Domicílios e famílias: evidências recentes. (final do séc. XX).

September 28, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Demografía, Brasil
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DOMICÍLIOS E FAMÍLIAS: EVIDÊNCIAS RECENTES



Iraci del Nero da Costa
Nelson Hideiki Nozoe



Nos últimos lustros, historiadores, demógrafos e economistas tiveram sua
atenção voltada ao estudo da estrutura das famílias e dos domicílios das
populações de nosso passado colonial.

Até então, vigorava a tese segundo a qual nossa história conhecera --
durante os séculos de domínio luso, o período monárquico e parte do
republicano -- a dominância da família extensa e do domicílio complexo.
Vale dizer, em um mesmo local de moradia congregavam-se várias gerações
vinculadas por laços de parentesco.

No cimo deste complexo familiar situava-se a figura respeitável do
patriarca e em sua base colocavam-se, como agregados, os parentes mais
pobres; a entremear os dois pólos, estavam as famílias de filhos, netos ou
colaterais daquele avoengo. Em termos singelos, esta hipótese assim pode
ser enunciada: ao estudarmos nossas populações pretéritas encontraremos,
necessária e universalmente, famílias com grande número de integrantes
aparentados e domicílios com numerosas famílias coabitantes.

Coube àqueles estudiosos revelar, com base na análise dos registros
paroquiais e das listas nominativas de habitantes -- verdadeiros
recenseamentos do passado --, o quão equivocada era aquela expectativa.
Destarte, nos dias correntes, está claramente delineada a imagem da família
e dos domicílios dos séculos XVIII, XIX e inícios do atual; a dominá-la,
encontram-se as famílias nucleares -- pais e respectivas proles -- a
habitarem em domicílios independentes, donde o predomínio maciço daqueles
com estrutura simples.

Como se apresenta este quadro atualmente? Quais mudanças estão ocorrendo?
Existem discrepâncias expressivas entre o meio rural e o urbano? Vigoram
diferenças inter-regionais dignas de nota? Estão muito afastados os pólos
representados pelo campo "tradicional" do Nordeste e pelas cidades
altamente industrializadas das regiões Sudeste e Sul do país? Para tais
questões oferecemos, no artigo vertente, respostas breves e sintéticas. (1)

A predominância numérica dos domicílios com estruturas simples fica
exemplarmente evidenciada na região Sudeste, na qual, para 1980, verificou-
se que eles correspondiam a 85,7% do total de domicílios. Aqueles com
estrutura complexa alcançavam, tão-somente, 13,7%, cabendo aos domicílios
com estrutura indeterminada os restantes 0,6%.

Dentre os domicílios com estrutura simples dominavam, amplamente, os que se
distinguem pela presença da família nuclear (pais e filhos solteiros), aos
quais coube o peso de 75,8% do número total de domicílios. Estudos
realizados para o Brasil como um todo chegaram a valores não muito
discrepantes dos aqui reportados. Note-se, ademais, que não se observaram
discrepâncias de monta entre os meios rural e urbano; assim, para 1976, os
domicílios de uma só pessoa somados aos que apresentavam famílias nucleares
alcançavam 88,2% no meio urbano e 90,4% no rural. Vê-se, pois, que em
nossos dias subsistem os padrões vigentes desde a época colonial.

No tocante ao número médio de pessoas por domicílio verificou-se, entre
1978 e 1985, sensível decréscimo, o qual, a nosso ver, expressa tendência
de há muito vigorante. Assim, no correr dos anos apontados, o número médio
de pessoas reduziu-se de 4,82 para 4,33 por unidade domiciliar.

Tal decremento verificou-se com maior intensidade no mono urbano -- cuja
média caiu de 4,61 para 4,16 -- do que no rural -- para o qual o mesmo
indicador passou de 5,30 para 4,86. Em termos da intensidade desta processo
cabe realçar duas situações extremas: a da área urbana do Norte, na qual se
observou o maior decremento relativo entre 1978 e 1985 -- 13,2% -- e a da
área rural do Nordeste, na qual o decréscimo alcançou apenas 6,6%.

Outra mudança quantitativa de monta deu-se com respeito ao número médio de
filhos por família, o qual declinou, no período assinalado, de 2,40 para
2,11, o que implica uma queda relativa de 12,1%. Tal tendência à queda é
universal, vale dizer: independe da situação rural ou citadina dos
domicílios, do sexo dos filhos, e verificou-se em todas as regiões. Não
obstante, a quebra revelou ritmos distintos conforme o corte efetuado;
assim, o meio citadino conheceu um decremento relativo ligeiramente
superior ao observado no campo (10,6 contra 10,3).

O corte em termos regionais revela decréscimos mais acentuados no Sul do
país, região na qual se deu um declínio de 18,3% no número médio de filhos
por família; já no Nordeste a queda foi de apenas 9,6%. Deve-se acrescentar
que essa heterogeneidade regional decorre, sobretudo, dos decrementos
havidos no meio rural, pois, nas cidades, eles pouco discreparam. Esse
comportamento parece refletir diferenças devidas aos distintos momentos nos
quais se deu o ingresso de cada área no processo denotador de declínio da
fecundidade, o qual encontra-se na base das alterações quantitativas aqui
referidas. Pode-se acrescentar, ainda, que na zona urbana das regiões mais
altamente industrializadas do País o aludido processo, iniciado há mais
tempo, já dá mostras de esgotamento, pois o número médio de filhos por
família parece tender, assíntoticamente, para um patamar inferior.

Assim, embora persistam diferenças inter-regionais e entre os meios rural e
urbano, pode-se esperar, em face da tendência genericamente observada, que,
em futuro não muito distante, ocorra uma aproximação entre as regiões e
entre aqueles meios, tanto no que tange ao número médio de filhos como no
que diz respeito ao número médio de pessoas por domicílio.

Acresce, ademais, que as divergências e mudanças verificadas não se prendem
a discrepâncias ou alterações estruturais, mas vinculam-se a diferenças e
tendências quantitativas no âmbito de um padrão estrutural comum. Como
salientado, os quadros distintos aqui delineadas exprimem momentos de um
processo que nos parece geral; trata-se, basicamente, da mudança de tamanho
das famílias e dos domicílios, os quais passaram, em instantes diferentes
do tempo, a reduzir-se. A informar tal processo encontra-se,
fundamentalmente, a queda da natalidade, a qual, por sua vez, pode ser
associada à modernização de comportamentos decorrentes da urbanização e do
crescimento econômico.

Cumpre notar, por fim, que tais mudanças não se fizeram acompanhar de
alterações na distribuição dos rendimentos pessoais e familiares, donde
poder-se concluir que a redução do número de componentes da família e dos
domicílios não resulta, inexoravelmente, no estreitamento das disparidades
econômicas.

Em face de tais evidências pode-se concluir que a análise de dados recentes
confirmou a tendência, já prenunciada em meados da década passada, de
convergência do tamanho médio das famílias e domicílios colocados nos meios
rural e urbano.

Tal aproximação não se deu com intensidade homogênea, nem teve início no
mesmo momento do tempo em todas as regiões; em vista disso, para alguns
casos o lapsos temporais de curta duração, pode mesmo ocorrer ligeiro
aumento na diferença entre o número médio de integrantes das famílias ou
domicílios. Tal fenômeno será devido, basicamente, aos diferenciados ritmos
na queda da taxa de fecundidade, a qual, não obstante ser generalizada, em
certas áreas já está a arrefecer.

Por outro lado, o exame dos dados concernentes ao período em foco indica
que tais movimentos ocorreram sem alteração da estrutura familiar ou
domiciliária. Assim, não se revelou qualquer tendência ao aumento da
participação dos domicílios complexos; tanto no campo como na cidade, os
domicílios de estrutura simples e, em particular, os domicílios que abrigam
apenas uma família nuclear continuaram a dominar maciça e absolutamente.

Em termos da remuneração pessoal, avaliada segundo a unidade "salário
mínimo", verificou-se um ligeiro aumento de nível, o qual, na cidade, viu-
se acompanhado de uma tênue melhoria no perfil distributivo da renda. Esta
última ocorrência, circunscrita ao meio citadino, opera no sentido de
alargar o afastamento relativo entre o campo e as cidades, comportamento
este mais nítido e intenso no Nordeste.

Os movimentos apontados acima ficam mais vincados quando se toma por base o
rendimento domiciliar.

A incapacidade de a composição e a estrutura dos domicílios anularem os
efeitos decorrentes da presença dos fatores estruturais desfavoráveis que
informam as desigualdades regionais e "pessoais" fica patenteada pelo fato
de as discrepâncias intra e inter-regionais verificadas no plano pessoal
acentuarem-se quando se trata com os domicílios.

O confronto entre os perfis de remuneração dos domicílios colocados nas
distintas regiões do País sugere uma correlação universal e direta --
principalmente para os domicílios cujo rendimento mensal não ultrapassa
cinco salários mínimos-- entre o número de integrantes dos domicílios e o
nível de remuneração domiciliar.

A presença da afinidade acima referida, conquanto ocorram notórias
discrepâncias inter e intra-regionais quanto ao nível de rendimento e de
padrão de vida, suscita a possibilidade de se observarem comportamentos
demográficos símiles no quadro de contextos econômicos profundamente
díspares.

A conclusão maior que advém é a de que a redução no número de integrantes
das famílias e dos domicílios pode resultar num aumento daquelas
desigualdades. Caso venha a se concretizar essa possibilidade, teremos
configurada uma situação na qual a propagação do processo de "transição
demográfica" não terá trazido consigo o arrefecimento das desigualdades de
ordem econômica.

Verdadeiras nossas postulações, resta-nos reconhecer que, na falta de
medidas de política econômica e assistencial contundentes, antolha-se-nos
um futuro não muito remoto no qual, apesar de famílias e de domicílios com
reduzido número de integrantes, encontrá-los-emos ainda imersos na pobreza
e com carências de grande monta.



NOTA

(1) Em pesquisa de nossa autoria, intitulada Características demo-
econômicas das famílias rurais brasileiras, tivemos oportunidade de tratar
pormenorizadamente, e com base em farta documentação empírica, as questões
aqui suscitadas. A ela remetemos o leitor interessado.
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