissões, e a do Triunfo Eucarístico era a “das mais aparatosas realizadas na Bahia” setecentista. A reforma da igreja ocorre tardiamente em relação às demais Terceiras da cidade, se iniciando em 1872 e estendendo-se até 1887, quando se da de fato sua conclusão. Muitas questões envolvem a reforma que se arrastou pelos oitocentos, inicialmente porque vai modificar toda a concepção decorativa barroca, deixando, apenas, as pinturas dos forros da nave, Sacristia e algumas telas. A composição e cenografia dessas obras não foram modificadas, porém a paleta colorística e técnica pictórica sim. O restauro iniciado em 2014 vem trazer a luz essa cenografia primeva, respeitando os códigos éticos de restauro no salvo conduto do patrimônio, do significado, da sacralidade e, sobretudo, do manter viva a misericórdia salvífica de Cristo a partir dos seus eleitos, neste caso, São Domingos de Gusmão e São Francisco de Assis. As principais obras então objeto deste estudo são, tradicionalmente, atribuídas a José Joaquim da Rocha e sua Escola de artífices1006. Estão presentes na Sacristia, forro da nave, Consistório/Salão Nobre/Sala dos Irmãos e corredor superior. Pela importância desta igreja, se ela possuía um programa iconográfico como os demais presentes na cidade, possivelmente na Capela Mor e Nártex também tiveram pintura em seus forros. A Capela Mor atualmente possui uma decoração Neoclássica e o Nártex tem pintura assinada por José Antônio da Cunha Couto [restaurada no XIX e em andamento na atual]. O teto da nave possui pintura ilusionista barroca, do fim do século XVIII.

José Antônio da Cunha Couto foi um artista que também muito produziu para esta igreja, mas se trata de uma produção oitocentista e iniciada com a grande reforma. 1006

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O programa iconográfico da igreja setecentista O programa iconográfico da igreja a partir dos seiscentos tem como principal orago o seu santo fundador e procuram transpor para esta decoração as características particulares de cada um [mistérios, atributos, visões, êxtases] com intuito de se aproximar dos fieis e, ainda, proclamar a visão do cristianismo1007. O programa decorativo da Ordem Terceira Dominicana da Bahia é composto por pinturas no baixo coro, nave (paredes e teto), Capela Mor (paredes), Sacristia (paredes e teto), corredor das tribunas lado esquerdo e Salão Nobre, todas com cenas narrativas representando personagens bíblicos e, sobretudo, a vida do orago da Ordem, São Domingos (1170-1221). Ao adentrarmos a igreja, logo abaixo do coro, no forro, há uma pintura em tipologia medalhão de datação oitocentista elabora por José Antônio da Cunha Couto (1832-1894). Aventam-se duas possibilidades sobre esta composição: que esse espaço não possuía pintura até o século XIX1008, sendo esta então executada (depois retocada e atualmente sendo restaurada); ou a de ter havido uma pintura setecentista que sofreu em demasia com as águas escorridas da parte frontal do forro da nave (acima do coro) e consequentemente ter se perdido, daí a contratação de Couto para uma nova pintura1009. Se for considerado que a primeira pintura deste espaço é a do século XIX, ela se afasta, por completo, em visão de conjunto das demais presentes na igreja, sobretudo da existente no forro da nave, quando geralmente elas comungam entre si. É uma situação a ser estudada, pois a cena retratada foge das demais, que decora toda a igreja, que possui características estritamente religiosas, com personificações bíblicas. E neste contexto, por ela estar distante do programa iconográfico do século XVIII, sua leitura será resguardada a posteriori. Passando à Sacristia, vê-se um teto, também em medalhão, com cenografia central emoldurada por falsa cercadura Barroco-Rococó, com tons ocre e dourado [Fig. 01]. Indica-se ter havido intervenções oitocentistas em todo o teto, principalmente no entorno azulado, em que há pintura imitando fita vermelha com laços, próxima a sanca real, bem como no falso emolduramento. O restauro recente revelou que esta sanca, que possui 3 partes e estavam cobertas

MÂLE, Émile. El arte religioso de la Contrarreforma. Estudios sobre la iconografía del final del siglo XVI y de los siglos XVII e XVIII. Trad. Ana Maria Guasch. Madrid: Ediciones Encuentro, 2001, p. 411. 1008 A pintura oitocentista estava presente no conjunto de obras aprovadas no contrato de reformas datado de 12/12/1875, no entanto parece ter sido feita em 1887, quando a Comissão da Ordem teria tratado com Cunha Couto sobre esta e ainda mais 4 quadros para o arco cruzeiro. Arquivo da Venerável Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão [A.V.O.T.S.D.G.] Atas 1869-1882, f. 43v e 99r. 1009 Documentos indicam que em 1875 a Irmandade já havia discutido sobre a fatura de uma pintura neste local, e que o nome de Cunha Couto deveria ser consultado para executá-la. A atual restauração [2016] identificou intervenção sobre a mesma e tem feito limpeza, consolidação da camada pictórica e preenchimento de perdas. 1007

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com tinta única, densa e uniforme, possui pintura imitando pedra e presença de prata nos filetes que as separam, com possível datação do século XVIII.

Figura 1 – Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Forro da Sacristia, XVIII. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Distribuídas ao longo da falsa fita há 8 cartelas figurando personagens femininos e masculinos, ligados à Ordem1010. A historiografia até o presente momento simplificou o significado e leitura deste medalhão, porém os estudos mais avançados elaborados por esta pesquisadora indica uma nova leitura, como pode ser lida adiante. Ainda nas paredes deste ambiente, ao alto, há 4 grandes telas emolduradas em talha barroca dourada, representando cenas relativas a passagem da vida de São Domingos e aos milagres aplicados por ele. Também nestas paredes, na parte inferior e ao longo de toda a sala, foi redescoberta pela mesma restauração, pintura parietal representando uma balaustrada imitando marmóreo, tendo sobre as colunatas a representação de pináculos. As 4 grandes telas desta sala figuram: O Sonho do Papa Inocêncio III, A Batalha contra os Albigenses – queima dos livros, O Milagre da ressurreição do jovem Napoleão Orsini e A Multiplicação dos pães [Fig. 02 a 05]. Todas possuem mesma composição plástica, estética e espaço-geométrica. A paleta é igual, bem como o tratamento artístico dado às figuras humanas, as celestiais, aos panejamentos e ao ambiente, seja ele externo ou interno, paisagístico ou arquitetônico. A atenção dada, a seguir, para cada painel é em decorrência da importante relação existente entre eles e o forro da nave, foco deste texto. A tela do Sonho [Fig. 02], sendo estudada mais profundamente em sua temática, curiosamente representa a revogação da decisão do Papa Inocêncio III sobre a negativa, por diversas vezes, a São Domingos quanto à aprovação da Regra da sua Ordem, mesmo esta já formada. Algumas iconografias trazem, inclusive, São Domingos recebendo tais Regras das mãos Pelo limite deste texto estes personagens não serão interpretados em suas identificações e funções. Em texto mais completo publicado a posteriori poderão ser vistos. 1010

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dos Apóstolos Pedro e Paulo, como se representasse a aceitação da parte celestial, faltando assim, a lei dos homens. Foi quando o referido Papa teve uma visão, semelhante a que o fez aprovar a Ordem Franciscana (1209), culminando no consentimento para fundação da Ordem Dominicana com expedição da Bula, desde que São Domingos tomasse como referência uma (Ordem) já aprovada. Sua escolha foi pela Regra de Santo Agostinho, acrescentando-lhe ainda o silêncio, o jejum e a pobreza. O Sonho do Papa Inocêncio III revela exatamente a sua igreja caindo sendo sustentada por São Domingos, ou ainda, que a Ordem dominicana seria um dos pilares da Igreja. Na pintura estão representadas as figurações os dois Santos [Domingos e Francisco], exatamente os que, em visões separadas, foram presságios do Papa; àqueles que estariam predestinados a salvar a Igreja das heresias.

Figura 2 – O Sonho do Papa Inocêncio III, XVIII Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Figura 3 – A Batalha contra os Albigenses: queima dos livros, XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

A tela que retrata a queima de livros traz [Fig.03], na sua identidade, a história dos Cátaros, uma espécie de sociedade secreta da Idade Média francesa (Languedoc) que refutava as crenças do catolicismo e, sobretudo, a figura papal. Segundo os escritos, esta sociedade então considerada herege, certa noite, ao redor de uma fogueira, discutia acerca dos escritos de São Domingos. Lançaram ao Juízo Divino a defesa de quem estaria certo, atirando seus livros heréticos à fogueira, junto com os que continham os ensinamentos de São Domingos; a ideia era que um milagre revelasse o que estaria certo, o que possuísse a verdade. Por três vezes repetiram a ação e em todas elas o pergaminho dominicano saía do fogo intacto. Mateus (10:20) trata do ocorrido registrando que no momento do julgamento, não seriam eles que falariam, mas o Espírito do Pai. O milagre relacionado à vida de São Domingos identificado como A Batalha contra os Albigenses: queima dos livros, terminou convertendo grande número de cátaros, que voltaram à Igreja.

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A terceira tela que compõe a decoração deste espaço retrata o Milagre da ressurreição do jovem Napoleão Orsini [Fig.04]. A narrativa iconológica trata quem em 28 de fevereiro de 1218 São Domingos estava reunido com alguns Cardeais [Ugolino, Estevão de Fossanova e Nicolau] e a Abadessa de Santa Maria do Tibre com propósito de receber todos os direitos sobre o Convento de São Sisto (Itália). De repente entrou um homem assustado informando que o jovem Napoleão, sobrinho do Monsenhor Estevão, sofreu uma queda do cavalo e faleceu. Dirigindo-se ao local, vendo o corpo do rapaz mutilado e ferido, São Domingos pediu que o resguardassem em um quarto fechado enquanto preparasse a missa do óbito. Durante a celebração, no momento em que a hóstia era erguida, o Santo foi arrebatado e com ela também foi erguido do chão aos olhos de todos os presentes. Ao final, prostrou-se perto do corpo em oração e choro, tocando a face e o corpo do jovem, endireitando-o, três vezes. Ao final da terceira prostração, fez o sinal da cruz sobre o morto e com as mãos erguidas para o céu e novamente com o corpo arrebatado acima do chão, clamou em voz alta: "Jovem Napoleão, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, levanta-te!". E imediatamente ele levantou e ainda pediu o que comer e o que beber, diante de todos.

Figura 4 – Milagre da ressurreição do jovem Napoleão Orsini , XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Figura 5 - O Milagre da Multiplicação dos Pães, XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

A quarta e última tela retrata o milagre da Multiplicação dos pães [Fig.05]. Segundo a iconologia, o Convento Dominicano de São Sisto vivia de esmolas pedidas de porta em porta e um dia o Procurador avisou ao Santo que não havia o que comer além de três pães para alimentar a comunidade formada por 43 Irmãos. São Domingos pediu que repartisse o que havia na quantidade exata para cada Irmão e disponibilizasse no jantar, na hora habitual. Reunidos em volta da mesa e a frente de sua porção, fizeram a oração e sentaram-se. Sensibilizado com a situação, São Domingos continua em oração, quando de repente anjos adentram o recinto segurando cestos cheios deste alimento e os colocam sobre a mesa do Prior. Para reforçar as narrativas acerca da vida deste Santo retratada nas telas, ou mesmo inversamente, o forro possui uma cena em que São Domingos observa Cristo jorrar do seu peito Página | 537

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um jato de sangue que se dirige diretamente ao globo terrestre em que o Santo tem sob os pés. Ao lado direito do Cristo está sua mãe, com uma mão sobre o peito e a outra segurando o Rosário e direcionando-o a São Domingos, seu propagador, tendo também o jorro sanguíneo transpassando exatamente pela medalha que tem nele. Do lado esquerdo um anjo segurando a cruz, que representa simultaneamente a salvação pela morte em Cristo e a igreja em sua simbologia. São Domingos olha para o alto, em direção ao Cristo e está com os braços abertos, aceitando, mais uma vez, a doação do sangue do pai em auxílio para a salvação da vida humana. Resplandece o halo iluminado em volta de sua cabeça e no alto a estrela, um dos seus atributos. Aos seus pés e um pouco mais a frente, também estão outros dos seus atributos sob o globo terrestre: o ramo de açucena, o cão com tocha na boca sentado sobre um livro – as regras da Ordem. O livro, ainda fechado, pode representar que São Domingos ainda não havia conseguido propagar por toda a terra seus ensinamentos, crendo na doação do Pai, que neste momento entregava seu próprio sangue a humanidade. Ao lado direito de São Domingos está o anjo Gabriel segurando com a mão esquerda o cálice sagrado com a hóstia, com a mão direita uma espada com labareda na ponta, e calcando com o pé esquerdo a pré-figuração da heresia, sem vestes e cobrindo a face com o braço. Um livro fechado e outro aberto apoiado diagonalmente sobre ele [como se em posição de leitura], ao lado desta personificação induz, neste momento, a entender que o anjo está exorcizando-a ou repelindo-a, pois seu posicionamento remete a essa interpretação. Além disso, a heresia representava a indisciplina eclesiástica que culminava na queda da Igreja pelo Ocidente. Outros anjos representados em meio corpo ou só cabeça e asas compõem a cena. “São Domingos veio a ser uma luz extraordinária de caridade e de zelo apostólico, que dissipou grande parte das trevas das heresias e restabeleceu a verdade em milhares de corações vacilantes.”

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Esta pintura reforça iconograficamente a presente no forro da nave como se verá adiante. Na parte superior da igreja há duas grandes telas que também merecem atenção pela sua representatividade em relação ao entendimento do que retrata a cenografia do forro da nave. Uma está no corredor e a outra na Sala dos Irmãos ou Salão Nobre. Será explorada a leitura da do Salão Nobre por estar mais completa até o momento. A do São Nobre, até o presente momento foi interpretada pela historiografia como sendo Nossa Senhora do Rosário com rosas vermelhas no colo e Nossa Senhora do Rosário entregando o Rosário a São Domingos [Fig.06]. No entanto, o Santo já o possui, e na referida pintura claramente mostra ele entregando-o a uma jovem, ou seja, o Rosário sendo perpetuado para além das figuras sacras, para o povo; a missão a que este se destina sendo cumprida. Esse tem ao final uma cruz coroada.

SÃO DOMINGOS DE GUSMÃO. Captado em: http://www.franciscanos.org.br/?p=59434. Acesso em Maio/2016. 1011

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Do lado direito da cena ainda podemos ver outra jovem, sentada, já com o Rosário em mãos e olhando para ele. Um Rosário mais simplificado em relação ao que a jovem anterior recebeu, possivelmente pela avançada “entrega e conhecimento” desta jovem aos Mistérios, mas não menos importante. Tem por trás de si a Santa Dominicana Rosa de Lima como se estivesse a ensiná-la como utilizá-lo [oração].

Figura 6 – A propagação do Rosário pelos Pregadores Dominicano [São Domingos, Santa Catarina Sena e Santa Rosa de Lima], Nossa Senhora e Seu Filho [Menino Jesus], XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Um pouco mais atrás outra Santa, a Catarina de Sena (1347-1380), jovem analfabeta italiana proclamada, pela sua doutrina espiritual, “Doutora da Igreja”. Ela recebe das mãos do Menino Jesus também um Rosário, mas a cruz sacerdotal que tem na extremidade tem relação direta a uma de suas visões enquanto criança quando Jesus lhe apareceu, revestido de paramentos sacerdotais, e a abençoou traçando no ar três cruzes em sua direção. Nossa Senhora está sentada em um trono, mais alta que todos os personagens, segurando com a mão esquerda um livro aberto, e com a direita o braço do Menino, que está de pé sobre uma banqueta almofadada. Um tecido branco circula o corpo do Menino apenas tapando a genitália. Ele olha para Santa Rosa de Lima, jovem leiga do Peru, primeira santa canonizada do novo Mundo. Na cena ainda há dois anjos mais crescidos que seguram cestas com rosas e Rosários, um em voo e o outro de pé olhando para São Domingos. Toda ela é composicionada em escalonamento crescente, pela ordem hierárquica dos personagens, com pelo menos 5 níveis. No inferior estão as jovens representando o povo; depois a genealogia sacra menor com as Santas, sendo que Santa Catarina superior a Santa Rosa, como se pode observar no próprio contexto biográfico de ambas; no nível acima destas está São Domingos; e acima dele a Nossa Senhora. O Menino Jesus não está assentado em nenhum dos degraus, mas sua localização o coloca acima do Santo, à frente de sua Mãe, e ainda no centro da composição. Duplas de querubins ainda compõem a representação do espaço celestial. A presença destas duas santas ocorre pela relação direta entre ambas e São Domingos, e também entre si. Santa Catarina desde criança apresentou dons místicos, já tendo sido abençoada Página | 539

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por Jesus em uma visão, e ainda jovem viu São Domingos aparecer-lhe em sonho com outros fundadores de Ordens religiosas diversas, que procuravam atraí-la para fazer parte de uma delas, sendo ele quem a “levou”. Segurando na mão um lírio branco e radiante, e o hábito das Irmãs Dominicanas da Penitência dobrado sobre o braço, disse-lhe: “não deves temer nenhum obstáculo, pois, segundo teu desejo, eu te asseguro que vestirás este hábito.”

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O voto da jovem trouxe

angústia a mãe que via a filha irredutível na escolha pela obediência a Deus e em castidade corporal, e porque não aceitar, ela adoeceu, projetando em seu corpo a dor espiritual. Após a comunhão em um Domingo de Ramos, Catarina foi arrebatada em êxtase, chegando a subir tão alto que recebeu estigmas através de “[...] cinco raios de sangue, dirigidos para minhas mãos, meus pés e meu coração [...]”

1013

como relatou. Convertida à Ordem, e ao lado de São Domingos, foi importante líder

espiritual em uma época de grandes conflitos de resgate cristão, exercendo inteligente persuasão em prol da Igreja dividida. Seus atributos estão relacionados à conversão dominicana [hábito dominicano], ao sofrimento e a morte de Jesus Cristo pela salvação da humanidade como seu ideal [crucificado], a representação das chagas de Jesus – pedido pessoal [estigmas], a disposição de suportar a dor em benefício ao outro [coroa de espinhos], ao casamento místico [anel], a devoção à Santíssima Virgem [ramo de açucena], ao título de escritora da Igreja - seus “Diálogos” [livro]. Há ainda outros que não estão presentes por não estarem relacionados à cena. Santa Rosa de Lima nasceu Isabel Flores de Oliva (1586-1617). Sua mãe viu seu rosto transformar em uma rosa em uma visão, e posteriormente a Virgem lhe aparecera para confirmar tal premonição, seu nome então foi mudado para Rosa de Santa Maria. Santa Catarina entra na vida de Santa Rosa por vontade desta, que a quis como protetora e seguidora. Aos 20 anos, recebeu o hábito dos terceiros dominicanos das próprias mãos de Santa Catarina, e em outro momento recebeu de Jesus o privilégio de fazê-la sua esposa. Há vários atributos que lhe acompanham, e estes dependem da cena em que esteja inserida. A presença de Jesus ainda menino nesta tela reforça a representação de Santa Rosa em alusão aos muitos encontros que teve com ele. A flor [rosa] está para esta santa com o significado de ser a mais perfeita e perfumada, tendo sido assim ela apresentada por São Domingos a Nossa Senhora, e essa a Deus1014. Neste contexto, e a partir das observações aqui exploradas, há uma pintura com temática diminuída em relação à sua extensa e profunda iconografia que merece uma identidade mais coerente: A propagação do Rosário pelos Pregadores Dominicanos [São Domingos, Santa Catarina Sena e Santa Rosa de Lima], Nossa Senhora e Seu Filho [Menino Jesus].

SESÉ, Bernard. Catarina de Sena: uma biografia. São Paulo: Paulinas, 2008. p.20. SESÉ, 2008. Catarina..., p.58-59. 1014 RÉAU, Louis. Iconografía del arte Cristiano. Iconografía de los santos. P-Z. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2000. p.153154; ROIG PBRO, Juan Ferrando. Iconografía de los Santos. Barcelona: Ediciones Omega, 1950. p.240-241. 1012 1013

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O estudo sobre a vida de São Domingos1015 e os religiosos ligados a ele, relatam claramente esses episódios, e o conjunto das telas citadas e a cenografia central presente no forro da Sacristia, cria um espaço narrativo completo sobre sua iconografia que vai, de certa forma, respaldar o que está presente no forro da nave1016. O forro da nave e a missão de dois santos Padrão peculiar das igrejas baianas, a pintura do forro da nave traz uma cena biográfica relacionada ao Santo orago da Ordem, porém, agora a partir de estudo mais completo, pode ser interpretada e identificada com um título diferente do que até o momento foi perpetuado pela historiografia [A chegada de São Domingos ao céu sendo recebido pela Nossa Senhora e São Francisco de Assis] [Fig.07].

Figura 7 – Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Forro da Nave, XVIII. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Há, na historiografia, um percurso de mistério, discussões e modificações relativas a esta pintura. A primeira delas envolve sua autoria, que apesar da Ordem ainda resguardar algumas documentações, ainda é vaga aos olhares dos que associam, ou não, fontes primárias, oralidade e estudos estético-científicos, e neste caso, a ação de restauradores e estudiosos sobre o assunto. Antes da atual reforma, iniciada em 2014, o primeiro discurso que trata que este forro tenha pertencido à paleta de um dos mais renomados pintores setecentista, o José Joaquim da Rocha, data de 19801017. Posterior a esta indicativa, em estudos ocorridos de 2006 a 2011 por esta autora, observou que para pertencer ao Mestre em questão, deveria ser algo que estaria por baixo da pintura que então se apresentava, visto que a paleta, as nuances e passagens de cores e sombras, o

VARAZZE, Jacopo de. Legenda Áurea: Vida de Santos. Trad. Hilário Franco Jr.. São Paulo: Companhia das Letras. p.614-631 1016 Ainda na Capela Mor há uma pequena parte de decoração azulejar com símbolos e frases que tratam sobre a biografia do Santo. A parte superior, em que havia cenas narrativas, se perdeu com a reforma ocorrida no século XIX. Se no teto desta capela também tivesse pintura, a mesma se perdeu com a respectiva reforma. 1017 OTT, Carlos. A escola Baiana de Pintura. Bahia: Editor Emanuel Araújo, 1980. 1015

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tratamento dado às figurações, a composição quadraturística, dentre outros detalhes, em nada se assemelhavam às produções pertencentes a ele, e então registradas por documentos1018. Continuando as pesquisas em nível Doutorado, teve-se a oportunidade de aprofundar em maiores detalhes esta pintura1019, que iniciava um processo de restauração após cerca de mais de um século da anterior. A partir de então, observou-se que a emblemática que a envolve, não é apenas relacionada a esta autoria, mas também está nas sucessivas intervenções de repinturas e restauros inadequados ocorridos e, ainda, na identificação errônea da representação da cenografia central, possivelmente pela ausência de conhecimento ou estudo mais aprofundado acerca de mensagens simbólicas presentes na arte sacra. O breve levantamento a seguir oferece, cronologicamente, algumas indicativas e possivelmente o entendimento acerca de alguns desses fatos sendo fulcral para resgatar a possível identidade da pintura primeva: Datações

Ocorrência

XVIII1020 XIX 18251021 22/12/18721022 16/11/18771023

Pintura do forro da nave é executada. Bento José Rufino Capinan retoca a pintura do forro da nave. Pintura do forro da nave lavada com “agua raz”. Iniciada a grande reforma da igreja, cuja decisão foi tratada em Mesa em 06/08/1871. Pela decisão da Irmandade em restaurar a pintura do forro da nave, Francisco José Rufino de Sales candidatou-se mencionando vários trabalhos de restauro já executados em outras igrejas de Salvador. [O referido artista foi preterido para execução da obra]. Francisco José Rufino de Sales apresenta proposta da restauração: “(sic)[...] deverá ser muito bem lavada de modo que fique extraída toda a impuridade que em grande escala existe sobre esta pintura. Seguir-se-á a primeira camada de verniz para avivar as cores e poderem harmonizarem com as dos retoques ou restaurações, procedendo porém o betimado das juntas das taboas. Findo este trabalho será de novo envernizado todo o teto, não só para brilhar as cores como para a duração da pintura. O verniz será do mais fino e branco, próprio de painéis. O retoque ou restauração do teto será feito com tintas finas em tubos, francesas ou americanas com óleo fino de nozes [...].” Ao serem vistoriadas as obras de restauro da igreja, Francisco José Rufino de Sales narra que “julga poder terminá-la em breve”. O referido artista também estava responsável pelo engessamento da talha e douramento do teto da capela-mor. Há um desacordo entre a Irmandade e o artista Rufino Sales em relação à obra do teto da capela-mor. Nesta mesma data se cogita a entrada de 2 artistas na referida obra, Miguel Navarro y Cañyzares e José Antônio da Cunha Couto. (Supõem-se, que neste momento, Rufino é afastado.)

18781024

02/05/18801025 01/08/18801026

VICENTE, Mônica Farias Menezes. A pintura de Falsa Arquitetura em Salvador: José Joaquim da Rocha 1750-1850. 1024 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Salvador, Bahia, 2011, p. 755-756; VICENTE. Mônica Farias Menezes. António Simões Ribeiro, José Joaquim da Rocha e a Escola de pintura quadraturística na Bahia: autoria e atribuições. In.: OLIVEIRA, Aurélio de; PEIXOTO, José C.; GONÇALVES, Eduardo; PEREIRA, Varico (orgs.). O Barroco em Portugal e no Brasil. Braga. Braga, Portugal: Confraria do Bom Jesus do Monte, 2012, p.393-409; VICENTE. Mônica Farias Menezes. Tesouros no alto: o patrimônio artístico, científico e iconográfico nas pinturas de teto da Bahia. In.: SANT’ANNA, Sabrina Mara; CAMPOS, Adalgisa Arantes; FREIRE, Luiz Alberto R. (orgs.). Cultura artística e conservação de acervos coloniais. Belo Horizonte: CLIO/UFRB, 2015, p.163-181; 310-313. 1019 Neste momento fui convidada inicialmente a emitir um parecer sobre a respectiva obra, e a partir daí a fazer parte da equipe multidisciplinar para acompanhar historiograficamente todo o processo. 1020 A.V.O.T.S.D.G. Livro I de Acórdãos da Irmandade. 1021 A.V.O.T.S.D.G. Relatórios. 1825. 1022 A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882. f.49r 1023 A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882. 1024 A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882. 1025 A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882. f.149r. 1026 A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882, f.159r. 1018

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I Congresso do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Imagem NINFA/UFMG O Borboletear do Método Belo Horizonte, 12 a 15 de Abril de 2016 18821027 18881028 XIX1029

idem1030 19501031 19801032 20111033

20141034 06/2014

A Irmandade decide por outro pintor a continuar a restauração da pintura da nave e tem predileção por José Antônio da Cunha Couto, ao invés do espanhol e fundador da Escola de Belas Artes, Miguel Navarro y Cañyzares. Conclusão da restauração por José Antônio da Cunha Couto. [...] [José Joaquim da Rocha]. Homem culto e de/ lettras, foi Rocha igualmente um artista de merecimento, / que á posteridade recommendou-se; [...] quanto pelos seus importantes trabalhos, ain=/da em grande parte existentes, como gloriosos padrões de / sua memoria distincta: / - Na magnifica cúpula da igreja matriz / de Na. Sra. da Conceição da Praia. /[...] Na igreja da ordem 3ª / de São Domingos, com paineis na Sacristia. Depois retoca- / da a cupula. [...] Bento José Rufino Capinan retocou o teto da igreja da Ordem 3ª de S. Domingos “original do mestre capital José Joaquim da Rocha”. A folha 132, situada no Livro I de Acórdãos da Irmandade, cujo teor era o contrato de execução da referida pintura em que apareceria a autoria da obra está desaparecida. Afirmativa que a pintura do forro da nave pertence ao Mestre José Joaquim da Rocha, tendo sido pintado “por volta de 1781”. Historiadora questiona autoria proposta por Ott, pois a pintura que se apresenta[va] foge por completo dos padrões estéticas, cromáticos, compositivos e geométricos do autor, além da ausência de comprovação documental. “Se a pintura da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador pertence, de fato, ao José Joaquim da Rocha, teria que ser algo que estava oculto, velado, ou por baixo do que se representava hoje, pois em nada a que estava ali se parecia com a gramática figurativa e paleta artística do pintor”. Diagnóstico: Houve intervenções e repinturas completas no forro da nave. Foram várias intervenções, onde algumas estão documentadas e outras não. Segundo o restaurador responsável as não documentadas foram feitas em tempos mais modernos. Inicia-se a restauração artístico-decorativa mais completa que esta igreja tenha merecido em tempos mais modernos, envolvendo equipe multidisciplinar e acompanhamento historiográfico para as pinturas, dos forros e painéis, então indicadas terem saído do pincel de José Joaquim da Rocha e, sobretudo a de referência ilusionista [nave].

Em relação às intervenções ocorridas na pintura deste forro, buscou-se entender quem as fez, com intuito de tentar traçar um relato substancial do que de fato ocorrera e em que situação, visto que a quantidade de modificações constatadas, em níveis técnico e plástico, de certa forma auxiliava na construção de uma possível cronologia no que se refere a estas ações. Deste modo, entender quem eram Bento Capinan, Rufino de Sales e Cunha Couto, além de resgatar os estudos já existentes do Mestre Rocha, foram essenciais para fundamentar o que ocorreu com esta obra. Sobre José Joaquim da Rocha (1737-1807) cabe dizer que a solidez de seu conhecimento sobre projeção de falsas arquiteturas assim como figurações, parecem ser substancialmente profundas em mesma proporção aos conhecimentos acerca de técnicas artísticas e iconografia sacra. Embora pouco acanhado na parte figurativa se correlacionado aos pintores europeus, vê-se claramente que o uso de cores, sobretudo em suas passagens tonais e esfumato, não o tira de uma formação europeia consagrando, para posteridade, sua aprendizagem mestra. No que consiste a parte da A.V.O.T.S.D.G. Atas 1868-1910. A.V.O.T.S.D.G. Relatórios. 1888. 1029 BNRJ/CCU. Secção de Manuscritos. Historia da Pintura na Bahia de Todos os Santos: Noções sobre a Procedência d´arte de Pintura na Província da Bahia. s/a, s/d, 8 folhas figuradas [16 páginas]. (Cota II 33, 34,10). f.1. 1030 _______, Noções..., f.18. 1031 ALVES, Marieta. Ordem 3ª de São Domingos. Pequeno Guia das Igrejas da Bahia, vol. 6. Prefeitura Municipal de Salvador, 1950. 1032 OTT, A escola Baiana de Pintura. p. 71. 1033 VICENTE, 2011. A pintura de Falsa Arquitetura..., p. 755-756. 1034 MAIA, Júlio César Garrido. Relatório de Restauro da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. MEHLEN Construções Ltda. 2014. 1027 1028

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estrutura geométrico-matemática, ou seja, a projeção das Falsas Arquiteturas, os anos de estudos que a ele se tem dedicado permitem indicar duas situações: a primeira que de fato tenha conhecimento profundo sobre o assunto, tendo, como apontado desde 20061035, que sua formação foi alcançada com contatos com Escola europeia, com imigrantes, com os Jesuítas do Colégio da Bahia, com os Engenheiros Militares também fixados em Salvador, e pela constante e intensa troca de referências bibliográficas e iconográficas ocorridas no período. A segunda de que desde 1769, quando aparece concorrendo na que possivelmente seria sua primeira obra de Falsas Arquiteturas1036, poderia estar vinculado ou em parceria com um artista com profundo conhecimento de tal técnica, operando assim em conjunto com este, sendo Rocha o figurista e o tal artista o Quadraturista. Qualquer que tenha sido a situação, José Joaquim da Rocha instituiu e constituiu, na Bahia, um currículo artístico de significativa relevância, e, ainda, uma Escola de discípulos que avançou por séculos posteriores sendo, mais ousadamente, também, [co]responsável pela cadeia de formação que culminou na atual Escola de Belas Artes1037. A Bahia é a região brasileira com maior número de pinturas de Falsas Arquiteturas com padrões reverberados de exemplos italianos e portugueses, mesmo que instituindo uma gramática local. Destas pinturas, uma é documentada indicando sua autoria, e outras tantas que, sem documentos para validar a fatura, são objetos do atual estudo desta autora por apresentarem uma assinatura estético-artística deste Mestre. A Bento José Rufino Capinam (1791-1874) duas indicativas são importantes para vincular ao que tenha elaborado na pintura deste forro: primeiro quando se indica que “(sic)[...] seu desenho decisivo e correcto [...], nos bosquejos cenographicos, em que se mostra conhecedor da perspectivas -linear e aérea- patenteam-se sempre com expressão e effeito. [...]”1038; e segundo quando é apontado como “expressivo [...], e hábil cenógrafo [...]”, sendo “conhecedor da perspectiva linear [...]”1039.

Refere-se à profunda pesquisa que esta autora tem dedicado ao artista desde 2006, com Dissertação de Mestrado defendida em 2011 e em continuidade no Doutorado a partir de 2015. 1036 Refere-se aqui a concorrência que este artista participa pleiteando a decoração de vários espaços da igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória, principalmente “com pintura em Perspectiva”. Rocha não foi o escolhido, mas o fato de se apresentar como Mestre e para uma obra grande, em importância de tamanho, como indicava a Mesa da Irmandade, o insere em um grupo específico de artistas com conhecimento para a tipologia pictórico-decorativa que se desejava, então avançada na Europa. Sobre este contrato ver Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora da Saúde e Glória [AINSSG] Lv. de Resoluções 1767-1888, fos.12r-15v e em leitura mais completa e atual VICENTE, 2011. A pintura de Falsa Arquitetura..., 2011, p. 575-585; 968-969. 1037 Ver a cadeia de formação que atinge a Escola em VICENTE, 2011 A pintura de Falsa Arquitetura..., p. 269-270 e 942. 1038 BNRJ/CCU. Noções..., f.18. 1039 QUERINO, Manuel Raymundo. Artistas Bahianos – indicações biographicas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, p.71. QUERINO, Manuel Raymundo. Artistas Bahianos – indicações biographicas (2ª edição melhorada e cuidadosamente revista). Bahia: Officinas da Empreza A Bahia, 1911, p.72-73. 1035

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Esse pintor está situado na 4ª geração de artistas que receberam ensinamentos de Falsas Arquiteturas em Salvador1040, incluindo cenografia e perspectiva, mas não atuaram como Quadraturistas na cidade, ou seja, sabiam manipular as projeções, mas não executaram uma obra autoral1041. Em relação às pinturas de grande porte, aparecem como restauradores. Isso faz com que se levante a hipótese de que, em momento que o forro da nave da Ordem Terceira de São Domingos tenha necessitado intervenção, os Dominicanos sabiam a quem tinham recorrido, visto que interceder em uma pintura nesta tipologia necessitava conhecimento profundo. Outra situação que se insere é que, não havendo referências que indiquem ter havido, antes do início do século XIX, interferência de restauro neste teto, a ação de Bento Capinam tenha sido, a priori, de preenchimento das falhas entre as tábuas. Isso porque, observando e estudando o madeiramento e as intervenções, a atual restauração indica ter sido o preenchimento, possivelmente a primeira delas. Segundo Júlio Maia, a madeira utilizada no forro ainda era verde e ao secar, por ação natural do tempo e ações climáticas sobre ele, encolheu em sua largura. Ao preencher tais espaços com lâminas de madeira, que atualmente denomina-se “bacalhau”, houve a necessidade de retocar esses espaços unificando a pintura. O fato de, possivelmente, não garantir a mesma tonalidade e uniformidade, as demais áreas também receberam uma policromia mais leve. A ação de Francisco José Rufino de Sales (1825-1836) nesta igreja, e neste forro, surge, como indicado na cronologia, quase meio século após a de Bento Capinam. Em estudo breve sobre sua biografia, constata-se que foi discípulo de Capinam e que foi considerado “[...] habilitado retratista e prático [...]”1042. Era um nome com currículo artístico na área de restauro em diversas igrejas, como ele mesmo se apresentou ao pleitear a obra. Duas condições podem ter favorecido a escolha da Irmandade por este pintor: o fato de ter sido discípulo de Capinam e a comprovação de atuação em outras igrejas. Qualquer que tenha sido a condição é sabido que na época havia critérios rígidos acerca de materiais, qualidade e cumprimento na decoração sacra, e ele não fugiria a esta regra. No entanto, a dissolução do contrato com este artista parte de um problema de uso “inadequado” de material na capela-mor1043, e pelo que reflete também os documentos, prazo de entrega da reforma decorativa. Porém os fólios não fazem qualquer referência de como tenha deixado a intervenção no forro da nave.

Ver Geração de artistas que estavam vinculados ou receberam ensinamentos de Falsas Arquiteturas em Salvador em VICENTE, 2011. A pintura de Falsa Arquitetura..., p.264. 1041 Bento Capinam foi discípulo de um dos principais alunos de José Joaquim da Rocha, o Antônio Joaquim Franco Velasco (1780-1833) que é indicado como único continuador da escola do Mestre. VICENTE, 2011 A pintura de Falsa Arquitetura..., p.270; 285 e 942. 1042 BNRJ/CCU, Noções..., f.9. 1043 Em 01 de agosto de 1880, houve uma vistoria pela Comissão de Obras no douramento da capela-mor, detectando imperfeição relacionado a uso inadequado do material. Rufino Sales haveria usado pão de prata ao invés de ouro como acordado no Compromisso. A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882, f.159r. 1040

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O pleito da entrada de José Antônio da Cunha Couto (1823/32/371044 – 1894) para atuar no forro da igreja ocorre em 1880, após o desacordo com Rufino Sales. Parece, no entanto, que este artista já estaria trabalhando para a Ordem na execução de painéis, pois os documentos relatam seu nome desde 1875 avançando até, para a mesma indicativa, 18871045. Cunha Couto já apresenta em suas produções uma estética bastante peculiar ao século XIX, e o que se percebe é que no momento em que atua, de fato, na referida pintura da nave, evoca todas as características da época. Para a historiografia, este pintor era “[...] retratista e prático” 1046 e “[...] bem feliz no colorido e na fisionomia [...]” 1047, ao mesmo tempo encontra-se acusações de ser considerado “plagiador [...] mudando, muitas vezes a sua forma e a pintura, atendendo ao gosto e modismo de época” 1048. O que é certo é que ele foi o pintor mais requisitado para pintar e efetuar obras nas igrejas na segunda metade dos oitocentos. Como referido, não é sabido em que ponto Rufino havia deixado o forro da nave, mas o que se encontra em 2014 é 100% de repintura com ocultamento de muitos detalhes, elementos decorativos, retraço do desenho da falsa arquitetura, descaracterização de figurações e elementos simbólicos e, velação por completo da paleta original e seu esfumato. Tudo isso sobreposto por sucessivas intervenções. Parece que, após a primeira, o que houve foi superposição de novas camadas de tinta, não havendo um restauro no modelo clássico de resgate da pintura original. Sobre este aspecto, duas condições podem ser sinalizadas: a de que a estética barroca deveria ser minimizada frente ao novo gosto em vigor [Neoclássico] ou, o fato de haver menos tempo para conclusão da obra, detalhes que exigiriam maior acuidade foram descartados e ocultos com camada pictórica densa e uniforme por cima. Considerando a segunda condição, os arquivos revelam que os Dominicanos eram os únicos que ainda não tinham seu templo reformado em avançado século XIX. As demais Ordens Terceiras presentes na cidade (Franciscana, Carmelita, Boqueirão e Santíssima Trindade) já abriam suas portas revelando as readaptações ao movimento reformista oitocentista. No entanto, Mayer1049 afirma que o fato de as igrejas do período colonial terem sofrido reformas ao longo dos anos, que consistiam, muitas vezes, na substituição de apenas parte da decoração interior, fez com que muitas dessas igrejas resultassem com um interior totalmente eclético, apresentando-se com dois ou três estilos ao mesmo tempo. A historiografia apresenta esta variação no ano de nascimento deste pintor. As Atas apontam que em 22/08/1875 foi destinado uma quantia para pagamento de 4 quadros a serem colocados no arco-cruzeiro. Em 12/12 do mesmo ano é aprovado, dentre outras obras, o forro do côro com quadro e em 9/10/1887 uma Comissão é nomeada para tratar com Cunha Couto sobre todas estas obras (arco-cruzeiro e côro). É historiado que o artista executou 9 painéis para a Ordem. A.V.O.T.S.D.G. Atas 1869-1882. f.95r; 99r; Atas 1882-1896. f.43v; Atas 1869-1882. f.159r; Relatório do Prior ,1888. 1046 BNRJ/CCU. Noções..., f.9. 1047 QUERINO, 1909. Artistas Bahianos..., p.63. QUERINO, 1911. Artistas Bahianos..., p.84. 1048 _______,1911 Artistas Bahianos..., p.84-86. 1049 VILMAR, Francisco Mayer. Aspectos Gerais da Arquitetura Religiosa Colonial Baiana. Arquitexto 3-4, 2003, p. 144153 [7]. 1044 1045

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O autor ainda afirma que de um modo geral essas reformas não atingiam a estrutura, a planta, que continuava com nave única com corredores laterais sobrepostos por tribunas. Diante desse levantamento, observa-se que a longa obra de restauração nesta igreja, e, sobretudo o que ocorreu com este forro, objeto deste texto, seguia a intenção de um embelezamento do que representaria a principal obra de pintura da Ordem propagadora dos arautos da fé e missão Dominicana. Vê-se claramente que apesar da decoração retabular e outros elementos decorativos terem sofrido como o novo gosto estético do XIX, ela se mantinha intacta na sua composição geométrica, temática e iconográfica, sendo apenas retaliada na sua camada pictórica, ocasionando assim, furtos e incoerências em alguns elementos decorativos e gráficos. Neste contexto, a leitura que será feita agora, tratar-se-á do que representa a cenografia deste forro, então motivo máximo da missão desta Ordem, e embora sofrido tantas intervenções de restauro incoerentes, não deixou que a mensagem litúrgica presente destruísse o verdadeiro mistério que ela guarda. São Domingos de Gusmão (1170-1216) foi canonizado em 1234, 10 anos após sua morte. Não foi considerado um santo popular, mas muitas igrejas e monastérios difundiram sua iconografia em todo mundo cristão. Foi considerado o criador da Oração do Rosário, que lhe foi ensinado pela própria Virgem. Iconograficamente veste hábito bicolor branco com manto preto, cores que representam a pureza e a austeridade, e tem farto cabelo, podendo, ainda, aparecer com ou sem barba. Possui como atributos um livro fechado ou aberto em uma das mãos; um ramo de açucena, representando castidade e sua veneração à Virgem Imaculada; um Rosário recebido pelas mãos da Virgem; uma estrela vermelha sobre a cabeça; e um cão manchado sentado a seus pés que traz preso à mandíbula uma tocha acesa. Esse animal é denominado Cão do Senhor (Dominis canis), aquele que foi encarregado de latir contra os demônios que rondam as almas [Predicador]1050. Feita apresentação deste orago, que em importante entendimento será auxílio para a etapa que se segue, realizar-se-á a análise iconográfica e a interpretação da mensagem subjacente à pintura. Lembremos aqui que as demais pinturas já tratadas neste texto reforçam esta cenografia da nave e a composição presente nela é carregada de vários símbolos, que serão sintetizados em seus entendimentos, pelas complexas leituras que podem sugerir, sendo tratados neste momento os aspetos mais relevantes que auxiliam na compreensão da mensagem que ele esconde.

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RÉAU, Louis. Iconografía del arte Cristiano. Iconografía de los santos. A-F. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2000. p.43. Página | 547

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Parte II - Análise iconográfica Uma vez já referido sobre as pinturas presentes na Sacristia e Salão Nobre, e como elas reforçam iconologicamente a do forro da nave, tratar-se-á desta a partir daqui. A pintura situada na nave possui tipologia conhecida como Falsa Arquitetura e é formada por uma composição complexa, impregnada de vários símbolos. Toda a gramática quadraturística é elaborada para que o olhar do observador seja direcionado para a cenografia central. Nesta cena, a presença do Santo da Ordem [Domingos] faz com que a interpretação de sua identificação recaísse, exclusivamente, sobre o momento em que este estivesse ingressando ao reino celestial sendo recebido por seu companheiro de cristandade [São Francisco], a autoridade sacra máxima [Cristo] e sua mãe [Nossa Senhora]. No entanto, os estudos aprofundados sobre o programa iconográfico desta igreja e, para além disso, a missão a qual ela se destina, percebeu-se que há uma incoerência nesta interpretação. A análise a seguir cuidará de explicar, sendo esta já formatada após a recente restauração. Deve-se tomar como referência o observador diante da obra. A cena é celestial e emoldurada por uma balaustrada concheada formada por pináculos e com vasos de flores sobre cada vértice da concha, padronização comum às pinturas desta época e nesta tipologia. Está dividida em dois planos, no superior há a presença de Cristo, centralizado, altivo, semi-nú, com perizônio e manto vermelho envolvendo parte de suas pernas e costas. Nossa Senhora está ao seu lado esquerdo, e um anjo empunhando uma espada ao lado direito. Estão rodeados por anjos em várias hierarquias que sustentam as nuvens onde estão situados e se distribuem pelo céu, em pares ou individualmente. No inferior estão São Domingos e São Francisco com seus respectivos atributos – veste dominicana, estrela oa alto da cabeça, cachorro com tocha acesa na boca sobre livro aberto e ramo de açucena [SD]; veste franciscana com cordão de 3 nós, chagas nas mãos e caveira sobre livro aberto [SF] sobre outra nuvem, mas representando a parte terrena, pois há entre eles um globo circular azul. Cristo segura flechas com o braço esquerdo e com a mão direita, semi-fechada, aponta para baixo, Nossa Senhora tem o corpo levemente inclinado para frente, mão esquerda ao peito e mão direita para baixo como se a apresentar os dois santos, e estes ainda se posicionam como se recebendo a convocação Deles – olhando para o alto, de braços abertos [SF] e com mão no peito e em côncava para o globo [SD]. Esta parte superior reforça não se tratar do ingresso de São Domingos ao reino do céu, pois em nenhum momento ele se movimenta em ascenção ou se posiciona ao centro da cena como se estivesse indo para o alto. Cristo e Nossa Senhora também não se mostram em recepção, contrário a isso, a autoridade celestial parace estar em repreensão.

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Buscando relações para traduzir este tratado iconográfico, duas referências foram fulcrais para a nova leitura, a primeira uma tela situada no Convento de Mafra [Portugal] [Fig. 08] em que retrata exatamente a mesma cena, e a outra, a iconologia do próprio São Domingos que registra o seguinte sonho e passagem: estando em Roma para aprovar a regra da sua Ordem, em uma determinada noite teve uma visão de Cristo em pé no céu, irritado contra a humanidade, e se preparando para disparar flechas como castigo dos 3 vícios - Orgulho, Avareza e Luxúria. A Virgem então apareceu para dirimir a cólera do Filho, mostrando-lhe dois monges, São Domingos e São Francisco, que buscavam um mundo das virtudes opostas - Obediência, Pobreza e Castidade. No dia seguinte ao sonho, São Domingos, que nunca havia visto São Francisco, fazia suas orações em uma igreja, e vendo um homem com vestes de frei ajoelhado fazendo também suas orações, o reconheceu. Correu até ele, pediu que se levantasse, o abraçou e disse: “Sereis o meu companheiro, caminhemos juntos, amparemo-nos um ao outro e ninguém poderá prevalecer contra nós”. A partir de então tiveram um só coração e tentaram unir a duas Ordens Religiosas de carismas diferentes. Não sendo possível, cultivaram forte amizade e carinho um pelo outro e passaram a se considerar “primos” 1051.

Figura 8 – O Sonho de São Domingos, XVIII. Convento de Mafra - Portugal. Fonte: fotografia digital. A autora. 2013.

Outra menção de grande relevância é a indicação de São Domingos por Nossa Senhora para ser o defensor da igreja e, em paralelo, a propagação do Rosário, fato que reafirma a temática desta pintura através da cartela situada na malha quadraturística e a esquerda da pintura [Fig. 09]. Conforme consta na biografia do Santo estava ele na capela do convento das monjas do primeiro mosteiro da Ordem Dominicana [Albi] rezando pela redenção das almas quando Nossa Senhora segurando o Menino Jesus apareceu-lhe e entregou-lhe o Rosário pedindo que rezasse em honra dos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos de sua vida e dizendo: “como a saudação angélica foi PHD LACORDAIRE. Vida de São Domingos de Gusmão. Captado em: www.microbook.studio.com, Cap. VII, pág. 51; FRACHET, Gerard de. Lives of the Brothers (Vitae Fratrum), translated by Joseph Kenny. Captado em: www.josephkenny.joyeurs.com/vitaefratrum.htm Acesso em: 07.Jul.2016. 1051

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o princípio da redenção do mundo, é necessário também que essa saudação seja o princípio da conversão dos hereges; que assim, pregando o Rosário, você terá um sucesso maravilhoso em seus trabalhos e os mais empedernidos sectários se converterão aos milhares”. A partir deste momento São Domingos começou a pregar sobre o Rosário e converter milhares de hereges à fé católica.

Figura 9 – São Domingos recebendo o Rosário das mãos de Nossa Senhora, XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Figura 10 – São Domingos recebendo o hábito dos pregadores de Nossa Senhora, XVIII. Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão. Fonte: fotografia digital. A autora. 2015.

Outra cartela, também situada na malha, no lado direito e oposta em posição à citada acima, também reafirma a cenografia central deste forro, e retrata São Domingos recebendo o hábito dos pregadores de Nossa Senhora [Fig. 10]. São Domingos quando optara pela conversão tinha como anseio missionário levar a Palavra de Deus a “todas as nações”, ao mundo dos crentes de Jesus Cristo. Este detalhe da cena reforça essa missão e ainda a relação direta do Santo com a Mãe de Cristo, sendo então ele um dos eleitos para salvar a Igreja e fé. Apenas estas grandes cartelas reforçariam o plano desta cenografia, mas a sua complexidade e, talvez, a necessidade de reafirmar a vida e objetivo desta Ordem e o que seu Orago representa, ainda estão dispostas, ao longo da pintura e em posições cuidadosamente pensadas, outras cartelas emblemáticas: 8 em tons monocromáticos róseos figurando aves e crianças, e 2 em tons monocromáticos azuis também figurando crianças. Elas traduzem as Virtudes Cardeais (Justiça, Temperança, Prudência e Fortaleza) [Fig. 11 a 14], que orientam a conduta a partir da disciplina dos desejos; duas das Virtudes Teologais (Caridade/Amor Fraternal e Fé) [Fig. 15 e 16], que representam dons próprios da relação com Deus; duas que traduzem relações diretas com a iconologia de São Domingos [Dominis Canis] [Fig. 17] e os Mistérios da Salvação [Eucaristia] [Fig.18]1052; e quatro relacionadas a salvação e expiação cristã através das aves (Fênix, Pelicano e Pomba) [Fig. 19 a 22]. Indica-se a possibilidade que a referência iconográfica para uso como modelos desses Emblemas em que aparecem crianças [Emblematas] podem ter sido encontradas em Otto Van Veen na Amorum Emblemata [1608] e Raphael Custodis na Emblemata Amoris [1622]. 1052

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Fig. 11

Fig. 15

Fig. 17

Fig. 19

Fig. 22

Fig. 14

Fig. 13

Fig. 20 Fig. 21

Fig. 18 Fig. 12

Fig. 16

Síntese Iconológica Finalizada esta breve leitura iconográfica faz-se necessário pensar sobre o que de fato desejava os Irmãos desta Ordem ao contratar um artista e sua equipe para decorar o forro desta Página | 551

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nave e, ainda, levar a outros espaços da igreja a mesma intenção. A presença dos símbolos constituídos pela emblemática, a mensagem oculta que cada um traz, o significado correto da cena central, a importância de cada personagem presente, e, ainda, o reforço desta cenografia pelas outras obras presentes na igreja, faz pensar que mensagem, de fato, trata essa obra? Entender o programa iconográfico é complexo porque as pinturas não se isolam, pelo contrário, traçam o alicerce para entender qual a epístola do forro da nave. Situadas em lugares específicos, possuem objetivos próprios, mas não se desvinculam da obra principal. Parece que propositalmente se desejava constituir a lembrança para a qual a Ordem está ali. Indica pensar que no momento em que se abre para atuar em conjunto com outra Ordem Pregadora [Franciscanos], e sustenta isso em mais de uma composição pictórica, busca a união de todos (tela do Sonho do Papa) para travar a luta contra as heresias do espírito da Contra Reforma, situação claramente comprovada quando figurada no forro da Sacristia (anjo calcando a heresia). Atenta-se também que busca transmitir que é uma Ordem alicerçada nas virtudes, na fé eucarística e na salvação (cartelas emblemáticas), bem como na propagação da crença dos mistérios dolosos e gozosos de Maria e do papel a que foi dado ao santo missioneiro (cartelas laterais da Quadratura), em um momento que a Igreja desejava resgatar sua solidez (simbolizada pela impetuosa estrutura arquitetônica em falsas arquiteturas). Se analisarmos que a composição pretendesse apenas indicar que São Domingos estaria ingressando no reino celestial, as posturas e personagens presentes não se apresentariam como estão. Por que então o Cristo que deveria recebê-lo de braços abertos estaria com flechas nas mãos? E como justificar, por exemplo, a presença de emblemas significando a Temperança, a Fortaleza, a Justiça e a Prudência, cujos principais significados estão relacionados à conduta humana? E o que dizer da presença da cartela figurando o Dominis Canis na parte do forro à entrada da Capela Mor, termo latim de significado “cão do Senhor” em alusão de como a Ordem Dominicana dos Pregadores ficou conhecida por pregar a doutrina da Igreja contra os hereges, em oposição à da Eucaristia, situada acima da entrada da igreja, que representa o sacramento da transformação do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo? É fato que ao adentrar a igreja e olhar para o alto se está diante de um verdadeiro tratado teológico que traduz passagens da sua vida de São domingos que se conglomera em todas as pinturas presentes na igreja, e, ainda, certamente com o conjunto [inexistente] de azulejos setecentistas das paredes da Capela Mor. A mensagem continua quando no teto da Sacristia Cristo revela seu amor pela humanidade e mais uma vez a redimi dos seus pecados, “doando-lhe” seu sangue e oferecendo-lhe um dos seus mais fortes anjos para combater a heresia, espírito da Contra Reforma. Página | 552

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Em suma, é fulcral dirigir um novo olhar sobre a pintura do teto da igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão de Salvador, um olhar mais atento, com intuito de perceber a mensagem subjacente, visto que, como indicado, a nova leitura dedicada a esta obra manifesta interpretação mais densa e rica do que se pode perceber à primeira vista. A Igreja deseja afirma o seu caráter universal e força através de figurações que propagem sua mensagem, neste caso, os santos Domingos e Francisco. O mundo é vigiado por Cristo e tem a mediação da Virgem Maria e Santos para salvá-lo. Cristo revela piedade pela humanidade lhes dando a oportunidade de ser salva pela intercessão e obediência de “outras” pessoas. Francisco e Domingos são os intercessores dos homens perante Cristo e, também, salvadores, que através das suas virtudes recebem a chance de redimir o povo de Deus1053. Diante do exposto, a necessidade de redefinir a identificação desta pintura, então nomeada por historiadores e publicações como A chegada de São Domingos ao céu sendo recebido pela Nossa Senhora e São Francisco de Assis, inrompe outro olhar fundamentado na leitura apresentada e pela significativa presença de códigos que ela oferece. Nesse contexto, é assertivo nomeá-la por A Missão de uma Igreja Triunfante reportada às mãos de São Domingos e São Francisco.

MÂLE, Émile. El arte religioso de la Contrarreforma. Estudios sobre la iconografía del final del siglo XVI y de los siglos XVII e XVIII. Trad. Ana Maria Guasch. Madrid: Ediciones Encuentro, 2001, p. 437. 1053

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