DOS SCREEN TESTS DE WARHOL ATÉ O REM: O SELF –DESIGN E OS TENSIONAMENTOS ENTRE A CELEBRIZAÇÃO E O ORDINÁRIO

May 29, 2017 | Autor: T. Pereira Alberto | Categoria: Popular Music Studies, Popular Music, Comunicação Social, Mídias Digitais, Celebrity Studies
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DOS SCREEN TESTS DE WARHOL ATÉ O REM: O SELF –DESIGN E OS TENSIONAMENTOS
ENTRE A CELEBRIZAÇÃO E O ORDINÁRIO
Thiago Pereira Alberto*[1]
Resumo: O artigo pretende aproximar algumas obras de Andy Warhol ("Screen
Tests") a dois videoclipes lançados recentemente pela banda norte-americana
REM ("We All Go Back To Where We Belong" e "Every Day Is Yours To Win") que
problematizam as novas relações entre o célebre e o ordinário na sociedade
contemporânea. Presenciamos, com os processos de mediatização atuando como
dispositivos de interação social, o contexto tecnológico crescente e amplo
e as novas noções de público e privado, tentativas de construção de um
sujeito midiático que ao mesmo tempo desafia e modifica os papéis do
produtor e do amador atualmente. Com isso, estabelecem-se novas formas de
celebrização e novas estratégias em busca pelo ordinário.
Palavras-Chave: Andy Warhol. Celebrização. Ordinário. REM. Self Design.

Abstract: The article analyzes some works of Andy Warhol ("Screen Tests")
and two videos recently released by the American band REM ("We All Go Back
To Where We Belong" and "Every Day Is Yours To Win") that problematize the
new relations between the famous and the ordinary in the contemporary
society.Nowadays in society, with the processes of mediatization devices
acting as social interaction, increasing the technological and broad, and
new notions of public and private efforts to build a subject that the media
both challenges and modifies the roles of producer and amateur today. So,
it´s possible to see new forms of celebrities and new strategies to the
ordinary.
Keywords: Andy Warhol. Celebrate .Ordinary. REM. Self Design

1. ANDY WARHOL E UMA IDÉIA DE CELEBRIDADE
Quando o artista plástico Andy Warhol (1928-1987) fez sua notória
declaração ("In the future, everyone will be world-famous for 15 minutes"
[2]), ele parecia preconizar não apenas a busca desenfreada por um status
de "celebrizacão" midiática instantânea e fugaz que, já em 1968, quando
cunhou a frase, parecia estar em andamento- principalmente se pensarmos no
"star system" hollywoodiano, na ascensão da música pop e no subseqüente
jornalismo de entretenimento, voltado à manutenção deste sistema. Através
de um olhar provocativo e irônico, dois adjetivos que podem ser também
aplicados a outras áreas de atuação de Warhol (como artista plástico, por
exemplo), os meios de comunicação de massa e o surgimento das celebridades
advindas deste meio, são "musas inspiradoras" para boa parte da produção
pop-artística do período. Como nota McCarthy (2002, p.37) "... na época em
que Warhol e outros artistas pop dirigiam sua atenção para a fama
contemporânea, eles tinham a disposição um panteão de indivíduos famosos
cujas vidas eram assunto de intensa investigação e criação de mitos
populares".
Ao mesmo tempo, o trabalho videográfico de Warhol (e de outros artistas
residentes em Nova Iorque na década de 1960) de alguma forma se situava
muitas vezes como uma espécie de antípoda ao que era produzido pelo grande
centro cinematográfico norte-americano da época, Hollywood, ao retratar
possibilidades midiáticas mais "desglamourizadas"; ou complementarmente,
buscar através da visualidade excessiva a beleza do ordinário e do "real"-
vide "Empire", filme que se resume a oito horas filmando o Empire State
Building, um dos símbolos e orgulhos da cidade. Se Hollywood poderia ser
percebida como
Uma cidade de fabulistas. Seus moradores vivem de inventar
histórias que se recusam a ficar ordeiramente confinadas à
tela e, em vez disso, transbordam para a vida cotidiana de
homens e mulheres que vêem a si mesmos como astros dos
filmes de suas próprias vidas (BISKIND, 2009, P.7)
Parte da produção artística de Nova Iorque se concentrava em buscar algum
tipo de experiência mais próxima do real, utilizando um posicionamento
ambíguo em relação a retratar visualmente a sociedade norte-americana da
época. A própria produção cinematográfica de Hollywood iria usar deste
expediente para buscar novas formas de se fazer cinema, como nos informa
Peter Biskind em seu livro "Como a geração sexo-drogas-e-rock n´roll salvou
Hollywood, que captura justamente o período de mudanças radicais na
indústria cinematográfica dos anos 1960 e 1970, retomando certo verniz
artístico que parecia perdido dentro do sistema, justamente através do
"diferente", do proibido- na teoria defendida por Biskind, o sexo, as
drogas, o rock n´roll (e pensando que o hedonismo é também fator importante
nas produções pop-artísticas). Artistas como Warhol - e protegidos seus,
como a banda de rock Velvet Underground- pareciam querer radicalizar essa
busca por este espírito dos tempos, menos esplendoroso que o cinema
hollywoodiano propunha, e mais sombrio como pareciam ser as ruas de Nova
Iorque de então. Como resume McCarthy, a respeito da famosa frase citada no
começo deste artigo:
Provavelmente não foi também por coincidência que Warhol
fez seu pronunciamento naquele ano de 1968, quando dois
dos mais destacados líderes norte-americanos- Robert
Kennedy e Martin Luther King Jr- foram assassinados.
Embora as realizações individuais deles já os tivessem
tornado famosos, suas mortes muito documentadas selaram
sua reputação de mártires, o que também deu notoriedade a
seus assassinos. Portanto o interesse da arte pop pela
fama era ambíguo porque abrangia o famoso e o infame, os
vencedores e as vítimas da vida pós-guerra. (McCARTHY,
2002, P.37)
Assim como também não parece coincidência, no ano anterior, Hollywood ter
produzido (e alcançado grande notoriedade) um filme como "Bonnie & Clyde"
(Arthur Penn, 1967), baseado na história de um casal de assassinos seriais
norte-americanos dos anos 30. Parecia pairar uma espécie de busca pelo
infame, pelo ordinário da vida, mas com um filtro de espetáculo,
celebrizante. -neste caso, sob a ótica do crime.
Outra leitura já era possível na época: a ascensão do "ordinário", do
"comum", do "amador" à posição de produtor do espetáculo. Como conta o
artista Gerard Malanga (2000), parceiro de Warhol nos anos 1960, certa
feita ele escolheu, de um catálogo de Botânica, uma imagem aleatória de
flor, e a transformou em uma serigrafia. Uma senhora reconheceu a
fotografia de suas papoulas e pediu crédito e indenização pelo uso da
imagem-que seria dado depois de alguns anos. Deste episódio, Warhol pôde
perceber que a relação entre a sua atitude artística (serigrafando a
imagem) e a atitude da fotógrafa amadora, estavam arterialmente conectadas
e comprovavam certa fluidez entre as membranas do registro artístico e da
obra amadora.
Possivelmente Warhol concluiu como aponta Honnef (2000, p.71) que "quase
tudo é digno de ser reproduzido, tudo estava disponível; só que
naturalmente, o público aplaude mais o artista célebre do que o amador
anônimo". O passo seguinte foi montar sua fábrica particular de
"superstars". No seu galpão de criação, a Factory, colocou em prática essa
questão, com filmes completamente fora dos padrões técnicos e narrativos de
Hollywood, "... sequências de tal modo longas e maçadoras, sem cortes,
planos e enquadramentos que pouco ou nada variam" (HONNEF, 2000, p. 74).
Assumindo um trabalho de câmera mal feito, o tratamento inadequado do áudio
e atores que apareciam dormindo, fazendo mímica ou apenas transcrevendo
frases banais da vida cotidiana, em filmes como "Chelsea Girl", a
provocação é nítida: a importância glamourizada do aparato fílmico muitas
vezes supera seu conteúdo-o meio como mensagem.
Mas ao mesmo tempo, ele procurava singularizar o ator, afastando-o dos
maneirismos típicos, e dando "voz" a uma representação que buscava uma
proximidade realista, particularizada. "Ao desprezar conscientemente todas
as regras, Warhol desmascarava-as (os personagens) como invólucros da
imagem, nos quais é comprimida uma realidade variada e viva", aponta Honnef
(2000, p.77). Expandindo ainda mais essa questão, o artista criou sua série
de filmes silenciosos, chamados de Screen Tests, onde produzia vídeos
curtos, focando apenas na reação das pessoas diante das câmeras, sendo que
essas pessoas poderiam ser pensadores notórios como Susan Sontag,
escritores famosos como Allen Ginsberg, e, principalmente qualquer um que
Warhol acreditasse que tivesse "star potential", uma força imamente para se
transformar em uma celebridade fílmica.

Dois Screen Tests filmados em 1966 por Warhol: o artista Marcel Duchamp (à
esquerda) e o escritor Allen Ginsberg
Em suma: os tais quinze minutos propostos por Warhol poderiam se expandir,
se transformar, deslocar vetores antes consolidados, notadamente os lugares
e os papéis dos espectadores e dos enunciadores, colocando (literalmente)
em primeiro plano o "amador", e abrindo espaço para novas relações com a
idéia de "celebridade" (e uma possível e estratégica busca delas por
singularização), revisando processos como "espetacularização" (no viés de
uma enunciação massiva para uma recepção passiva), e as novas formas de
visibilidade que estão em curso.
Seus Screen Tests possibilitavam um movimento duplo: ao mesmo tempo em que
exercia a sua função original, que era testar a capacidade da pessoa
"fotografar bem" em frente a uma câmera de vídeo, descobrir seu potencial
como futura celebridade midiática, tentava também conferir uma dose de
realidade a famosos como Bob Dylan ou Marcel Duchamp, posicionando-as no
mesmo estágio de "atuação" que um amador. Ao mesmo tempo em que ele
proporcionava uma idéia de visibilidade para o ordinário, oferecia
estratégias de singularização, tentando esconder o notório. Esse jogo
parece estar em forte funcionamento na sociedade contemporânea, e é muito
bem ilustrado por dois clipes recentes da banda de rock norte-americana
REM.
1.1 REM: A DISCRETA BANDA FAMOSA
Formado em Athens, Estados Unidos, o REM se notabilizou especialmente por
duas coisas. Primeiro, pela evidente qualidade de seus músicos e de suas
músicas, guardadas em uma das carreiras discográficas mais regulares da
história da música pop, reconhecida por público e crítica. E segundo, por
ser um dos melhores exemplos de artistas cuja trajetória pendeu,
continuamente, entre o jogo da exibição pública e o esconderijo do privado,
da fantasia e do comum.
Em um território tão visualizado e percebido- e tão requisitado para ser e
agir justamente na chave da celebrizacão- como o do mundo do rock, a banda
conseguiu algo diferente: ser idolatrada justamente por não "ceder" ao jogo
do star system. Claro que esse argumento apenas se sustenta tendo como base
comparativa outros exemplos de artistas no mesmo território, já que uma
banda que vendeu milhões de discos é naturalmente, um bando de
celebridades. Mas é curioso pensar que parte desses milhões de discos, e
muito do culto em relação à banda, é explicado justamente por ela cultivar
uma espécie de figura pública discreta, pouco relacionada aos clichês
midiáticos (a prática do sexo e do uso drogas, noticiados- e exibidos- de
forma escandalosa) que envolvem o circo pop.
Em comparação com tantos outros famosos, seu letrista e front- man, Michael
Stipe, se notabilizou como um ícone musical quase às avessas: autor de
letras enigmáticas (que mais escondiam sentidos do que mostravam) e de uma
imagem pública que nunca seguiu o "manual estético de um rock star". Teve
sua vida pessoal pouco devassada pelo jornalismo de entretenimento, suas
opções de conduta pessoal foram preservadas de forma incomum (só revelou
ser homossexual depois de quase duas décadas de showbizz) e sempre mostrou
a pretensão de encontrar uma via possível entre o pop e outras
manifestações no campo das artes- por exemplo, produzindo filmes cult como
"Velvet Goldmine" (1998, Todd Haynes), recuperando artistas como a cantora
Patti Smith, ou através dos videoclipes da sua banda. Naturalmente, ele
mesmo acabou se transformando em uma categoria de celebridade, de figura
pública percebida e admirada por muitos outros, se tornando uma espécie de
precursor e símbolo do eterno debate entre integridade artística e
visibilidade midiática. Kurt Cobain, líder do Nirvana, alçado a uma
condição de mártir desse mesmo embate depois de seu suicido, tinha Stipe
como exemplo maior desse sujeito que conseguia de alguma forma equilibrar
os espaços da vida pública e privada.
A banda anunciou sua aposentadoria no ano passado, depois de lançar um
elogiado disco de canções inéditas ("Collapse Into Now" Warner Bros. 2011),
através de um comunicado sucinto escrito no seu website. Pouco tempo depois
lançou uma compilação de sucessos ("Part Lies, Part Heart, Part Truth, Part
Garbage" Warner Bros. 2011) acrescida de algumas faixas inéditas. Dois
videoclipes foram lançados no mesmo período pela banda, durante o ano de
2011: um para a faixa "Every Day Is Yours To Win", do disco de inéditas, e
outro para "We All Go Back To Where We Belong", da coletânea.
Dois momentos que sumarizam algumas das questões apontadas por este artigo.
No primeiro, os diretores reuniram vários vídeos amadores coletados na
internet e montaram um vídeo único, assumindo uma linguagem tecnicamente
problemática e apostando na criatividade de outros. Já o segundo, a
conhecida atriz norte-americana Kirsten Dunst é focalizada sozinha, em um
fundo neutro, uma referência imediata aos "Screen Tests" de Warhol. Hoje,
com os processos de midiatização em estágio crescente para se tornarem os
dispositivos hegemônicos de interação social, como apontou Braga (2009), o
contexto tecnológico crescente e amplo e as novas noções de público e
privado presentes na sociedade contemporânea, as questões apontadas por
Warhol ainda nos anos 60, podem ser atualizadas e aprofundadas de forma
mais radical.
2. ONDE ESTÁ O ORDINÁRIO E ONDE ESTÁ A CELEBRIZAÇÃO?
Na sociedade contemporânea assistimos cada vez mais os domínios do privado
se cambiando com a informação pública, e ambas sendo, como aponta Thompson
(2010), disseminadas, acessadas e controladas em função das tecnologias da
informação e da comunicação. A ascensão da webcam é simbólica e sintomática
destes tempos: trata-se de um aparelho que permite a gravação caseira,
amadora, que ao mesmo tempo possibilita a difusão dessas imagens para uma
infindável rede de conexões, dentro da internet. Ao mesmo tempo acoplada ao
seu personal computer, ela possibilita romper a barreira do privado para o
espaço público tecnológico através de operações simples.
A análise de Günter Anders (1995), ainda nos anos cinqüenta de que "o
consumo de massa moderno é uma soma de performances individuais, cada
consumidor, um trabalhador doméstico não pago na produção do homem de
massa" (ANDERS, 1995, p.105), ajuda a rastrear essas modificações. A
orientação ao homem moderno, como Anders percebeu com a assunção da
sociedade de consumo, tendia a individualização e isolamento. A televisão,
por exemplo, servia como mecanismo simbólico de ligação do sujeito com o
mundo, onde ele vivenciaria experiências sem se deslocar de sua casa; sem
ao menos deslocar sua visão para os que estavam ao seu lado, a família.
Como notou Anders (1995), a substituição da poltrona de centro arrumada de
modo que os membros da família não se olhem mais de frente, e sim sempre
voltados para a tela da TV, personifica o tipo de construção social
proposto pelas novas mídias, onde família se transforma em uma espécie de
mini-platéia, subjugada aos encantos da transmissão- afinal é no aparelho
que está o mundo, é ali que o sujeito se informa, se entretêm. "Quando o
que é distante se torna familiar, o que é familiar se torna distante",
coloca Anders,

O lar tende a se tornar um container, sua função tende a
ser reduzida e conter uma tela de vídeo no mundo exterior.
O reino dos fantasmas triunfa sobre o reino do lar sem nem
mesmo chance de disputa entre os dois, ele triunfa no
momento em que o aparelho de televisão entra na casa: ele
vem, vê e vence. (ANDERS, 1995, p.105)
Será que, de certa forma, não podemos perceber um aprofundamento dessa
idéia no contexto das tecnologias de comunicação e informação atuais? Cada
vez mais reclusos em casa, vivenciando outras formas de experiências
proporcionadas pelo simples toque no mouse (ou passeando com o dedo via
tecnologia touch) estamos atualizando o "eremita produzido em massa",
proposto por Anders, cujo objetivo não é "... renunciar ao mundo, mas
assegurar que não ficarão privados da migalha mais ínfima do mundo como
imagem em uma tela" (ANDERS, 1995, p.105).
Mas o isolamento físico desse eremita hoje gera uma persona midiática cada
vez maior, através dos novos aparelhos. Mantêm-se a clausura do privado e
conseqüentemente a pouca interação presencial; mas ao mesmo tempo, amplia-
se, através da mídia, esse contato social de novas formas.
Providencialmente colocados à disposição pela sociedade de consumo e
absorvidos com fartura pelo sujeito.
Assim como o provérbio alemão sentencia Mensch ist was er
isst, "o homem é aquilo que come" (em uma percepção não-
materialista), é por meio do consumo das mercadorias de
massa que os homens da massa são produzidos. Isto implica
que o consumidor do produto de massa torna-se, por meio de
seu consumo, um dos operários contribuindo para sua
própria transformação em um homem da massa. Em outras
palavras, consumo e produção coincidem. Se o consumo é
"disseminado", então também o é a produção do homem da
massa. E esta produção ocorre cada vez que o consumo
ocorrer – em frente de cada rádio, em frente de cada
aparelho de televisão (ANDERS 1995, p.105)
Na sociedade contemporânea, no navegável (e pouco mapeado) universo da
internet o homem se permite ser aquilo que aparenta ser. Se a televisão
representou a janela para o mundo, transformando a família em platéias,
hoje em dia, com a internet, os computadores seriam essa janela-vale pensar
que um dos sistemas operacionais de computação mais conhecidos se chama
Windows. O que nos remete a idéia de janela que foi historicamente pensada
por Paul Virillo e analisada por Beatriz Furtado (2012). O surgimento das
janelas não-eletrônicas são justificadas com situações de paz e segurança,
de abertura, de possibilidade de se conectar com o outro, "(...) para fazer
a ligação entre o dentro e o fora, para trazer luz para os espaços das
interioridades do homem burguês, além de ser um lugar para olhar a cidade:
abrir a janela e ver o que acontece na rua." (FURTADO,2012.). Os meios
eletrônicos na sociedade contemporânea vão, de certa forma ampliar e
inverter esse papel, fazendo das janelas - a televisão, os computadores -
possibilidades de expansão, mas também de interiorização do sujeito.
Janelas que trazem possibilidade de contatos exteriores, mas que limitam
experiências táteis, concretas.

A atualidade desta questão é explicitada em filmes como a produção
argentina "Medianeras: Buenos Aires da era do amor virtual" (Taretto,
2011), que narra poeticamente a questão entre espaço urbano,
relacionamentos pessoais e novas tecnologias. A leitura de Furtado a
respeito do uso atual das tecnologias eletrônicas-e como elas alteram nossa
percepção do mundo- descreve com precisão o personagem Martín, um dos
protagonistas, e suas experiências mediatizadas com a cidade-em uma cena
ele explicita isso apresentando uma lista de situações cotidianas que ele
realiza apenas com o uso da internet, de compras ao sexo).


É nesse sentido que as janelas, as portas, as escadas, ou
seja, as tecnologias arquitetônicas que permitem o trânsito
entre os espaços, cada vez mais estão sendo substituídas
pelas tecnologias eletrônicas. As novas janelas são as
telas dos monitores de vídeo (imagens eletrônicas ou de
síntese – vídeo, TV de alta definição, realidade virtual,
etc.) espalhadas pelos espaços públicos e privados como
forma de controle para garantir a segurança. São as telas
de recepção das transmissões televisivas, capazes de trazer
para dentro das casas a experiência mediatizada do mundo
que se passa lá fora, em qualquer parte do que nos é
exterior. (FURTADO, P.)



Sintomaticamente, ele começa a se livrar disso quando constrói uma janela
não-eletrônica em casa, furando a parede de seu apartamento, tendo como
efeito no filme algo próximo do que Virillo descreveu a respeito dos
claustros (espécie de pátio interno, comum em instituições e espaços
religiosos), e a possibilidade destes receberem "uma luz associada ao
divino que penetra o espaço" (VIRILLO APUD FURTADO, 2012.). No caso do
personagem, é uma espécie de redescoberta da vida lá fora, apontando
inclusive a possibilidade de reencontrar sensações como o amor.
Mas a janelas eletrônicas também atuam inegavelmente como expansores, da
comunicação entre os sujeitos e, o que nos interessa aqui, da visibilidade
que os mesmos e suas produções ganham. O computador hoje pode transformar o
mundo em uma imensa platéia não passiva, um corpo de julgadores ativos,
dispostos a avaliar, e participar, do que lhes interessa ou não. Como
aponta Thompson:
[...] seria enganoso pensar que os territórios do self se
caracterizem por serem inteiramente espaciais- certamente,
a noção de território pode ser um pouco enganosa aqui, já
que ela invoca a imagem do espaço físico, quando na
realidade muito dele é puramente "informacional" ou
"virtual". As informações sobre nossa vida pessoal ou sobre
nosso estado de saúde são parte de nosso território do self
tanto quanto o espaço físico da casa ou do quarto que
ocupamos (THOMPSON, 2010, p.28)

Sendo assim você pode de certa forma, ser seu próprio diretor/produtor: se
Warhol ainda mantinha algum tipo de controle sobre seu "Screen Tests",
agora cada um é capaz de fazer, sozinho, acreditar no seu "star potential"
e ter um retorno imediato nas redes sociais. E com isso, também a noção de
visibilidade passa a ser moldada por possibilidades de mediação, onde não
há a necessidade de compartilhamento do mesmo referencial espaço-temporal,
já que as informações podem ser reproduzidas indefinidamente e são
reproduzidas em mídias e contextos diferentes. "Nitidamente, o privado hoje
é, cada vez mais, desespacializado, móvel, e "desliza" com facilidade para
o espaço público, um espaço de "aparição" como conceituou Hannah Arendt
citada por Thompson (2010, p.20), "ser público significa" estar visível"
nesse espaço, ser capaz de ser visto e ouvido pelos outros." E esse campo
de visão hoje bastante ampliado pelas mídias, se configura cada vez mais
como os territórios do self, do ser em função do outro: é necessário ser
reconhecido para, simplesmente, ser. Como propôs o teólogo anglicano George
Berkeley, citado por Türcke (2010, p.39), Esse est percipi ("Ser é ser
percebido")
É possível deslocar esse aparato filosófico para a sociedade atual, como
justificativa da nossa presença midiática, nas webcams, nas redes sociais,
no universo da internet em geral. São extensores do "eu", em todos os
lugares (com alteração da idéia de espaço vigente na contemporaneidade), a
qualquer hora (com a idéia de tempo) através de diversos aparelhos-
computadores, celulares, avatares, chats, perfis sociais. Nos poucos e
velozes caracteres do Twitter, nos perfis mais completos do Facebook, nos
vídeos amadores que postamos no You Tube, somos "vários", sujeitos
pluripresentes, suprindo nossa necessidade de estar "aí" como Torce pega
emprestado do vocabulário heideggeriano, já que nossa forma de existência
está condicionada a uma "radiação inalienável" (TÜRCKE, 2010, p.41), nossa
presença física. Será então que temos em curso o deslocamento da presença
do corpo desaparecendo – ou, pelo menos, perdendo importância- por detrás
da presença midiática? O ponto é que, mais do que nunca, encontramos,
através de novos aparatos tecnológicos, maiores possibilidades de ampliar a
noção de visibilidade própria.
Não seria essa a lógica da "celebridade", da "estrela de cinema", sua
construção de imagem midiática se transformar, no inconsciente coletivo, em
algum tipo de verdade? Isso explica, em parte, o choque que podemos sentir
quando encontramos um "famoso" ao vivo fora de seu contexto normal (uma
atriz de novela, por exemplo) e ele nos parece tão normal; quando nos
decepcionamos quando vemos ao vivo e a cores o sujeito que era apenas a voz
de um locutor de rádio; quando encontramos pessoalmente, envelhecida e sem
photoshop, uma pessoa que nos atraiu através de uma imagem postada em uma
rede social. Em todas estas situações hipotéticas, esses sujeitos, desnudos
do vestuário da mídia, podem parecer terrivelmente pálidos. Como expõe
Türcke (2010, p. 42), a existência deste sujeito midiatizado "somente está
"aí" para ser um "aí" das mídias de massa: como suporte e material da
presença midiática. Sua radiação física dissolve-se em uma radiação das
mídias a ponto de tornar-se irreconhecível.". Em situações como as expostas
acima, perceberíamos, portanto um efeito contrário: o reconhecimento da
presença midiática pela na presença física pode ser um choque de realidade,
o fim da ilusão.
E não nos parece mais sedutor uma versão do eu envelopada em atraentes
aparatos de percepção? Como certifica o pensador alemão Boris Groys (2010):
"Fazer um vídeo e colocá-lo em exibição na internet tornou-se uma operação
simples, acessível a quase todos. A autodocumentação tornou-se hoje uma
prática em massa e mesmo uma obsessão em massa." (GROYS, 2010, p.126). O
contexto tecnológico em operação hoje em dia possibilita a montagem, a
edição e a conseqüente construção dessa persona pública. Estes aparatos
estão disponíveis, e mais do que isso, incorporados, como próteses, para a
produção e manutenção de um novo "eu". Não são mais exclusivos para poucos
- cada um pode medir seu potencial para ser uma "estrela".
Essa era a questão apontada por Warhol, plenamente resolvida e em andamento
na sociedade contemporânea. Pensar os tais "quinze minutos de fama mundial"
hoje é aferir que, um amador, de seu lar (antes uma espécie de resistência
do domínio do privado), pode gravar um vídeo através de sua webcam, da
forma que lhe interessar (pensando a internet como um campo sem regras de
produção, diferentemente de outras mídias estabelecidas), e com isso
alcançar algum tipo de projeção, ser percebido publicamente. E em escalas
absolutamente difusas de tempo e espaço. Pense em um vídeo-blog gravado no
Brasil, há duas semanas, mas assistido por um japonês, do seu celular
durante uma viagem de férias na Europa. É uma situação que podemos imaginar
e vivenciar cotidianamente.
1. O SELF-DESIGN E ALGUNS DESLOCAMENTOS NO CAMPO DA ARTE
Em seu ensaio "Self-Design And Aesthetic Responsibility" (2009), Groys
recupera a transformacão registrada primeiramente por Nietzsche no século
dezenove, de que é mais prazeroso se transformar em uma obra de arte do que
em um artista, no sentido de que seu "eu midiático" se torna maior do que
seu "eu artístico": sua atuação como celebridade é mais impactante do que
sua visibilidade como criador. A construcão da auto-imagem do seu ser (o
self-design) passa a trabalhar de forma que ela seja mais bem percebida
(ser é ser percebido), e não apenas no que ela objetivamente pretende
projetar.
I would characterize this anxiety as one of self-design
because it forces the artist—as well as almost anybody who
comes to be covered by the media—to confront the image of
the self: to correct, to change, to adapt, to contradict
this image. Today, one often hears that the art of our
time functions increasingly in the same way as design, and
to a certain extent this is true. But the ultimate problem
of design concerns not how I design the world outside, but
how I design myself—or, rather, how I deal with the way in
which the world designs me (GROYS 2009) [3]

Essa preocupação estética na construção do self-design está se constituindo
em um elemento fundamental na nossa cultura, já que hoje, na arena
midiática, estamos todos sujeitos a constantes avaliações estéticas através
do olhar do outro, do público. E, fazendo uso dos novos aparelhos de
visibilidade e buscando com isso, de alguma forma, escapar da sombra do
anonimato, da não existência, o sujeito ordinário e o artista se aproximam
se confundem, se transformam. "It could even be said that self-design is a
practice that unites artist and audience alike in the most radical way:
though not everyone produces artworks, everyone is an artwork. At the same
time, everyone is expected to be his or her own author", explicita Groys
(2009)
No campo da produção artística, portanto, o reflexo destas mudanças é
visível: se a provocação na famosa frase de Warhol anunciava o movimento de
produzir e celebrizar o ordinário, hoje percebemos o ordinário-produtor se
celebrizando, ou pelo menos vivenciamos tentativas explícitas do amador
buscando a notoriedade, sem o agenciamento do produtor artístico. E
assumindo o papel de selecionadores, responsável por parte do julgamento
estético está o público difuso, descentralizado na rede de informações
midiática. O que coloca tanto o modus operandi da arte, quando a percepção
desta, em uma posição diferente. Como apontou Groys (2010 p.126) "na virada
do século 21, a arte entrou em uma nova era- uma de produção artística em
massa, e não só de consumo em massa de arte". Uma espécie de inversão de
papéis que modificam a idéia de Sociedade do Espetáculo postulada por
Debord, já que "... entretanto, não estamos vivendo agora entre as massas
de espectadores passivos, conforme escreveu Guy Debord, mas entre as massas
de artistas" (GROYS, 2010, p.126).
Qual seria o papel assumido pelo artista-produtor, não amador, nesse
contexto, qual seria a reação ao mundo onde sua especialidade, seu antigo
papel de celebridade, se mostra diluído dentro da massa de artistas
visíveis e percebido a uma simples navegação pela internet? Qual seria o
self-design construído pelo artista/autor, a partir da concepção de que
todos podem também exercer essa função de artistas/autores? Groys (2009)
aponta como resposta o auto-sacrifício, o suicídio simbólico da arte.
"Following this subtler strategy of self-design, the artist announces the
death of the author, that is, his or her own symbolic death. In this case,
the artist does not proclaim himself or herself to be bad, but to be
dead"[4] (GROYS, 2009). Um dos maiores sintomas desse deslocamento na arte
contemporânea seria a tendência hoje ao trabalho coletivo e colaborativo,
muitas vezes não assinado. O anonimato como forma de reação a um sistema
que hoje busca incessantemente novos métodos de criação e de percepção.
Busca-se o invisível, mata-se o autor, como que para tentar voltar o foco
na obra de arte, ao objeto produzido em si e inverter a lógica aferida por
Nietzsche de que o autor é a própria obra de arte. Se os tais "quinze
minutos de fama" profetizados por Warhol se tornaram a lógica vigente,
busca-se a fama-zero, nenhum minuto de fama, como antídoto para colocar à
frente, novamente, a obra em si. De certa forma, é possível perceber isso
com as imagens e mensagens postadas em muros de grandes centros urbanos
atuais: ao contrário da pichação (que é basicamente a demarcação de
território de um "eu" que está "aí" através de assinaturas estilizadas) ou
até mesmo do grafite, onde o crédito é normalmente assumido, o que
percebemos hoje em dia são manifestações genuinamente artísticas que não
tem sua autoria explicitada.
E que, não impunemente, se voltam para o espaço físico das cidades, os
muros, os postes, os lugares sem tanta interferência do sistema midiático
de visibilidade possibilitado pela internet, por exemplo, mas que não
deixam de ser percebidos. Cartazes vistos nas cidades com propostas como
"Masturbe seu Urso", dizeres em muros sugerindo coisas como "Perca Seu
Tempo" ou "O Amor É Importante, porra!", todos eles sem assinatura, soam
como atuações explícitas dessa ordem. Não importa quem os fez - o que
importa é o que foi feito, a obra.
3. DOIS VÍDEOS DO REM: A SINGULARIZAÇÃO DO CÉLEBRE E A CELEBIZAÇÃO DO
ORDINÁRIO
Em um tipo de ação bem menos radical do que o suicídio simbólico do autor
observado por Groys, talvez seja possível perceber no universo das
celebridades artísticas já estabelecidas estratégias que denotam uma
espécie de busca pela singularização, o auto-reconhecimento do
autor/artista como também um sujeito comum, que nem sempre quer ser
percebido pelo radar midiático. Voltemos a Warhol e seus Screen Tests.
Assim como boa parte de seu trabalho, os filmes eram mais uma forma de
tensionar a relação entre os signos da cultura de massa e o campo do
artístico: ele foi de certa forma, não apenas o retratista de celebridades
sob essa ótica, mas buscou também compreender a própria idéia de
celebridade, seus modos de construção e de representatividade dentro de uma
sociedade onde ainda se tinha com uma mais definida a idéia da "fama" no
contexto midiático. Tempos de fronteiras mais nítidas. Ou seja, sem o
cinema hollywoodiano e seus padrões, não seria possível para Warhol pensar
seus filmes, já que é a partir de uma idéia estabelecida e corrente do
"fazer cinema" que ele iria trabalhar.
Contrariamente a este cinema, cujo profissionalismo visava
trazer para o écran uma realidade mais real do que as
coisas reais, o cinema underground norte-americano queria
documentar a realidade tangível com as suas contradições e
imperfeições, o que explica seu caráter geralmente "live".
Nesta conformidade, as "superstars" de Warhol eram uma
resposta perfeita às estrelas da metrópole californiana do
cinema. Só o espectador europeu se apercebe da
superficialidade do cinema americano; nos Estados Unidos,
qualquer filme é sentido como um pedaco da vida real
(HONNEF, 2000, p 78)

A banda norte-americana REM ilustrou recentemente esse jogo através de dois
clipes. O vídeo de "Every Day Is Yours To Win", dirigido por Jim McKay,
Chris Moukarbel e Valerie Veatch, reúne vários trechos de gravações
caseiras, amadoras, selecionados pela produção da banda, de acordo com
critérios que não ficam explícitos de forma alguma: parece tão aleatório
quanto uma compilação que podemos nós mesmos fazer, sentados ao computador,
com o que parece ser uma exceção na primeira e na última imagem, onde se
infere uma leitura mais cuidadosa do editor.
Na maior parte do vídeo percebemos imagens capturadas de uma webcam, pois
nota-se pouquíssimo movimento de câmera, e os muitos "atores" aparecem
sentados apenas. Durante quase quatro minutos a melancólica música serve de
trilha para os vídeos caseiros editados que reúnem, basicamente, pessoas
"comuns" fazendo o ordinário- se maquiando, fazendo pose, mostrando o pé -
e possivelmente o que algumas delas podem considerar extra-ordinário:
mostram animais pouco comuns de serem domesticados no ambiente do lar (uma
cobra, uma aranha), truques de mágica, passos de dança. É a tentativa e a
possibilidade da celebridade: o vídeo completo marca, hoje (02/07/2012),
174.900 acessos.

Imagens do clipe "Every Day Is Yours To Win": a aranha "extra-ordinária" e
o simbólico olho.
E o que é bastante pertinente: todos os "atores/ autores" dos registros são
creditados ao final do clipe, com seus nomes e endereços de seus canais
particulares no You Tube, filmados no que parece ser uma tela de computador
e que deixa ao final, uma espécie de espaço em branco, como sinal de
continuidade, de que qualquer outro nome poderia ser adicionado ali. É a
celebrizacão do amador, da massa de artistas, do sujeito que constrói sua
superfície estética, seu "self-design" e a apresenta para o mundo. A letra
da canção, francamente positiva, parece acompanhar esse deslocamento:
"Every Day is never good/ Every Day is yours to win/ And that´s how heroes
are made"[5]. O que parece um texto de auto-ajuda, ganha outros contornos
se escutada no contexto do vídeo: os "heróis", as "estrelas" são vocês,
auto-fabricados diariamente na tela do computador.
Exceções ao que parecem ser diversas imagens randomicamente escolhidas,
dois momentos parecem ter sido cuidadosamente selecionados. A primeira
imagem é um close de um olho e a última imagem, é a de um computador
refletido no espelho. Ora, não seriam estes dois fortes ícones de
representação de visibilidade? O olho filmado que nós vemos com nossos
olhos: somos todos visíveis, percebidos, olhamos e somos olhados, símbolo
maior da idéia de percepção e vigilância tão presente na sociedade
contemporânea. E o computador, extensor do olhar, que, refletido pelo
espelho, cria um jogo de telas intermináveis, infinitas, como que
apresentando "um traço permanente que pode circular indefinidamente no
âmbito dos fluxos de informação e assim serem reproduzidas em muitas mídias
e contextos diferentes". (THOMPSON 2010, p.29).
O vídeo para a faixa "We All Go Back To Where We Belong", dirigido por
Dominic DeJoseph, recupera com precisão a proposta de Warhol nos seus
Screen Tests: coloca em primeiro plano um sujeito, que passa os três
minutos e trinta e nove segundos do clipe sendo testado pela câmera, que
apenas captura suas reações. Não há movimento de câmera, a imagem está em
preto e branco e não há diálogos-apenas nos segundos finais do filme a
personagem diz algo, mesmo assim, mudo. O áudio se resume à música.

A atriz Kirsten Dunst em "We´re All Go Back To Where We Belong": sendo "ela
mesma".
Só que, neste caso, o sujeito em foco é uma celebridade bastante conhecida:
a atriz norte-americana Kirsten Dunst. Dona de um dos sorrisos mais famosos
de Hollywood hoje em dia, ela os distribui por todo o vídeo, mas de maneira
que parece diferente do estágio da atuação midiática ou fílmica, Mesmo
sabendo da presença da câmera, e habituada com esta situação, ela parece em
alguns momentos incomodada, excessivamente visualizada. No caso há uma
espécie de inversão da lógica dos screen tests originais: ela não precisa
atuar apresentar seu potencial como futura estrela; Dunst já é essa
estrela, então a ela é pedido que se concentre no contrário, na sua reação
natural diante da canção, que ela simplesmente escute a música como se
estivesse em uma situação privada, como no seu lar, sem câmeras sem nada. O
sorriso da celebridade, por alguns instantes, se transforma no sorriso de
uma pessoa sem graça, tímida, visada em seu momento mais singular. No seu
momento mais banal. Voltando a provocação warholiana, Honeff nos lembra
que:
Se o espectador se deixava arrastar por estes filmes, eles
exerciam sobre ele um prodigioso poder de sugestão. Com a
apresentação das trivialidades mais banais, desviavam o
espectador atento do seu ambiente, do mundo dos objetivos
e dos constrangimentos, e provocavam nele a sensação de um
estado de embriaguez- em consciência plena. Considerados
no contexto da tradição narrativa do cinema de Hollywood e
dos seus clichês teatrais, os filmes de Warhol
apresentavam-se extraordinariamente actuais e vivos
(HONNEF, 2000, p.76)
Quando o REM produz um clipe como esse, pode-se perceber aí uma busca por
singularizar o notório, opaciza-lo, poupá-lo por um momento da performance
midiática, da obrigação de ser celebridade, ou pelo menos mostrar que a
celebridade não vive o mundo das estrelas o tempo inteiro. Desmascarada dos
processos da imagem, temos a ascensão de algo mais próximo do real. É
possível capturar nos lábios de Dunst uma opinião final: "It´s amazing"
[6]. Possivelmente ela se referia à canção e o impacto que ela lhe causou
no momento, como qualquer sujeito poderia fazer. Ou como assume o usuário
de avatar happyhoman9774 no espaço de comentários: "It's refreshing just to
see her not trying to be a tennis player or cheerleader. Just being
herself."[7]
É problemático imaginar que Dunst estava exatamente sendo ela mesma, como
supõe o comentarista, afinal a atriz ainda estava dentro de seu espaço de
atuação midiática natural -o suporte fílmico -mas não deixa de ser
instigante pensar que, dentro do sistema, é possível imaginar estratégias
possíveis para driblar o senso comum e buscar o inesperado. Nas tentativas
de fazer da celebridade o ordinário, e do banal o célebre, estão em jogo
possíveis estratégias e usos das mídias que sinalizam intensamente os
deslocamentos do sujeito na contemporaneidade.
A questão, daqui para frente, talvez seja pensar até onde isso vai nos
levar. Pensar que essas são estratégias efetivamente produtivas é uma
possibilidade, de alguma forma, mesmo que incompleta e discutível, é uma
maneira de inverter o fluxo. No campo da produção artística, se pensarmos
que as idéias sinalizadas por Groys - e principalmente os problemas
entrevistos em seus ensaios- quais serão os impactos e reflexões futuras se
o duplo pensamento de que "somos todos autores", viabilizando de certa
forma a "morte do autor" seja algo mesmo em processo? Entre nós, sujeitos,
como lidar com essas derivações constantes entre o público e privado, em
uma sociedade onde o acesso e a "necessidade" de lidar com os avanços
tecnológicos se apresentam muitas vezes com o peso de uma pressão social,
uma única maneira de se expressar e, enfim, ser percebido? É notável a
capacidade do olhar irônico de Warhol sinalizar parte destas transformações
ainda na década de 1960 -e os vídeos do REM são uma forma de atualizar o
statement do artista- e pensar que hoje parte de suas idéias foram
ampliadas e ganharam desdobramentos muito além do que talvez poderíamos
prever. O jogo entre o célebre e privado parece ser apenas um deles.


REFERÊNCIAS

ANDERS, Günther. O antiqüismo do ser humano e a destruição da vida na era
da terceira revolução industrial. Munique: Beck, 1995

BISKIND, Peter Como a Geração Sexo, Drogas e Rock N´Roll Salvou Hollywood
Rio de Janeiro, Intrínseca 2009

BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência.
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Sociabilidade, do
XV Encontro da Compós. Bauru: Unesp, junho de 2006

FURTADO, Beatriz . Janelas Videográficas: as imagens e as megametrópoles
comtemporâneas, disponível em
http://www.poscomunicacao.ufc.br/images/pdf/janelas_videogrficas.beatriz.pdf
. Acesso em 10 de outubro 2012

GROYS,Boris The Obligation of Self-Design, disponível em http://www.e-
flux.com/journal/view/6 Acesso em. 12 de julho 2012

GROYS,Boris Self-Design and Aesthetic Responsability, disponível em
http://www.e-flux.com/journal/view/68 Acesso em 12 de julho 2012

GROYS, Boris. Camaradas do tempo. Caderno SESC_Videobrasil, São Paulo, n.
6, p.119-127, 2010.

HONNEF, Klaus. Andy Warhol. Edição exclusiva para Paisagem. Kölh:
Taschen, 2005.

McCARTHY, David. Arte Pop. São Paulo Cosac Naif, 2002

THOMPSON, J. B. Fronteiras cambiantes da vida pública e privada Matrizes,
UPS, São Paulo; v. 4, n. 1, 2010, p.11-36 (2010) Disponível em
http://www.matrizes.usp.br/ojs/index.php/matrizes/article/view/201

TÜRCKE. Christoph. Sociedade Excitada: Filosofia da Sensação. Campinas:
Editora da Unicamp, 2010.




 
 

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[1] Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-
MG. Email: [email protected]

[2] Expressão tirada de um catálogo do artista, exibido no Moderna Museum
em Estocolmo, exposto entre Fevereiro e Março de 1968: " No futuro, todos
serão mundialmente famosos por quinze minutos"(Tradução do autor)
[3] "Eu caracterizaria essa ansiedade como um dos auto-design, porque
obriga o artista, bem como qualquer pessoa que chega quase a ser coberto
pela mídia para confrontar a imagem do self: para corrigir, mudar, se
adaptar, para contradizer esta imagem. Hoje em dia, muitas vezes se ouve
que a arte de nosso tempo cada vez mais funciona da mesma maneira como a
concepção, e, em certa medida isto é verdade. Mas não o último problema de
preocupações de design como eu criar o mundo lá fora, mas como eu me
projetar, ou melhor, como eu lido com a maneira em que o mundo me projeta"
(Tradução do autor)
[4] Seguindo essa sutil estratégia de auto-projeto, o artista anuncia a
morte do autor, isto é, a sua própria morte simbólica. Neste caso, o
artista não proclama a si mesmo para ser ruim, mas para ser morto (Tradução
do autor)
[5] Cada dia é nunca bom / Cada dia é seu para ganhar / E é assim que os
heróis são feitos (Trad(4lƒ … ÈÔ! B G ` Y
g
v
¢
ª
¬
¯
°
À
Á
Î
Ï
Ó
Ô
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U
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Y
Z
b
c
i
l
}
~
?
úóúóúïåïÞïÙïÙïÙïúïÐÄução do autor)
[6] "É incrível!" Tradução do autor
[7] "É um alívio poder assisti-la sem estar atuando como uma jogadora de
tênis ou líder de torcida. Apenas sendo ela mesma." Tradução do autor
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