DOSSIÊ DE PATRIMONIALIZAÇÃO DA CULTURA IMATERIAL DO ESTADO DE ALAGOAS | SURURU

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DOSSIÊ DE PATRIMONIALIZAÇÃO DA CULTURA IMATERIAL DO ESTADO DE ALAGOAS SURURU

MACEIÓ –AL OUTUBRO DE 2014

TÉCNICOS RESPONSÁVEIS PELO DOCUMENTO

Edson José de Gouveia Bezerra

Ernani Viana da Silva Neto

FOTOS Lula Castelo Branco

CAPA Fundo: Textura Sururu – Lula Castelo Branco Letreiro: Foto 1 : Sururu de capote do Dique Estrada - Acervo de Bárbara Batista; Foto 2 : Catador de Sururu - Foto de Lula Castelo Branco; Foto 3 : Troféu Catador de Sururu da Mostra Sururu de Cinema Alagoano; Foto 4: Cantor Altair Pereira - In memorian - Jornal Alagoas 24h; Foto 5 : Bloco Nêga Juju. Edição: Ernani Viana

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................................................. 05 1. MONTANDO O CENÁRIO.......................................................................................... 06 2. A PARTICULARIDADE DAS ÁGUAS ALAGOANAS............................................ 10 3. AS PAISAGENS MARINHAS E SEUS IMAGINÁRIOS.........................................

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4. DAS GEOGRAFIAS E CONSUMO: TRAÇANDO UM ROTEIRO.......................

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5. DA PRODUÇÃO UM IMAGINÁRIO À MANUAL DE IDENTIDADE.................

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6. O IMAGINÁRIO SURURU: UM PATRIMÔNIO DOS ALAGOANOS.................

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6.1 Os labirintos da exclusão: os símbolos, o lugar dos mestiços e do popular................................................................................................................................

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6.2. Sururu, linguagem e mundo.......................................................................................

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REFERENCIAIS................................................................................................................ 43 ANEXO I - Etnografando as práticas..............................................................................

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ANEXO II - A culinária do molusco................................................................................

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ANEXO III - A concretude social do molusco: Das calorias.......................................... 50

APRESENTAÇÃO

Documento referencial enquanto etapa parcial e avaliativa do processo de patrimonialização do bem cultural imaterial do estado de Alagoas, o Sururu, em acordo com a Lei Estadual 7.285 de 30 de Novembro de 2011, proposto pelos pesquisadores Edson José de Gouveia Bezerra e Ernani Viana da Silva Neto, aceito pelo Conselho de Cultura do Estado de Alagoas em 10 de junho de 2014 no MISA – Museu da Imagem e do Som de Alagoas.

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1. MONTANDO O CENÁRIO

Diante da solicitação de consagrar o sururu enquanto patrimônio alagoano, necessário se torna, situá-lo aqui, Maceió, uma cidade entranhada por dentre em um complexo de paisagens, e nela, a Mundaú – constituidora do complexo lagunar mundaúmanguaba, cujas lamas brotam e se prolifera o referido molusco -, enquanto uma cidade deflagrada a partir de um (quase) apartheid entre um centro e uma periferia1, identificando-se ali, o núcleo duro de nossa modernidade, e nas periferias, as vivências e as consequências de uma modernidade periférica. Tem sido diante deste cenário que o atual modelo de turismo de massa articulado a partir de vivências de um imaginário, o qual, a diferença de outros imaginários2, vem sendo articulado a partir de imagens e de roteiros de Sol e Mar, e emergido enquanto um centro de representações deixando às margens, as multiplicidades de nossas geografias e seus imaginários. É na composição desta paisagem que o Sururu, o Mytela Falcata, molusco bivalve pertencente à família dos Mytilcidas, um molusco também situado em outras geografias3, mas que, em Maceió ele se encrusta em uma paisagem particularmente alagoana, a lagoa Mundaú, geografia de onde se dissemina pelas margens dos bairros periféricos lacustres em geografias de rica flora e fauna, entranhada em uma paisagem saturada por inúmeras defasagens sociais e econômicas. Esta realidade – de subnutrição e desamparo - é uma vivência compartilhada pelos bairros que, ao longo das décadas, se proliferaram em croas de lama da lagoa Mundaú, espaços nos quais, no desenrolar das temporalidades, foram se amontoando em suas margens os bairros do Pontal, Trapiche da Barra, do Vergel do Lago, da Levada, da Ponta Grossa, Mutange e Bebedouro bem como, nas últimas décadas, as comunidades do Dique Estrada e da Vila Brejal.

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O centro enquanto os principais bairros da orla – Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca – enquanto espaços que representam o núcleo duro da modernidade alagoana e as periferias entendidas enquanto espaços residuais situadas às margens daquele centro, geografias apartadas e contaminados pela violência e de uma intensa pulsação e proliferação das culturas populares alagoanas. 2 Compreende-se aqui imaginário enquanto um espaço de produção de sentidos. No imaginário se condensam os diferentes registros que as vivências coletivas projetam em suas diferentes escritas – alfabéticas, imagéticas, sonoras, etc. – na produção do simbólico. No que aqui se coloca ás nossas diferentes vivências e seus registros nos os imaginários lacustres, fluviais e os imaginários dos agrestados e dos sertões. 3 No Maranhão, Bahia e Sergipe por exemplo.

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Com exceção das comunidades do Dique Estrada e da Vila Brejal, os outros foram bairros que, ao longo das décadas, se desenvolveram nos tempos áureos sob o valor de uso da lagoa Mundaú, quando, naquelas paisagens, desde o século XIX até meados da década de 40 do século passado, aquele complexo havia se tornado uma importante rota e espaço de povoamento das geografias alagadas no que, aos poucos, por dentre córregos, riachos, barro e lama, foram se aterrando o que se alargariam na composição dos espaços e paisagens da futura capital da província, Maceió. Os universos das águas lacustres e, especificamente as da lagoa Mundaú, ponto de convergência e deslocamento de um sólido polo demográfico – Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte, Satuba e de Maceió 4 – foram consolidados mediante o desenvolvimento do comércio e das trocas, quando, naqueles entremeios, ali, na ausência de estradas, as lagoas se ofereceram enquanto passagens/canais de escoamento5. Era através delas e de seus canais que trafegavam os moradores e os comerciantes e também por ali se instalaram os ex-escravos quando da derrocada dos antigos engenhos no final do século XIX, e também, naqueles arrabaldes, as casas de veraneio dos antigos donos de engenhos que por ali se deslocavam durante a entressafra da cana 6, os quais, quando para ali se deslocavam, com eles traziam em seu séquito, seus negros de engenhos, seus emboladores, seus cantadores de coco e de tudo o que mais pudessem do que hoje alguns estudiosos identificam de folclore. Foram estas presenças originárias que durante décadas galvanizaram os espaços em torno da lagoa Mundaú, geografia na qual, o atual e decadente bairro da Levada, durante décadas, se tornaria naquelas paisagens, um dos mais importantes recantos de nossa modernização Caeté7. 4

Por esta época – década de 30 do século passado – o bairro lacustre de Bebedouro era o bairro de morada das elites alagoanas e a Avenida do Mutange era pontilhada/ocupada por vastos sítios e os palacetes onde residiam os latifundiários da cana-de-açúcar. 5 Escoamento da produção interna através das relações de comércio e de escambo entre os comerciantes e moradores dos municípios e áreas adjacentes, já que a externa, das importações e das exportações, era realizada através do porto da cidade de Maceió. 6 É Théo Brandão quem em seus Folguedos Natalinos nos relata o deslocamento das famílias dos antigos senhores de engenhos, quando da entressafra da moagem da cana se deslocavam para os arrabaldes da cidade de Maceió em sítios situados em área lacustres trazendo com eles seus negros e suas folias. 7 Com seu povoamento iniciado em meados do século XIX, na virada de século, a Levada se tornaria o terceiro bairro da capital Maceió, atrás apenas dos bairros de “Maceió” (atual Centro) e Jaraguá, apresentando-se como o mais povoado da cidade já na primeira década do século XX. Configurando-se na ocupação, pela população pobre, da região alagadiça situada na baixada lagunar sudoeste da capital, a Levada sofreria com um povoamento contraditório, que promoveria a inserção do lugar como ícone da modernidade alagoana, verdadeiro cartão-postal de Maceió nas décadas de 1920 e 1930. Esse fenômeno abrangeria especialmente as vizinhanças do Centro, em que se destacou a famosa Praça Emílio de Maya ou Praça do Mercado, em que se se situava este importante equipamento, assim como o Cine Ideal, notório cinema de bairro local. Para maiores informações, pesquisar: CAVALCANTI, Isadora Padilha de

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Naquelas geografias, os primitivos moradores lacustres e habitantes de uma urbanidade periférica8 concentrando-se e em seus arrabaldes, constituíram uma primitiva aglomeração de mão-de-obra, pois ali, paragens lacustres, a vida estava a se ofertar em peixes, moluscos e, dentre estes, o sururu. Entende-se assim que foi a partir da sobredeterminação de muitos fatores – localização geográfica, ausência de transportes, espaços de sobrevivência dos pobres, área de lazer, etc. – que se explica a constante presença das geografias lacustres na densidade de discursos e representações culturais alagoanas até meados do século passado: Marechal Deodoro, Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte, Satuba, e em Maceió, através de seus bairros lacustres situados nas franjas lacustres. Foto n 1. A Igreja de Nossa Senhora Santa Luzia de Siracusa de Lula Castelo Branco

Eis alguns exemplos de arruados, povoados, vilas e cidades que por ali se germinaram

no

primitivo

de

nossa

colonização entre os séculos XVII, XVIII e XIX. Naquelas paragens, o sururu, molusco que brotava da lama, era e ainda é naquelas geografias, comida fácil de toda a gente em seu entorno, e, de tanto consumido que era, que, Maceió – segundo o cronista – chamouse em tempos passados, de sururulândia9.

É por ai que se entende que foram estes somatórios de trocas, de escambos e de vivências que possibilitou a visibilidade e a incorporação no dia-a-dia do senso comum e daí se deslocar ao imaginário das gentes alagoanas em suas diferentes escritas

Holanda. Levada à Margem: A importância do lugar na memória da cidade de Maceió. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. 8 Urbanidade periférica, posto que já ali, por entre os fins do século XIX e XX em Maceió já se desenhava um espaço urbano dotado de uma infraestrutura moderna, com suas praças, seus bondes e seus lampiões acendidos a gás. 9 É o cronista Félix Lima Jr. que testemunha ser a nossa Capital, Maceió, ser assim identificada em virtude do sururu e de seu consumo disseminando em todas as camadas sociais, o qual, ressalte-se também era consumido as escondidas pelas elites alagoanas.

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(literárias, imagéticas, etc...), e, na medida em que o seu consumo diário se alargava, torná-lo-ia consolidado enquanto um prato típico de uma culinária genuinamente alagoana, no que apontamos estarmos aqui diante de uma temporalidade das memórias. Todavia, com o desenvolvimento da modernidade e a instalação de seus processos de modernização seletiva, a beleza e a riqueza de patrimônios e de bens materiais e imateriais por dentre as geografias das cidades no entorno de que compõe o complexo estuarino-lagunar Mundaú-Manguada – Coqueiro Seco e de Santa Luzia do Norte, Satuba e as paisagens de seus canais e as ilhas – a exceção de Maceió - foram sendo soterrados em suas vivências, tornando-se aqueles espaços, áreas residuais, lugares reservados às culturas arcaicas e de vivências liminares situados entre o arcaico e a emergência do moderno.

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2. A PARTICULARIDADE DAS ÁGUAS ALAGOANAS

Foram através das águas – das águas marinhas, fluviais e lacustres - que os espaços, do que se entende por Alagoas, se abriram para seus primitivos habitantes, uma abertura que se alargaria em temporalidades e que foi sendo transposta das vivências para as crônicas e mitos de fundação. Exemplar desta presença, a antológica narrativa de Octávio Brandão10, em Canais e Lagoas, na composição de um painel de preciosas visões de uma ancestralidade alagoana: No mar alto... bravio, cheio de fosforescências duradouras e clarões subitâneos. E, sobre ele, a noite infinita iraundando-se tão tenebrosamente, como turbilhões de vapores que elevassem de um oceano de asfalto e ignição. Os navegantes – perdida a nau, perdido o sono, perdida a esperança – reuniram-se no toldo batido pelos ventos e lavado pelas ondas. Ai, no silêncio das coisas mortas, cercado pela agitação profunda das coisas vivas, os navegantes elevaram os pensamentos ao céu azul e prometeram, pelos ossos de suas mães, que se a Senhora dos Remédios 11 os salvasse, eles levantariam uma capela na primeira terra que avistassem. A noite inteira, a nau andou a barlavento e a julavento, até que, pela manhã, no horizonte longínquo, apareceu um monte com uma palmeira no alto. Os navegantes arribaram á praia, atravessaram o canal, subiram o monte e, de lá seus olhos de náufragos dilataram-se pela a imensidão do cenário. Depois, embrenharam-se na mata vizinha e, ao voltar, fincaram os esteios e ergueram uma capela à Senhora dos Remédios. Em seguida, embrenharam-se na mata vizinha e viram que ela era cheia de Canais e lagoas oscilantes (BRANDÃO, 2001, p. 23).

Esta abertura da vida através das águas, que por aqui e por ali se escondiam e resplandeciam, aparecem e se avolumam por dentre referências históricas dos espaços alagoanos foi um roteiro compartilhado nos lastros das nossas ocupações12. O contorno destas presenças, inequívocas tem sido percebida inclusive por não alagoanos. Gilberto Freyre, por exemplo, na introdução de “O Bangüê das Alagoas” de Manoel Diegues Jr., identifica que:

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Trata-se de uma narrativa em um dos tópicos de Canais e Lagoas - A lenda dos Descobrimentos – lugar e escrita de onde Octávio Brandão descreve de uma forma mítica a descoberta de Alagoas nos entorno dos canais da lagoa Mundaú. 11 Igreja de Nossa Senhora dos Remédios – construída em 1850 que fica localizada (nos arredores da lagoa Mundaú) no canal do Cadóz, próximo à foz do riacho do Remédio bem perto da cidade lacustre de Coqueiro Seco e situada às suas margens, sendo este um canal alargado pertos dos mangues. Ali, em torno da crença da santa de cujo rio herdaria o nome, existe uma festa centenária no mês de outubro em cujo ritual todos os anos se reúnem milhares de fieis, em sua maioria todos quase que, em sua totalidade, pobres moradores da beira da lagoa. 12 Alagoas, para além do nome, em tudo esta ligada às águas: Maçai.o.k “tapagem do alagadiço ou o que tapou o alagadiço”, nomes das águas que de tão pertinentes doaram seus nomes aos engenhos: “Riachão, Poço, Ribeira, Água Comprida, Água Fria, Água Clara, Riacho Branco” (Diegues, 1980: 17)

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Se do Brasil inteiro que se formou à sombra dos engenhos patriarcais de açúcar, pode-se dizer que a água foi um dos elementos mais nobres de sua paisagem, nas Alagoas – uma terra de tantas lagoas, tantos rios, tantos riachos – a importância da água foi máxima na caracterização do complexo agrário. Muitos foram os engenhos alagoanos que, em vez de tomarem das famílias proprietárias, nomes de santos ou de mulheres, foram buscar um tanto pagãmente na água suas denominações (DIEGUES, 2002, p. 17. grifo nosso).

Não há dúvida de terem sido as águas, - águas fluviais, lacustres e marinhas – marcos persistentes na ocupação dos espaços geográficos alagoanos e através delas, as Alagoas foram se abrindo e as geografias do humano nelas deixaram seus rastros nos rios: Manguaba, Camaragibe, Santo Antônio Grande e Tatuamunha, rios avolumados e também,

os de menor porte, como o São Bento, o Maragogi, o Comatanduba, o

Moicatá, o Tatumundé13 lá pelas geografias do Norte e, pelas bandas do sul, o Rio São Francisco. Foram através destes rios que se adentraram os colonizadores na ocupação dos espaços e, na medida em que dali desapareciam os gentios massacrados pela colonização, aos poucos foram se montando as pequenas vilas que se tornariam cidades e, ao redor delas, os povoados, as vilas e as cidades: Porto Calvo, Porto de Pedra, São Luís do Quitunde enquanto marcos primitivos pelas entranhas do norte, e, pelo sul, Penedo, cidade gestada nas beiradas das águas do São Francisco, espaço(s) por onde se adentrariam os colonizadores e seus gados. Já a colonização ao redor dos espaços lacustres da Manguaba e Mundaú, terceiro pólo de colonização - seriam colonização mais tardias. Segundo Diégues Jr.: (...) podemos admitir, e com razão, que a irradiação do povoamento no segundo foco – o das lagoas – partiu de dois pontos: um na lagoa do Norte, margeando o rio Mundaú; outro, na lagoa do Sul, costeando o Paraíba. (...) (Id. Ibid., p. 37). Aprofundando esses marcos de origem, Lindoso (2002, p.50), depois de identificar a cultura alagoana enquanto uma “cultura de fortes dominâncias anfíbias14“, 13

Situando os nossos núcleos primitivos da população nos três últimos decênios do século XVI, o mesmo Manoel Diegues Jr. vai identificar nas águas, uma presença comum nos polos primitivos de colonização em Alagoas: Do ponto de vista geográfico podem-se caracterizar estes núcleos pela influência do seu principal acidente; acidente, no caso dos três núcleos do litoral, principalmente hidrográfico, por isso que o seu elemento é a água: rios ou lagoas. O litoral alagoano podemos distribuí-lo em três grandes regiões: a região dos quatro rios, que é a do norte, presidida pela presença dos rios Manguaba, Camaragibe, Santo Antônio Grande e Tatuamunha, que se juntam outros rios menores: o São Bento, o Maragogi, o Comatanduba, o Moicatá, o Tatumundé. (Id. Ibid., p. 36, grifo nosso). 14 Na íntegra, eis a citação: “Poucas ou abundantes, psicológicas ou físicas, as águas dominam a cultura alagoana, marcando-lhes as criações, das egrégias às mais simples e anônimas. Não só a alagoana uma gente anfíbia, como a caracterizou Gilberto Freyre, mas de cultura de fortes dominâncias anfíbias: a pesca, os meios de comunicações, as habitações palafíticas, as cidades beirando os rios, mares, lagoas e

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no somatório das observações de Gilberto Freyre e Manoel Diegues Jr., projeta sobre Alagoas uma classificação totêmica, identificando aqui uma civilização das águas: Alagoas é, de fato e por antonomásia, uma civilização da água: de chuvas, nas matas úmidas onde amadurecem os canaviais; marinhas no recortado litoral de rios e esteiros de mangues; lacustres, nas lagoas que se estendem esparsas de Maceió para o sul; fluviais, nas abundâncias dos grandes rios – como o São Francisco – e nos pequenos rios onde medrou a civilização do açúcar (Id. Ibid., p.50).

E, depois de identificar o rio São Francisco enquanto “o grande rio da unidade nacional, o distribuidor do povoamento”, ele também as destaca as águas enquanto um marco na ocupação da região do antigo Quilombo dos Palmares, ressaltando que ali as concessões de terras – espólios de guerra - aos colonizadores Bernardo Vieira de Melo e de Domingos Jorge Velho terem sido demarcadas pelos rios Paraíba, o Mundaú, o Parangaba e o Satuba. Estamos aqui então diante das origens, momento iniciático a partir do qual, o nominar das coisas a partir dela mesma, guarda algo de sagrado e neste entendimento, o nome capta o sentido primitivo das coisas 15, mantendo a partir deste momento iniciático, uma relação com as origens16. Esclarecedor neste sentido – da predominância das águas na nominação das geografias alagoanas - é verificar de que modo o nome de Alagoas, de Vila das Alagoas, associado a geografias das águas vai se avolumando ao ponto de que, de um significante solto e flutuante, vai tomando corpo, forma e conteúdo até se transformar - mais ou menos em meados do século XVIII - em uma espécie de significante mestre na

mangais marinhos: a toponímia exposta ao domínio do aquático (...)” (LINDOSO, 1985, p.50). E de tão persistentes, as agias serviram até mesmo enquanto parâmetros de referências geométricas: “Os rios não eram somente os vales férteis, através de cujas margens os canaviais gostosamente se estendiam, como se estendem ainda hoje; eram também os caminhos, por onde as canoas ou as barcaças navegavam, fazendo o comércio do açúcar. E até as próprias barracas se construíam tendo como referência de tamanho o número de sacos ou de caixas que pudessem conduzir” (DIEGUES JR., 1980, p.37). 15 Comentando-nos Benjamin, Katia Murici vai nos colocar o seguinte: Pela nomeação, o homem pode se dirigir às coisas e fazer com que elas manifestem a ele a sua essência lingüística. Ao nomear as coisas, o homem está comunicando a si próprio. (MURICI,1988, p.101) (grifo nosso). 16 No que Heidegger nos aponta que: “No que a obra-da-linguagem eclode no narrar inaugural do povo, não fala sobre esta luta, mas transforma o narrar inaugural do povo de tal modo que agora cada palavra essencial conduz esta luta e coloca em de-cisão o que é sagrado e o que é não-sagrado, o que é grande e o que é pequeno, o que é ousado e o que é covarde, o que é nobre e o que é transitório, o que é senhor e o que é escravo.” (1980, p.82) Ou ainda: No que a linguagem nomeia o ente pela primeira vez, tal nomear traz então o ente para a palavra e para a manifestação. Este nomear nomeia o ente em seu ser a partir deste. (Idem, Ibdem )

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identificação do território Alagoano 17, e vai ser a partir destes marcos originários determinados pelas geografias das águas, que toda ela, Alagoas vai se abrindo e se revelando na criação humana de um mundo, de um particular aqui instalado.

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Devemos ao historiador Felipe Caetano estas observações. Segundo ele: (...) podemos sugerir uma hipótese de que a partir de 1712, o uso da expressão “Vila das Alagoas” começava a se referir ao território inteiro [comarca e seus termos], quando esse significado não procedia, ela viria associada diretamente com o uso dos termos das outras vilas e para se remeter a Vila das Alagoas ou se retornava a expressão de Santa Maria Madalena como também se inseria a palavra “sul” para diferenciar da terminologia de toda a comarca.

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3. AS PAISAGENS MARINHAS E SEUS IMAGINÁRIOS

Todavia, a densidade do entorno lagunar começou a sofrer um processo de decadência e esquecimento por fatores sobredeterminados por processos de modernização que se expandem e se aprofundam, inserindo-se aqui movimentos de modernização que se articulam e que se alargam quando se consolidam as aberturas de estradas e de novas ruas e rotas, à expansão do espaço urbano da cidade em direção das praias, bem como ainda, das emergências de novas práticas e hábitos que estavam emergindo com a transformação dos costumes impostos pelos modismos aqui situados nos movimentos de expansão de nossa modernidade. Revelador desta temporalidade é o registro de que, até a década de 30 e 40 do século passado, Bebedouro, um bairro lacustre, era o lugar de morada das elites alagoanas e a avenida do Mutange, uma paisagem pontilhada por vastos sítios e palacetes onde residiam os latifundiários da cana-de-açúcar. Todavia, a partir da década de 30 do século passado, com a aceleração do processo de urbanização de Maceió e a instalação dos dispositivos da modernidade (alinhamentos e aberturas de ruas, derrubada dos velhos quarteirões de taipa e novas reconstruções, os bondes elétricos, etc...), a cidade começa a se transformar. Foram esses movimentos da modernização que desalojaram antigas imagens, disciplinando os costumes e a presença das camadas populares. Tratar-se-ia

a partir daí, de um

desmanche das tradições18. É nesse contexto, de uma incipiente modernização, que podemos compreender a lenta emergência das imagens dos espaços das praias no cenário das representações, quando já da década de 40 do século passado, Ademar Paiva vai compor Pajuçara: Pajuçara Eu que conheço o Brasil/Sei muito bem/ As lindas praias coqueirais/ Que ele tem/Por isso afirmo nesses versos que compus/ Em Pajuçara tem encanto Há luz mais luz/ Pajuçara onde o mar beija as areias/ Com mais alma e mais amor/ Pajuçara, lindo berço de sereia/ Que nos deu o criador/ Pajuçara, que reflete o teu sorriso/ Os seus encantos em flor/ Tens uma beleza rara Pajuçara. ADEMAR PAIVA

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Por esta época temos em Maceió: (...) ruas cheirando a peixe frito, a tapioca, a arroz doce, vendidos nas esquinas, em tabuleiros enfeitados com papel de seda cortado em desenhos ou figurinhas de várias cores – (...), ruas cheias de negros trajando vistosos trajes e turbantes de cores fortes na cabeça; essas ruas transformaram-se e modificaram-se (Diégues Jr. in Craveiro Costa 1981: 201).

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Todavia, as imagens das águas marinhas nas representações alagoanas, são imagens tardias, imagens que somente começarão a ser ampliadas no imaginário alagoano a partir de meados da década de 60 do século passado, quando as praias começam a ser exploradas enquanto espaços esquadrinhados de práticas esportivas, áreas de recreação, estética e lazer, pois, situando a trajetória das imagens, até meados da década de 1950, a região que atualmente começa na Pajuçara e se estende até a Jatiúca, era um lugar de sítios e áreas de baixa densidade demográfica. Por ali, nas primeiras décadas do século passado, o que se via eram moradas de pescadores em casas de pau-a-pique, lugar de pobres estivadores que ali residiam em virtude da proximidade da área portuária de Jaraguá, estando no cais do porto uma das poucas possibilidades de emprego. Foto 2: A Pajuçara antigamente: uma primitiva morada.

De modo que, eram pescadores, estivadores, carroceiros e empregados do cais os estratos sociais dos primitivos habitantes da praia da Pajuçara. Como se vê, o primitivo daquelas paragens era ser ali, local da pobreza.

Mas por esses tempos já estamos em um processo de aceleração de ocupação e de modernização do espaço urbano de Maceió, com o desenvolvimento e expansão dos bairros nos antigos arrabaldes, movimento que se intensifica a partir da década de 60 com uma lenta ocupação das praias enquanto um espaço emergente, compondo e articulando ali, uma paisagem moderna que passará a se consolidar a partir da década de 70 com a incorporação das geografias das praias e o emergente crescimento do turismo e suas ambiências. É neste contexto de formação e consolidação de uma emergente formação discursiva que, Minha Sereia do músico Carlos Moura e a escrita de Noaldo Dantas são textos emblemáticos destas emergências.:

Minha Sereia Mergulhar no azul piscina/ No mar de Pajuçara/ Deixar o sol bater no meu rosto/ Ai que gosto me dá./ Mergulhar no azul piscina/ No mar de Pajuçara / Deixar o sol bater no rosto/ Ai que gosto me dá / Mergulhar no azul piscina/ No mar de Pajuçara/ Deixar o sol bater no meu rosto/ Ai que gosto me dá./ E

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as jangadas partindo pra o mar/ Pra pescar, minha sereia. / Maceió, minha sereia/ Maceió, minha sereia. O Dia em que Deus criou Alagoas Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro, era alagoano. Em verdade, não se cria um estado com tanta beleza, sem cumplicidade. Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas. Ô São Pedro, pegue o estoque de azul mais puro e coloque dentro das manhãs encarnadas de sol; faça do mar um espelho do céu povilhado de jangadas brancas; que ao entardecer sangre o horizonte; que aquelas lagoas que estávamos guardando para uso particular, coloque-as neste paraíso. E tem mais, São Pedro: dê a esse estado um cheiro sensual de melaço e cubra os seus campos com o verde dos canaviais. As praias... Ora, as praias deverão ser fascinantementes belas, sob a vigilância de ativos e fies coqueirais. Faça piscinas naturais dentro do mar; coloque um povo hospitaleiro e bom; e que a terra seja fértil e a comida típica melhor que o nosso maná. Dê o nome de Alagoas e a capital pela ciganice e beleza de suas noites, deverá chamar-se Maceió e a padroeira; Nossa Senhora dos Prazeres.

De todo modo, o que estamos pontuando é um lento deslocamento e uma nova ocupação do espaço urbano – das geografias das águas marinhas – os quais, associados a outros dispositivos (principalmente o turismo e o culto ao corpo) articulados aos interesses das especulações imobiliárias, começam a determinar o deslocamento da visibilidade das imagens das regiões lacustres para a visibilidade das praias e de suas geografias através da reduplicação e simulacro de imagens de coqueiros, jangadas, pescadores, mar azul e pôr do sol situados e articulados em roteiros de Sol e Mar que aqui e acolá se alargavam e se consolidavam, e com eles, as suas geografias atreladas e articuladas aos fluxos turísticos do mercado global.

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4. DAS GEOGRAFIAS E CONSUMO: TRAÇANDO UM ROTEIRO

Afunilando as geografias, o avolumado das águas da lagoa Mundaú é uma consequência ali do desaguar do rio Mundaú e seu afluente Satuba compondo as suas águas, e, margeando aqui em Maceió, as beiradas dos bairros dos bairros de Rio Novo, Fernão Velho, Bebedouro, Mutange, Bom Parto, (da comunidade da Vila Brejal), Levada, Vergel do Lago, Ponta Grossa, Trapiche da Barra e Pontal da Barra. Vai ser nestes bairros que se configuraram ao redor de suas geografias, um biosistema rico em peixes e repletos de moluscos, dos quais, o sururu – desde tempos imemoriais, – se transformou na principal fonte de alimento daquelas comunidades, uma gente composta em sua esmagadora maioria por uma população de negros, de mestiços e pobres. Foto 3: Uma Imagem ancestral: o Catador de

Sururu.

Autor: Lula

Castelo Branco

A geografia por onde se dissemina a cultura do sururu, se desenvolve Maceió,

no e

entorno

pelas

de

históricas

cidades de Santa Luzia do Norte, Coqueiro Seco e as beiradas de Satuba, esparramando-se ao redor das periferias daquelas cidades, pois, embora o complexo lacustre Mundaú-Manguaba se encontrem interligados pelos canais – tentáculos de águas por dentre as lagoas - que interligam as águas da Mundaú às da lagoa Manguaba, berço e nascedouro das cidades de Marechal Deodoro e do Pilar, a singularidade de sua proliferação na Mundaú se deve às particularidades da fecundação das águas da Mundaú pelas águas marinhas através do canal do Calunga, voz da Mundaú e da híbrida composição de suas geografias de águas marinhas com as águas lacustres. No que se refere a uma geografia situada, a Mundaú, atualmente, pode ser caracterizada enquanto um enclave, um ponto de intersecção por onde se articulam configurações emergentes – a cidade de Maceió e suas diferentes geografias - e de articulações de paisagens híbridas identificadas nas históricas configurações das cidades 17

de Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte, geografias aonde, não obstante a erosão das mudanças históricas, a permanência de Igrejas seculares19 e as características de um ruralismo urbano, sinalizam naquelas paisagens, a presença de um passado em ruínas, identificando em seus destroços as marcas de um passado apenas identificado através das alegorias e do lastro das destruições20. É justamente nas periferias destas cidades que o sururu é retirado das águas da lagoa Mundaú e o processo de sua retirada – a catação/coleta de sururu - se dá através do mergulho de uma pessoa ou grupo nas águas da lagoa, o qual, após ser retirado das croas de lama, tanto pode ser utilizado enquanto um valor-de-uso em consumo próprio, ou ser comercializado21 em pequenos portos espalhados nas periferias de suas cidades, vendidos na rua, ou distribuídos pelos nativos nos mercados e feiras de suas cidades. A etnografia dos movimentos culturais aponta no sentido de ser este um movimento secular em seu consumo, produção e distribuição22, atentando-se que, se em seu consumo e em sua produção ele pode ser consumido por suas comunidades lacustres no dia-a-dia, o movimento de sua distribuição voltada para o comércio se dá através dos pontos de venda situados em pequenos pontos. No entanto, para além de seu movimento e de sua circulação através de um produto articulado em uma cadeia de mercado, o seu consumo e lugar comum é a serventia do molusco enquanto um alimento dos pobres dali, articulando a partir de seu consumo, imagens, práticas, saberes e resíduos de tempos imemoriais, movimentos seculares incorporados no senso comum das gentes, através da produção de um

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Situadas nas encostas de Coqueiro Seco vemos a igreja de Nossa Senhora dos Remédios e a também histórica e igualmente secular igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Mais adiante, temos a também centenária igreja de Santa Luzia de Siracusa em Santa Luzia do Norte. Construída nos idos de 1850 em plena Mata Atlântica, próxima às margens da Lagoa Mundaú e do riacho do Remédio, no povoado do Cadóz, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios é uma Relíquia Sacra, uma obra ímpar em seu valor histórico, religioso e arquitetônico, com suas pedras e balaustrada decorativas e imponente escadaria de mais de 130 metros, apresentando dois altares em madeira. A igreja foi integralmente restaurada em 2005. A Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens foi fundada em 1790. Tornou-se conhecida por suas imagens e objetos de Relíquia Sacra, sobretudo pelo presépio da Divina Pastora e por seus belos azulejos portugueses. Além destas, também as igrejas de N. Sra da Guia do Traiche da Barra, e ainda a igreja Sta Rita na Ilha de Sta Rita. 20 A destruição dos antigos casarios no lugar dos quais foram se erigindo ruas e paisagens desalinhadas com as suas paisagens originárias, percebendo-se então as primitividades de uma vida ali existente, através das alegorias enquanto resíduos das destruições. 21 Movimento em que se dá a transformação de seu valor-de-uso em valor-de-troca, observando-se aqui a construção de um movimento de equivalência entre as trocas. 22 Em seu consumo: enquanto um meio de alimento das camadas pobres ao redor das lagoas; em sua produção, voltada para um além de um consumo comunitário e voltado para uma economia primitiva, o escambo e, finalmente, distribuição, a formação de uma rede mais ampla voltada para a sua distribuição de venda em mercados.

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imaginário compartilhado, que dali, daquelas geografias, vazam e se expandem e que tem se proliferado em diferentes escritas, se avolumado enquanto uma coisa, a qual, para além de um comer, tem sido incorporada enquanto uma coisa boa pra se pensar e sonhar.

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5. DA PRODUÇÃO DE UM IMAGINÁRIO À MANUAL DE IDENTIDADE

Significante desde as suas origens multifacetadas, as polifonias do uso do molusco, o sururu em várias linguagens é revelador de suas flutuações, quando as evidências testemunham que, no rastreamento de seus sentidos, o seu enquadramento em construções de paisagens e evocações de memórias23, de registros cotidianos24, ou ainda, em improvisos semânticos e experimentais de linguagens25, do que se infere que, todas estas flutuações e deslizes semânticos são reveladores da incorporação do molusco a partir do senso comum. Todavia, em geografias não alagoanas e em escritas compostas por não alagoanos, o sururu se solidifica enquanto um significante em uma cadeia semântica no sentido de identificar através dele, movimentos de confusão e de agitação. É justamente para a produção deste a narrativa de Sururu de Martinho da Vila:

O sururu na vila começa cedo/ O sururu na vila começa cedo/ E o dono do bar deixa batucar sem medo/ E o dono do bar deixa batucar sem medo/ Samba é o rei da gandaia porque nessa área só tem bambambam/ É pagode é partido alto que sempre acaba só pela manhã/ A melodia vem ao natural e o batuque faz vadiar/ No boteco de qualquer esquina o astral é pra cima/ Porque vai rolar./ A boemia rainha desperta vem na hora certa pra se revelar/ Se encanta com papos de bamba nascente do samba um bem popular/ Pandeiro namora viola e na roda é o povo que canta/ Mas o dono do bar só dá liberdade se for um bom samba

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É isto o se percebe em Saudades de Alagoas do palmeirense Jacinto Silva em suas andanças pelo Brasil: Ô que saudade danada/ Não posso nem recordar/ Me lembrei do meu xodó/ Lá de Maceió/ E da Turma de lá/ Eu tenho saudade do bairro do Poço/ Trapiche da Barra, Mangabeira e o Farol /De Ponta da Terra e de Jaraguá/ Da festa do Prado eu era o maior/ Olha na rua do sol/ E em Ponta Grossa/ No Vergel do Lago eu tinha um namoro/ Me deu saudade da turma de lá / E hei visitar o meu bairro Bebedouro/ Ô que saudade danada/ Não posso nem recordar/ Me lembrei do meu xodó / Lá de Maceió/ E da Turma de lá/ Nunca mais eu vi um suruzeiro/ Entrar na lagoa e tirar sururu / Pegar siri ou caranguejo uçá/ Pescar carapeba, mandin e muçum/ Camarão e ostra também têm valor/ Jacinto se lembrou de sua terra amada/ Tenho saudade do Gogo da Ema. 24 Sururu (Letra: Lelo Macena/ Maurício Gonçalves): Prepare a garganta/ Vai trabalhar/ Vai bater perna/ Sol na cabeça/ Tá de rachar/ Suor na testa/ Prepare a garganta/ Repare a cabeça/ Repare a garganta/ Prepare a cabeça/ Sururu fresco!!!!!!!!!/ A como é?/ Eu faço um por três/ Dois faço cinco/ Toda razão é do freguês/ Com isso eu não brinco/ Prepare a garganta/ Repare a cabeça (...) 25 Como se encontra em Djavan em Sururu de Capote: Eh sarará é sucuri/ Eh sarará de prajati/eis o siri-de-coral/sururu na casca é capote /no nordeste tem Santo Antônio, São Benedito/tem matrimônio de corpo invicto/quatro pimentas um prato feito/uma tapa na venta pra quem não comer direito/eh rapariga não se tortura/dor de barriga, cidreira cura/é na casinha que se faz/aquela mocinha tá ficando um rapaz/em são paulo é bom, mas como lá eu não digo/vou pegar ônibus vou rever meus " umbigo"/em são paulo é bom, mas como lá eu não digo/vou pegar ônibus vou rever meus " umbigo".

20

E, aprofundando a polifonia do molusco, se nos dicionários 26 a semântica, para além da classificação do molusco sinaliza para o seu enquadramento enquanto briga, confusão e genitália feminina, nas particularidades das nossas geografias, está em que ele, o sururu em nossas paisagens 27 através de sua apropriação mimética enquanto significante , está em que, por aqui, o sururu fragmenta-se em um universo poético articulado a partir de uma proliferação de linguagens, derivando-se

daí,

uma

poetização da vida em todas as escritas em que ele, o sururu enquadrado em cadeia semânticas que se proliferam, compõem o sentimento de presenças e de memórias de um somatório de imagens e sentimentos engendrados a partir do corpo e da presença de memórias involuntárias28, e através dele e da poética que se instala em suas inscritas, é toda uma Alagoas que se abre e que se expande. É o que se vê por exemplo, através de uma outra narrativa aqui situada, Só em Maceió, do mesmo Martinho da Vila, no sentido de um movimento de um se abrir para, pois, ao situar o sururu por dentre nossas paisagens, a composição do contexto da narrativa, ao invés de atrelar o molusco a movimentos de confusão e balbúrdia, vai se compor através de uma articulação de sentidos atrelados ao paladar e às nossas paisagens, repondo neste quadro semântico um sentimento mais próximo de um sentido articulado à um sentimento nativo:

Teka, rendeira/ Eliane, praiera/ Vamos pra Paripueira/ Vamos pra Paripueira/ Vai ter sururu/ Vai ter sururu/ E o Maré fica na beira/ Da Lagoa de Mundaú/ Da Lagoa de Mundau/ Da Lagoa de Mundau/ Da Lagoa de Mundau/ Vou tomar uma azuladinha/ E vou convidar vocês/ Pra comer uma agulhinha/ Lá na Praia do Francês/ E um casadinho de feijão/ Lá na casa do Seu João/ E depois vou vadiar/ Com as meninas em Mossoró/ Só em Maceió/ Só em Maceió/ É que se pode vadiar/ Com as meninas de Mossoró/ Com as meninas de Mossoró/ Alagoas, Alagoas/ Há lagoas/ Ganga Zumba pra onde foi/ Foi pra lá das Alagoas/ E um bom "pega de boi"/ Só tem lá em Alagoas/ Rifle de papo amarelo/ Se encontra em Alagoas/ Pra encontrar Fernando Mello/ Tem que ir em Alagoas/ E manga rosa da boa/ É coisa lá de Alagoas. / A boemia rainha desperta vem na hora certa pra se revelar/ Se encanta com papos de bamba nascente do samba um bem popular/ Pandeiro namora viola e na roda é o povo que canta/ Mas o dono do bar só dá liberdade se for um bom samba. 26

No Michaelis: Su.ru.ru: sm (tupi sururú) 1 Zool Nome comum a diversos moluscos lamelibrânquios marinhos, da família dos Mitilídeos (Mytilus perna; M. darvinianus e M. alagoensis), este último de grande importância econômica para o Nordeste, por fazer parte, em proporção considerável, da dieta das populações menos favorecidas. 2 Bot Árvore tiliácea (Mollia lepidota). 3 Reg (Sul) Briga ou conflito sem graves consequências. 4 Reg (Alagoas) Partes sexuais da mulher. 5 gír Moléstia venérea. 27 Não obstante também por aqui também significar confusão e discórdia (Cf. Coluna Sururu no seminário Extra ou ainda em Sururu Apimentado, livro de memória escrito pelo Coronel Mário Lima, sobre o violento governo de Silvestre Péricles), o sentido por aqui dominante é a sua inserção na construção poética de um imaginário alagoano. 28 No sentido identificado nas narrativas de Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, quando ali, as memórias são evocadas de um modo involuntário através de imagens que nos remetem para lembranças que emergem espontaneamente através das imagens.

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É justamente este enraizamento do sururu em nossas geografias e particularidades culturais que, - sincronicamente situando - tem servido de lastro para que o molusco ao longo de décadas e décadas, tenha se deslocado de seu consumo diário, no senso comum de uma culinária de comida de pobres das margens das periferias, para se transformar em uma representação metonímica e emblemática de Alagoas, aprofundando-se através dele, o sentido de uma identidade emblemática, pois, diante das particularidades do molusco, estamos diante da consolidação de um elemento que, progressivamente, se deslocará de uma culinária compartilhada para a consolidação de um imaginário comum e de todo um processo de desvelamento. No que se identifica que, a construção deste campo perceptivo, das geografias lacustres, já na década de década de 20 do século passado, já se configurava solidificado no imaginário alagoano. Exemplar desta presença desveladora foi a escrita poética de Aloísio Blanco, quando já na ali, naqueles anos, vai ser a partir de um cenário poético enredado a partir das imagens das paisagens lacustres que vai se dar o lastro de encantamento de suas imagens:

Os magros e românticos coqueiros/ Como todo habitante do litoral/ Têm olhares vagos e perdidos para os horizontes/ Tentadores/ Que lhes torna mais fatal e doloroso o sedentarismo/ Se alongam acurvados e contorcidos sobre as águas/ Num gesto desesperador e insatisfeito feito um adeus/ De adeus talvez mesmo incompreendido/ Até pelas canoas dos viajantes abandonados/ Onde só as velas brancas cheias de vento a balançar.

Este movimento da emergência de um imaginário, o qual, se já na década de 20 começaria a ganhar nítidos contornos vai se ampliar na década de 30 do século passado diante de sua consolidação em um campo discursivo cada vez mais visível nas escritas e nas representações29 das vivências da cidade. Revelador já ali na década de 30 desta visibilidade

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, pode ser verificada através dos romances e crônicas que estavam sendo

escritos. Em 1933 – um ano antes do romance O Anjo de Jorge de Lima - é escrito 29

Os exemplos são muitos, e, dentre muitos deles, um recorte de um jornal, - O Jornal Diário do Povo do dia 22 de fevereiro de 1917 em uma quinta-feira na coluna intitulada 'Carnaval, lê-se o seguinte: A mocidade d’O Sururu pede-nos a publicação do seguinte: “A Diretoria do Grupo-Lyrico Carnavalesco O Súruru, agradece penhorado, o franco acolhimento que tivera de todas as pessoas que se dignaram de contribuir com o seu concurso para o brilhantismo do mesmo Grupo, tornando extensivo esse agradecimento aos jornaes pelas honrosas referencias que lhe fizeram. Aproveito também o ensejo para pedir desculpas áquellas pessôas, em cujas casas deixou por ventura de comparecer o referido Grupo, falta commettida involuntariamente.” 30 Será oportuno lembrar aqui que Octávio Brandão já havia em 1919, escrito o seu Canal e Lagoas, quando através dele, uma escrita etnográfica esmiuçando em detalhes os contornos do complexo mundaúmanguaba e foi a partir do esqueleto de sua montagem que Jorge de Lima escreveria o seu Calunga, iniciando ali, o que identificamos de uma estética genuinamente alagoana.

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Manguaba, de Pedro Nunes Vieira31 e também na consolidação daquele imaginário, um livro de memórias, Mundaú (1950) de Pedro de Carvalho Vilella. Na introdução daquele romance, Manguaba, Pedro Nunes Vieira vai oferecê-lo à:

À Maceió das ruas pobres, dos biombos, da monotonia; à Maceió dos pescadores e dos canoeiros, dos estivadores e da gente humilde; à Maceió das feiras de Bebedouro e do Pharol, das festas do Major Bonifácio; à Maceió das cheganças, dos pastoris, dos fandangos e dos reisados (VIEIRA, 1932, p.3)

No geral estes romances são repletos de tipos populares, de manifestações folclóricas e cenários articulados no entorno da fauna e flora ao redor das ilhas lacustres. Também em 1930, a lagoa Mundaú foi o cenário para as românticas cenas de Casamento é Negócio? dirigido por Guilherme Rogato, primeiro filme alagoano rodado em Maceió, no início da década de 30 do século passado. Dentre as suas imagens, as paisagens primitivas de uma Mundaú lacustre, no Pontal da Barra, com suas canoas, casas de palha por dentre suas imagens ancestrais. Configurando a amplitude das sociabilidades das geografias lacustres, pois ali, no antigo bairro da Levada, bem ao lado de seu canal – atualmente irreconhecível, pois que desfigurado e poluído - existia a Festa da Levada, uma tradição que se prolongaria durante décadas, quando ali, durante uma semana dançava-se o coco e as famílias vestiam a domingueira.

Foto 4: A Festa da Levada nas primeiras décadas do Séc. XX

Todavia, no iniciar das representações, não resta

dúvida

ter

sido

através

de

sua

comercialização nômade das trajetórias dos pregões, que ele, o sururu, se deslocou das periferias lacustres para se estabelecer no imaginário da cidade de Maceió, na ressonância de uma composição de presenças que há décadas e desde tempos imemoriais anunciava o nomandismo de sua trajetória: “Sururu fresco”.

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A título de informação, vale pontuar ter sido de autoria do mesmo autor, Pedro Nunes Vieira, a letra de Sururu da Nega, o frevo temático do bloco As Ciganinhas do Major. Por ai se pode perceber o quanto imaginário sururu já estava manifesto nas gentes alagoanas

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Estamos aqui diante de um aparecer primitivo, momento iniciático a partir do qual, a linguagem já enraizada nas falas e no senso comum, já se consolidava em um campo perceptivo na ampliação e na abertura, escuta e produção de um imaginário, que, já ali se alargava através das imagens de negros e de negras de bacia e cuia na cabeça a trafegar em uma cidade ainda primitiva no moderno, anunciando através deles, a presença do molusco por dentre ruas, vielas e becos. Durante décadas, foi esta trajetória de presenças e de falas que ampliaria o consumo simbólico do sururu para além de suas relações de trocas originárias entre os pobres da Mundaú. Todavia, se o pregão pode ser identificado enquanto um marco primitivo na formação de um discurso que se espalharia em poesias, prosas, músicas, ditos populares, nominação de eventos, etc., a sua presença com o passar das décadas foi se consolidando em marcos geográfico, cá em nossas paisagens, originário. Este enraizamento do sururu, no imaginário alagoano, este deslizar de um comer para um sentir e um imaginar sinestésico tem se articulado enquanto uma cadeia significante, a qual, em suas diferentes escritas – alfabética, imagética ou sonoras -, na escansão das temporalidades vem se articulando e se consolidando em uma montagem de um campo de percepções situadas em paisagens, que toda ela tem se ampliado a partir de imagens lacustres que sinalizam para traços identitários e marcos de origem. É justamente neste sentido que Jorge de Lima (em O Anjo) assinala que mesmo sendo o sururu uma presença de outras paisagens, entre nós o molusco vai se revestir e se compor com o local: Sururus existem em quase todas as lagoas do Brasil. Porém os desta lagoa [Mundaú de Maceió], devido a circunstâncias especiais explicadas pelos naturalistas, como mistura de água do mar com águas dos rios que deságuam na lagoa, e outras causas, tornam-se como que degenerados, pequenos, gordinhos, gostossíssimos (LIMA, 1977, p.52).

E em Calunga, uma presença vai se alargar e se compor enquanto um elemento identificado em um cenário mais amplo: Dobrando o beco da Croa grande, parou se querer na beirada da lagoa e ficou um bocado espiando a pesca do sururu. Raça de antepassados comedores de mariscos. Uns meio vestidos, outros nuzinhos em pêlo, atolados até na água lamosa apanhavam da lama o sururu que há séculos seculorum alimentou os indígenas que comeram o bispo Sardinha. (LIMA, 1977, p.22) Grifo nosso.

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Romance escrito em 1933, período no qual os canais e as lagoas era um percurso obrigatório para os habitantes do complexo Mundaú-Manguaba, a escrita alagoana de Jorge de Lima – na verdade, uma antropofagia das coisas alagoanas, - é uma escrita situada, na qual, o imaginário alagoano já havia se aberto à cadeia simbólica que já ali se articulava em torno do sururu e foi justamente esta incorporação do sururu no imaginário alagoano – sobretudo nas camadas populares – que se pode constatar na letra de um frevo, o Sururu da Nega32 (Aristóbolo Cardoso e Pedro Nunes) bastante popular nos entremeios das décadas de 30 e 40 do século XX do bloco carnavalesco As Ciganinhas do Major33:

É da favela não nega Juju/ Nasceu num rancho na terra do Sururu/ Quadris roliços de cabelo atrapalhado/ Quem vê diz que tem feitiço/ Nasceu num rancho da terra do sururu/ Em Bebedouro no Farol, na Ponta Grossa/ Com o sururu da nega, a folia é nossa/ Não há petróleo, não há porto, não há nada/ O bom do problema é o sururu lá da Levada/ É da favela não.... / No olhar apimentado/ Cavando a vida no canal da Mundaú/ Pesca Caboclo, Massunim e Sururu/ É da favela não nega Juju

Um cenário que se reduplicará décadas mais tarde em Sebo nas Canelas (Pedro Batata) no III Festival Universitário de Música Alagoana em 198334: Tá chegando a madrugada peia/ A mulherada toda em cena voa/ Sebo nas canelas que tá vindo um avião/ Na lagoa tem, chuchu do muito bom/ Quarto fato de boi, ê Sururu Fresco, Sururu fresco/ Compra-se ferro velho/ Jornal, revista, garrafa/ E meia garrafa/ Joga o coco lá de riba/ Que aparo o coco em baixo/ Sururu fresco, Sururu fresco (...).

O sururu, molusco fechado e somente aberto após a sua fervura, foi metaforicamente usado enquanto um artefato de denúncia e persistência em Surururoots do CD Bombalá, da banda que possui o mesmo nome do disco e composta pelos ex integrantes da Living in the Shit35:

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Segundo matéria veiculada pelo jornal Gazeta de Alagoas de 02 de março de 2003 o projeto de lei que propunha esta música como hino oficial do carnaval maceioense foi retirada da pauta de votações, entendida como proposta-entrave e ausente eficácia. 33 Bloco carnavalesco criado pelo então Major Bonifácio da Silveira, o qual, durante décadas se constituiu enquanto um dos blocos carnavalescos mais importantes da cidade. 34 O terceiro Festival Universitário de Música Alagoana foi uma realização do DCE (Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Alagoas). 35 Banda de rock alagoana bastante influente no cenário da cultura urbana em meados de l990. A tradução do título inicial da banda - Vivendo na Merda - é reveladora de sua postura crítica ao cenário cultural da cidade.

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Comunidade que vive dentro da casca/ Que não racha com as pressões da massa/ Tentando crescer, mudar, melhorar lá/ Por aqui e em todo lugar/ No meio de tantas pessoas/ Cansadas de batalhar/ O pensamento é pra frente e pra frente/ Vitalidade dentro de você/ Existem muitas coisas que/ Não consigo entender/ Coronelismo e corrupção/ Sem punição mais minha casca/ Não racha não.

Mundaú, fauna e resistência, também vão compor o núcleo temático na narrativa do extinto Poeira Nordestina 36 através de Jurandir Bozo: É na lagoa Mundaú/ É na lagoa mundaú que dá peixe e sururu/ Mas escute seu doutor advogado e presidente/ Que eu já falei a muita gente/ E hoje venho repetir/ Não venha pá cá sorrir/ Tão pouco mostrando os dentes/ Que eu teimei o seu clemente/ Cabra que matou zebu/ É a lagoa Mundaú/ Que vai dar peixe à nossa gente.

Alegoria que se aprofunda em Sururu de Cara de Basílio Sé enquanto máscara e emblema identitário: Alagoano com cara, de cara, cara/ Com cara, de cara cara, cara de sururu/ É um imenso sarado alagoano/ Com cara de sururu. E que se alarga no complexo de imagens de Pérola de Altair Pereira:

Tapete negro/ Que a água esconde / Lugar comum entre lugares onde eu cresci / Tuas pontes, teus mangues mistérios/ Mundaú das ilhas, dos casebres, a lagoa mãe / És senhora de rara beleza/ Eu vi a pérola/ Eu vi a Pérola/ Eu vi a pérola/ Na concha de um sururu. / Em tuas margens/ Eu lembro ainda/ Da árdua luta quase tem para sobreviver/ De todo o empenho, cansaço na lida/ De mãos que colhem o seu fruto a cada manhã/ Mãos que ardem e tecem a vida. / Eu vi a pérola/ Eu vi a Pérola/ Eu vi a pérola/ Na concha de um sururu. / Os poetas te louvam em versos/ De filhos e não filhos és a grande inspiração/ Não me canso, de sempre cantar-te/ Do alvorecer ao por do Sol/ És lírica visão, / És dádiva da natureza. / Estou longe dos teus braços/Recordações de te invadem o meu coração, Minha história é tua história, /Fique certa que não esquecerei de tudo que vivi/ Eu vi a pérola/ Na concha de um sururu.

Um cenário que se amplifica com Grande Lagoa Mãe do mesmo compositor Sou alagoano da Cidade Sorriso/ Da Jacarecica rio, baba do jacaré/ Do prado. O brejo do passarinho/ Do alto da Jaqueira à chã, Bebedouro/ Do Pontal da barra, do por-do-sol Dique Estrada/ Sou um dos filhos, da grande lagoa mãe/ Sururu fresco, / Mundaú, lagoa grande Bebedouro/ De muitas bocas o sustento tantas vidas o prazer/ És uma lagoa bela/ Teus mangués abissais/ Cercada de mistérios, do mar favela, coqueirais/ Olha o sururu 36

Poeira Nordestina, banda em cujo repertoria as composições híbridas se articulavam ao redor de ritmos alagoanos e batidas de rock em meados da década passada. Todas as letras da banda Poeira Nordestina, foram retiradas de CD demo e não disponíveis no mercado.

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fresco/ Mororó, a carapeba, uca, siri mandim quem vai querer/ Mundaú, lagoa grande Bebedouro/ De muitas bocas o sustento tantas vidas o prazer/ Mesmo tendo suas forças sugadas pela algoz poluição/ Como mãe nunca se entrega/ Faz da lama nascer o sururu. / Olha sururu fresco/ Olha a carapeba oia/ Olha o mandim óia/ Olha o mororó óia/ Sururu fresco.

Todavia, revelador de força de sentido do referido molusco, foi o lançamento em 2004 de um manifesto, o Manifesto Sururu, texto cujo título tomando o molusco enquanto o ponto nodal de sua narrativa, vai articular ao seu redor uma contranarrativa da cultura alagoana compondo a partir dali, uma contra-narrativa de Alagoas sob os influxos das paisagens lacustres, de acontecimentos soterrados (O Quilombo dos Palmares, a Quebra dos Terreiros de Candomblé em 1912) articulados sob os movimentos e presenças das manifestações e personagens afrodescendentes. A força da produção de sentido do texto, não está apenas na produção de ensaios37 escritos depois de seu lançamento, e nem tampouco em sua utilização em outros artefatos culturais38, mas, sobretudo na articulação metafórica das paisagens lacustres em suas imagens ao articular ao redor do molusco, um tempo iniciático e cíclico ao redor de uma contra-narrativa identitária atrelada às culturas afro-alagoanas, quando, no decorrer do texto, a sua escrita está repleta de imagens de uma Alagoas primitiva composta de barro, de batuques e de lama e que vai ser ali articulada através de imagens mediadas por personagens históricos (Zumbi dos Palmares), religiosos (Tia Marcelina e Mestre Félix39), de outros oriundos da cultura erudita (Jorge de Lima 40 e

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Além dos muitos ensaios escritos sobre o referido texto, o mesmo, além de ser o tema central de monografias acadêmicas, citado em monografias e teses de doutorado, suscitado o nascimento de blogs (dentre estes o Negros, Canais, Lagoa e outras Imagens Periféricas do mesmo autor), discutido em salas de aulas em cursos secundários e universitários e também citado em livros didáticos, foi também a partir dele que seu autor desenvolveu a ideia do evento Xangô Rezado Alto enquanto um ato de rememoração e protesto contra a quebra dos terreiros ocorridos em Alagoas em 1912. No que se refere ainda aos ensaios, vale o registro do ensaio escrito pelo historiador Dirceu Lindoso a respeito do mesmo – A propósito de um Manifesto Sururu – até a presente data inédito e inserido em anexo da presente solicitação. 38 Além de ensaios e de sua utilização enquanto material didático, o texto também foi inserido no Dvd da banda de reggae Vibrações e também matéria do programa Terra e Mar exibida pela TV Gazeta de Alagoas em 2010. 39 Tia Marcelina e Mestre Félix, dentre outros, foram dois religiosos dos cultos de matriz africana que sofreram as consequências da quebra dos terreiros de Candomblé aqui em Alagoas. No particular, Tia Marcelina foi uma ex-escrava de origem africana e matriarca do candomblé em Alagoas, morta meses após o movimento que entraria para a história como O Quebra, o movimento de revolta contra a oligarquia de Euclides Malta, quando, no espaço de alguns dias, de trinta a cinqüenta terreiros de candomblé foram quebrados e os pais, filhos e mães de santo foram espancados e humilhados publicamente. 40 Jorge de Lima foi ele que, vestindo de culturas populares, eventos históricos e de etnias o arcabouço geográfico montado por Octávio Brandão na escrita de Canais e Lagoas, pode ser considerado o articulador de uma estética genuinamente alagoana.

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Celso Bandão41) e das culturas populares alagoanas (Mestre Zumba 42, Mestra Hilda do Coco43, etc.) ao redor de uma narrativa das margens44, compondo a partir do molusco e das paisagens lacustres, um entre-espaço na produção de sentidos, os quais, somados, vai se sobrepondo a outros imaginários alagoanos, situando-se ali, o sururu, enquanto uma metonímia articuladora de imagens e de sentidos que ao redor deles gravitam e explodem45.

Foto 5: Porto Sururu. Lula Castelo Branco

No que o texto se aprofunda enquanto

uma

contra-narrativa,

na

verdade o deslizar de sua escrita a partir do molusco apenas testemunha um sentimento compartilhado a partir de um imaginário compartilhado. No somatório das evidências, selecionam-se os exemplos como foi o caso do curta-metragem Cata Sururu (1981) de Celso Brandão, filme etnográfico e minimalista e centrado sobre o processo de catação de sururu nas águas da lagoa Mundaú, e posteriormente ele também aparece no composto de imagens também presente no

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Celso Brandão, um do mais representativo fotógrafo de Alagoas. Descendente de uma família profundamente ligada à preservação das culturas populares – Theo Brandão, José Aloísio Vilela - ele tem a trajetória de sua obra marcada pelo incansável registro das culturas e tipos populares. Além de fotógrafo, ele é também cineasta e, no geral os seus curtas-metragens (Ponto das Ervas, Memória da Vida e do Trabalho, etc.) são registros das culturas populares. É ainda de sua autoria o “Pesca Sururu”, um registro etnográfico sobre a catação de sururu na lagoa Mundaú. 42 Mestre Zumba, nascido na cidade lacustre de Santa Luzia do Norte, na beira da lagoa Mundaú, foi filho- de- santo e parente de Tia Marcelina. Zumba foi um artista plástico que durantes décadas era visto vendendo suas telas pelo centro da cidade de Maceió. Em suas imagens, uma alagoanidade composta por negros e uma Alagoas primitiva com imagens enraizantes de coqueirais, lagoas e praias. 43 Mestra das culturas populares alagoanas, além de coco, Mestra Ilda também foi mestra de baiana. 44 O sentido de margens aqui colocado se opõe a um centro, no entendimento de centro enquanto o espaço e representações das narrativas dominantes, sobretudo da narrativa de uma Alagoas identificada em dominância a partir dos imaginários de Sol e Mar. 45 Foi neste sentido que, José Geraldo Marques, sertanejo de origem das bandas de Santana do Ipanema quando da leitura do texto exemplificaria em cordel a universalidade do molusco em terras alagoanas: Viva Dirceu Lindoso!/E viva o Manifesto Sururu!/ Viva o bravo Calabar!/ E viva a nega Juju!/ Venham Zumbis pelos ares/E pelos mares Zulus/Caetés pelos Palmares/Tomem rotas lagunares/De Manguaba e Mundaú!/ Dirceu se diz pitiguar/Já eu nasci cariri./De água, bebi o Ipanema/Da santana onde nasci;/Mas mesmo lá no sertão,/Sururu também comi!/ E se ando por outras plagas/ Trago nos olhos manguabas/ Lagamares e sertões/ Trago também mundaús/ Penedias e lamarões/ E no peito uma saudade/ Com uma enorme vontade/ De sacudir corações!/ Essa vontade é caeté/ E cariri-xucurú/ É batava e lusitana/ É palmarina e italiana/ E tem gosto de sururu!

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Mirante Mercado de Hermano Figueiredo, uma narrativa das culturas populares urbanas de Maceió 46. A Amostra Sururu de Cinema Alagoano criado em 2012, foi este o nome escolhido por um grupo de cineastas alagoanos 47 na identificação de um projeto de produção e exibição de filmes de curta metragem alagoanos. No entanto, este deslocamento de seus usos do senso comum, para uma linguagem poética, se amplia quando identificamos que, a sua incorporação em uma estética alagoana, é apenas mais um momento a partir do qual ele se desdobra e, deslocando-se dali, dos universos poéticos, ele vai operar enquanto um mapeamento das identidades de eventos, quando neles, o nome do molusco vai ser usado de um modo totêmico das coisas alagoanas, um significante nominador de eventos, práticas e marcas. Na verdade, diante da coisa do comer e do sentir o sururu e de seu uso para a nominação de eventos, estamos diante de um deslocamento, de um descentramento de seu uso originário, consequência de sua incorporação em um imaginário no senso comum e que se o sururu já ali está presente enquanto uma memória, junto-com-ela o imaginário lacustre já se encontrava ali enquanto uma presença silenciosa cravada nos corpos, de modo que, o fenômeno ali de sua presença nominando as coisas, não é um simples aparecer, mas antes, é o fenômeno de sua presença que se impõe enquanto uma memória (quase que) involuntária que tem se reproduzido enquanto uma atitude responsiva progressivamente incorporada e sedimentada nos fluxos dos eventos e marcas. Assim, Sururu Valley, este foi o nome adotado por uma startup em sua instalação em Maceió em 2013. Segundo seus idealizadores48: (...) os empreendedores decidiram batizar seu “habitat” de Sururu Valley, em referência ao clima colaborativo do Vale do Silício, com um toque regional do sururu, molusco muito comum na culinária alagoana.

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Documentário Cadeia Produtiva do Sururu em Alagoas, curta-metragem dirigido por João Schwrtz enquanto um registro do levantamento da cadeia produtiva do sururu realizado pelo Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS) em 2012 disponível em https://www.youtube.com/watch?v=a6-K4c-iX4w 47 Dentre outros, Pedro da Rocha e Werner Salles. 48 Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios de 16 de agosto de 2013. http://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2013/08/sururu-valley-e-o-vale-do-silicio-de-alagoas.html

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Jeep Cross Maceió Sururu foi também o nome escolhido para a consolidação de um longo trajeto um percurso, vai se desenvolver no entorno da lagoa Manguaba no entorno do município da cidade do Pilar49. Já em 2014, o molusco serviu de identidade para dar nome a duas agencias carnavalescas da chamada prévia carnavalesca da cidade de Maceió 50. O primeiro foi o Bloco Sururu Guerreiro 51, composto por jovens de classe média alta que desfilaria no Jaragua Folia. Já o segundo foi o grupo percussivo Sururu na Lama, uma recente criação de integrantes do Coletivo AfroCaeté52 e que teria a sua estreia junto aos diversos blocos que saem no sábado das prévias carnavalescas na orla marítima de Maceió. Todavia, as evidências sinalizam no sentido de que, mesmo sendo o sururu uma comida típica de pobres e periféricos, recentemente a culinária do molusco tem dado mostra de uma maior visibilidade quando observamos ter o mesmo dado nome a um restaurante frequentado pelas elites alagoanas a partir de seu enunciado em Francês: Le Sururu Bristot Nordestino. Situado no elegante Hotel Ritz Lagoa da Anta, na área do bairro nobre de Jatiúca, o restaurante fundado em 2001 adotaria em linguagem afrancesada o nome do molusco53.

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O significativo aqui é observar que, mesmo sendo o evento realizado nas margens da lagoa Manguaba na cidade do Pilar, da qual o bagre – peixe naquelas águas abundantes – emerge enquanto identidade do lugar, a nominação do evento vai se dá a partir do sururu. Por estas e tantas outras, pode-se perceber a amplitude e lastro de seu imaginário. 50 Para os não-alagoanos, a chamada prévia do Carnaval, é o nome genérico para o evento que antecede em uma semana antes do carnaval propriamente dito, os agentes e agências envolvidos com o carnaval, há algumas décadas vem desenvolvendo a consolidação do referido evento. 51 No blog Maceió 40 Graus, lia-se o seguinte: O bloco Sururu Guerreiro, participou do pré-carnaval Jaraguá Folia 2014, espalhando muita alegria no Jaraguá http://maceio40graus.tnh1.com.br/xereta/galeria/1682/jaragua-folia-2014-bloco-sururu-guerreiro 52 Também para os não-alagoanos, AfroCaeté foi a nominação identitária de um grupo percussivo que uma agência formada por militantes culturais da classe média. http://coletivoafrocaete.blogspot.com.br/ 53 O casal hoteleiro e gourmet Marcio Coelho (Mineiro de Juiz de Fora) e Mirella de Genova Coelho (Pernambucana do Recife), procurando uma cidade onde houvesse uma melhor qualidade de vida, deixaram o Rio de Janeiro, onde moravam e instalaram-se em Maceió em 1989, ocasião em que lançaram seu primeiro empreendimento hoteleiro Alagoano. Sentindo muita falta de uma culinária mais refinada visto que, naquela época, a cidade ainda não era um centro gastronômico desenvolvido, começaram a reunir alguns amigos, também oriundos do sudeste do pais, em sua residência, para juntos prepararem iguarias que apetecessem os desejos despertados pelas doces lembranças das incursões gastronômicas de outrora. Vários anos se passaram e as experiências culinárias desenvolveram-se caminhando sempre para a harmonização dos produtos regionais as especiarias europeias. Surgiu, então, a ideia de se montar um pequeno Bistrot em seu novo empreendimento o Hotel Ritz Lagoa da Anta (5 estrelas) que atendesse não só aos seus próprios anseios mas aos amigos e hospedes, que, constantemente, solicitavam, em seus opinários de estadia, uma maior oferta da cozinha nordestina. Assim sendo, com apenas doze mesas e trinta e seis lugares, o “Lê Sururu Bistrot Nordestino” foi inaugurado em Janeiro de 2001 reunindo insumos nordestinos, do mar e do sertão, preparados sob a influencia Francesa e Italiana conferindo a culinária Regional o toque da alta gastronomia, que, a seu gosto, lhe faltava, numa verdadeira “fusion” de sabores que resultam no êxtase de seus freqüentadores. Como não podia deixar de ser a mais famosa iguaria Alagoana, que da nome ao pequeno restaurante, o famoso Sururu e ofertado, sempre, como como prelúdio além de estar presente em outros deliciosos pratos do eclético menu.

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Também na área nobre da cidade, o Sururu também está no cardápio do Massagueirinha Bar e Restaurante54 situado nas proximidades do bairro de Ponta Verde e em alguns outros bares e restaurantes que por ali se encontram. Longe daqueles espaços, o sururu há décadas tem sido um prato servido enquanto uma tradição – o sururu de capote - pelo Bar do Pelado, um restaurante situado por dentre os limites do bairro da Levada e o bairro de Ponta Grossa 55. Exemplos que se proliferam, quando – dentre muitos – nós nos deparamos nas páginas do Facebook, o Sururu Comédia 56, uma pagina criada desde 2010, ou ainda, quando se lê no Blog Amo Maceió 57, após a manchete - Sururu de Maceió atrai os apreciadores de frutos do mar – a matéria:

O Nordeste possui uma vasta tradição em frutos do mar, e não poderia ser diferente em Alagoas. Maceió é a cidade com o maior número de lagoas em todo o País, e por isso também é uma abundante produtora de moluscos. Não por acaso a comida típica de Maceió não foge da regra. Os 230 km de litoral, lagoas e rios, nos proporcionam o que há de melhor em moluscos. Os frutos do mar encabeçam o cardápio alagoano e merecem ser degustados pelo seu sabor irresistível. Uma das várias delícias encontradas em Maceió é o sururu, tido por muitos como o verdadeiro patrimônio gastronômico de Alagoas. Sururu O sururu é um molusco bivalve (inserido entre duas conchas), semelhante à ostra, que vive dentro de conchas, na água doce. O sururu prolifera nas partes mais rasas da lagoa, dentro da lama, vivendo em colônias numerosas. Ele cresce, engorda e sobrevive de acordo com o teor de salinidade da água, que não deve ser nem muito doce, nem muito salgada, as lagoas têm exatamente esse tempero. Os pratos típicos mais conhecidos feito dessa espécie é o caldo de sururu, à base de dendê e leite de coco e o Sururu de Capote, um prato com o molusco cozido ainda dentro da concha com leite de coco, tomate, cheiro verde e outros temperos.

Por todas estas presenças, é possível visibilizarmos um pouco do muito do entranhamento do sururu no imaginário das gentes alagoanas.

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Massagueirinha Bar e Restaurante Rua Dep José Lages 1105, Maceió/AL No site Tudo na Hora: Quem aprecia uma comida bem alagoana, tem por obrigação agendar uma visita ao tradicional bar do Pelado, no bairro da Ponta Grossa. São mais de 45 anos de boa comida, e o melhor de tudo, oferece o nosso prato mais típico do Estado: o sururu de capote, uma raridade. Também sou fã da patinha de uçá e carne de sol de porco, servida com farofa matuta. 56 https://www.facebook.com/SururuComedia 57 http://amomaceio.com.br/tag/sururu/ 55

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6. O IMAGINÁRIO SURURU: UM PATRIMÔNIO DOS ALAGOANOS

Se por patrimônio cultural se entende um conjunto de bens, materiais ou imateriais, os quais, pelo seu valor são relevantes para a permanência e a das identidades culturais, o sururu, molusco de particularidades e pertencimento alagoano e que desde tempos imemoriais vêm se mantendo no imaginário da gente caeté, se enquadra nas características de um patrimônio com a ressalva de que, diante de suas características materiais e imateriais, podemos situá-lo enquanto um artefato híbrido, com o acréscimo de ser ele, o sururu, algo bom para se pensar e bom para se comer, contexto que se alarga diante de que o turismo58 em Alagoas ter se consolidado enquanto uma economia emergente, entendendo-se este fenômeno – o aparecer do turismo – enquanto um processo inserido no atual contexto de nossa modernidade Caeté. O que aqui propomos como imaginário Sururu, portanto, atende ao conjunto de identificações associadas à presença do molusco homônimo, como veremos adiante, em textos musicais, artísticos e literários, mas também nos cotidianos, de forma especial como alimento fartamente consumido e significado. Lody (2008) exemplifica esta dinâmica em sua antropologia alimentar: O próprio imaginário popular já aponta e valoriza a relação comida/identidade: ‘você é o que você come’, ou ‘dizei o que comes que te direi quem és’, ou ‘papa-jerimum’, para aqueles que nascem no Rio Grande do Norte, e ainda nesse estado os nativos são chamados de potiguares, derivado de potiguara, que quer dizer ‘papa- camarões’; ‘papa- sururu’ para os que nascem em Alagoas; ‘papa- goiaba’ para os que nascem no estado do Rio de Janeiro; ou ‘papa-hóstia’ para as assíduas frequentadoras da igreja, entre outras maneiras de situar homem/comida e lugar e também assim apoiar uma construção de pertença, patrimonializando o que se come enquanto uma atestação de cultura e, por conseguinte, de singularidade em contextos tradicionais e alguns globalizados (p. 405) Grifo nosso

Mediante o exposto, podemos falar não de uma, mas de modernidades enquanto processos situados a partir de conjunturas históricas, econômicas, geográficas e seus dispositivos. Enquanto processos situados é que identificamos nestes, dois tipos de modernidade – uma modernidade vazia e uma modernidade situada - as quais, além de suas contradições, os seus antagonismos ficam por conta de que, enquanto a 58

Esmiuçando a problemática, fenômeno recente e que vem desenvolvendo a sua estrutura de redes globais a partir da década de 1970 do século passado, o turismo tem se revelado enquanto uma atividade, a qual, em suas particularidades encontra-se inseridas nos parâmetros de expansão da modernidade. Assim, torna-se necessário compreender, neste processo de expansão, uma bifurcação matizada por uma destruição e por uma seleção das tradições.

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modernidade vazia vai se caracterizar pela pura e simples destruição dos patrimônios ecológicos, a situada vai se desenvolver a partir de uma percepção das características geográficas e, ao reconhecimento dos patrimônios ecológicos locais59. No encaminhar das diferenças, enquanto a modernidade vazia é movida em dominância por uma relação com o local através de parâmetros cartesianos de uma relação meramente instrumental equacionando paisagens, culturas, eventos e homens enquanto coisas, os parâmetros de uma modernidade situada vão se caracterizar enquanto estratégias de desenvolvimento a partir de um desentranhamento

das

particularidades locais sufocadas pelas teias das relações instrumentais de um mundo globalizado, e, é neste contexto de contradições e de relações antagônicas, que se coloca a solicitação do transformar o molusco em patrimônio, e o questionamento que se desdobra é o entendimento de quais seriam as razões de que, tendo-se transformado o referido molusco enquanto um elemento entranhado em uma estética alagoana (nas escritas de Jorge de Lima, nas imagens do Papa Sururu e em Mirante Mercado e nas imagens de Lula Castelo Branco 60 e de tantas outras escritas em uma produção que tem se alargado através de uma formação discursiva dali emergente), e, sendo ele uma comida democraticamente consumida desde tempos imemoriais e articulador cognitivo de identidades de eventos, até a presente data não tenha ele sido incorporado enquanto um patrimônio imaterial de Alagoas. Quais as razões para esta defasagem entre o já aparecido e o já consagrado ainda não ter sido reconhecido pelas instâncias responsáveis pela preservação e consagração do patrimônio quando se entende ser a consagração um acolhimento da referidas instituições das demandas de atores e agências envolvidas?

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Conceito analítico desenvolvido na tese de doutorado de Edson Bezerra, (2007): Enquanto que a modernidade vazia vai se caracterizar pelo desconhecimento ou desprezo para com os patrimônios culturais, eventos e personagens da cultura local, a situada vai se desenvolver a partir de um conhecimento dos patrimônios culturais, eventos e personagens locais; no que a modernidade vazia vai pura e simplesmente colonizar os espaços públicos, a situada vai ocupar os espaços públicos respeitando as particularidades e seus localismos; enquanto a rede de articulação ao capital da modernidade vazia vai atrelar o capital local às grandes cadeias de bens e serviços globalizados59 em detrimento das possibilidades de uma articulação do capital com as possibilidades locais, as articulações de uma modernidade situada se instala a partir de uma articulação do capital local atrelado às grandes cadeias de bens e serviços globalizados a partir das possibilidades de uma articulação voltada para as possibilidades locais; e, finalmente, no que se refere às micro-narrativas, enquanto a modernidade vazia se desenvolve a contrapelo das micro-narrativas locais, a situada vai se desenvolver e se articular a partir dessas. Entre as duas, diferentes registros e inserções do que seja ser moderno. 60 Luis Lula Castelo Branco, fotógrafo em cujas imagens, a presença de um enquadramento de um imaginário lacustre e de uma Maceió articulado a partir daqueles imaginários.

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Acreditamos que os motivos se esclarecem quando observamos para as relações de evitações que historicamente as elites alagoanas têm mantido ao longo dos tempos para com as culturas populares alagoanas.

6.1 Os Labirintos da Exclusão: Os símbolos, o lugar dos mestiços e do popular.

Aprofundando o acima esboçado, as contingências da transformação do sururu em um patrimônio deve ser contextualizado no tipo de relações que historicamente as elites alagoanas têm mantido para com as culturas populares, vez que, a cultura do sururu se situa dentro do campo simbólico das culturas populares, e, falar delas é falar dos mestiços, da mestiçagem, dos negros e do que tem sido denominado de caboclos, cambembes61 e de todo o tipo de discursos e falas articuladas no enquadramento do popular para as margens que ao longo o tempo vem sendo construído pelo discurso historiográfico das elites alagoanas. Esse contexto de exclusão e esquadrinhamento do espaço do poder e do preconceito contra o popular é algo que pode também ser verificado nas quadrinhas de domínio público que circularam em Maceió entre fins do século XIX e o início do século XX: A ponte de Bebedouro é feita de geringonça/ Bacalhau é comer de preto e preto é comer de onça62. Dentre outros, o testemunho de Dirceu Lindoso quanto ao conservadorismo das elites alagoanas é esclarecedor: (....) falei de uma trama de tensões que marca a relação entre o erudito e o popular no interior da cultura alagoana. Essa cultura é marcada, (...) pelo pluralismo da tradição popular e pelo formalismo da erudita. Pelo domínio inicial do erudito sobre o popular. Entretanto é preciso frisar que algumas vezes a reação popular se dirigiu equivocadamente contra seus próprios valores, como ocorreu com o movimento popular antioligárquíco denominado Soberania em 1912 (Lindoso, 1981:9).

Um discurso hierárquico que encontra o seu enraizamento, nas raízes sociais da sociedade alagoana:

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Cambembes foi uma denominação depreciativa aos remanescentes dos índios caetés exterminados quando do banquete antropofágico do Bispo Sardinha e sua tripulação no século XVI. 62 Enunciado de uso popular durante as primeiras décadas do século passado

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A ‘má consciência’ dos intelectuais (...), por sua vez, raízes sociais nítidas. A produção historiográfica alagoana se realizou numa situação social concreta: uma sociedade escravista, baseada na produção de bens agrícolas exportáveis, um Estado monarquico liberal-escravista e uma população de senhores e escravos, com camadas intermediárias de homens livres (Idem: 15).

Também Abelardo Duarte (1974), erudito e pesquisador das raízes afroalagoanas, em seu O Folclore Negro das Alagoas expõe uma série de adágios populares63 sobre os negros. No geral, através destes adágios podemos aprofundar a genética do estigma e sua representação na sociedade colonial quando observamos que, através deles, o estigma contra os negros vai ser construído a partir de suas particularidades raciais - roupas, odores, cor da pele, etc. - e todo que nele pudesse ser identificado enquanto diferença de raça e particularidade étnica, quando observamos através deles, o lugar do negro na vida pós-morte: Negro velho quando morre/ Tem catinga de xexéu/ Permita Nossa senhora/ Que negro não vá ao céu (Abelardo Duarte, 1974: 142) Ou então, sobre as vestimentas e seu lugar na senzala: Dá gastura na gente / Dói até no coração,/ Negro andar de sapato/ Mulato de pé no chão. (Idem) Exemplar da violência contra o popular poderá ser avaliado nos movimentos de destruição dos terreiros de Candomblé realizado em Alagoas em 1912, no início do século passado, em um movimento que entraria para o registro dos fatos históricos o Quebra64, violência que historicamente tem se consolidado quando observamos que, diante de uma cultura cujo lastro está quase que toda ela assentada nas culturas 63

Foucaultianamente situando: enunciados. Especificando, denominou-se de Quebra, o movimentos de destruição em 1912, de todos os terreiros existentes na cidade de Maceió. Acusados de serem adeptos de Euclides Malta, o qual, durante três mandatos consecutivos – dois de mando próprio e terceiro através de um primo – ocuparia o poder, os praticantes do candomblé tiveram todos os seus terreiros quebrados. A partir desta data se tornou uma prática comum durante décadas a perseguição e a proibição da prática do Candomblé. Para resistirem, os praticantes do Candomblé passaram a realizarem as suas rezas sem a batida dos atabaques, batendo palmas e as escondidas. Foi esta prática que deu origem a modalidade do que se denominaria de “Xangô rezado baixo”, uma prática única em todo o Brasil. Por ai se entende um pouco os meandros da especificidade da cultura da violência em Alagoas. O Quebra, foi um dos mais violentos acontecimentos contra as culturas populares no Brasil, haja visto que não obstante ter sido a prática do Candomblé combatida pelas elites em todo Brasil, em nenhum outro estado se verificou uma perseguição tão sistemática. Durante o Quebra, no espaço de apenas uma semana, de trinta a cinqüenta terreiros de candomblé foram quebrados, os negros presos, insultados, amarrados, humilhados e arrastados pelo centro das ruas da cidade entre choros e ranger de dentes. Fenômeno de tamanha violência simbólica que ainda hoje revela as suas marcas quando observamos a ausência do Maracatu e o esvaziamento do carnaval de rua como ausências simbólicas do engendramento da especificidade da cultura da violência em Alagoas. Uma das particularidades do Quebra, um intrincado processo político envolvendo facções das classes dominantes e setores marginalizados, é ter sido ele um movimento de negros e mestiços contra negros e mestiços. Ou seja: mestiçagem contra a mestiçagem. 64

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populares de matriz afro-alagoana, verificamos, há aproximadamente quatro décadas, a ausência do Carnaval de Rua65. A compreensão destes contextos de exclusão podem ser ampliados, quando atentamos para os processos da instalação dos processos de modernidade e modernização em Alagoas e para a permanência dos ethos de origem das elites alagoanas, bem como ainda, para o tipo de relação que elas mantêm para com o local, e, particularmente, à relação das mesmas no que se refere aos os patrimônios das culturas populares alagoanas. Aprofundando as particularidades, se diante de nosso ethos de origem nós nos deparamos com uma elite historicamente identificada através de práticas de violência66, de exclusão67 e de baixo nível cultural68, sincronicamente nos deparamos com a mesma elite, a qual, identificada a partir de parâmetros da construção de um olhar voltado para o local, pode ser enquadrada em três categorias: a) A de uma minoria de elevado padrão cultural e historicamente alheia ao consumo e visibilidade no que se refere às culturas populares. b) A de uma minoria de elevado padrão cultural, consumo dos produtos tradicionalmente canonizados nos critérios de elevado padrão cultural (bons filmes, teatros, cinema, ballet, etc.) e com uma percepção saturada no tocante as culturas populares69.

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Na verdade, a violência e a evitação para com as culturas populares – cuja repressão os terreiros de Candomblé de 1912 foi exemplar, este preconceito foi se desdobrando e permanecendo nas temporalidades históricas. É Abelardo Duarte que registra em um período já pós-quebra, a permanência do preceito das elites alagoanas para com as culturas populares, no caso, para com as bandas de esquenta muié:Tem ultimamente andado a passeio pela cidade, pelas nossas ruas principais, uma orquestra típica de pífanos, pratos e bombo, recolhendo espátulas para santos. Obedecendo a batuta do antigo macumbeiro alagoano Chico Foguinho a procissão sinfônica desperta no povo uma onda de bom humor, dado o pitoresco de seus membros e a ingenuidade musical de suas composições.Não somos, em absoluto contra o aproveitamento destes motivos regionais de nossas coisas primitivas, mas achamos, no entanto, que não devemos fazer desse pitoresco de costumes antigos uma exposição diária (Jornal de Alagoas, 1933, in: Revista da Academia Alagoana de Letras, Duarte, 1989: 183/184, grifo nosso). 66 Enquanto um dos marcos da formação cultural das elites alagoanas está a matança genocida dos Caetés e da destruição da República de Palmares 67 Mecanismo o qual, vai se expandir e se consolidar após a expulsão dos holandeses e da destruição da República dos Palmares, com o desenvolvimento da economia da cana-de-açúcar. 68 Uma vez que por aqui não herdamos, nem a presença do colonizador português culto, como foi o caso de Pernambuco e Bahia, nem da presença holandesa, como foi especificamente o caso de Pernambuco. 69 Um segmento à parte dentro desta categoria são os folcloristas. No articulado das classes dominantes, eles constituem uma exceção. Filhos ou intelectuais atrelados à aristocracia agrária alagoana, eles formam uma camada a parte. Em geral, eles fogem aos hábitos das elites dominantes. Muito embora politicamente conservadores, o papel dos folcloristas deve ser contextualizado em sua ambigüidade enquanto grupo envolvido num duplo papel: sujeitos oriundos das classes dominantes e portadores de uma visão senhorial da cultura popular – do popular preservado das transformações e também de preservadores e mantenedores das culturas populares, e, enquanto tais, enraizados, mas apáticos a posicionamentos políticos no que se refere ao somatório das exclusões. É nesse contexto que devem ser pensadas as obras e a trajetórias de intelectuais como Theo Brandão, José Aloísio Vilela, José Maria de Melo, etc., e também ainda os estudiosos da cultura negra – Abelardo Duarte, Artur Ramos, Manoel Diégues Jr. etc.

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c) Finalmente, a de uma esmagadora maioria extremamente rica e poderosa, que têm como uma de suas características dominante, um baixo nível de consumo cultural.

A partir desta primeira clivagem, se atentarmos para as escolhas culturais, através das quais as elites alagoanas escolheram como símbolos de status, as evidências sinalizam que as suas escolhas têm sido direcionadas para a posse de três tipos de bens: a posse da terra70, a exibição de bens suntuários71 e, finalmente, para a posse do poder político72. No geral, historicamente tem sido esta espécie de “santíssima trindade” que têm articulado as práticas políticas e os sujeitos em suas práticas articulatórias nos processos da instalação de nossa modernidade. Explicita-se aqui a terceira problemática – a da postura das elites alagoanas para com as das culturas populares - na qual a culinária do sururu encontra-se inserida. Todavia, esmiuçando o empírico, as evidências indicam que os processos de modernidade e modernização os quais, ao longo do tempo vêm sendo implantados, têm sido processos protagonizados e articulados pela primeira e terceira categorias. É justamente a partir do domínio destas minorias, que deve ser contextualizado o entendimento de que, sendo o sururu um alimento de pobres, negros e mestiços, até a presente data ele se encontra invisibilizado enquanto um patrimônio das Alagoas, uma vez que, têm sido àquelas duas categorias das elites alagoanas (uma minoria de elevado padrão cultural e historicamente alheia ao consumo e visibilidade no que se refere às culturas populares e uma esmagadora maioria extremamente rica e poderosa, como um baixo nível de consumo cultural) as responsáveis pelo atual modelo de um turismo (alagoano) articulado a partir de uma imaginário e de roteiros turísticos montado sobre as paisagens das águas marinhas e de seus espaços, explicitam-se as razões pelas quais, o sururu, enquanto comida de pobres e situado em áreas lacustres, encontra-se apartado, pois, sendo a reivindicação de um patrimônio uma demanda das comunidades envolvidas, cabendo às instâncias responsáveis analisar as etnografias das demandas, explica-se por aqui que as razões pelas quais até a presente data ainda não o sururu consagrado enquanto um patrimônio do povo alagoano. 70

Os dados indicam ser Alagoas o estado de maior concentração fundiária do Brasil. No particular da exibição de bens suntuários – casas de praia, condomínios de luxo, etc. – no crescente e atual boom econômico, os dados sinalizam ter sido Alagoas o estado no qual ocorreu a maior renovação de carros do Brasil. 72 Neste caso, basta atentarmos para a permanência histórica da luta pelo poder dos grupos políticos no que se refere à conquista de cargos, tanto no executivo, bem como ainda no legislativo através da intrincada rede de crimes de morte e de toda a teia de corrupção que tem sido desbaratada pela Polícia Federal na última década. 71

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É neste contexto que o sururu e as culturas populares de seu entorno diante dos atuais roteiros de Sol e Mar deve ser situado diante de uma economia política das imagens, pois, nestes arcabouços de imagens ,closes de imagens paradisíacas, de Sol e Mar amplificadas e multiplicadas em cenários hiper-reais, a cultura do sururu e suas imagens lacustres são imagens a contrapelo, e, é justamente aqui que se coloca a sua culinária lacustre enquanto uma culinária e alegoria das gentes alagoanas.

6.2 Sururu, linguagem e mundo

No que Benjamin vai identificar de alegoria, a sua compreensão vai de desenvolver a partir do entendimento de que elas, as alegorias, somente se tornam possíveis através da coisa morta, pois, segundo ele: Para que um objeto se transforme em significação alegórica, ele tem de ser privado de sua vida. (...). Esvaziado de todo brilho próprio, incapaz de irradiar qualquer sentido, ele está pronto para significar enquanto alegoria (Benjamin, 1984: 40). Todavia, artefato híbrido, a presença do sururu sinaliza para presenças originárias, uma clareira, uma abertura das Alagoas através de um desvelamento em cujo movimento, um se abrir para cores, danças, paisagens e sons de um estar-aquisituado, pois, um pensar, sentir e um comer sururu, não pode ser incorporado sem que através dele se imagine as paisagens e os viventes de seus entornos, de sua gente mestiça e suas culturas lacustres por dentre batuques de suas gentes, de suas festas, de modo que, um pensar, um comer e um sentir sururu, não se separam, somam-se. Discorrendo ainda sobre a plasticidade das alegorias, Benjamin vai nos colocar ainda que: (...) além das vestes e dos emblemas, sobrevivem as palavras e os nomes, que originam, à medida que vão sendo destacados dos seus caracteres vitais, conceitos nos quais essas palavras adquirem um novo conteúdo adaptável à representação alegórica (Ibidem, p. 248-249). Na verdade, se as alegorias revelam as ruínas da destruição da modernidade, e o sururu, na compreensão de ser ele uma “alegoria” e referência totêmica, articula em seu entorno, o somatório da cadeia significante das culturas populares, e, dentre o caleidoscópio das imagens que se oferecem diante das disputas e escolhas, ele se enquadra enquanto uma escritura selvagem, no sentido de situar aqui, no lastro de uma escritura selvagem, presenças originárias.

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E aqui, não se trata de estarmos diante de uma origem, pois, o sentido de origem por aqui se insinua, a compreensão deve ser a de estarmos não diante de uma origem ou de uma rearticulação de uma continuidade 73. Com esta compreensão, as alegorias não apontam para a busca de uma origem já desde sempre perdida, uma vez que toda origem já esta condenada a invasão das margens que a cerca. O que se coloca nesse contexto é situar o sururu enquanto um patrimônio diante do permanente processo de reprodução do sempre e permanente e inacabado projeto da modernidade, de nossa modernidade. Trata-se-á aqui de identificarmos por trás deste sempre complexo e inacabado, ou por dentre as suas inevitáveis descontinuidades, os traços de uma alagoanidade, cuja indecibilidade esteja sob a rasura das margens. É este o sentido de uma escritura forte, uma vez que “o tempo morto age” (DERRIDA, 1999, p.83). Assim é que se explica a permanência da cadeia significante em que se articulam as possibilidades da transformação do sururu enquanto um patrimônio diante do fato de que “o natural é valorizado de início desqualificado em seguida: o original é também o inferir retido no superior. A língua do gesto e a língua da voz” (Idem: 284), ou ainda:

O natural, o que era inferior e anterior a justeza e a exatidão da linguagem, age a posteriori na linguagem, opera nela depois da origem e nela provoca a decadência ou a regressão. Torna-se então o ulterior deitando mão no superior e arrastando-o para o inferior. Tal seria o tempo estranho, o indestrutível traçado da escritura, o movimento irrepresentável de suas forças e de suas ameaças (Idem, p.330.) Grifo nosso.

E é este o sentido de elevar o sururu a categoria de patrimônio, uma vez que, foram as lagoas, os canais e os rios, as nossas presenças originárias, as entidades geográficas que acolheram os primeiros filhos da terra e ambientaram a recriação das culturas populares. E de que modo as lagoas, os canais, os rios e as culturas populares têm sido representadas na atual emergência da identidade cultural alagoana nas representações dominantes sob a dominância das imagens de Sol e mar? As margens 73

Neste entendimento, origem deve aqui ser entendida em sentido em que Benjamin aponta, de que: A origem, apesar de ser uma categoria totalmente histórica, não tem nada a ver com gênese. O termo origem não designa o vir-a-ser daquilo que se origina, e sim algo que emerge do vir-a-ser e da extinção. A origem se localiza no fluxo do vir-a-ser como um torvelinho, e arrasta sm sua corrente o material produzido pala gênese. O originário não se encontra nunca no mundo dos fatos brutos e manifestos, e seu ritmo só se revela a uma visão dupla, que o reconhece, por um lado, como restauração e reprodução, e por outro lado, e por isso mesmo como complexo e inacabado (Benjamin, in Murici, 1984, p.149) Grifo nosso.

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nas margens, folclorizadas ou no sumidouro do esquecimento ou sob o estigma da poluição. Ampliando a compreensão diante dos horizontes, a transformação do sururu em patrimônio, se reveste das possibilidades de pensar Alagoas para além dos imaginários de uma Alagoas coisificada e composta a partir de suas articulações imagéticas de Sol e Mar e de ampliar a sua compreensão a partir das águas, das águas de seus rios, de seus canais e lagoas, e assim, de pensá-la distante da dimensão utilitária, com que tem sido despedaçada no contexto e movimentos de uma modernidade vazia,

na qual,

o

soterramento e esfacelamentos dos nomes e das tradições de seus sentidos originários (seu encobrimento) se inserem na tradição do esquecimento e nos movimentos atualizantes da atual identidade ornamental. Aprofundando, quando Benjamin afirma que: Por ser muda, a natureza decaída é triste. Mas a inversão dessa frase vai mais fundo na essência da alegoria: é a sua tristeza que a torna muda. Em todo luto existe uma tendência à mudez, que infinitamente mais que a incapacidade ou a relutância de comunicar-se (BENJAMIN, 1984, p.247). E se “a expressão alegórica nasce de uma curiosa combinação de natureza e história” (Idem: p.189), em Alagoas esta “combinação de natureza e história” tem se condensado na exclusão e na violência para com as culturas populares e, diante do silenciamento sobre a história dos excluídos diante das alegorias dos escombros, a consagração do sururu enquanto patrimônio se reveste no sentido de uma emergência dos eventos e das tradições soterradas74. Todavia, se nem as vozes se escondem e nem os sons silenciam, tem sido em um movimento de rumores que as atuais emergências das culturas populares – feito um ruído - têm assinalando as suas diferenças para com o hibridismo flutuante de uma identidade ornamental. Todavia, as vozes não silenciam se concordarmos com Benjamin no que ele nos coloca que: O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cotejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a 74

E é no somatório das exclusões que as alegorias das representações das culturas populares têm explodido no experimento de simbolizar uma natureza morta ou cultura amputada. Coqueirais, gogó-daema, files de renda, chapéus de guerreiro, jangadas, sururu, pescadores, Zumbi,etc.

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nossa. Alguém esta a nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concebida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente (BENJAMIN, 1985, p. 223) Grifo nosso.

E é este o encontro secreto que lentamente se articula então, pois, temos que, reside neles, nos cantadores e emboladores das feiras, nos brincantes dos guerreiros, nos tiradores de sururu, nos quilombos espalhados nas alagoas, nos terreiros e seus batuques e cantos, nas mulheres fiadoras de renda ao redor dos bairros lacustres, nos bumbas-meu-boi dos bairros periféricos, nos canoeiros e jangadeiros, e em toda cadeia significantge que desde os tempos imemoriais têm se articulado ao redor da cultura do sururu que reside as possibilidades de uma alagoanidade a partir de uma escrita forte alimentada por uma escritura selvagem construída a partir de todo o somatório das mestiçagens e culturas periféricas. É esta possibilidade da manifestação de uma escrita a partir de sons, de cheiros, de paladar com gosto e cheiro de sururu, dos caranguejos, dos manguezais e dos mariscos das lagoas , e, também de cores muitas e das muitas cores que ressoam das geografias periféricas das paisagens lacustres. Sendo assim, se as vozes não morrem e nem somem as geografias, existe um apelo no ar e as culturas populares, herdeira das tradições, enquanto vozes silenciadas que não cessam em seus rumores de vida, se depositam a herança dos humilhados, a herança das tradições, sendo essa a possibilidade que Benjamin identifica quando nos coloca ser “irrecuperável (...) cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela” (BENJAMIN 1985, p.224). Com esse entendimento, e, seguindo os rastros imorredouros das tradições, foi e será sempre nelas e a partir delas e de seus destroços que irá se definir e redefinir os traços identitários de uma alagoanidade a ser construída por uma escritura forte a partir das margens das culturas mestiças e de uma afro-alagoanidade, desde sempre negada, massacrada e esquecida pelo poder. É nesse contexto que cantada por um e diluída no anonimato do popular, alguém para além ou aquém do emblemático das alegorias, um dia cantou: Adeus minha Alagoas, terra da prosperidade, Quem nasce nas Alagoas, não passa necessidade75. É neste contexto que o entendimento do sururu, não se insere em argumentações conceituais elaborada por não- nativos, mas, enquanto um alimento a ser vivenciado em experiências sinestésica através do paladar e do cheiro compartilhado através dos 75

Canto popular do folguedo Guerreiro Alagoano.

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pratos oferecidos pelas comunidades locais, práticas encenadas em um cenário alternado por dentre geografias primitivas e uma arquitetura situada por dentre as ruínas e as suas alegorias. Na prática, alegorias76 por dentre os somatórios das experiências, no sentido de produzir através do paladar, as possibilidades desentranhamentos (HEIDEGGER, 1988) e, aqui situado, uma experiência somente possível de ser vivenciada através de uma abertura para a(s) diferença(s). Com este sentimento, se as águas alagoanas dos rios, lagoas e canais sinalizam para a presença de aberturas originárias, a consagração do sururu enquanto um patrimônio das Alagoas, para além de uma alegoria, sinalizam para a consolidação de um imaginário alagoano, significando aqui, esta consagração, uma abertura e um alargamento capaz de solidificar e de ampliar com este movimento, o sentimento estético de um sentir uma Alagoas por dentro, de aprofundar o sentimento de uma Alagoas profunda, sentindo a partir dela, um sentimento de estar-aqui jogado por dentre as águas e nelas, o sururu enquanto um sentir uma Alagoas entranhada através de seus cantos, de suas danças, de seus negros e de uma mestiçagem bem nossa, bem daqui das Alagoas e no entranhado por dentre tudo, esta mistura, do sururu, dele fritado ou cozido no capote, um mistério insondável de Ser alagoano e a partir daí, podemos inverter o eixo da problemática e indagar o que, para além da experiência do contato dos estrangeiros com as comunidades nativas, a articulação na atual cadeia produtiva do turismo alagoano do sururu enquanto um patrimônio imaterial das Alagoas poderia proporcionar às comunidades nativas? Ou, afunilando a proposta: quais os benefícios que a sua transformação em patrimônio cultural poderia proporcionar às comunidades locais?

76

No fundo, as alegorias – os fragmentos dos monumentos históricos, as culturas populares, a fala nativa dos cordéis, etc. - são representações de ausências e de símbolos, os quais, na medida em que são apagados/transfigurados pela modernidade, aos poucos vêm sendo transformados em representações alegóricas, uma vez que segundo Benjamin: “Para que um objeto se transforme em significação alegórica, ele tem de ser privado de sua vida. (...). Esvaziado de todo brilho próprio, incapaz de irradiar qualquer sentido, ele está pronto para significar enquanto alegoria” (Idem, p. 40).

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45

Anexo I - Etnografando as práticas

O primeiro circuito: Da retirada A saída para a retirada do sururu, o catar o sururu – a depender da maré – pode ser de dia ou de noite. Todavia, o período ideal para a retirada do molusco é na maré baixa, quando nela, nos fluxos da maré vazante, a lagoa torna-se rasa, facilitando assim, a imersão dos tiradores nas águas, e, nelas, na lama de onde se aloja o molusco. Depois de identificado a pasta , o pescador (ou o papa sururu) mergulha e o retira da lama. Uma vez retirado, ali mesmo, depois de posto na canoa bastante enlameado, na canoa mesmo ele recebe um primeiro tratamento, quando, ali, através de um sacolejado dos pés dele é dele retirado um primeiro amontoado de lama. Todo este processo – no que pode parecer redundância, acrescentamos – é um processo artesanal, o qual, transmitido através das tradições desde tempos imemoriais, é apreendido e aprendido desde cedo, quando, ao redor dos catadores do molusco, os meninos ao lado deles os acompanham aprendendo assim, elas, o saber catar, o aonde encontrar o molusco, das marés e do mais e do menos em apanhá-los. Contido neste saber fazer, as técnicas corporais dos catadores, aprendidas e transmitidas ao longo dos tempos.

O segundo circuito: Do tratamento

I

Uma vez retirado da lagoa, dá-se uma segunda lavagem do molusco, e

II Após a lavagem, despinica-se o molusco retirando-o da casca; III Em seguida, o movimento da fervura durante cinco minutos, IV E, logo depois, um lento movimento em um processo mais demorado de limpeza retirando dele os restos dos resíduos, V Feito isto, o molusco é colocado em pequenas porções (separados por quilos) quando então é colocado para venda na beira da lagoa mesmo, ou revendido no mercado público ou exportado para outros estados.

De um modo geral, após a sua retirada da lama, quando se dá início ao seu tratamento em uma segunda lavagem, o processo de seu dispinicamento e fervura, são feito por um grupo de pessoas, cujo número de pessoas é indeterminado. 46

Geralmente, mas não necessariamente, este é um processo coletivo, e, geralmente feito ao ar livre, sendo a composição na maior parte dos grupos, constituída por mulheres em lugares cobertos e protegidos do Sol.

47

Anexo II - A culinária do molusco

Após a finalizar seu tratamento e uma vez no mercado ou para consumo das famílias no entorno da Mundaú, do sururu pode-se fazer vários pratos: o Sururu no Capote, o Sururu no coco, o Sururu frito ou ainda a Fritada de sururu.

1. O Sururu no Capote: chama-se de sururu no capote, em virtude do mesmo ser servido em sua casca, e, o seu preparo obedece as seguintes etapas: •

Lava-se o sururu ainda na casca;



Com o fogo aceso, põe-se o sururu em uma panela durante dez minutos para que

dele mesmo emane o seu caldo; •

Após a fervura, e, soltando-se o seu caldo, escorre-se o caldo em um recipiente,

em seguida; •

Retira-se o umbigo do sururu, e depois;



Côa-se o caldo bem devagar para que na panela fiquem apenas os resíduos

(areia), e, pondo-o em outra panela; •

Mistura-se o molusco em vinagrete (tomate, cebola, coentro e cebolinha)

misturado com leite de coco ralado, cobrindo-o completamente acrescentando-se em seguida, sal e colorau; •

E, finalmente, após dez minutos o prato do capote está pronto para degustação.

2. Sururu no Coco: •

Sururu limpo, despinicado e sem umbigo, leite de coco, vinagrete, sal, colorau e

fervura de 10 minutos.

3. Sururu Frito: •

Sururu limpo, despinicado e sem umbigo, fritado com óleo ou manteiga.

4. Fritada de Sururu: em seu formato, ele se parece com uma tapioca, sendo, assim como ela, o seu preparo bastante simples:

48

Estando, já frito o sururu: •

Quebram-se ovos despejando-se dele apenas a clara;



Bate-se em um prato até que clara adquira a forma de neve;



Em seguida mistura-se gema e clara e se prossegue batendo;



Em seguida, despeja-se a mistura em uma frigideira com óleo fervendo, e logo

depois, o sururu, e logo em seguida; •

Dobra-se o circulo, tal como se dobra uma tapioca. Do sururu pode-se ainda fazer um caldinho – o caldinho do sururu – o qual,

segundo os usos e costumes do senso comum, pode ser tomado com cachaça enquanto um aperitivo.

49

Anexo III - A concretude Social do Molusco: De seu valor de nutrição Se a cadeia produtiva do sururu é composta por três elementos – pescadores, marisqueiras e comerciantes – o seu consumo atinge desde tempos imemoriais dezenas de milhares de pessoas.

É neste contexto que a composição do molusco, no que se refere ao seu conteúdo proteico, é particularmente interessante, uma vez que o mesmo apresenta teores de 17,26% (g/100g de alimento), quando cru (LIRA et al., 2004), comparáveis aos teores apresentados por alimentos similares, tais como a ostra e o mexilhão, 14,19% e 12,67%, respectivamente, conforme Pedrosa e Cozzolino (2001), ou peixes, como cação, pescada branca e salmão, 17,9%, 16,3% e 19,3%, respectivamente, de acordo com a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO (2011). De modo que, considerando os dados da referida tabela, os teores proteicos da carne bovina, amplamente consumida e reconhecida como fonte proteica de elevado valor biológico, no corte acém moído cru, 19,4%, e na forma de charque, 22,7%, permitem recomendar

o

sururu como

fonte proteica animal da dieta.

Adicionalmente, este alimento é fonte dos ácidos graxos eicosapentaenóico (EPA; 50

20:5 n-3), docosa-hexaenóico (DHA; 22:6 n-3) e o octadecenóico oleico (18:1) (LIRA et al. 2004), substâncias lipídicas às quais são atribuídos efeitos protetores contra certas doenças cardiovasculares.

A concretude Social da cadeia produtiva

Segundo dados levantados pelo IABS, quando questionados quantos dias trabalhavam com o Sururu, 57,2% disseram 5 dias na semana enquanto que 30,6% afirmaram trabalhar com o Sururu 6 dias da semana. O quadro de miserabilidade em que estes agentes estão inseridos é facilmente constado quando segundo o referido levantamento constatou que: •

Na falta do Sururu 49,7% dos entrevistados disseram que não exercem nenhuma

outra atividade. 17,4% exercem outro tipo de pesca e 25% exercem outras atividades •

Quando questionados se exerciam alguma atividade econômica, 83,3% disseram

que não, o que confirma que a extração e beneficiamento do Sururu é a principal, muitas vezes única, fonte de renda para essas pessoas. •

A média mensal da renda bruta individual dos entrevistados é de R$520,32

sendo que o máximo pode chegar a R$6.000,00. Ao criar faixas de renda para melhor descrever a situação do pescador, observou-se que a maioria tem como renda bruta até R$200,00 (47,6%); seguido dos que possuem até R$400,00 (20,4%). Apenas 1,7% dos entrevistados possui uma renda superior a R$1.500,00, confirmando a gravidade da miséria que muitos enfrentam. •

A média da renda mensal familiar bruta dos entrevistados é de R$ 847,06, sendo

que o máximo dessa renda pode chegar a R$ 6.660,00 para a família. Ao agrupar a faixa mensal familiar bruta é possível observar que a maior parte dos entrevistados se enquadra na primeira categoria, ou seja, estão com a renda em até R$ 200,00 (40,5%). Em seguida estão os pescadores com a renda entre R$ 401,00 e R$ 600,00 (13,1%) e os que possuem entre R$ 601,00 e R$ 800,00 como renda. •

Os que trabalham com o Sururu possuem uma renda média diária de R$ 24,16,

sendo que o mínimo dessa renda pode ser R$ 3,00 ao dia e o máximo de R$ 250,00.

Diante deste quadro de miserabilidade, diante da centenária cultura do sururu podemos inferir tratar-se de uma cultura de resistência, pois, mesmo diante das 51

péssimas condições de trabalho em que se encontram , ainda segundo o referido relatório, 79,0% dos entrevistados acreditam que novas pessoas continuam querendo trabalhar com o Sururu e 67,1% pretendem continuar nesse ramo.

Sobre a poluição: •

Para 73,0% dos entrevistados a quantidade de Sururu antigamente na lagoa era

maior. 16,5% acreditam que tiram a mesma quantidade de Sururu do que antes e 10,5% tirava menos antigamente. •

Antigamente para 66,0% dos entrevistados o tamanho do Sururu da lagoa era

maior, ou seja, Sururu de Capote. Ao passo que para 23,8% dos pescadores o tamanho era o mesmo de hoje, e 10,2% consideram que o tamanho do Sururu antigamente era menor.

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