Dos Mares de Cabral ao Oceano da Língua Portuguesa

July 6, 2017 | Autor: Jorge Cardoso | Categoria: History, Brazilian History, Brazil, Historia, História do Brasil, Brasil, História, Brasil, História
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Autores: Cadete – Aluno nº261 Cadete – Aluno nº325 Cadete – Aluno nº481

Sandro Oliveira Jorge Cardoso Carlos Correia

2º Ano GNR/CAV 2º Ano GNR/INF 2º Ano GNR/CAV

Academia Militar, Outubro 2000

Dos Mares de Cabral ao Oceano da Língua Portuguesa

Academia Militar, Outubro 2000

Dos Mares de Cabral ao Oceano da Língua Portuguesa

Índice Resumo Abstract I - Introdução Geral ........................................................................................................

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II – Biografia de Pedro Álvares Cabral .......................................................................

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III – Enquadramento Económico, Político e Social – Ciência e Tecnologia.........

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IV – Enquadramento Histórico.....................................................................................

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4.1. – Antecedentes ......................................................................................................

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4.2. – Os preparativos da viagem e constituição da frota.....................................

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4.3. – A importância dos ofícios divinos e sacramentos” na viagem.................

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4.4. – As instruções de Vasco da Gama ...................................................................

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4.5. – As ordens de D. Manuel ..................................................................................

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4.6. – O descobrimento do Brasil .............................................................................

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4.7. – A tese da intencionalidade .............................................................................

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4.8. – O retorno a Portugal para anunciar a descoberta do Brasil ......................

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4.9. – A carta narrativa de Pero Vaz de Caminha .................................................

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4.10. – A carta do Mestre João ...................................................................................

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4.11. – O relato de “Piloto anónimo”........................................................................

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V – A Herança: A Língua deixada pelo Mundo ........................................................

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Considerações finais Referências Bibliográficas

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Resumo Pretendeu-se expor neste trabalho algumas das causas que levaram à expansão dos Portugueses pelo mundo e alguns dos meios pelos quais essa expansão foi possível, bem como as consequências mais significativas que daí resultaram, para permitir uma fácil compreensão e um raciocínio lógico. Focou-se, principalmente, a viagem de Pedro Álvares Cabral e a descoberta do Brasil segundo o ponto de vista económico, social, científico, tecnológico e político. Inferiu-se também sobre a intencionalidade ou acaso da grande descoberta, bem como da herança legada aos quatro cantos do mundo, a língua Portuguesa.

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Abstract With this project it was intended to show some of the causes that took to the Portuguese expansion and some of the means that made it possible, as well as the most meaningful consequences that it has caused. All this to allow an easy comprehension and a logical meaning. It has been given more emphasis to the journey of Pedro Álvares Cabral and to the discovery of Brazil in a economical, social, scientific and political point of view. It has also been considerated the intension or luck of the great discovery, as well as the legacy left in the four corners of the world, the Portuguese language.

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I Introdução ao tema –

" E Domingo, 22 do dito mês (Março), (...) houvemos vista das ilhas de Cabo Verde (...). Na noite seguinte, segunda-feira, se perdeu a nau de Vasco de Ataíde sem haver motivo vento forte ou contrário, para que tal acontecesse..." " um grande monte, mui alto e redondo, e outras serras mais baixas, e terra chã, com muitos arvoredos; ao qual monte o capitão deu o nome de Monte Pascoal e à terra, Terra de Vera Cruz". Pero Vaz de Caminha ( Estratos da carta redigida ao Ex.mo Rei D. Manuel I ) Era a primeira visão daquilo que actualmente se chama Brasil.

Dos navios da frota de Vasco da Gama regressados a Portugal que ancoraram no Tejo a 10 de Julho de 1499, logo se conheceu o sucesso da empresa descobridora do caminho marítimo para a Índia. Quando no termino do Outono, Vasco da Gama regressou a Portugal, relatou ao rei as suas dificuldades em comerciar com os povos orientais, visto que, aos olhos duma civilização tão avançada, os nossos presentes de homenagem pareciam-lhes insignificantes. Assim, o rei concluiu que convinha aparecer nos mares da Índia com maior aparato de força e melhor brilho de ostentação humana. Com esta intenção, e sob o estímulo do interesse e do entusiasmo geral, começouse sem demora a organizar uma nova armada, esta agora, bem mais "poderosa em armas” abundantemente provida de artilharia e demais armamento - tudo do melhor que se conseguiu arranjar -, a armada transportava 1500 homens, dos quais 1000 eram combatentes. Estes são bem esclarecedores quando comparados com os da frota de Vasco da Gama, cujos tripulantes, incluindo mareantes e combatentes, rondavam os 150 homens, isto é, capaz de obter, por persuasão ou pela força, os resultados que, Vasco da Gama, com a escassez dos seus meios militares-navais, não conseguira alcançar. No comando supremo desta armada, composta por dez naus de guerra, um navio redondo de transporte e algumas outras embarcações mercantes, num total de treze embarcações, foi investido Pedro Álvares Cabral através da carta Régia de 15 de Fevereiro de1500. Pedro Alvares Cabral filho de Fernão Cabral (alcaide-mor dos castelos de Belmonte e da Guarda), e de Isabel de Gouveia (filha de João de Gouveia, alcaide-mor

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do Castelo Rodrigo). Entrou para a corte em 1478, casando-se mais tarde com D. Isabel de Castro, sobrinha de Afonso de Albuquerque. Outro aspecto importante era o de converter ao cristianismo "os mouros e as gentes idólatras daquelas partes" - como dizia o próprio rei. Para isso, este embarcou alguns sacerdotes para os serviços religiosos. Finalmente, os meios de navegação e a rota a seguir foram também cuidadosamente assentes, recorrendo-se a instruções régias cujas normas foram sugeridas por Vasco da Gama. Assim, esta grandiosa armada, parecia estar disposta a cumprir a todo o custo, a sua missão no Oriente. Mas será que a sua missão seria unicamente o Oriente?!... Não haveriam segundas intenções?!... A descoberta do Brasil... casual ou intencional?!... Porque motivos D. João II e Duarte Pacheco Pereira teriam insistido em transferir o meridiano divisor do Tratado de Tordesilhas de 100 para 370 léguas a oeste de Cabo Verde?!... quererá este facto indicar que as terras ocidentais teriam já sido descobertas não oficialmente?!... Entre outros factores que nos fizeram suscitar estas dúvidas, avulta, entre outras, a lenda da tempestade, onde desapareceu uma embarcação de Vasco de Ataide e que levou as embarcações Portuguesas a tomarem rotas e desvios para Sudoeste que não eram necessários se se queria apenas dobrar o Cabo da Boa Esperança. Existem duas teorias sobre esta descoberta: acaso ou reconhecimento intencional do seu achamento. Os que defendem a teoria da intencionalidade argumentam que, por razões económicas e políticas, a Coroa deve ter escondido que já tinha conhecimento da existência desse território e aguardava oportunidade para a divulgar depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia. É também certo que a terra brasileira tinha ficado assegurada dentro da área de influência dos portugueses definida pelo tratado de Tordesilhas, em 1494, o que argumentaria em favor do conhecimento prévio do Brasil. Até ao séc. XIX, pensava-se que a descoberta tinha sido meramente casual e, a certa altura, já era tal a fantasia que se diziam coisas, completamente contraditórias aos relatos de Pero Vaz de Caminha. Desde então, esta tese tem tido tantos defensores como contraditores. Intencional ou não, este descobrimento foi o ponto de partida para três séculos de desenvolvimento das terras sul-americanas sob aspectos de identidade nacional, aproximação humana, valorização económica e criação espiritual, que iriam formar, a grande nação Brasileira: o Brasil dos nossos dias.

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II Biografia de Pedro Álvares Cabral –

Pedro Álvares Cabral, navegador português, que segundo alguns historiadores deve-se-lhe a descoberta (oficial, e talvez de facto) do Brasil. Nasceu em Belmonte, no ano de 1467, e faleceu provavelmente em 1520 na cidade de Santarém. Era filho de Fernão Cabral (alcaide-mor do castelo de Belmonte e da Guarda), e de D. Isabel Gouvêa (alcaide mor de Castelo Rodrigo). Assinava primeiramente Pedro Álvares Gouvêa; o patronímico só foi usado após o falecimento de seu irmão mais velho. Seu pai exerceu o cargo de regedor das justiças na Beira, tendo sido Pedro Álvares, segundo alguns, governador daquela província. Entrou para a corte em 1478, casando-se mais tarde com D. Isabel de Castro, sobrinha de Afonso de Albuquerque. Como era costume da época, à volta de 1478, Pedro Álvares Cabral foi mandado para a corte com a finalidade de receber uma educação própria da elevada classe social. Esta consistia em alguma instrução literária e científica de ordem geral, bem como no uso de armas e sociabilidade cortesã. Sobre a sua educação, parece ser certo que frequentou com grande sucesso a escola de Marte, o que teria induzido D. Manuel a indicá-lo para comandar a expedição que o celebrizou. Desconhecem-se pormenores da sua vida, sabendo-se, porém, que recebia algumas tenças atribuídas pela corte. Em 1500, foi encarregado pelo rei português, D. Manuel I, de comandar uma armada ao Oriente, com fins diplomáticos, após o regresso de Vasco da Gama.

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III Enquadramento Económico, Político e –

Social, Ciência e Tecnologia Economia O Estado português era forte, pois ignorava o regime feudal, sendo o monarca um rei mercador. Tal como os seus súbditos, praticava o comércio. No subsolo do palácio real, abriu-se sobre o porto de Lisboa, um verdadeiro entreposto – a Casa da Índia e Egina. Os marranos, Judeus coercivamente convertidos ao catolicismo, e parte dos judeus que não tinham aceite a conversão imposta, refugiaram-se em Portugal, trazendo as suas riquezas, a sua cultura e conhecimentos, a sua aptidão para o comércio, além das suas relações com as comunidades israelitas instaladas em todas as portas das grandes cidades da Europa e do Oriente. A expansão portuguesa actua pela captação de uma vertente monetária e comercial que anteriormente se fazia por outras vias. Começou desta forma em Marrocos, onde a ocupação de praças fortes na costa permitiu aos Portugueses desenvolver o comércio com o interior do país, e, através dele, com a África negra, comprando os produtos chegados do Magrebe em caravanas. Em seguida, ocupando a Costa do Ouro e construindo o Forte de São Jorge da Mina, os Portugueses mudaram a direcção do tráfego do ouro, do marfim e depois o dos escravos, que o mundo sudanês praticava através do Sara, em direcção ao Magrebe e à Europa mediterrânica. Desde a sua primeira viagem (1497-1499), Vasco da Gama desvia as especiarias da índia da sua rota normal (as caravanas do Médio Oriente e as frotas de Veneza) para Lisboa e Antuérpia, pelo oceano Indico e pelo Cabo da Boa Esperança. Pode perguntar-se porque é que os Portugueses foram levados a utilizar este método. Ora nesta época começava a desenvolver-se a corrente a que podemos chamar pensamento mercantilista. De acordo com estas ideias, existiria no mundo uma determinada quantidade de riqueza e, para enriquecer, era necessário ir buscar essa riqueza aonde quer que se encontrasse. Havia duas maneiras de o fazer: a guerra ou o comércio. E os Portugueses esforçaram-se por utilizar o comércio, recorrendo à guerra unicamente quando este se revelava insuficiente. O outro aspecto interessante da expansão portuguesa é o de que ela obedeceu a uma lógica económica e política diferente da da expansão espanhola. BRASIL - ECÓNOMIA

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No Brasil os Portugueses contentaram-se em ocupar as regiões costeiras para aí desenvolverem diversas plantações destinadas ao mercado internacional, sendo a agricultura o seu principal ramo de actividade económica. Desenvolveu-se primeiro a cultura do pau-brasil e das drogas do sertão. Depois instalou-se a lavoura de cana-deaçúcar, a pecuária, as plantações de cacau e algodão. Todas estas tocadas com trabalho escravo indígena e negro. É antes de mais uma colonização de exploração e só depois de povoamento. Aproximadamente em 1695 foram encontradas as primeiras minas de ouro e diamantes que salvaram Portugal da falência económica. A exploração do ouro e diamantes foi rigidamente controlada por Portugal, gerando várias revoltas resolvidas através da execução sumária de seus principais participantes.

Político-Social Na época do Infante D. Henrique (1415-1460), promotor da navegação neste “Mediterrâneo” do Atlântico oriental, o centro das expedições é Lagos, na costa do Algarve. É no seu tempo que não só se descobrem as ilhas que limitam a oeste este “Mediterrâneo”, mas também que a progressão ao longo da Costa de África leva os navegadores, em 1434, ao Cabo Bojador: está aberta a via de “circum-navegação” ao longo desta costa. Porém, um acontecimento vem retardar progresso desta circum-navegação. Em 1453, a queda de Constantinopla incita o Papado a organizar urna cruzada. O único rei que responde ao apelo é o rei de Portugal. D. Afonso V retoma a velha ideia da conquista de Marrocos, mas a expedição termina num fracassa. Quando D. João II sobe ao trono (1481), esta política é abandonada em proveito da descoberta da costa de África. Os Portugueses instalam-se na Costa do Ouro. Em 1487 Bartolomeu Dias dobra o cabo das Tormentas, imediatamente baptizado de Cabo da Boa Esperança. A descoberta da América por Colombo (1492) causou uma reacção não muito positiva em D. João II. Deve estar presente a recordação da recusa do monarca português feita a Colombo, de apoiar a viagem para Ocidente, razão pela qual este acabara por apresentar a proposta aos reis de Castela. Sucedem-se as embaixadas dos dois lados, põem-se em causa todos os acordos e tratados anteriores, surge a ameaça mútua de utilizar a força, e, o que de momento ainda complica mais a situação, entretanto, o Papa Alexandre VI, através de uma série de bulas, inclina-se para a posição castelhana, recorrendo a uma argumentação que, se tivesse sido aplicada integral e imediatamente, teria conduzido ambos os remos a um generalizado confronto no Atlântico. Ao longo destes meses, D. João II utiliza uma estratégia nem sempre muito clara, preocupado fundamentalmente por assegurar a Portugal, em termos de monopólio, o acesso ao Atlântico sul. Finalmente, chega-se a um acordo, Castela, com problemas crescentes em Itália, está interessada em resolver o mais rapidamente possível o contencioso ocidental.

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Em 8 de Março de 1494, o soberano lusitano assina os correspondentes poderes aos embaixadores para assinarem um novo tratado. Os Reis Católicos só o farão em 5 de Junho, dois dias antes da assinatura que, como é sabido, foi feita em Tordesilhas. O Tratado de Tordesilhas contém um conjunto de disposições de carácter técnico. No entanto, o fundamental pode ser resumido em poucas palavras: é definida uma linha meridiana imaginária, situada a 370 léguas a ocidente de Cabo Verde, reservandose para Portugal o espaço oriental e para Castela o ocidental. Para além de algumas dificuldades que não se resolveram então, e que provocarão no futuro alguns problemas (desde o aspecto técnico de saber como se vai determinar rigorosamente a longitude, ao geográfico de saber se o acordado se aplica unicamente ao Atlântico ou tem um valor geral), creio que o estipulado na altura se reveste da maior importância. Como já o disse, tradicionalmente estes acordos oceânicos implicam um segundo componente de natureza dinástica. E, nesses anos, em Portugal, mantinha-se por resolver o problema da sucessão de D. João II. O seu único filho legítimo, D. Afonso, falecera em 1491, não existiam esperanças fundadas de que nascesse um novo herdeiro, pelo que duas hipóteses se perfilavam no horizonte: D. Jorge, nascido de uma ligação do rei com Ana de Mendonça, e D. Manuel, duque de Beja, irmão da rainha D. Leonor e descendente de D. Duarte. Se o monarca se inclinava para a primeira hipótese, a sua mulher, no que tinha o apoio dos monarcas castelhanos, preferia a segunda. Está claro que a alternativa tinha implicações políticas não pequenas. Assim, uma embaixada de Fernando e Isabel desloca-se a Portugal em Maio, advogando a solução de D. Manuel (condicionando muito provavelmente a sua aceitação à assinatura do acordo quanto ao Atlântico). E assim aconteceu. Pouco tempo depois, com a morte de D. João II em 8 de Julho de 1497, o duque de Beja sobe ao trono, sem dificuldades de maior, com o nome de D. Manuel I. Após a morte de D. João II, a frota de Vasco da Gama saía de Lisboa para dobrar o Cabo da Boa Esperança, atravessar o oceano Índico e aportar na península de Dekkan. Era simultaneamente o coroar de longos esforços dos Portugueses na direcção da Ásia, e o início de uma expansão colonial longínqua, transoceânica, que deveria atingir a leste a China e o Japão, a oeste o Brasil e, em breve (1500-1502), a Terra Nova e a Gronelândia a norte. A esta política oficial intrínseca ao projecto, a que não falta uma evidente dimensão de intenso proselitismo religioso, corresponde também uma actuação decisiva de Portugal na cena política internacional, conseguindo estabelecer solidamente as bases dos seus direitos. Conseguindo impor o respeito correspondente pela comunidade internacional, nomeadamente pelo seu poderoso vizinho. O programa da expansão portuguesa foi acelerado pela viagem de Colombo (1492), na sua génese conceptual e no seu desenvolvimento técnico, à era de Vasco da Gama; e consolidada habilmente pelo Tratado de Tordesilhas (1494). O caminho para a Índia vem a ser coroada pela viagem marítima mais longa e mais difícil que a História conheceu até esse tempo, a de Vasco da Gama (1497/1498). O feito é realizado com a precisão disciplinada de um funcionário régio que cumpre escrupulosamente as instruções recebidas, mas que dispõe também da sagueza política e diplomática, da experiência, da competência técnica e da audácia humana de uma figura sem par na História do mundo. Academia Militar

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Portugal é o primeiro e o único país da Europa do seu tempo a afirmar que Colombo estava enganado quanto aos resultados da sua viagem. E também a saber extrair com grande rapidez todas as consequências elementares de uma situação subitamente complicada no plano internacional. Fá-lo com uma grande operação articulada em vários pontos devidamente coordenados com arrepiante precisão, e ao longo de apenas seis anos, até culminarem todos em 1498: delimita e reserva internacionalmente o espaço necessário para chegar às Índias Orientais; acelera os preparativos da viagem de Vasco da Gama; lança as bases da protecção naval daquele mesmo espaço; produz as convenientes justificações ideológicas e jurídicas; reserva-se eficazmente o monopólio do comércio das riquezas pela rota do Cabo; cria, a partir de Lisboa, um verdadeiro império agenciador de grandes trocas com o resto da Europa; ousa enriquecer pela primeira vez na sua História. Portugal forjou decisivamente uma concepção do oceano Atlântico como factor de união entre continentes. Concebeu, abriu e explorou a maior rede de comunicação transoceânica que poderia realizar-se. Levou a Europa aos quatro cantos do mundo. Trouxe-lhe as mais fabulosas experiências de encontro de povos, culturas e civilizações de toda a História. Gerou a mestiçagem à escala do planeta com todas as suas consequências civilizacionais. Alterou de forma radical o conhecimento do mundo. Revolucionou as noções de tempo e de espaço. É um dos países que mais coerente tem sido com esse passado, em que teve participação activa. Um dos países que soube modernizar radicalmente os termos de uma concepção do seu relacionamento actual em tantas áreas do mundo em que esteve presente desde então. Relacionamo-nos sem quaisquer complexos de parte a parte, nos quadros de cooperação e auxílio ao desenvolvimento que soubemos construir com os nossos parceiros de além-mar. No Brasil, a nível de governo, existiu inicialmente um total desinteresse enquanto o comércio com as Índias estava bom. Depois instalou-se um sistema "feudal" conhecido como Capitanias Hereditárias. Tal sistema não funcionou devido à falta de interesse ou em outros casos ao excessivo aumento de poder de alguns donatários, assim, instalou-se o Governo Geral.

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Sociologicamente o Brasil dividiu-se basicamente em dois grupos distintos; o dos Senhores e o dos Escravos. Os primeiros, donos de terras e de minas, os segundos considerados mero objecto, vendidos como animais, separados de sua família, sem nenhum respeito para com sua dignidade humana. Havia também, em algumas regiões indivíduos que eram livres, muitos deles brancos, outros mestiços e alguns mas poucos negros livres. A sociedade era patriarcal e a autoridade paterna era temida. As mulheres eram submetidas à autoridade de seus pais e após o casamento, ao seu marido. BRASIL - SOCIEDADE

Ciência e Tecnologia A vocação atlântica de Portugal no cenário das grandes descobertas, revelou-se, todavia, mais profunda e precoce que a dos seus vizinhos. Foram, pois, os Portugueses que prepararam e realizaram as primeiras grandes viagens de descoberta, imprimindo ao seu empreendimento marítimo e colonial a marca que indiscutivelmente os distingue dos Espanhóis. Com efeito, foi o progresso das ciências e das técnicas na Europa do século XVI que permitiu a realização das descobertas. Os Portugueses introduziam no Ocidente o uso da numeração árabe, e, portanto, do zero, representando este, um passo decisivo no desenvolvimento do cálculo numérico. Foram também os Portugueses quem primeiro afirmaram a sua fé na ciência experimental. “A experiência é a madre de todas as coisas”, proclama Duarte Pacheco Pereira, um dos grandes viajantes da época. Quando os Portugueses se meteram nessa grande aventura que culminou com os Descobrimentos marítimos, a navegação fazia-se pelo método do “rumo e estima”. Isto quer dizer que era utilizada apenas a bússola, que os marinheiros apelidam de agulha de marear, ou simplesmente agulha , sendo as distâncias estimadas. O piloto, para saber onde o navio se encontrava, tinha que navegar , portanto, à vista da costa ou nas suas proximidades. A agulha de marear, constituída por uma rosa, contendo os pontos cardeais, estava medida em 32 ventos ou rumos pelos quais se mantinha o caminho certo. O Norte era decorado com uma flor-de-lis e o Leste, muitas vezes, por uma cruz que apontava os lugares santos para que a agulha não fosse afectada pelo balanço do navio recorreu-se a um dispositivo que foi designado por balança. Outro instrumento já usado há vários séculos, foi o prumo de mão, pelo que se avaliava a profundidade por debaixo da quilha, o que permitia uma navegação segura em fundos baixos ou quando se procurava um local adequado para se fundear. Foi apenas com estes dois instrumentos que se navegou até à primeira metade do século XV, quando os Portugueses iniciaram as viagens ao longo da costa africana. Academia Militar

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Constatou-se, então, que quando se caminhava para o Sul, os ventos e as torrentes eram favoráveis, mas no regresso, as viagens faziam-se com grande dificuldade, tornado-se, por vezes, impossíveis, mesmo usando a caravela, um navio desenvolvido pelos Portugueses e que, devido ao seu pano latino, estava preparado para bolinar, isto é, navegar contra o vento. Nestas viagens, os pilotos, afastados da costa, não podiam determinar a posição do navio pelos métodos até então usados. Para o efeito, tiveram de recorrer aos astros, primeiro à Estrela Polar, depois ao Sol, quando este atingia diariamente, ao meio-dia, a sua posição mais elevada. Nasce assim a navegação astronómica. Sabendo que era possível calcular a latitude pelas alturas daqueles dois astros (a longitude era, então, estimada), os Portugueses usavam o quadrante, o astrolábio náutico, e criaram métodos de navegação simples para determinar a posição do navio e, portanto, de fácil utilização pelos pilotos. Se o quadrante conservou o aspecto que já tinha ao longo tempo, o mesmo não aconteceu com o astrolábio náutico, que, derivado do chamado astrolábio planisfério, um frágil instrumento usado pelos cosmógrafos, ganhou a forma, as dimensões, o peso e a robustez para ser usado a bordo dos navios. Não podemos terminar esta rápida resenha sobre instrumentos de bordo sem referir o relógio pelo qual se media o tempo. Relógio foi também chamado de ampulheta de meia hora, que era, ininterruptamente, virada por um dos marinheiros do navio. Outras ampulhetas foram usadas com a duração de uma, duas e quatro horas, mas todas estas eram menos comuns. Devido ao pouco rigor das ampulhetas, acertava-se a hora ao meio-dia, quando se observava a altura meridiana do Sol, para o cálculo da latitude. Por vezes, quando o Sol não aparecia durante vários dias, o tempo de bordo desajustava-se muito do tempo verdadeiro, o que causava, naturalmente, uma grande confusão. Os Portugueses aprenderam a navegar no mito mar e a aproveitar os ventos alísios. Utilizaram o seu novo navio, a caravela, quer para abrir o caminho para as grandes naves, quer como navio ligeiro de transporte, ao longo das costas de África e entre as ilhas.

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IV Enquadramento Histórico –

4.1. – Antecedentes D. João II Rei de Portugal entre 1481 e 1495, natural de Lisboa, era filho de D. Afonso V e de D. Isabel deu incentivos à exploração ultramarina e preparou a viagem à Índia. Não sendo o modo de orientação das naus por meio da Estrela polar aplicável quando os portugueses quiseram navegar para além do Equador, D. João II encarregou os seus cosmógrafos de procurar uma solução para o problema da determinação da latitude em qualquer lugar do globo terrestre, os quais aconselharam para esse fim a observação da altura do Sol na sua passagem pelo meridiano. Quando morreu D. João II, estava fundada a ciência da navegação pelos astros e estava mesmo já experimentada. Este grande monarca, que fechou com chave de ouro o primeiro ramo de uma dinastia que com chave de ouro fora aberta, legou ao seu sucessor, além desta ciência, obra dos seus cosmógrafos, as terras descobertas pelos seus pilotos, o Tratado de Tordesilhas, que regulava a divisão entre Portugal e Castela das novas terras que se descobrissem, evitando assim conflitos entre estes dois países, prejudiciais à civilização do Mundo; e legou-lhe ainda os planos das grandes viagens que depois se fizeram, marinheiros experimentados para as executar e capitães valentes para assegurar o domínio dos portugueses nas terras que descobrissem. Tratado de Tordesilhas O tratado de Tordesilhas, assinado entre D. João II e os Reis Católicos, Fernando e Isabel, contém o acordo final a que chegaram as coroas de Portugal e de Castela sobre as zonas de influência para as suas expansões. Assinado em 1494, ao fim de um longo conflito sobre as áreas a dominar por uns e por outros, determina nas suas cláusulas essenciais que se reconheciam a Castela todas as ilhas e terras descobertas para ocidente do meridiano que passa a 370 léguas a ocidente de Cabo Verde. A oriente, ficavam salvaguardados os direitos de Portugal, o que viria a incluir parte do território brasileiro, para além de África e das regiões orientais. Possivelmente, D. João II já teria, à data da assinatura do tratado, conhecimento da existência do território brasileiro.

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Mesmo depois da assinatura deste tratado houve alguns pequenos focos de conflito devido a dificuldades em determinar a qual das duas esferas de influência pertenciam alguns territórios e ilhas. Destes conflitos, destaca-se a questão do arquipélago das Molucas, que foi um dos motivos da viagem de Fernão de Magalhães à volta do Mundo. Duarte Pacheco Pereira Navegador, guerreiro e cosmógrafo português, nascido em Lisboa. Foi autor do Esmeraldo de Situ Orbis (1505-1508), obra incompleta mas de grande significado na literatura do início da expansão portuguesa, onde, a partir da observação directa e pessoal, é feita uma descrição minuciosa das costas ocidental e oriental de África: a sua geografia, os povos que as habitavam, os seus costumes. Feito cavaleiro por D. João II pelas viagens realizadas ainda no seu reinado, destacou-se pelos seus feitos como chefe militar ao serviço do rei D. Manuel I. Foi Duarte Pacheco Pereira que propôs no Tratado de Tordesilhas, que uma das cláusulas, que inicialmente era de 100 léguas a Ocidente de Cabo Verde, passa-se a 370 léguas. Cobrindo então o território Brasileiro. D. Manuel I Já no reinado de D. Manuel I, ancorou no Tejo a 10 de Julho de 1499 a frota de Vasco da Gama. Logo se conheceu o sucesso da empresa descobridora do caminho marítimo para a Índia. Esta ideia foi confirmada algumas semanas depois, à vista das especiarias trazidas, embora em pouca quantidade, por outra nau da mesma frota, o que causou grande entusiasmo entre a população lisboeta. Quando no limiar do Outono, Vasco da Gama regressou a Portugal, contou ao rei as suas dificuldades em comerciar com os povos orientais, visto que, aos olhos de uma civilização tão avançada, os nossos presentes de homenagem pareciam-lhes insignificantes. Assim, o rei concluiu que convinha aparecer nos mares da Índia com maior aparato de força e melhor brilho de ostentação humana. Pois, pensava ele, vendo gente com aparato e com riqueza, quereriam a sua amizade. Com esta intenção, e sob o estímulo do interesse e do entusiasmo geral, começouse sem demora a organizar uma nova armada, esta agora, bem mais poderosa e vistosa, isto é, capaz de obter, por persuasão ou pela força, os resultados que, Vasco da Gama, com a escassez dos seus meios, não conseguira alcançar.

4.2. – Os preparativos constituição da frota

da

viagem

e

Estudadas as notícias trazidas por Vasco da Gama, o rei D. Manuel iria tomar decisões muito rápidas. Aquela viagem fora apenas uma promessa, pois acontecimentos desfavoráveis ocorridos em Calecute não consentiram que se concretizasse o primeiramente planificado; era necessário levar a iniciativa a bom termo, nem que fosse pela força, e o mais rapidamente possível. Academia Militar

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Assim, e para partir na próxima época favorável (Março-Abril de 1500), deu ordens no sentido de se fazerem todos os preparativos necessários para se organizar uma poderosa frota que voltasse à Índia e, se necessário, intimidativamente ali firmasse os entrepostos comerciais convenientes para desviar para a rota do Cabo, e sob domínio dos Portugueses, o tráfico das especiarias. Para capitão-mor foi nomeado, em 15 de Fevereiro de 1500, Pedro Álvares de Cabral, através da carta Régia. A frota reunida para a importante expedição deve ter sido constituída por treze embarcações, dez naus e três navios redondos. Os capitães que capitaneavam os doze navios, além do que foi entregue à direcção do capitão-mor, Pedro Álvares Cabral, são os seguintes: Luís Pires, Gaspar de Lemos, Diogo Dias, Pêro de Ataíde, Vasco de Ataíde, Nicolau Coelho, Nuno Leitão, Simão de Miranda, Aires Gomes da Silva, Simão de Pina, Pêro de Tovar e Bartolomeu Dias. Gaspar Correia substituiu os nomes de Aires Gomes da Silva e de Pêro de Ataíde pelos de Pedro de Figueiró e Brás Matoso, uma vez que não concordava com tal lista. A frota não só ia tripulada com gente luzida como também fortemente armada. Ia abundantemente provida de artilharia e de material do melhor que se conseguira arranjar. Transportava 1500 homens, dos quais 1000 eram combatentes.

4.3. – A importância dos “ofícios divinos e sacramentos” na viagem Na carta escrita no dia 1 de Março de 1500 por D. Manuel ao Samorim, vê-se que este tivera o cuidado de reunir à gente de guerra e aos marinheiros “pessoas religiosas e doutrinadas na fé e religião cristã, e também ornamentos eclesiásticos para celebrarem os ofícios divinos e sacramentos", a fim de que o destinatário pudesse ver bem a religião que os Portugueses praticavam. Na carta, ele dá “muitos louvores ao Senhor Deus neste feito e por nos ser dito haver nessas partes gentes cristãs, que será o principal nosso desejo para convosco havermos de conversar"; mas que o interesse não era só de ordem espiritual, como todos sabemos, fica claro num passo imediato da mesma carta, onde se lê: “porque bem é de crer que não ordenou Deus Nosso Senhor tão maravilhoso feito desta nossa navegação para somente ser servido nos tratos e proveitos temporais de entre vós e nós, mas também nos espirituais das almas e salvação delas.” Daqui se pode concluir que não foi abandonada a ideia de divulgar a religião cristã, uma vez que os sacerdotes estavam presentes na Frota de Pedro Álvares Cabral.

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4.4. – As instruções de Vasco da Gama Existem dois outros textos importantíssimos para a viagem de Pedro Álvares Cabral: as instruções redigidas por Vasco da Gama, de que infelizmente só se conhecem uma parte. O que resta é, de qualquer modo, do mais alto valor. As instruções de Vasco da Gama visam problemas de ordem náutica ou respeitantes à boa organização da esquadra, descendo por vezes a pormenores que deviam ser bem conhecidos de quem tivesse longa experiência de navegação. Essa circunstância leva a suspeitar que Cabral a não teria, existe talvez razão para que alguns historiadores recentes admitam a hipótese de ele ter sido o capitão-mor da armada, para superintender em todas as suas manobras e todos os seus trabalhos, em geral, mas sem deter o comando de qualquer navio. Com efeito, qual seria o capitão habituado ao mar que necessitaria de conselho do que devia fazer, antes de partir, “fazer mui boa ordenança para se não perderem seus navios dos outros". Os indicativos de ordenança, como já era decerto habitual, saiam do navio do capitão-mor e eram marcados pelo número de sinais luminosos. Vasco da Gama escreveu em seguida: “depois que em boa hora daqui partirem farão seu caminho direito à ilha de Santiago. E se ao tempo que aí chegarem tiverem água em abastança para quatro meses, não devem pousar na dita ilha, nem fazer nenhuma demora, somente enquanto lhe o tempo servir a popa (...).” A referência aos quatro meses de aprovisionamento de água é significativa, pois podíamos concluir que Vasco da Gama não tinha a mínima ideia de que o Brasil existia e de que o abastecimento podia eventualmente aí ser feito, como de facto foi. As instruções continuam: “enquanto o tempo servir a popa (devem fazer) seu caminho pelo sul, e se houverem de guinar seja sobre a banda de sudoeste; e tanto que neles der o vento escasso, devem ir na volta do mar até meterem o cabo da Boa Esperança em leste franco; e daí em diante navegarem segundo lhe servir o tempo e mais ganharem.” Segundo Gama, esta navegação em arco, e certamente de maior número de léguas, tornava-se na prática aconselhável, pois tornava a viagem mais breve. No caso de um navio se afastar da vista dos restantes, o ponto de encontro seria a aguada de São Brás, o que se tornou depois habitual na carreira da índia. O interesse das instruções de Vasco da Gama é inquestionável, e é pena que se tenham perdido as folhas com os conselhos para a viagem no Índico, que reflectiriam, a prática que o almirante da índia recolhera nesses mares.

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4.5. – As “ordens” de D. Manuel Pedro Álvares Cabral devia manifestar ao rei de Calecute todo o seu interesse em estabelecer com ele paz dando de comer e de beber a todos aqueles que às naus viessem desde que não pusesse em perigo a Nau bem como o gasto de mantimentos. Baltasar e os índios trazidos por Vasco da Gama seriam os enviados ao samorim com o encargo fundamental de: 1.º) difundir a fé Cristã; 2.º) estabelecer relações comerciais entre os dois reinos. Mas Pedro Alvares Cabral devia ser cauteloso, em virtude do que tinha sido feito a Vasco da Gama, que ficara retido em Pandarane, era-lhe proibido sair em terra sem lhe serem dados reféns que ficassem na armada. Se tal exigência fosse estranha ao samorim, devia referir que esse era o costume praticado em Portugal. Nenhum capitão principal podia sair dos seus navios, enquanto a paz não estivesse estabelecida. Por outro lado, Cabral devia transmitir ao rei de Calecute que D. Manuel lhe mandava mercadores não ladrões como fora logo certamente espalhada pelos mercadores muçulmanos, que se sentiam ameaçados com a inesperada concorrência. Mas D. Manuel é insistente e, continua: “e lhe direis (ao rei de Calecute) de nossa parte como desejamos sua amizade e concórdia, prestança e trato em sua terra, e que para isso vos enviamos lá, com aquelas naus de mercadoria; e lhe rogamos que ele dê ordem como seguramente nossas mercadorias se possam vender, e nos faça dar carga para as ditas naus, de especiaria e das outras mercadorias da terra, que para cá são proveitosas (...).” Além disso, devia também determinar que tudo fosse vendido aos Portugueses pelos mesmos preços que costumam vender na sua terra, mas se o samorim tal não o fizesse devia Pedro Álvares Cabral carregar as naus com o que fosse necessário para a viagem de regresso, mesmo que os produtos fossem mais caros. D. Manuel estava bem informado da resistência que os mercadores locais iriam levantar à intromissão no monopólio que detinham, e os factos comprovam que eram justificadas as suas apreensões. Pedro Alvares Cabral ficava também obrigado, por ordem real, a saber se os direitos que se pagavam pelas mercadorias são os que Gaspar (da índia) disse, e a tentar reduzir os preços dos produtos. Quer isto dizer que D. Manuel desejava obter no porto de Calecute um tratamento de privilégio, confirmando assim as suas pretensões em fazer mudar de mãos, a seu favor e com vantagens, os monopólios que outros detinham. Para justificar o seu pedido de protecção aduaneira para as mercadorias portuguesas, disse que o samorim não ficaria prejudicado porque, ainda que os Portugueses pagassem menores direitos do que os outros, a quantidade das naus e mercadorias levadas pelos Portugueses seria tanta, que lhe renderiam os seus direitos muito mais que agora rendem. Contudo, Cabral, se visse o rei pouco inclinado a aceder a esta sugestão, não devia insistir no assunto, desse modo poderia evitar um desentendimento definitivo, em virtude do samorim pensar estar persuadido de que perderia alguma coisa dos direitos que os mouros lhe davam.

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4.6. – O Descobrimento do Brasil “E Domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde (...). Na noite seguinte à Segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser! (...) E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que Terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de Abril, topamos alguns sinais de terra (...). Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mão, e suas setas. (...)”

O descobrimento do Brasil. Seguindo João de Barros, apura-se que Cabral, depois de ter navegado 450 léguas naquela “grande volta”, “foi dar em outra costa de terra firme”, a 24 de Abril de 1500. A ideia inicial da maioria dos navegadores foi a de estarem em presença de uma ilha e não de “terra firme”. Cabral navegou ao longo da costa, para o norte, a fim de dissipar a dúvida, mas sem êxito. Depois de tomar as possíveis noticias da terra, zarpou para o seu destino, não sem antes encarregar uma caravela de regressar a Lisboa com a nova do descobrimento, a bordo dela iam pelo menos, amostras de pau-brasil, papagaios e araras.

4.7. – A tese da intencionalidade Cabral atingiu a costa brasileira intencional ou ocasionalmente? Quando Silva Cabral publicou um estudo em que concluía pela intencionalidade da derrota, contrariando a ideia, até então geralmente aceite, de que só o acaso de uma tempestade ou de um desnecessário desvio para poente dera àquele navegador a glória do descobrimento. Silva Cabral diz que a fragilidade com que vinha sendo posta a hipótese da abordagem casual do Brasil. É lógico darmos a importância atribuída à tempestade na explicação do sucesso que acaba por ser a principal e única justificação não só da perda de um navio da frota, mas também do desvio para poente de todas as restantes naus da armada. Por muito desacreditadas que estejam certas explicações não temos o direito de as pôr todas de lado sem prévia e cuidada análise.

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Não nos podemos esquecer que os condicionalismos impostos à navegação de vela nem sempre permitiam que os pilotos cumprissem rigorosamente na prática as rotas aconselhadas. Em todo o caso, e a despeito dessa imprecisão, o descobridor do Brasil não podia deixar de repetir aproximadamente a linha de navegação já percorrida pelo seu antecessor, como naquelas instruções que Vaco da Gama lhe recomendara. Segundo o relato de Pero Vaz de Caminha, os homens de Cabral também avistaram aves, mas não parece admissível que o capitão-mor viesse a descobrir o Brasil apenas por ter seguido aves no seu voo. Tais acontecimentos que envolvem uma intencionalidade de última hora é incompatível com os objectivos da armada e com a urgência que D. Manuel tinha na sua chegada à índia, claramente referida no regimento de instruções complementares que o rei dirigiu a Cabral onde disse: “não tomeis outro porto nem façais demoras em alguma parte”. A tese da intencionalidade ficaria, sem dúvida, muito fortalecida se fosse possível provar que outros marinheiros chegaram a terras brasileiras antes de Cabral. Alguns historiadores questionam-se; Será que Pedro Álvares Cabral ia encarregado de descobrir “oficialmente" o Brasil, acontecimento que seria então tornado público, deixando no esquecimento as visitas que o antecederam? Segundo alguns autores, Duarte Pacheco Pereira teria navegado no largo do litoral brasileiro em 1498, tal noticia fundamenta-se apenas num passo do Esmeraldo de Situ Orbis, escrito por Duarte Pacheco Pereira. Percorrendo os textos que se ocupam da viagem, e que adiante em parte analisaremos (carta de Vaz de Caminha, carta de mestre João e Relação do piloto anónimo), verifica-se que nenhum deles alude a qualquer tempestade que tivesse precedido a abordagem da armada ao Brasil. Todavia, há um pormenor que salta aos olhos, não só nos dois textos referidos como nas crónicas, nenhum desses escritos fala de descobrimento, o que tem sido aproveitado pelos defensores da tese da intencionalidade como prova de que já antes deste navegador teria sido visitado ou avistado por portugueses. O Mestre João, identifica a terra descoberta com uma ilha ou terra esboçada num mapa-múndi que se perdeu. Na crónica anónima a descrição da viagem de Pedro Alvares Cabral à Índia mostra que o descobrimento do Brasil, a que o texto chama ainda Terra de Santa Cruz, é considerado pelo narrador como acontecimento de secundária importância, o que não deve surpreender, uma vez que até 1521 a coroa portuguesa pouco se interessou pelo descobrimento cabralino. O principal interesse desse documento escrito reside na circunstância de declarar abertamente que Pedro Álvares Cabral, depois de ter navegado algum tempo com cerração e chuva, “chegara a uma terra ainda não descoberta". Pelo final decisivo deste passo poderá ser afastada a hipótese de terem existido precursores de Cabral, ou seja, é de rejeitar a ideia de haver navegadores que antes dele tivessem percorrido a mesma zona da costa brasileira. De toda esta informação, parece aceitável dizer que o Brasil foi ocasionalmente encontrado por Pedro Álvares Cabral, em Abril de 1500.

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4.8. - O retorno a Portugal para anunciar a descoberta do Brasil. Para anunciar o descobrimento do Brasil a D. Manuel I, Pedro Alvares Cabral decidiu fazer retornar a Lisboa um dos navios da frota. Entre os historiadores tem havido uma acesa discussão acerca de qual navio foi escolhido para esta missão. Para Gaspar Correia, teria sido André Gonçalves o capitão do navio destacado, e para Castanheda, Barros e Góis, foi Gaspar de Lemos em que recaiu a honra da escolha de Pedro Álvares Cabral, depois de um conselho em que foram ouvidos todos os capitães e outros homens notáveis da armada. Soares Pereira, um erudito historiador brasileiro inclina-se principalmente para a informação de Gaspar Correia, dizendo que a caravela navegou de Porto Seguro ao longo da costa até ao limite possível, tendo os seus tripulantes podido concluir que estavam na presença de terra firme, e não de uma grande ilha, como de início se admitira. Vários tripulantes dessa caravela prestaram oralmente um relato ao rei, bem como as notícias que Pedro Álvares Cabral, os capitães dos navios da armada e várias outras pessoas da tripulação mandaram para o Reino em suas cartas. Apenas salvaram-se duas, a carta do escrivão Pêro Vaz de Caminha e a do cirurgião e astrólogo mestre João. É através da exposição de Caminha ao rei que logo ficamos a saber terem sido em grande número as missivas mandadas de Porto Seguro para Lisboa.

4.9. - A Carta – Narrativa de Pero Vaz de Caminha A carta de Pero Vaz de Caminha, foi publicada mais de meia centena de vezes, quer em transcrições diplomáticas, quer em leitura modernizada. Caminha tem um sentido de observação rigorosa, pois observava tudo o que de novo ou até de insólito os portugueses da frota cabralina encontraram nessa terra desconhecida. Começa do seguinte modo o seu relato: “(..) e portanto, Senhor, do que hei-de falar começo e digo: que a partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de Março, e sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas nos achámos entre as Canárias, mais perto de Grã-Canária, e ali andámos todo aquele dia em calma, à vista delas três ou quatro léguas (...).” Diz-nos que a 22 de Março estavam à vista da ilha de São Nicolau, “segundo dito de Pêro Escobar, piloto”, e que no dia imediato, que era uma segunda-feira, se perdeu da frota Vasco de Ataíde, “com a sua nau, sem ai haver tempo forte nem contrário para poder ser”, a este respeito anota que o capitão-mor fez as suas diligências para encontrar Ataíde, que resultaram infrutíferas.

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Só cerca de um mês mais tarde, a 21 de Abril, tiveram “alguns sinais de terra”, quando se encontravam a 660 ou 670 léguas daquela ilha cabo-verdiana, segundo a opinião dos pilotos; com efeito, acrescenta Caminha, avistaram “muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim outras a que também chamam rabo de asno”. Esse dia era a terça-feira das oitavas da Páscoa, e no dia imediato, ou seja, a 22 de Abril, logo pela manhã a proximidade de terra confirmou-se com a vista de aves a que os marinheiros de então chamavam “fura-buchos”. Na tarde desse dia 22 avistaram terra; diz Caminha: “e neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, a saber, primeira de um monte grande mui alto e redondo e de outras serras mais baixas ao sul dele, e de terra chã com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs o nome de monte Pascoal.” Passaram a noite imediata ancorados ao largo, cerca de seis léguas da costa, e a 23 aproximaram-se de terra, com “os navios pequenos diante”, até chegarem a meia légua do que supunham ser uma ilha, com o fundo de 9 braças; aí ancoraram em frente de um rio cerca das dez horas, “pouco mais ou menos”, tendo avistado na praia alguns homens. E acrescenta: “(...) lançámos logo os batéis e esquifes fora e vieram todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor (passo indicador de que Caminha acompanhava Pedro Álvares Cabral), e o capitão mandou no batel em terra Nicolau Coelho (...).” Após a um breve contacto com os habitantes daquela nova terra, sobreveio vento e tempo desfavorável, pelo que Pedro Alvares Cabral, a conselho dos pilotos, deu ordem para que se levantasse âncora e se navegasse para Norte, ao longo da costa, à procura de um lugar abrigado, a fim de se abastecerem de água e lenha. Chegaram a um porto seguro onde fundearam, primeiro os navios mais ligeiros da esquadra e de seguida as naus mais pesadas. O piloto Afonso Lopes, que ia num dos “navios pequenos”, sondou todo o porto, por mandado do capitão-mor. Aí se estabeleceriam as relações de bom entendimento com a população, durante pouco mais de uma semana em que Cabral se deteve. A carta-narrativa de Caminha passa em seguida a prestar atenção à terra e aos seus habitantes, tornando-se extremamente viva e significativa, pelo brilho da redacção, pela referência aos usos dos indígenas que regista, pelas particularidades geográficas que anota e pela observação da fauna e da flora desse novo mundo que se abria aos olhos maravilhados dos Portugueses. A carta fala-nos também da possibilidade de lá haver ouro e prata, mas, é bom não esquecer, contudo, que os navegadores portugueses desse tempo procuravam sobretudo alcançar riquezas, e os sinais do índio, a despeito da interpretação que lhes deram (mas a que Caminha não teria afinal apontado excessivo valor, como outro passo da sua carta mostra), podiam não querer significar exactamente o que deles se depreendeu. Caminha não hesita em propor a interpretação dos seus companheiros e dele mesmo, este comentário algo irónico e realista: “isto tomávamo-lo nós por o desejarmos, mas se ele queria dizer se levaria as contas mais o colar, isto não queríamos nós entender.” Resumidamente Luís de Albuquerque cita algumas notícias de interesse da carta de Caminha. Assim: a) ao longo de toda a carta é evidente que as relações entre os portugueses e os ameríndios foram excelentes, não se deu o mais pequeno incidente entre os Academia Militar

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homens de duas raças que até então não tinham estabelecido qualquer contacto. Isso deve-se em grande parte à docilidade manifestada pelos índios contactados, mas também há que ter em conta o desejo de aproximação de que Cabral e os seus homens estavam animados; b) o texto contém diversas informações sobre a fauna e a flora locais; c) a despeito da cordialidade das relações, os índios defenderam-se, a princípio, de intromissões excessivas, em particular mandando ao degredado Afonso Ribeiro que voltasse para as naus, quando, ao entardecer, ele se dispunha a ficar com eles durante a noite, por ordem do capitão-mor, passaram-na junto à praia, porque os índios não os admitiram no aldeamento; d) segundo o relato de Caminha, o capitão-mor foi extremamente cauteloso e realista a respeito dos meios a adoptar para que no futuro se pudessem obter informações rigorosas sobre a natureza, as produções, a extensão e o interesse, em suma, daquela terra; com efeito, depois de se ter decidido mandar para o Reino a noticia do descobrimento pelo navio de mantimentos (tendo previamente, é claro, passado a carga para aqueles que prosseguiam a viagem), pôs-se a questão de saber se seria bom tomar por força dois destes homens. Para não fazer escândalo e para os de todo mais amansar e pacificar, decidiu-se que não se devia de modo algum tomar à força quem quer que fosse; e)

Pêro Vaz de Caminha talvez não tivesse estado até final convencido de se encontrarem presença de uma grande ilha.

4.10. - A Carta do Mestre João A carta de mestre João, completa do ponto de vista técnico e náutico o extraordinário documento, de Pero Vaz de Caminha. A carta de mestre João é muito mais breve do que a de Caminha; A primeira informação é que muitos escreveram do Brasil (então Terra de Santa Cruz) a D. Manuel, dando sem dúvida noticias do descobrimento e de certas particularidades da terra tal como a de Caminha. Os dados mais significativos que nos transmite a carta de mestre João são todos de carácter técnico e relativos à náutica então praticada; com efeito, ele informa o rei sucessivamente: 1) que a uma segunda-feira (possivelmente 29 de Março) descera em terra com o piloto do navio de Sancho de Tovar (de que não cita o nome) e juntos mediram a latitude do lugar em que se encontravam (Porto Seguro) a partir da altura do Sol ao meio-dia e, naturalmente, de tábuas de declinações solares; acharam que a armada se encontrava em 17.º de latitude sul;

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2) que a maioria dos pilotos (incluindo Pêro Escobar) marcavam a viagem apenas pela carta, e por isso supunham que a armada estava adiantada em relação ao ponto de mestre João mais ou menos 150 léguas; e comenta: “mas quem disse a verdade não se pode certificar (dela) até que cheguemos ao cabo da Boa Esperança, e ali saberemos quem vai mais certo: eles com a carta e eu com a carta e com o astrolábio”; depreende-se deste passo que o astrolábio (e a observação do Sol) ainda não era aceite por todos os pilotos. 3) presume-se que mestre João confundia o Brasil com alguma das ilhas fantásticas que uma cartografia tradicional semeava ao acaso para poente do Atlântico dizendo ao rei que podia ver a situação da terra descoberta num mapa-múndi “antigo” que estava na posse de Pêro Vaz Bisagudo; 4) apesar da sua boa vontade, não conseguia tirar correctamente as alturas das estrelas do hemisfério sul, por duas razões: (1) a chaga que lhe surgira numa perna; (2) e o facto de o navio em que seguia ser muito pequeno e muito carregado balançando excessivamente para que ele conseguisse tirar os graus precisos entre elas, pelo que aconselhou que apenas se fizessem observações em terra. Esboça então os desenhos que incluiu na carta. 5) ele levava a incumbência de testar os vários instrumentos de alturas então em uso na marinharia portuguesa: o astrolábio, o quadrante e as chamadas “tábuas da Índia”, que Vasco da Gama encontrara em uso no oceano Índico e trouxera para Portugal; 6) o astrólogo fala ainda das “guardas” do Cruzeiro do Sul, afirmando que elas nunca se escondem; 7) a carta alude ainda à “estrela do Pólo Antárctico, ou Sul”, dizendo que ela era “pequena como a do norte (Estrela Polar) e mais clara.”

4.11. - O Relato do “ Piloto Anónimo” O chamado relato do “piloto anónimo”, de que ainda sobrevivem quatro manuscritos em dialecto veneziano, com variantes, foi publicado pela primeira vez em 1507. Se é apenas muito provável que o redactor do texto fosse um português, é certo que ele acompanhou Pedro Alvares Cabral na sua viagem, mas já é bastante duvidoso que se tratasse de um piloto, como se tem pretendido, pois falta ao relato as anotações de carácter técnico que um piloto por certo não deixaria de escrever. Tal depoimento tem o seu significado, isto porque particularmente confirma a carta de Pero Vaz de Caminha informador do rei de Portugal. Assim resumidamente segundo Luis de Albuquerque: 1) esclarece que a armada, tendo largado para o mar em 9 de Março (tal como Academia Militar

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dizem todas as fontes dignas de crédito), saíra na véspera de Lisboa para o Restelo, onde D. Manuel entregou “pessoalmente ao capitão-mor o estandarte real para a dita armada"; 2) aponta que a 14 de Março passaram pelas Canárias e que a 22 passaram por Cabo Verde, mas não desce ao pormenor de que as ilhas mais próximas dos dois arquipélagos eram a Grã-Canária, e São Nicolau, como Pêro Vaz de Caminha anota; 3) alude à perda de um navio nas paragens do arquipélago de Cabo Verde, de modo extremamente sucinto: “e no dia seguinte esgarrou-se uma nau da armada, por forma tal que não se soube mais dela”; 4) não refere quaisquer sinais anunciadores de terra que precederam a aterragem ao Brasil; escreve apenas, de maneira seca: “Aos vinte e quatro de Abril, que era uma quarta-feira do Outavário da Páscoa, houvemos vista de terra”; com geral prazer, aproximaram-se dela e ancoraram na embocadura de um rio, achando a terra muito “povoada de árvores e de gente que andava pela praia”; segundo o relato de Caminha, à primeira vista na terra não era grande o número de índios avistados; 5) o capitão-mor teria mandado gente das naus, em um batel, ao reconhecimento da gente que viam; e aqui o relato concorda de modo notável com as informações de Caminha, pois diz: “(...) acharam uma gente parda, bem disposta, com cabelos compridos; andavam todos nus sem vergonha alguma, e cada um deles trazia o seu arco com flechas” e acrescenta, ainda de acordo com as letras do escrivão: “não havia ninguém na armada que entendesse a sua linguagem”; 6) anota correctamente que no dia imediato se dirigiram para o norte, mas explica que durante a noite se levantou “um mui rijo temporal”, e com ele navegaram até ao porto muito bem protegido, onde ancoraram, “e vimos daqueles mesmos homens que andavam pescando nas suas barcas", o que Caminha não refere; 7) também o nosso “piloto anónimo" diverge um pouco da carta quando diz que “um dos nossos batéis foi ter aonde eles estavam (a pescar) e apanhou dois que trouxe ao capitão-mor, para saber que gente eram”; porém, “como dissemos, não se entendiam por falas nem mesmo por acenos”, o que está claramente em desacordo com os dizeres de Caminha, pois este avança que os dois índios deram a entender que na terra existiria prata e ouro, muito embora noutro passo da carta não levasse essa indicação muito a sério, como já disse; 8) no Outavário da Páscoa o capitão-mor decidiu mandar dizer missa na praia, enquanto Caminha informa que a cerimónia se efectivou num ilhéu;

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9) quando Cabral resolveu fazer aguada e “tomar lenhas", não só não encontrou qualquer impedimento dos naturais, como estes “vieram connosco para ajudarnos”; aqui os textos coincidem no significado, embora não nas palavras; 10) Descreve os homens e o seu modo de viver sucintamente, mas com grande objectividade; relatando: “os homens, como já dissemos, são baços, e andam nus sem vergonha, têm os seus cabelos grandes e a barba pelada; as pálpebras e as sobrancelhas são pintadas de branco, negro, azul ou vermelho (Caminha, também fala desta particularidade); trazem o beiço debaixo furado, e metem-lhe um osso grande como um prego; outros trazem uma azul ou verde, e assobiam pelos ditos buracos; as mulheres andam igualmente nuas, são bem feitas de corpo, e trazem os cabelos compridos.” E segue-se logo a descrição sumária das habitações índias: “As suas casas são de madeira, cobertas de folhas e ramos de árvores, com muitas colunas de pau pelo meio, e entre elas e as paredes pregam redes de algodão, nas quais pode estar um homem”; neste sentido, o autor anónimo do relato é bastante mais preciso do que Caminha, pois acrescenta: “e de cada uma destas redes fazem um fogo, de modo que numa só casa pode haver quarenta ou cinquenta leitos armados a modo de teares”; 11) não deixa de igualmente observar que na terra não tinha sido vista qualquer peça de ferro ou de qualquer outro metal, esclarecendo que “cortam as madeiras com uma pedra”; 12) apesar de pouco loquaz, o “piloto anónimo" não se esqueceu de apontar que existiam na terra muitas aves, que os seus habitantes se dedicavam à pesca (descreve até um peixe, para ele desconhecido, que observara entre os muitos tirados do mar) e a grande abundância de árvores. O relato, pelo que vem de ser resumido, confirma numa parte e por outra parte completa os dados de Pêro Vaz de Caminha. O piloto anónimo estava persuadido a pensar que estava na presença de terra firme. Como se pode concluir, e deixando de lado um pequeno número de insignificantes divergências, pode-se dizer que as fontes directas sobre o primeiro contacto de portugueses com terras brasileiras são impressionantemente concordantes.

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V–A

Herança: A Língua deixada pelo

Mundo A língua portuguesa é ao mesmo tempo histórica, contingente, herdada, em permanente transformação e trans-histórica, praticamente intemporal. A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, de camoniana evocação, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo. Sendo ela hoje a fala de um país-continente como o Brasil ou língua oficial das grandes nações como Angola e Moçambique, que em insólitas paragens onde comerciantes e missionários da grande época puseram os pés, de Goa a Malaca ou a Timor, a língua portuguesa tenha deixado ecos da sua existência, foi mais benevolência dos deuses e obra do tempo que resultado de concertada política cultural. Quiseram também as circunstâncias, na sua origem pouco recomendáveis, que a nossa língua europeia, em contacto com a africana escrava, se adoçasse, mais do que já é na sua versão caseira, para tomar esse ritmo aberto, sensual, indolente, do português do Brasil ou do tom nostálgico da de Cabo Verde. Da nossa presença no mundo só a língua do velho recanto galaico-português ficou como o elo essencial entre nós, como povo e como cultura, e as novas nações que do Brasil a Moçambique se filam e mutuamente se compreendem entre as demais. Uma língua não tem outro sujeito que aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu “proprietário” pois ela não é objecto, mas cada falante é seu guardião. Mas como duvidar que a longa cadeia dos mais exemplares e ardentes dos seus guardiães, aqueles que tornaram sensível o que nela há de imponderável, de Fernão Lopes a Gil Vicente, de Camões a Vieira, de Castro Alves a Pessoa, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, ou de Baltazar Lopes a José Craveirinha, se apague ou estiole? A pluralizada língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas no mundo. Isso não basta para que retiremos dessa constatação empírica um contentamento, no fundo, sem substância. Se contentamento é permitido, só pode ser o que resulta de imaginar que esse amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas, é, apesar ou por causa da sua variedade, aquele espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada.

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Considerações Finais Pode considerar-se que as descobertas portuguesas apresentaram quatro características essenciais: a) O «pioneirismo temporal», porque precederam, de cerca de 70 a cem anos, as outras descobertas europeias;

b) A «dispersão espacial», porque foi a única expansão que permitiu uma implantação em todas as partes do mundo (África, Ásia, América e Oceânia);

c) O «pluralismo civilizacional», pela capacidade que teve a expansão portuguesa de se organizar no mundo segundo duas modalidades diferentes: a da intercomunicação, na África e no Oriente, e a da criação espacial, no Brasil;

d) O «universalismo cultural», graças à capacidade de adaptação às diferentes civilizações.

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Referências Bibliográficas  Albuquerque, Luís de. Os Descobrimentos Portugueses, Publicações Alfa.

 Saraiva, José Hermano. História de Portugal, Publicações Alfa.

 Cortesão, Jaime. A Política de Sigilo nos Descobrimentos, Colecção Henriquina.

 Dicionário de História de Portugal Ilustrado, 1º Vol, Clã.

 Diciopédia 2000, Porto Editora.

 História Universal de Portugal, Texto Editora.

 Marques, J. M. Da Silva. Descobrimentos Portugueses, Lisboa.

 Galvão, António. Tratado dos Descobrimentos, Livraria Civilização

Academia Militar

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