Domínios de localidade e a interpretação dos compostos nas interfaces

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DOMÍNIOS DE LOCALIDADE E A INTERPRETAÇÃO DOS COMPOSTOS NAS INTERFACES* Vitor Augusto Nóbrega universidade de são paulo 1

Resumo: Desde a última década, é possível notar uma onda crescente de pesquisas sobre a composição nas abordagens sintáticas para a formação de palavras, somando-se a trabalhos que investigam a natureza das raízes e domínios de interpretação. Estudos recentes vêm argumentando que raízes acategoriais se combinam umas às outras na sintaxe, a fim de permanecer em um mesmo domínio de Spell-Out. Neste artigo, reunimos os inconvenientes atrelados à combinação de raízes acategoriais, defendendo que toda raiz deve estar um domínio estritamente local a um núcleo categorizador antes de ser concatenada a outros objetos sintáticos e/ou enviada para as interfaces. Palavras-chave: raízes; compostos; fases; não-composicionalidade; Morfologia Distribuída.

1. Preâmbulo Trabalhos recentes sobre a composição argumentam que compostos primários (CPrs)2 são formados a partir de duas raízes nuas diretamente concatenadas na sintaxe (ZHANG, 2007; ZWITSERLOOD, 2008; BORER, 2013; BAUKE, 2014; DE BELDER, 2015). Basicamente, duas raízes acategoriais são tomadas da Numeração e combinadas através de Merge. O produto dessa concatenação é, * Agradeço Alec Marantz, Phoevos Panagiotidis, Noam Chomsky, Samuel Epstein, Ana Paula Scher, Hagit Borer, Terje Lohndal, Shigeru Miyagawa, David Pesetsky, Roberta Pires de Oliveira e Max Guimarães pelos comentários, questões, feedback e auxílio no desenvolvimento deste trabalho, bem como os participantes do III Congresso Internacional de Estudos Linguísticos. Qualquer equívoco é de minha total responsabilidade. 1

Os resultados apresentados neste artigo são parte de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (projeto 160605/2014-8).

2 Compostos cujo núcleo não é uma base verbal. Do inglês, primary compounds ou root compounds.

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em seguida, combinado a um núcleo categorizador (viz., n, v, or a) – i.e., a um núcleo de fase (MARANTZ, 2001, 2007) –, e enviado para as interfaces, como ilustrado em (1): (1)

xP

x √α

√P

Domínio de Spell-Out

√β → LF/PF

A assunção de que duas raízes podem ser diretamente concatenadas na sintaxe seria capaz de explicar, a princípio, os seguintes fatos empíricos: (i) a não-composicionalidade e a (suposta) pouca produtividade de CPrs nas línguas românicas, (ii) a exocentricidade categorial em compostos (i.e., casos em que a categoria lexical do composto difere da categoria de seus membros constituintes), (iii) a supressão de argumentos dos verbos em compostos e (iv) a impossibilidade de movimento e retomada anafórica de apenas um dos membros do composto. Argumentamos, em contrapartida, que um objeto sintático formado por duas raízes acategoriais não é legível nas interfaces da gramática. Isso decorre, principalmente, da natureza defectiva das raízes, as quais são destituídas de traços gramaticais e radicalmente subespecificadas em termos semânticos (ARAD, 2003, 2005; ACQUAVIVA; PANAGIOTIDIS, 2012; BORER, 2013; HARLEY, 2014). Como consequência, as interfaces exigem que toda raiz esteja em um domínio estritamente local a traços gramaticais, essencialmente, a traços categoriais, fato que determina que a Hipótese da Categorização (EMBICK; MARANTZ, 2008) seja um princípio a ser satisfeito toda vez que uma raiz é inserida no espaço computacional. O traço categorial permitirá que LF atribua uma caracterização semântica à raiz, possibilitando que ela seja interpretada como uma entidade, evento ou propriedade, e que PF determine a aplicação de regras fonológicas dependentes de informação categorial (e.g., aplicação de algoritmos acentuais). Além disso, a combinação de dois primitivos destituídos de traços gramaticais gera um objeto sintático não-rotulável, induzindo falha de interpretação nas inter246



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faces. No que se segue, apresentamos evidências empíricas que corroboram as assunções levantadas neste preâmbulo e fornecemos uma explicação alternativa para a atribuição de significados não-composicionais a CPrs.

2. A identidade sintática da categorização Marantz (2001, 2007) argumenta que raízes acategoriais não são interpretadas independentemente, uma vez que elas não constituem uma fase. Sendo assim, será somente após a categorização que as raízes serão enviadas para as interfaces e receberão uma interpretação, a qual pode ser idiossincrática. Tal interpretação será preservada por toda a derivação. Com base nesse raciocínio, a proposta em (1) visa estender o domínio de Spell-Out, com o intuito de manter duas raízes aguardando futuras aplicações da operação Merge. Quando um núcleo categorizador é concatenado ao objeto sintático formado pelas duas raízes, ele desencadeia seu Spell-Out e, consequentemente, as duas raízes – em conjunto – poderão receber uma única interpretação fixa, não-composicional. Bauke (2014) recupera a distinção entre CPrs românicos e germânicos para endossar a proposta em (1). CPrs românicos, de acordo com a autora, não são produtivos e contêm significados fixos, tais como aqueles em (2). CPrs germânicos, por outro lado, apresentam recursividade e significados composicionais com uma ampla gama de interpretações, a chamada “composicionalidade fraca” (Cf. PIRRELLI, 2002), como em (3). (2) a. homme grenouille b. hombre rana c. uomo rana homem+rã ‘homem-rã’

Francês Espanhol Italiano

(BAUKE, 2014, p. 22) (3) a. Landstraße Alemão país+estrada ‘estrada secundária’ Vitor Augusto Nóbrega



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b. Landeskirche país.GEN+igreja ‘igreja nacional’ ‘igreja que está associada ao país’ ‘igreja que mostra a arquitetura típica do país’, etc.

c. Landerspiel país.PL+partida ‘partida entre dois times nacionais’ ‘jogo que envolve o conhecimento sobre certos países’, ‘jogo que é tipicamente jogado em certos países’, ‘jogo caracterizado por costumes de certo país’, etc. (BAUKE, 2014, p. 26-27)

Em (3a), vemos que CPrs com significados não-composicionais também são atestados no alemão. Além disso, quando seus CPrs apresentam marcas flexionais concatenadas à raiz na primeira posição, há a ocorrência de composicionalidade fraca, como se observa em (3b) e (3c). A partir desses fatos, Bauke (2014) sugere que o caráter composicional, produtivo e recursivo dos CPrs germânicos resulta da combinação de duas raízes categorizadas, pois a categorização de cada raiz, individualmente, garante (i) a emergência de um significado composicional, uma vez que as raízes serão interpretadas independentemente, e (ii) a adição de marcas flexionais internamente ao composto. Por outro lado, CPrs românicos seriam o resultado da concatenação de duas raízes não-categorizadas, devido à sua natureza não-composicional. A autora comenta que, nas línguas românicas, CPrs são dificilmente formados, e que, quando formados, seu significado deve ser explicado aos demais falantes (2014, p. 22). Essa afirmação está equivocada. Embora CPrs românicos não sejam, necessariamente, recursivos (i.e., com três ou mais raízes), eles não são periféricos como Bauke sugere, e a grande maioria dos dados não apresenta uma interpretação fixa, como apontado pela autora. Falantes de português brasileiro (PB) formam, facilmente, novos CPrs com significados composicionais. Em (4), listamos alguns CPrs encontrados, recentemente, na mídia e em interações pessoais: 248



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(4) a. vídeo-depoimento b. pastor-deputado c. cachorro-nenê d. empreiteiro-político e. pauta-bomba f. aula-debate g. amigo-celebridade Todos os compostos em (4) apresentam interpretações alternativas. Além de sua leitura atributiva, eles também podem conter uma leitura coordenada (e.g., pastor & deputado). Isso evidencia que a estrutura interna dos CPrs românicos – tomando por base os CPrs do PB – não é opaca como Bauke afirma. Além disso, CPrs românicos com significados não-composicionais podem apresentar marcas flexionais em seu primeiro membro constituinte, sem desencadear interpretações variadas, como em (3b) e (3c). (5) a. samba-canção sambas-canções b. caixa-preta caixas-pretas c. água-viva águas-vivas d. criado-mudo criados-mudos A partir desses dados, podemos admitir que: (i) CPrs românicos não são formados através da concatenação de duas raízes não-categorizadas (4), e que (ii) CPrs não-composicionais devem ter suas raízes categorizadas independentemente, a fim de permitir a inserção de marcas flexionais internamente ao composto, tal como se verifica nos dados em (5)3. Portanto, a emergência de significados não-composicionais não decorre da combinação de duas raízes acategoriais, mas de outro recurso gramatical, como será demonstrado na próxima seção. 3

Nóbrega (2014) sugere que o aparecimento de marcas flexionais internamente aos compostos está associado à presença de um traço de classe no categorizador. Sendo assim, mesmo compostos formados por radicais (e.g., hidroginástica, dilmofóbico, cervejochato, etc.) serão gerados a partir de duas raízes categorizadas, e a inserção de marcas flexionais ocorre apenas quando um marcador de palavras, no sentido de Harris (1991), for inserido pós-sintaticamente na estrutura do composto.

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Zhang (2007), por outro lado, argumenta que (i) a exocentricidade categorial, em (6), (ii) a supressão do quadro de subcategorização dos verbos em compostos, em (7), e (iii) a impossibilidade de movimento (8) e retomada anafórica (9) de apenas um dos membros do composto, evidenciam que os CPrs do chinês resultam da concatenação de duas raízes não-categorizadas.

(6) zhe zhang zhuozi de da-xiao esse CL mesa MOD grande-pequeno ‘O tamanho dessa mesa’

A+A à

(7) yi ge hen bao-shou de ren um CL muito manter-defender MOD pessoa ‘Uma pessoa muito conservadora’

N

Chinês



(ZHANG, 2007, p. 172) (8) a. Tamen yixiang fu-ze eles sempre carregar-dever ‘Eles são sempre responsáveis’





Chinês b. *Tamen yixiang lian ze dou fu-ze eles sempre mesmo dever também carregar Pretendido: ‘Eles são, realmente, sempre responsáveis’ (ZHANG, 2007, p. 176)

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(9) a. *Ta xian na-le yi ba chai-hu ranhou ba tai Chinês ele primeiro tomar-PRF um CL chá-pote então BA ele dao-ru beizi-li colocar-em xícara-em Pretendido: ‘Primeiro, ele pega o pote de chái, e então oi coloca na xícara’ (ZHANG, 2007, p. 177) Os fatos apresentados por Zhang (2007), no entanto, podem ser diretamente explicados se assumirmos que a característica unificadora dos compostos é a presença de um domínio categorial acima de duas raízes categorizadas, tal como defendido em Nóbrega (2014, 2015): (10) Composto padrão4 Um composto é formado quando dois ou mais núcleo complexos, em determinada relação sintática – i.e., subordinação, atribuição ou coordenação –, são recategorizados por um núcleo definidor de categoria – n, v or a.

(11)

γ

γ



α α



β β



Em que α, β, γ são núcleos categorizadores e ℜ está para as relações gramaticais de subordinação, atribuição e coordenação.

De acordo com a definição em (10), compostos derivam da recategorização de uma estrutura sintagmática endocêntrica. Assim sendo, a categoria global do composto independe da categoria de seus membros constituintes, visto que γ (i.e., o domínio) pode conter um traço categorial diferente daquele de seu 4

Nóbrega (em andamento) mostra que a composição exibe mais um de um tipo de combinação de objetos sintáticos. A definição sintática em (10) caracteriza a noção mais básica de composição apresentada na literatura morfológica, a saber, a composição como combinação de dois lexemas ou palavras.

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complemento (contra LIEBER, 1981; WILLIAMS, 1981), o que explicaria os casos de exocentricidade categorial, como em (6). A categoria nominal de γ em compostos deverbais inibe a saturação do(s) argumento(s) do(s) verbo(s) que constitue(m) o composto, explicando dados como (7). Além disso, o domínio categorial exige que ambas as raízes sejam movidas em conjunto. Consequentemente, nenhum elemento pode ser movido para fora do composto isoladamente. O domínio categorial também intervém em relações de ligação, impedindo que apenas um dos membros do composto seja retomado por meio de anáforas. Além dos argumentos apresentados acima, a concatenação de duas raízes acategoriais gera outros inconvenientes sintáticos, muitos deles relacionados à defectividade gramatical das raízes, a saber:

• Problema #1: a assunção de que primitivos sintáticos destituídos de traços gramaticais são capazes de projetar (e.g., √P; ACQUAVIVA, 2009); • Problema #2: se raízes não projetam, não é possível determinar o núcleo do composto; • Problema #3: se CPrs carregam um único núcleo categorizador, como em (1), eles deveriam conter um único acento primário (MARVIN, 2002), diferentemente do que atestamos nos CPrs das línguas românicas (NESPOR, 1999). (12) a. vìdeo-depoiménto b. càpo-stazióne Italiano cabeça+estação ‘chefe da estação’ c. emprèsa-fantásma Espanhol empresa+fantasma ‘empresa fantasma’ d. vagò-restauránt Catalão vagão+restaurante ‘vagão-restaurante’

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• Problema #4: a estrutura em (1) não é capaz de diferenciar as relações gramaticais atestadas internamente aos CPrs, a saber: atribuição (e.g., peixe-espada), subordinação (e.g., pano-de-prato), e coordenação (e.g., ator-diretor); • Problema #5: (1) não explica a distribuição correta dos marcadores de classe em CPrs (e.g., peix-e espad-a; ministr-o chef-e) e dos temas em compostos deverbais (e.g., [[bat-e]v [pap-o]n]; [[tir-a]v [mof-o]n]]). Portanto, a categorização não é um passo derivacional opcional. Ela é extremamente importante para (i) a manipulação das raízes na sintaxe, ao possibilitar a rotulação da estrutura sintática, para (ii) a determinação de regras fonológicas dependentes de informação categorial, e para (iii) a negociação do significado das raízes (ARAD, 2003, 2005; PANAGIOTIDIS 2011, 2014, 2015). Com base nesses fatos, admitimos que a categorização deve ser vista como uma condição de interface, a qual requer uma alternância entre conteúdo lexical (fornecido pelas raízes) e conteúdo gramatical (fornecido pelos núcleos funcionais) na computação sintática (NÓBREGA; MIYAGAWA, 2015).

3. Determinando domínios de interpretação em compostos Em resumo, podemos afirmar até aqui que: • Raízes nunca são interpretadas independentemente. Seu significado é negociado quando elas são enviadas para as interfaces, logo após serem categorizadas. • Raízes são objetos sintáticos defectivos. Elas devem ser concatenadas a um núcleo categorizador, caso contrário, induzirão falha de interpretação nas interfaces. • A interpretação não-composicional dos compostos emerge quando suas duas raízes são enviadas conjuntamente para as interfaces, permitindo que um único significado, idiossincrático, seja atribuído.

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Na estrutura genérica para os compostos, em (11), as raízes estão concatenadas como complementos de seus categorizadores. Tendo em vista que categorizadores são núcleos de fase, as raízes serão enviadas separadamente para as interfaces, visto que somente um primitivo por vez é retirado da Numeração, o que faz com que a categorização de uma dada raiz tenha precedência sobre a categorização de outra (i.e., duas raízes não são categorizadas individualmente, e ao mesmo tempo, no espaço computacional). Isso impede, consequentemente, a atribuição de um único significado a um objeto sintático formado por duas raízes. Contudo, a configuração sintática da categorização não precisa ser a de complementização. Marantz (2013) argumenta que casos de alomorfia contextual evidenciam que as raízes são adjungidas aos categorizadores, especificamente a v. A morfologia irregular de passado no inglês é sensível ao traço de passado (i.e., [past]) em T(ense). A raiz √TEACH ‘ensinar’, por exemplo, deve ser realizada como /tɔ/ no ambiente de √TEACH, e o traço de passado deve ser realizado como /t/ nesse mesmo ambiente. (13) Passado no inglês √TEACH + v(Voice) + [past] = taught (MARANTZ, 2013, p. 98) O impasse é o seguinte: se v e Voice, juntos ou separadamente, caracterizam-se como um núcleo de fase, então a raiz e o núcleo T estarão em diferentes domínios de Spell-Out, caso a raiz seja concatenada como complemento de v/ Voice, como ilustrado em (14) – fato paralelo ao que atestamos para a interpretação dos compostos: (14)

TP

T VoiceP [past] Voice vP v √RAIZ 254



Domínio de Spell-Out

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Para permitir que a raiz seja enviada para as interfaces no mesmo domínio de Spell-Out de T, Marantz assume que toda raiz é adjungida ao categorizador verbal. Logo, a raiz não sofrerá Spell-Out no domínio de v/Voice, o que faz com que v/Voice não interfiram na relação entre a raiz e T, pois todos sofrerão Spell -Out ao mesmo tempo, como complemento de C, tal como representado em (15). (15)

CP



C T [past]

Domínio 2 TP VoiceP vP

Voice



v √RAIZ

Domínio 1

DP v

Ao assumir com Marantz (2013) que as raízes são adjungidas ao núcleo categorizador, garantimos que (i) cada raiz esteja em um domínio estritamente local a um traço categorial nas interfaces, e que (ii) duas raízes estejam em um mesmo domínio de Spell-Out, possibilitando, desse modo, a atribuição de significados não-composicionais a objetos sintáticos dessa natureza. Reconsiderando a estrutura em (11), temos, então, duas raízes concatenadas como adjuntos de seus categorizadores. Subsequentemente, um terceiro núcleo categorizador – i.e., o domínio γ – será concatenado acima do objeto sintático formado pelas raízes categorizadas, desencadeando seu Spell-Out. Como resultado, as raízes serão enviadas para as interfaces ao mesmo tempo, permitindo a emergência de um único significado, não-composicional em CPrs. A estrutura sintática dos CPrs, portanto, deve ser como se segue:

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(16) γ

γ Domínio de Spell-Out α/β α

β

√ α √ β LF → significado composicional/não-composicional

A não-composicionalidade será determinada em LF, através de instruções associadas às raízes e à estrutura sintática a que elas estão adjungidas, seguindo a intuição básica de Harley (2014). Contra Harley (2014), admitimos que as instruções em LF atribuem interpretações às raízes internamente à estrutura sintática, mas não às raízes isoladamente, possibilitando, dessa forma, que as raízes tenham seu significado negociado no contexto sintático em que estão inseridas. As instruções em LF, em nossa perspectiva, estão associadas a uma determinada porção de estruturas sintáticas da linguagem humana. Basicamente, elas refletem nosso conhecimento de mundo sobre significados idiossincráticos associados a estruturas complexas. Por exemplo, um CPr atributivo como caixa-preta terá seu significado não-composicional listado como uma instrução em LF, semelhante àquela em (17). As raízes √CAIX e √PRET receberão um único significado quando estiverem em um contexto sintático específico, determinado na parte esquerda da instrução, algo que é possível devido à sua natureza subespecificada (ARAD, 2003, 2005).5



(17) Instrução em LF {} ←→ aparelhagem que grava os dados sobre o funcionamento de uma aeronave.

Por outro lado, a composicionalidade fraca, vista em (3b) e (3c), é um efeito interpretativo que emerge em compostos atributivos interpretados composicionalmente. Ela não deriva de instruções em LF, mas de uma interpretação 5

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Os marcadores de classe serão inseridos no caminho para PF (Cf. NÓBREGA, 2014, 2015).

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dependente de contexto pragmático, tal como sugerido por Bauer (1979). A variabilidade de interpretações atestadas nesses casos está intrinsicamente associada à relação de atribuição que conecta um nome não-núcleo e um nome núcleo (i.e., o nome modificado) (Cf. SCALISE; VOGEL, 2010). Desse modo, a emergência de composicionalidade fraca independe de diferentes configurações estruturais e é determinada pelo contexto pragmático em que um composto atributivo é empregado, o qual circunscreve uma determinada relação de modificação entre dois nomes (contra DELFITTO; FÁBREGAS; MELLONI, 2011). Por sua vez, o papel da sintaxe na formação dos compostos é, essencialmente, determinar o modo como raízes categorizadas são combinadas entre si, se em uma relação de subordinação, atribuição ou coordenação.

4. Conclusões Raízes são objetos sintáticos defectivos. Elas devem ser concatenadas a um núcleo categorizador na forma de um adjunto antes de atingirem as interfaces. Tal assunção explica uma série de fatos empíricos, tais como: (i) alomorfia contextual, (ii) aplicação de regras fonológicas dependentes de informação categorial, e (iii) a emergência de interpretações não-composicionais em compostos. A não-composicionalidade e a composicionalidade fraca são fenômenos dissociados. A primeira emerge através de instruções em LF, as quais atribuem interpretações idiossincráticas a um conjunto de estruturas sintáticas, e a segunda é dependente de contexto, regulada por fatores pragmáticos.

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Referências

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