Dossiê \"Diplomacia e Transição Democrática: 50 anos depois do Golpe\" (JUCA 7, 2014)

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Descrição do Produto

JUCA

N

7

2014

DIPLOMACIA E HUMANIDADES

brasileiros no multilateralismo A experiência brasileira à frente de organizações internacionais

os 50 anos dos 3ds Permanência e evolução de uma ideia

tríade modernista no itamaraty Niemeyer, Burle Marx e Athos Bulcão

política da indiscrição A vergonha pelo vazamento de informações

Diplomacia e Transição Democrática

50 ANOS DEPOIS DO GOLPE

Carta dos editores Os 50 anos do Golpe militar. As manifestações de junho de 2013. A crescente abertura do Itamaraty ao diálogo com a sociedade civil. A exposição de limites da diplomacia tradicional. A consolidação da liderança brasileira em importantes organizações multilaterais. Certamente, o período do curso de formação da Turma 2012-2014 do Instituto Rio Branco coincidiu com episódios marcantes para a diplomacia, a política e a sociedade brasileiras. A produção de mais um exemplar da JUCA não poderia passar ao largo desse tempo de mudanças. O fato de sermos numericamente menos que os colegas das “Turmas de 100” não anulou o entusiasmo de propor inovações. Primeiramente, renovamos o projeto gráfico da Revista, de forma a reforçar a afinidade entre textos e identidade visual. Além disso, fomentamos parcerias com jovens acadêmicos, coautores de dois importantes artigos desta edição. “Last but not least”, a JUCA tem, pela primeira vez, seu conteúdo traduzido para o inglês. Com a edição bilíngue e a recém-lançada página no Facebook (facebook.com/revistajuca), esperamos conquistar novas audiências, nos lugares mais distantes. Ao mesmo tempo em que instituímos mudanças, cuidamos da essência da JUCA. O conteúdo desta edição reitera o compromisso dos jovens diplomatas em tomar parte nas discussões relacionadas à profissão com a qual ainda se estão acostumando, além de revelar seus talentos e opiniões sobre arte, política, literatura e filosofia. Na JUCA 7, apresentamos minúcias do trabalho do Itamaraty e da política externa brasileira. Manuseamos objetos tão diversos como livros, notícias, obras de arte, expedientes e moedas, para explicitar relações entre política externa e justiça de transição; arte e ditatura; diplomacia e numismática. Lançamos olhar sobre nossa Casa e a diversidade cultural da região e de alhures. Damos voz o Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, e a brasileiros à frente de organizações multilaterais, mas também a oficiais de governo, ONGs, empresas e acadêmicos. A JUCA 7 propõe-se a debater a democracia e a ser, ela mesma, um espaço democrático. Com isso, afirmamos o papel da Revista como lócus para que diplomatas, pesquisadores e cidadãos, juntos, contribuam para o desenvolvimento da política externa, da arte, da cultura e das ciências humanas em nosso país.  Não poderíamos concluir sem agradecer ao Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, Embaixador Gonçalo Mourão, bem como a toda sua equipe, a gentil acolhida de nossas ideias e o estímulo a nossas ambições. Um agradecimento especial às Professoras Sara Walker e Susan Casement pela paciência de revisar os textos em inglês e pela confiança no potencial de nossas ideias. Gostaríamos, por fim, de desejar sorte aos novos Jucanos. Que nós, Terceiros-Secretários egressos do Instituto Rio Branco, sigamos aproveitando as oportunidades oferecidas pela carreira de expor opiniões e talentos e de buscar o debate construtivo – como tentamos fazer na JUCA 7 –, algo que, embora pareça lugar-comum, deverá ter sido sonho distante para a Turma de 1964.   Boa leitura!

Expediente JUCA Edição 07 / 2014 Instituto Rio Branco Impressa em Brasília Brasil

Diretor Honorário Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão Editor-chefe Luiz de Andrade Filho Editor-assistente Pedro Ivo Ferraz da Silva Editora de Dossiê Mariana Yokoya Simoni Editores de Entrevistas Andrezza Barbosa, Bruno Quadros e Quadros, Laura Delamonica e Lucianara Andrade Fonseca Editora de Cultura e Arte Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos Editora de Memória Diplomática Lucianara Andrade Fonseca Editor de Ensaios e Resenhas Rui Camargo Editor de Artigos Thiago Oliveira Diretor-executivo Gustavo Fortuna Diretora de Arte Renata Negrelly Nogueira Diretor de Comunicação Pedro Tiê Candido Souza Projeto gráfico Clara Meliande e Rafael Alves

Agradecimentos Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, Professor Paulo Sérgio Pinheiro, Professor Marco Aurélio Garcia, Embaixador Osmar Vladimir Chohfi, Embaixador Luiz Augusto Saint-Brisson de Araujo Castro, Embaixador Marcus Camacho de Vincenzi, Embaixador José Maurício de Figueiredo Bustani, Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão, Embaixador Paulo Cordeiro de Andrade Pinto, Embaixador Roberto Carvalho de Azevêdo, Embaixador Benedicto Fonseca Filho, Embaixador Tovar da Silva Nunes, Embaixador Pedro Henrique Lopes Borio, Embaixador Nelson Antonio Tabajara de Oliveira, Embaixador Sérgio Tutikian, Embaixador Carlos Moreira Garcia, Embaixador Guy Marie de Castro Brandão, Embaixador Oscar Soto Lorenzo Fernandes Senhor José Graziano da Silva, Senhor Paulo de Tarso Vannuchi, Senhora Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, Senhor Lucas Tavares Ministro Carlos Alberto Michaelsen den Hartog, Ministro Achilles Emilio Zaluar Neto, Ministro João Pedro Corrêa Costa, Ministro Sérgio Barreiros de Santana Azevedo, Ministro Luís Felipe Silvério Fortuna, Ministra Elizabeth-Sophie Mazzella di Bosco Balsa, Ministro Antonio de Moraes Mesplé, Ministro Audo Araujo Faleiro Conselheira Janine-Monique Bustani, Conselheiro Pedro Frederico de Figueiredo Garcia, Conselheiro Geraldo Cordeiro Tupynambá, Conselheiro Marco Antonio Nakata, Conselheiro Pedro de Castro da Cunha e Menezes, Conselheira Maria Rita Silva Fontes Faria, Conselheiro Carlos Eduardo da Cunha Oliveira, Conselheiro Felipe Gastão Bandeira de Mello, Conselheiro André Saboia Martins, Conselheiro Alfredo Rainho da Silva Neves Secretário Márcio Oliveira Dornelles, Secretário Olympio Faissol Pinto Junior, Secretário Marcos Henrique Sperandio, Secretária Sílvia Sette Whitaker Ferreira, Secretário Jorge Luiz Vieira Tavares, Secretário Nicola Speranza, Secretário André Tenório Mourão, Secretário Denis Ishikawa dos Santos, Secretário Filipe Correa Nasser Silva, Secretária Valeria Mendes Costa Paranhos, Secretário Felipe Krause Dornelles, Secretária Amena Martins Yassine, Secretário Ricardo Kato de Campos Mendes, Secretária Nádia El Kadre, Secretária Juliana de Moura Gomes, Secretário Diogo Ramos Coelho, Secretária Joana D´Angelo Martins de Melo, Secretário Danilo Vilela Bandeira Senhor Paulo Abrão, Senhora Tatiana Lacerda Prazeres, Senhor Luís Augusto Vicente Galante , Senhor Túlio de Almeida Costa, Senhor Rodrigo Gurgel de Magalhães, Senhora Carla Borges, Senhora Carolina Negri, Senhora Luciana Nemes, Professora Sara Walker, Professora Susan Casement, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Associação de Diplomatas Brasileiros, Instituto Vladimir Herzog

Sumário dossiê diplomacia e transição democrática 50 anos depois do golpe

Entrevista com Paulo Sérgio Pinheiro – 12 Mariana Yokoya Simoni

O caso argentino: verdade, justiça e memória – 22 Lucila Caviglia

Justiça de Transição no Brasil: Memória e Verdade na Atuação do Itamaraty – 05 Mariana Yokoya Simoni

O Brasil e o intercâmbio de arquivos sobre as ditaduras militares do Cone Sul: o caso da Operação Condor – 16 Bruno Quadros e Quadros e Sabrina Steinke

Diplomacia pública no Brasil – 26 César Yip, Luiz de Andrade Filho e Pedro Tiê Candido Sousa

entrevistas

memória diplomática

cultura e arte

Uma fórmula, várias ideias: os 50 anos dos 3Ds de Araújo Castro – 58 Leandro Pignatari e Matheus Hardt

A influência da “Tríade Modernista” no Itamaraty – 80 Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos e Pedro Tiê Candido Souza

Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado – 32

Andrezza Barbosa, Bruno Quadros e Quadros, Laura Delamonica e Lucianara Andrade Fonseca Brasileiros no multilateralismo – 36 Embaixador José Maurício Bustani (OPAQ) Professor José Graziano da Silva (FAO) Embaixador Roberto Azevêdo (OMC) Juíza Sylvia Steiner (TPI) Paulo Vannucchi (CIDH)

ensaios e resenhas Livro O fim do Poder – 67 Luiz de Andrade Filho Para além do “orientalismo”: tirando as lentes ocidentais para ver a Rússia – 68 Bruno Quadros e Quadros Política da indiscrição – 71 Rui Camargo Ensaio fotográfico Coreia do Norte – 74 Thomaz Napoleão e Rui Camargo Livro Cidades Rebeldes – 79 Rui Camargo

O Instituto Rio Branco: retratos de diplomatas ao longo de 60 anos – 62 Bruno Quadros e Quadros e Felipe Pinchemel

artigos Equécrates ou sobre a representação estrangeira – 100 Pedro Ivo Ferraz da Silva Diplomatas quebram paradigmas e recordes – 104 Geórgenes Marçal, Leandro Pignatari e Thiago Oliveira A língua portuguesa no “Século do Sul” – 108 Bruno Quadros e Quadros O Itamaraty e o papel de outros atores governamentais nas relações internacionais do Brasil – 112 Igor Carneiro e Thiago Oliveira O outro lado da moeda: a diplomacia e a numismática – 116 Bruno Quadros e Quadros

Exposição Resistir é Preciso – 84 Rui Camargo Caleidoscópio: a América Latina sob nossas lentes – 87 Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos Exposição Universal (conto) – 92 José Carlos Silvestre O viajante tremeluz (conto) – 94 Rafael Santos Gorla Perdas desrimadas e desmetrificadas (poema) – 99 Bruno Quadros e Quadros Calvinice pós-moderna (poema) – 99 Bruno Quadros e Quadros

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Diplomacia e transição democrática

�� anos depois do Golpe

Lembrar datas, eventos, pessoas permite-nos lançar um olhar aos acontecimentos sem a circunstância atenuante de sua fuga­ cidade. 2014 é marcado por eventos de excepcional sig­ni­ ficado para o Brasil: os 50 anos do Golpe de 1964 e o lançamento do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. É, portanto, oportuno refletirmos a respeito da trajetória seguida pela democracia e pela diplomacia no Brasil nos últimos anos, a fim de decifrar a realidade atual do País e de tomar parte na sua construção histórica. Com esse intuito, o presente dossiê aborda diferentes aspectos do processo de democratização brasileira, com ênfase na perspectiva internacional: o papel da Comissão Nacional da Verdade e do Itamaraty para alcançar a justiça de transição no País; a consagração do conceito brasileiro de diplomacia pública; a cooperação internacional para intercâmbio de arquivos sobre as ditaduras do Cone Sul; e o interessante contraponto da transição democrática na Argentina. Notícia e história, política e diplomacia são reviradas com minúcia e debatidos com atenção nas próximas páginas.

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Justiça de Transição no Brasil

MEMÓRIA E VERDADE NA ATUAÇÃO DO ITAMARATY texto Mariana Yokoya Simoni

Os principais eixos das medidas de justiça de transição desenvolvidas no Brasil têm sido o reconhecimento da responsabilidade estatal pela perseguição política, a política de reparação econômica e simbólica e, recentemente, a busca pela verdade e a valorização da memória. A discussão e a implementação dessas políticas públicas têm sido capazes de transmitir conceitos novos, como o dever de responsabilização e de prestação de contas às gerações presentes e futuras, a diversas instituições públicas do país. É notória a influência positiva de muitos dos avanços na agenda de transição brasileira no âmbito do Ministério de Relações Exteriores (mre), tanto em termos de posicionamento de política externa como no que concerne à cultura institucional do órgão.

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ilustrações Clara Meliande e Rafael Alves

Nos últimos 50 anos, houve significativa transformação no que diz respeito ao tratamento dos abusos causados pelo uso discricionário do poder. Se a anistia política de 1979 tinha, inicialmente, caráter de conciliação pragmática e de consecução da paz, essa concepção clássica do direito foi modificada para incluir, com a promulgação da Lei 9.140, em 1995, fundadora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (cemdp), o reconhecimento da responsabilidade do Estado por graves violações de direitos humanos. Com a Lei de Reparação, em 2002, iniciou-se política de reparação das perdas sofridas pelos perseguidos políticos, à qual se agregaram atividades voltadas à memória e à homenagem do anistiando, executadas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (ca-mj). Com a criação da Comissão Nacional da Verdade (cnv), em 18 de novembro de 2011, pela Lei 12.528, o Estado brasileiro estabeleceu como meta o esclarecimento dos fatos passados e a investigação de casos de desaparecimento forçado e morte entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Com isso, demonstra seu engajamento com a efetivação da justiça histórica e do direito à memória e à verdade. As mudanças na forma de tratamento das violações de direitos humanos e no significado conferido ao trabalho da cemdp, da ca-mj e da cnv influenciam a construção da memória política a respeito da ditadura militar de 1964-1985 e da atual democracia brasileira, traçando limites de continuidade e de descontinuidade entre os dois sistemas políticos. O direito à memória e à verdade Buscar a verdade em um período de transição passa pelo complexo campo de interseção entre política, direito e memória

coletiva. Nesse debate, a verdade diz respeito ao direito de vítimas de graves violações de direitos humanos e de seus familiares conhecerem as reais circunstâncias dos abusos passados, incluindo as causas e a autoria dessas violações. A investigação e o conhecimento da verdade sobre os acontecimentos do passado são fundamentais para coibir a impunidade, promover os direitos humanos e contribuir para o fortalecimento da democracia. A preservação da memória passa a ser declaradamente entendida como ato político e o direito à memória, prerrogativa de indivíduos e de gerações conhecerem o passado que confere coerência e sentido ao momento atual. A reconstituição da memória da ditadura militar, fundada na verdade, permite que se crie uma representação histórica do passado autoritário, com o registro oficial das ações arbitrárias do Estado, a fim de que essas atrocidades não sejam relegadas ao esquecimento. Busca-se, igualmente, a valorização da memória e dos testemunhos das vítimas,

Mecanismos de Justiça de Transição Têm a função de remediar o legado de violações em massa de direitos humanos, por intermédio de ações concretas que busquem, por exemplo, exigir a efetividade do direito à memória e à verdade e a prestação de contas sobre a violência cometida no passado. Os objetivos precípuos da “justiça de transição” referem-se ao reconhecimento das vítimas, ao fortalecimento da confiança cívica e ao comprometimento do Estado Democrático de Direito com a efetividade dos direitos fundamentais.

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o que conforma, posteriormente, documentação complementar na tarefa de escrever a história do período. O direito à memória e à verdade é fundamental para que não se desvirtuem interpretações sobre acontecimentos passados e para que esses não voltem a se repetir. O desenvolvimento do conceito e do alcance do direito à memória e à verdade tem sido gradual e consistente no Brasil. Um primeiro passo foi o lançamento do livro “Brasil: nunca mais”, em 1985, a respeito do modo de operação do aparato repressivo, por iniciativa da Arquidiocese de São Paulo e do Conselho Mundial de Igrejas. Somente com a publicação do livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade”, em 2007, é que um documento oficial do Estado brasileiro deu conhecimento e reconhecimento público dos crimes cometidos, atribuindo-os a membros das forças de segurança do Estado. A criação do projeto “Memórias Reveladas”, em 2009, foi essencial para o acesso facilitado aos arquivos sobre a repressão política, na medida em que interligou digitalmente o acervo do Arquivo Nacional a arquivos federais e de outros 15 estados brasileiros, reunindo mais de cinco milhões de páginas de documentos. A importância do debate sobre a memória e a verdade reside, como destacou Paulo Sérgio Pinheiro (ver entrevista neste dossiê), membro da cnv, na centralidade da edificação de um sólido sistema de responsabilidade, com responsabilização das ações estatais no presente e no passado, para a consolidação da democracia no país. Para tanto, diversos órgãos públicos federais e estaduais têm papel relevante no levantamento de informações e na investigação sobre o paradeiro dos desaparecidos políticos. Nesse contexto, o mre não é diferente. O Itamaraty tem participado de discussões sobre o tema

da memória e da verdade no âmbito universal e regional, assim como desenvolvido contribuições importantes para o trabalho da cnv e na implementação da Lei de Acesso à Informação. Na onu e no Mercosul: cooperação e visão prospectiva O Brasil tem-se comprometido, progressivamente, com normas internacionais e regionais de justiça de transição, tendo aderi-

do às principais convenções internacionais de direitos humanos atinentes ao tema, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura (1984) e a Convenção Internacional para a Proteção contra o Desaparecimento Forçado (2006). Já assinou a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994), ainda em processo de ratificação. O Brasil apoiou, igualmente, a criação em 2011 de um Relator Especial das Nações Unidas para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparações e Garantias de Não Repetição, cujo cargo é atualmente exercido pelo ativista de direitos humanos colombiano,

Pablo de Greiff. A instituição de uma relatoria especial promove monitoramento constante dos países e desenvolvimento de uma visão prospectiva sobre o tema. A temática do direito à memória e à verdade permeia a agenda do mercosul e de seus membros, uma vez que a democracia e o Estado de Direito são esteios fundamentais da integração na América do Sul. A Comissão Permanente sobre Direito à Memória, Verdade e Justiça constitui um dos grupos de trabalho mais ativos da Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do mercosul (raadh), criada em 2004. A referida Comissão busca desenvolver ferramentas de cooperação internacional na área de justiça de transição. Como resultado, aprovou-se, em 2012, a construção de um Memorial da Memória e da Verdade do mercosul, em Porto Alegre, com o objetivo de reunir documentos e estimular debates sobre as ditaduras dos países latino-americanos. No âmbito da raadh, os países sul-americanos têm estabelecido tanto as melhores práticas para o tema como avançado no processo de intercâmbio de arquivos (ver artigo sobre o assunto neste dossiê). O compartilhamento das diferentes experiências nacionais permite que se aproveite o conhecimento acumulado em outros contextos. Com vistas a partilhar informações sobre os períodos autoritários, cabe destacar a assinatura, no dia 29 de janeiro de 2014, por Brasil, Argentina e Uruguai dos Memorandos de Entendimento bilaterais para o Intercâmbio de Documentação para o Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos. A cooperação entre os países é fundamental para a elaboração de uma lista completa de vítimas dos regimes militares da região e para o fornecimento de dados e provas para investigações judiciais.

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O Itamaraty tem não apenas disponibilizado à CNV acesso irrestrito a documentos, como organizado arquivos dos postos no Cone Sul, com envio de funcionários dedicados a esse trabalho. —

Os países do mercosul articulam concertação política regional a respeito de propostas de acordos e resoluções sobre o tema da memória e da verdade. A Argentina liderou diversas iniciativas que foram levadas ao plano internacional – a exemplo da Resolução 2005/66 (2005) da extinta Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, que estabeleceu o direito à verdade no contexto do direito internacional – e o Brasil e outros países do Cone Sul copatrocinaram a grande maioria desses projetos. Futuramente, a ideia é que todas as propostas na matéria passem a ter o apoio e o lastro do mercosul. É um passo importante para uma região que compartilha o legado histórico dos regimes militares das décadas de 1970 e 1980, mas que, nas últimas décadas, tem despontado como um continente de referência para boas práticas e cooperação em matéria de justiça de transição. Segundo o Centro Internacional para a Justiça de Transição (ictj, na sigla em inglês), as

primeiras Comissões da Verdade surgiram no Cone Sul, assim como várias das comissões mais bem-sucedidas e das iniciativas mais criativas de busca da verdade. Na Comissão Nacional da Verdade: a filha do tempo As Comissões da Verdade são estruturas oficiais temporárias sem caráter judicial, criadas para determinar as circunstâncias das violações de direitos humanos referentes a um período de exceção. São fundadas nos princípios de documentação, de representação e da construção de legitimidade do regime sucessor. Segundo o princípio de documentação, as Comissões devem buscar registrar os fatos com o maior grau de detalhamento possível. Além dos novos fatos encontrados, as Comissões têm de lidar com a representação e a linguagem usadas para caracterizar a violência política do regime predecessor. O regime sucessor busca, ademais, redesenhar uma linha de descontinuidade com o governo

anterior e estabelecer as bases para um futuro de maior liberalização política. A cnv brasileira é pioneira, pois o artigo 1º de sua lei de criação incorpora claramente o “direito à verdade”. Segundo o ictj, poucas Comissões da Verdade fizeram menção explícita ao direito à verdade como fundamento legal e as que fizeram, como as da Guatemala e do Peru, limitaram-na a considerações preliminares. A afirmação explícita desse direito é uma forte orientação para os trabalhos da cnv na produção do esclarecimento circunstanciado de fatos referentes às graves violações de direitos humanos. O artigo 1º indica como finalidade da cnv, igualmente, a “reconciliação nacional”, entendida como um processo de refundação dos laços de confiança cívica que estão na base da convivência cidadã. Uma interpretação sobre a aliança entre essas duas orientações aparece no discurso de inauguração da cnv, em 16 de maio de 2012, em que a Presidenta Dilma Rousseff afirma que a verdade não é revanchismo, tampouco perdão, mas tão somente o contrário do esquecimento. No contexto da transição brasileira, a cnv representa grande oportunidade para o avanço de medidas de justiça de transição no país. A pesquisa da cnv tem como prioridade o esclarecimento circunstanciado de mortes, torturas, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres ocorridos entre 1946 e 1988, mas também busca investigar as violações de direitos humanos de grupos específicos, as cadeias de comando do terrorismo de Estado, as articulações internacionais (como a Operação Condor) e a constituição de uma “legalidade autoritária” no Brasil. Além da significativa ampliação do escopo temático tratado, a criação da cnv representa estímulo a uma expansão horizontal, com o surgimento de comissões da verdade estaduais, municipais ou

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de organizações específicas (como a oab, a pelas missões da cnv. Na Embaixada do une e várias universidades), estabelecendo Brasil em Buenos Aires, por exemplo, a uma rede nacional de comissões da verdade. cnv recolheu nove pastas de documenUma parte das pesquisas documen- tos remanescentes. Recentemente, a cnv tais sobre esses temas tem sido realiza- analisou todo o acervo de documentos sida no Arquivo Nacional, no acervo do gilosos do Itamaraty, tendo selecionado Ministério das Relações Exteriores, e em cerca de 300 documentos ultrassecretos, arquivos estrangeiros. Em 2006, a en- 600 documentos secretos, e digitalizado, tão Ministra-Chefe da Casa Civil Dilma transcrito e analisado 34 fitas sigilosas Rousseff, determinou a transferência de com áudios referentes à Comissão Geral toda a documentação das instituições fe- de Investigação (cgi), criada em abril de derais sobre a ditadura militar de 1964- 1964, de acordo com dados do relatório 1985 para o Arquivo Nacional. Em 2007, o “Balanço de Atividades: 1 ano de Comissão Itamaraty foi o primeiro órgão público a Nacional da Verdade”. atender à requisição e enviou os documenAs ações internacionais da cnv destos do Centro de Documentação do MRE dobram-se em três frentes fundamentais. e dos extintos Centro de Informações do Em primeiro lugar, a cnv tem realizado Exterior (CIEX) e Divisão de Segurança e missões internacionais para identificar Informações (DSI) do MRE, totalizando acervos de interesse e iniciar pesquisas mais de 120 caixas de documentos. exploratórias. Cabe destacar o levantaO Itamaraty não apenas tem disponibi- mento realizado no Arquivo do Ministério lizado acesso sem restrição a documentos das Relações Exteriores da Argentina e da série telegráfica aos pesquisadores da no “Arquivo do Terror” do Paraguai, em cnv, como também organizado os arquivos que foi possível obter informações sobre dos postos no Cone Sul, com envio de fun- brasileiros presos ou exilados nesses pacionários para executar exclusivamente íses. Uma segunda linha de ação da cnv esse trabalho, a fim de facilitar a consulta foi o estabelecimento de mecanismos de

cooperação – com países como Argentina, Bolívia, Chile e Paraguai – para averiguar casos de morte e desaparecimento forçado de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil. Por fim, cnv e Itamaraty encaminharam ofícios a aproximadamente 15 países nos continentes americano, europeu e africano, e também a organizações internacionais, para firmar bases de cooperação que permitam conhecer maior número de arquivos no exterior. A cnv é o ponto culminante de um processo iniciado com as lutas pelas liberdades democráticas e pela Constituinte; mas é, também, um novo ponto de partida. Representa salto qualitativo em relação a iniciativas anteriores, ao ter sido capaz de obter maior acesso às informações oficiais e de construir um mapa de arquivos e novos canais de investigação. Isso contribui para que o trabalho de mobilização da sociedade brasileira – representado pelas mais de 100 comissões de memória, verdade e justiça espalhadas pelo país – desdobre-se para além do mandato da cnv, cujo relatório final deverá ser entregue em dezembro de 2014. A ideia é que a cnv mobilize o espaço

“É um resgate da memória do meu marido”, declarou a Senhora Maria Thereza Goulart, na cerimônia de chegada a Brasília dos restos mortais do Presidente João Goulart. Parti­ ciparam da solenidade, em 14 de no­ vem­bro de 2013, a Presidenta Dilma Rousseff e inúmeras autoridades (foto: ichiro guerra/pr).

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público durante dois anos, mas que o seu legado seja aprofundado por meio de um compromisso de longo prazo da sociedade e do Estado brasileiros. O significado da cnv para a transição brasileira ainda é um processo aberto. Segundo a Secretária Sílvia Whitaker, pesquisadora da cnv, seu principal avanço é o fato de que “o Estado, simbolicamente, quer saber o que aconteceu a essas pessoas [desaparecidas]”, reconhecendo a importância de conhecer, oficializar e dar satisfação às vítimas, a seus familiares e à sociedade brasileira sobre casos de tortura, desaparecimento e morte. O relatório final da cnv poderá ser composto por essas informações, pelo testemunho de cerca de 500 pessoas e por algumas recomendações. Como ressaltou o Conselheiro André Sabóia Martins, Secretário-Executivo da cnv, o que define se algo é “novo” é extremamente sutil e depende do lugar a partir do qual certa informação é difundida. Um relatório oficial que apresente testemunhos sobre a época e afirme, contundentemente, que determinada informação consta em um documento oficial tem um impacto diferenciado, em termos de legitimidade social para a escrita da história brasileira. O relatório final e as recomendações da cnv têm amplo potencial para serem trabalhados pelas instituições públicas brasileiras, modificando comportamentos e

culturas institucionais de longa data, com vistas a alinhá-los aos novos objetivos do Estado democrático brasileiro e a uma política de Estado de busca da verdade histórica e de valorização da memória. Na Casa: abrir e virar as páginas da História No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (lai), lei 12.527, foi instituída junto com a cnv (lei 12.528), em novembro de 2011, representando fruto do longo processo de construção democrática e aprimoramento institucional no país. A lai regulamenta o direito à informação garantido pela Constituição Federal, determinando que os órgãos públicos considerem a publicidade como regra e o sigilo como exceção. A divulgação de informações de interesse público passa a ter procedimentos que facilitam e agilizam o acesso por qualquer pessoa, inclusive por meio da internet, a fim de desenvolver uma cultura de transparência e de controle social no seio da administração pública brasileira. Ao lado de medidas retrospectivas de justiça de transição, o estabelecimento de padrões e mecanismos de livre acesso à informação é importante passo para a constituição de uma sociedade aberta e mais participativa. A implementação da lai tem demandado esforços consideráveis em várias frentes nas diferentes instituições públicas, inclusive no mre. Segundo o Ministro João Pedro

Corrêa Costa, diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (dcd), mesmo antes do surgimento da lai, o Itamaraty já pautava seus procedimentos de produção, classificação e arquivamento da informação pelo princípio da publicidade. De 2007 a 2011, por exemplo, de 1,41 milhão de telegramas trocados entre o Itamaraty e sua rede de postos, apenas 0,7% foram classificados como “secretos”, e menos de 0,06%, como “ultrassecretos”. Somados os expedientes com grau de sigilo “reservado”, a média de documentos classificados produzidos anualmente pelo mre não passa de 7,5%, o que confirma que a restrição ao acesso a informações é uma exceção. Essa excepcionalidade funda-se no fato de que a divulgação de certas informações poderia prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do país, como expresso no artigo 23 (II) da lai. No Itamaraty, esses esforços compreendem mudanças na rotina e nos procedimentos internos para tratamento da informação diplomática e consultar. Segundo o Ministro João Pedro Corrêa Costa, já se identifica, no Itamaraty, uma perceptível mudança de cultura, administrativa e política, em linha com as orientações da Lei 12.527. Conforme levantamento do dcd, nos dois primeiros meses de vigência da lei, houve visível redução no número de telegramas classificados. Entre março e maio de 2012, antes da lai, foram produzidos 3.259 expedientes telegráficos reservados e 591 secretos. Nos dois meses seguintes, junho e julho de 2012, essas cifras reduziram-se para 2.333 e 421, equivalente a uma queda de 28% e 29%, respectivamente. Segundo o Ministro, essa sinalização pode ser explicada “por uma maior seletividade ao classificar a informação, contrastando com o comportamento caracterizado por

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uma propensão a atribuir confidencialidade a assuntos que não necessariamente mereceriam tal classificação”. ————— O Brasil atravessa vívida e consciente produção histórica. Verifica-se como desafio a distância entre a concepção de transição que se coloca “de costas para o passado”, como conclamou Ulysses Guimarães, na Constituinte de 1988, e a diretriz assumida pelo Estado brasileiro nos últimos anos, com a busca pelo esclarecimento circunstanciado de graves violações de direitos humanos e construção de uma memória política com marcas de descontinuidade com o legado autoritário. A cnv é uma grande oportunidade de refletir a respeito dessa dissonância e iniciar processo sólido de esclarecimento e responsabilização pelas graves violações de direitos humanos cometidas no período ditatorial.

Delimitar o “nunca mais” brasileiro e criar uma narrativa de transição direcionada inequivocamente para a democratização tem alto potencial transformativo. É uma necessidade para a concretização de uma série de direitos, como o direito à memória e à verdade, inter-relacionado ao direito de acesso à justiça, ao direito de obter efetivos remédio e reparação e ao direito de luto. É um incentivo para o desenvolvimento de uma política nacional de arquivos com sensibilidade para temas afeitos aos direitos humanos, em que a herança documental do país seja preservada e disponibilizada, em especial àquelas relativas a violações de direitos humanos. É a base para a formulação de um projeto de país que possa olhar de frente para seu passado e, assim, construir uma democracia fundada nos novos alicerces da liberdade de expressão, transparência e participação social.  — J

leia mais brasil. Comissão Nacional da Verdade. Balanço de Atividade: 1 ano de Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: http:// www.cnv.gov.br/images/pdf/ balanco_1ano.pdf. costa, João Pedro Corrêa. A Lei de Acesso à Informação e a Diplomacia Brasileira; In: Revista Interesse Nacional, Ano 5, Nú­ mero 19, Outubro-Dezembro 2012. pinto, Simone Rodrigues. Direito à memória e à verdade: Comissões de Verdade na América Latina. Revista Debates, Porto Alegre, v.4, n.1, p. 128-143, jan.-jun. 2010. reis, Daniel Aarão; ridenti, Marcelo; motta, Rodrigo. O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. sikkink, Kathryn; walling, Carrie Booth. The Impact of Human Rights Trials in Latin America. Journal of Peace Research, 2007, Vol. 44, No. 4, 427-445. soares, I. & kishi, S. Memória e Verdade: a justiça de transição no Estado democrático brasileiro. Belo Horizonte, Fórum, 2009. teitel, Ruti. Transitional Justice. New York: Oxford University Press, 2000.

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COMISSÃO NACIONAL DA

VERDADE Prestação de contas ao passado e ao futuro

foto un Photo/Jean-Marc Ferré

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Entrevista com Paulo Sérgio Pinheiro por Mariana Yokoya Simoni

Paulo Sérgio Pinheiro é membro da Comissão Nacional da Verdade e foi Ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. Preside, desde 2011, a Comissão Independente Internacional de Investigação da ONU sobre a República da Síria. Foi Relator Especial da ONU sobre o Burundi e o Mianmar, e Perito Independente do Secretário-Geral da ONU para o Relatório Mundial sobre Violência contra a Criança. É Professor Adjunto de Relações Internacionais do Watson Institute of International Studies, Brown University, e Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo, tendo lecionado nas Universidades de Columbia (EUA), Notre Dame (EUA), Oxford (Inglaterra) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris).

Paulo Sergio Pinheiro agradece: “Ao diplomata Ministro Antonio de Moraes Mesplé, meu colega na cnv, por toda sua contribuição a essa entrevista, mormente quanto aos dados históricos aqui indicados. Naturalmente a responsabilidade pelo texto é somente minha.”

juca Qual o Senhor espera que seja o sig- Congresso Nacional o projeto de lei que nificado e a contribuição da Comissão instituiu a cnv, sancionado solenemente Nacional da Verdade (cnv) para a socie- pela Presidenta Dilma Rousseff, na predade brasileira? A cnv deixará legados sença de todos os seus antecessores vivos. importantes? Não tenho dúvida de que o mais impaulo sérgio pinheiro A instituição da portante legado da nossa Comissão foi o Comissão Nacional da Verdade por meio de haver desencadeado um processo com da Lei no. 12.528, aprovada praticamente grande vitalidade e dimensões nacionais, pela unanimidade do Congresso Nacional visando a resgatar a memória das graves em 2011, veio atender a uma antiga deman- violações aos direitos humanos que ocorda da sociedade brasileira - a da promo- reram durante o período 1946–1988, espeção de uma accountability dos atos pra- cialmente depois do golpe de 1964. Hoje, ticados pelos agentes públicos nos quais funcionam comissões da verdade em prasejam patentes as violações aos direitos ticamente todas as unidades da Federação humanos e às liberdades democráticas. e em inúmeros municípios; multiplicaramNão posso deixar de recordar que, já na -se as comissões da verdade de natureza Assembleia Constituinte de 1946, o General institucional, em universidades, sindicatos, Euclydes de Figueiredo, deputado pelo en- entidades profissionais, como a oab; estão tão Distrito Federal, pugnou em vão pela em atividade mais de uma centena de coinstalação de uma comissão da verdade mitês em prol da verdade, memória e jusavant la lettre, para investigar os ilícitos tiça, representativos da cidadania. penais cometidos pelo aparelho policial — sob o Estado Novo e durante o biênio que As Comissões da Verdade são definidas por buscar o esclarecimento dos fatos se seguiu ao levante comunista de 1935. Depois da última redemocratização de um período de exceção e por privido País, com a restauração do poder civil legiar a perspectiva das vítimas. Quais em 1985, foram dados passos importan- características particulares tem a cnv tes como a Lei de Mortos e Desaparecidos brasileira em relação a outras experiPolíticos, em 1995, e a regulamentação ências ao redor do mundo? do instituto da anistia política, em 2002, Destacaria, como peculiaridade da ambos no Governo Fernando Henrique Comissão brasileira, o fato de ela atribuir Cardoso. O reconhecimento de que a res- suma importância à pesquisa documenponsabilidade pelos crimes praticados pela tal, sem descuidar do depoimento de vítiditadura militar cabia ao Estado brasilei- mas, testemunhas e violadores dos direiro foi a pedra de toque sobre a qual está tos humanos. Ao extinguir o antigo Serviço baseado o processo de construção daque- Nacional de Informações (sni) por mele accountability no período democrático. dida provisória, em 1990, sem a designaCoube ao Presidente Lula seguir adiante ção de um órgão sucessor, o Presidente nessa trajetória democrática, ao enviar ao Fernando Collor abriu caminho para que

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Os contatos internacionais da CNV tiveram sempre o apoio e a orientação do Itamaraty, produzindo resultados extremamente frutíferos — seu acervo documental fosse recolhido a uma gestão pessoal da Presidenta Dilma colaboração sincera e amistosa de seu anao Arquivo Nacional, o que veio a ocor- Rousseff junto ao Presidente Joachim tecessor, o Embaixador Ruy Nogueira. Por rer no Governo Lula. Estão à disposição Gauck, quando de sua visita ao Brasil, em dever de justiça, não poderia deixar de da cnv, no Arquivo Nacional, mais de 16 maio de 2013. citar outros diplomatas e servidores de milhões de páginas de documentos proÉ fundamental que esses esforços vi- menor hierarquia, como o Ministro João venientes daquele polvo burocrático au- sando ao acesso à documentação disper- Pedro Costa, Diretor do Departamento de to-intitulado sisni (Sistema Nacional de sa em arquivos estrangeiros não tenham Comunicações e Documentação (dcd); e Informações), que agrupava o sni e as de- solução de continuidade, mesmo depois a equipe de servidores da Coordenaçãomais ramificações do aparelho repressivo do encerramento das atividades da cnv Geral de Documentação Diplomática (cdo), da ditadura. A título de comparação, lem- em 2014. Há processos negociais sobrema- chefiada pelo Conselheiro Pedro Garcia. Não bastasse, o Itamaraty cedeu à cnv bro, apenas, que a conadep argentina - a neira importantes, como aquele em andachamada “Comissão Sábato” -, instituída mento com os Estados Unidos, cujo êxito quatro diplomatas, de diferentes gerações pelo Presidente Raúl Alfonsín, fundamen- dificilmente acontecerá sem o talento ne- e classes funcionais na carreira. Três destou seu relatório exclusivamente no depoi- gociador da diplomacia brasileira. ses servidores trabalham diretamente comento das vítimas. migo no “gt Estrangeiros” (Violações aos — Como se desenvolveu a relação entre direitos humanos de brasileiros no exte— Qual tem sido a atuação internacional Itamaraty e cnv? Quais têm sido as rior e de estrangeiros no Brasil). Posso tesda cnv? Quais o Senhor espera que se- principais contribuições do Itamaraty temunhar-lhes a dedicação e a qualidade para o trabalho da cnv? de seu trabalho. jam os resultados desses esforços? Além de realizar missões de informação a Desde o início de seus trabalhos, a cnv — países vizinhos que passaram por experi- estabeleceu uma relação absolutamente Como os achados da cnv podem ser ências semelhantes de ditadura e redemo- exemplar com o Ministério das Relações trabalhados dentro das instituições cratização – como a Argentina, o Uruguai Exteriores. Por decisão do então Chanceler públicas brasileiras e das instituições ou o Paraguai –, a cnv estabeleceu con- Antonio Patriota, os pesquisadores da cnv de ensino? tato direto com autoridades de mais de tiveram não somente amplo acesso à do- Eis uma faceta pouco comentada do legaduas dezenas de Estados e com organis- cumentação recolhida ao arquivo cen- do da cnv – sua capacidade de introduzir mos internacionais, visando a obter aces- tral da Secretaria de Estado das Relações conceitos novos na Administração Pública so a fundos documentais importantes para Exteriores, em Brasília, como liberdade brasileira, como a valorização da accouna compreensão dos processos políticos para pesquisar os fundos documentais exis- tability e de uma prestação de contas às que permitiram sistemática violação aos tentes em embaixadas e consulados. Esse gerações futuras. direitos humanos no Brasil, no período apoio praticamente irrestrito do Itamaraty Tenho claro que, ao produzir um relapós-1964. Esses contatos tiveram sempre aos trabalhos da cnv foi reafirmado pelo tório onde estarão consolidadas informao apoio e a orientação do Itamaraty, pro- Chanceler Luiz Alberto Figueiredo, logo ções acerca de um sem número de graves duzindo, em certos casos, resultados ex- depois de assumir o cargo de Ministro de violações aos direitos humanos, ao longo tremamente frutíferos, como a decisão da Estado das Relações Exteriores. de um período de mais de 40 anos, a cnv República Tcheca de abrir seus arquivos Destacaria, igualmente, o valioso apoio contribuirá para uma reflexão mais aproa pesquisadores credenciados pela cnv. que a cnv tem recebido do Embaixador fundada sobre o porquê dessas violações e Outro país que concordou em atender às Eduardo dos Santos, atual Secretário-Geral em que medida elas poderiam ter sido evidemandas da cnv foi a Alemanha, graças das Relações Exteriores, sem esquecer a tadas. Afinal, o recorte temporal presente

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no mandato legal da cnv coincide prati- Universidade de São Paulo, e também como camente com o período da Guerra Fria, membro da Comissão Teotônio Vilela de que foi na origem um conflito estranho Direitos Humanos- fundada por Severo ao Brasil. Sua internalização, a partir do Gomes e pelo próprio Teotônio, no impeGoverno Dutra, levou à ruptura da ordem rativo de uma profunda reformulação do democrática em 1964, com o triunfo no in- aparelho policial, com a desmilitarização terior do aparelho de Estado, sobretudo das polícias estaduais. Só assim será posapós o ai-5, de uma visão do mundo mani- sível extirpar a cultura de violência ainda queísta e autoritária, que menosprezava os prevalecente entre boa parte dos agentes direitos humanos, como valor essencial de públicos, herança das práticas da ditadura. uma sociedade em rápida transformação. Sem querer antecipar-me às concluAo elaborar uma narrativa oficial – e ab- sões do colegiado da cnv – que precederão solutamente única – sobre esse longo pe- as recomendações no relatório final –, teríodo histórico, a cnv por certo ajudará a nho certeza que esse tema, o da correlação cristalizar um novo discurso oficial, comum entre o legado autoritário da ordem ditatoaos diferentes segmentos do Estado brasi- rial e a persistência de agravos aos direitos leiro e em perfeita consonância com a letra humanos de parcelas significativas da poe o espírito da Constituição Federal de 1988. pulação brasileira, certamente terá lugar Caberá às instituições de ensino veiculá-lo de destaque no texto que será apresentaàs novas gerações, que muitas vezes pou- do à Excelentíssima Senhora Presidenta co sabem sobre a escala em que ocorreram da República, em dezembro de 2014. graves violações aos direitos humanos du- — Qual a relação entre o direito à informarante o período tratado pela cnv. ção e o direito à verdade estabelecidos, — Qual o impacto da implementação de respectivamente, pela Lei de Acessão mecanismos de justiça de transição em à Informação (Lei 12.527) e pela lei de um país? O Senhor acredita que há cor- criação da cnv (Lei 12.528)? relações significativas entre essas medi- Sem dúvida foram movimentos convergendas e a consolidação democrática, a di- tes, que colocaram o Brasil no mainstream minuição da violência e a melhora nas da sociedade internacional contemporânea. Um brasileiro ilustre, figura expopráticas de direitos humanos? Trata-se de um problema que deve ser nencial de um passado recente, Alceu analisado caso a caso, sob pena de cair- Amoroso Lima - que foi um dos grandes mos em generalizações simplistas e nada mestres de minha geração, aliás o primeiro a denunciar em sua coluna no Jornal esclarecedoras. No caso específico do Brasil, venho in- do Brasil depois do Golpe de Estado de sistindo há mais de duas décadas, como 1964 o “terrorismo de estado” na prátipesquisador e professor associado do ca da tortura - notou, em seus escritos, o Núcleo de Estudos da Violência (nev), da existir no Brasil como que uma tendência

à “repercussão retardada” de grandes correntes do pensamento ou de processos transformadores de dimensão universal. Assim sucedeu, por exemplo, com a escravidão, tendo sido o Brasil foi o último país das Américas a suprimir essa prática social tão arcaica quanto abjeta. No mundo atual, os episódios do 11 de setembro e suas sequelas levaram, em algumas das sociedades mais avançadas do planeta – nos Estados Unidos, no Reino Unido ou no Japão –, à adoção de instrumentos legais altamente restritivos à liberdades públicas. Em lugar da promoção da transparência, valor fundamental em qualquer sociedade democrática, ampliou-se de forma desmedida a noção de segredo de Estado e a intrusão do poder público na vida privada dos cidadãos. Ao sancionar, simultaneamente, em 2011 esses dois grandes diplomas legais que são a Lei de Acesso à Informação e a lei que criou a cnv, a Presidenta Dilma Rousseff fez com que o Brasil se situasse em corrente oposta àquela que levou de roldão valores inerentes ao Estado de Direito em algumas das grandes democracias industriais. Transformou o Brasil em país de vanguarda na afirmação dos direitos humanos. Tenho certeza de que meu saudoso mestre, o Doutor Alceu Amoroso Lima, se aqui estivesse, ficaria muito contente com esse momento de exceção à tendência histórica que conseguiu identificar na sociedade brasileira.  — J

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Pedido formal da família de Lorenzo Ismael Viñas à Comissão de Anistia. Por meio da colaboração arquivística, entre outras iniciativas, Lorenzo foi considerado desaparecido político pelo Estado brasileiro, tendo sua família recebido indenização por isso. O caso demonstra como a cooperação arquivística entre os Estados é fundamental para a elucidação do passado referente aos regimes militares no Cone Sul.

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texto Bruno Quadros e Quadros e Sabrina Steinke*

O BRASIL E O INTERCÂMBIO DE ARQUIVOS SOBRE AS DITADURAS MILITARES DO CONE SUL

O CASO DA OPERAÇÃO CONDOR Um dos desafios para a democracia brasileira e a dos demais países do Cone Sul é reconstituir os traumáticos acontecimentos de repressão política nas décadas de 1960 e 1970. A região foi palco de ditaduras militares de segurança nacional, que, para além da repressão em território nacional, atingiam os considerados “inimigos” do Estado em todo o Cone Sul. Se, na década de 1970, os Estados se articularam para reprimir aqueles que se opunham aos regimes castrenses impostos em cada um dos países, com base na ideologia da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), adaptada de acordo com as peculiaridades de cada país, hoje se verifica uma progressiva colaboração com intuito de reconstruir a história daquele período. Nesse quadro, o Itamaraty tem um papel destacado. A atuação do corpo diplomático nas ações em prol da memória, verdade e justiça no Brasil e na região é salutar. Exemplo é a participação de diplomatas na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem como na Comissão Nacional da Verdade. Outro exemplo é o trabalho executado no arquivo do Itamaraty, que está com uma vasta documentação acerca desses anos aberta para consulta, inclusive os documentos classificados como secretos. O Itamaraty tem trabalhado para aprofundar a cooperação arquivística tanto no âmbito bilateral quanto multilateral, de que são exemplos os esforços de intercâmbio de arquivos sobre os acontecimentos repressivos sob as asas do Condor. O condor é a maior ave voadora de rapina do mundo, capaz de localizar sua presa a quilômetros de distância; alimenta-se de carniça ou de animais fracos e doentes. No folclore andino, essa ave representa as lutas travadas entre oprimidos e opressores. Os povos de língua quéchua traduzem

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por meio dessa ave o que consideram “vazio” de suas tradições. Certamente não foi pelo peculiar papel da ave como signo dos oprimidos que Manuel Contreras, então chefe da polícia secreta chilena, batizou a coordenação repressiva entre os Estados do Cone Sul como Operação Condor, formalizada em 28 de novembro de 1975, em Santiago do Chile. Na ocasião, o Brasil enviou dois representantes como observadores, razão pela qual a ata da reunião não contou com a assinatura de brasileiros. A Operação Condor constituiu uma rede de colaboração entre organismos de informação e/ou repressão de seis países (Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia). Esses organismos estavam ligados aos seus respectivos Estados que, nesse período, estavam sob a gestão de regimes ditatoriais – com exceção da Argentina, que sofreria o seu mais recente golpe militar somente em março de 1976. A operação foi organizada e sistematizada para formalizar as colaborações repressivas, que já ocorriam ocasionalmente entre os países do Cone Sul. A Operação Condor foi estruturada em três fases: a primeira, de troca de informações, envolveu a distribuição de listas dos chamados “subversivos”, procurados entre os países participantes; a segunda consistiu em operações e ações na América Latina; e a terceira teria como foco intervenções fora do território latino-americano. O termo “operações”, no âmbito desse sistema repressivo, significava sequestros, torturas e desaparecimentos. Essas fases se intercalavam;

não foram substituições de práticas, mas, sim, ampliação da logística. Não existiu modelo padrão de conduzir ações, já que cada caso executado continha modo de operação singular. O intercâmbio internacional de arquivos é essencial para que possamos compreender como ocorreram as violações de direitos humanos dos regimes de exceção e quem delas participou. As trocas pontuais que vêm ocorrendo em relação aos casos do Condor são as primeiras iniciativas do Estado brasileiro nesse sentido. Isso demonstra um efetivo esforço das instituições nacionais em estabelecer uma política de memória consistente e representa avanço salutar para a justiça de transição no Brasil. A abrangência internacional da repressão, no âmbito do Plano Condor, só foi considerada de forma densa e efetiva,

de fôlego, valendo-se de todo o trabalho legado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Todos esses trabalhos têm sido realizados com apoio do Itamaraty.

O intercâmbio de arquivos

No aspecto documental, a Operação Condor é um quebra-cabeça extremamente complexo, bem como todos os acontecimentos de subtração das democracias. Além de possuir uma logística plural de ação - o que dificulta a caracterização das violações como parte desse operativo -, depende de substratos em diferentes países. Um alento nesse campo são as iniciativas da sociedade civil, como o sítio Documentos Revelados, que reflete a pesquisa conduzida por Aluízio Palmar e contém grande quantidade de documentos sobre a repressão na América do Sul. Aluízio é um sobrevivente do regime militar brasileiro. Quando jovem, estudava Ci­ ên­c ias Sociais na Universidade Federal Fluminense e atuava na militância política; posteriormente foi preso e banido do Brasil - na famosa troca de presos políticos pelo Embaixador da Suíça no Brasil. Palmar retornou ao país após a anistia política e, entre outras atividades, mantém o acervo documental virtual que contempla pesquisas realizadas em inúmeros arquivos públicos e doações de acervos privados, desde quando estava

O Itamaraty tem trabalhado para aprofundar a cooperação arquivística tanto no âmbito bilateral, quanto no multilateral — pelo Estado brasileiro, quando do estabelecimento do Grupo de Trabalho Operação Condor (GT-Condor) da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em setembro de 2012. O grupo, coordenado pela Doutora Rosa Cardoso, pelo pesquisador e diplomata André Saboia Martins e pela pesquisadora Vivien Ishaq, tem realizado projetos

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no exílio. As atividades do sítio começaram em 2011, e sua média mensal de acessos é oito mil. Entidades públicas de direitos humanos também se articularam com o fim de tornar acessível documentação sobre ocorrências repressivas colaborativas entre os Estados do Cone Sul. O Acervo Documental Condor, projeto do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH), disponibiliza na internet um guia para pesquisadores e demais interessados. Trata-se do levantamento de arquivos e fundos documentais do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Os dados disponíveis são: conteúdo de cada arquivo ou acervo, como se dá o acesso, normas e restrições e, em alguns casos, resumos dos documentos. Essa iniciativa tem como objetivo promover a análise, a organização e a disponibilização das informações relativas ao patrimônio arquivístico relacionado à Operação Condor. No âmbito da Comissão Permanente de Memória, Verdade e Justiça da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados (RAADH), foi estabelecido grupo técnico para obtenção de dados e de pesquisas nos arquivos inseridos na Operação Condor. Uma das principais funções desse grupo técnico é favorecer o intercâmbio de dados entre os Estados Membros e Associados do Mercosul, com vistas a constituir um sistema regional de dados sobre o tema. Em 2012, foi lançada convocatória do IPPDH para o projeto de investigação sobre arquivos públicos vinculados com as graves violações cometidas no marco da Operação Condor. A agenda institucional de "trocas" de acervo que está sendo implantada nos países do Cone Sul serve a políticas de

Lorenzo Ismael Viñas Estudante de Ciências Sociais em Buenos Aires, militou no Montoneros. Casado com Cláudia Olga Romana Allegrini, após viver exilado no México, voltou para a Argentina, de onde estava tentando viajar até a Itália, quando desapareceu em 26 de junho de 1980.

memória cujas trajetórias são bastante distintas. A Argentina tem um papel de vanguarda: imediatamente após a transição democrática, foi instalada a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que reverberou no relatório Nunca Más e já julgou uma centena de pessoas ligadas à repressão. Está em vigor, além disso, um processo de lesa-humanidade, com foco na Operação Condor. Os acervos da Argentina encontram-se dispersos em inúmeros arquivos em todas as províncias, e o da Conadep é o que está sistematizado até o momento. O Paraguai é onde se encontra um dos maiores acervos documentais específicos acerca do Plano Condor, o qual revela a estrutura repressiva internacional da época. Tanto a Argentina quanto o Paraguai já ofereceram seus acervos para os trabalhos do GT-Condor da CNV. Equipes

de pesquisa brasileiras já estiveram nesses países compilando documentos, com o apoio do Itamaraty. Essas equipes estão trabalhando em conjunto de modo não formalizado – se entendemos como "formal" um acordo entre Estados que permita o acesso livre e até mesmo a construção de um arquivo comum acerca desses eventos. Com a Lei 12.527 de 2011, a conhecida Lei de Acesso à Informação, está sendo sistematizada no Arquivo Nacional uma documentação plural e inédita acerca dos eventos ocorridos nos 21 anos de ditadura. O acesso é livre para qualquer cidadão, de qualquer nacionalidade, o que demonstra um enorme passo rumo a um intercâmbio de informação cada vez mais amplo entre os países do Cone Sul. O intercâmbio de arquivos foi feito, a princípio, por pesquisadores que buscam substratos para suas investigações em

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Harry W. Shlaudeman – então funcionário do Departamento de Estado norte-americano – enviou um telegrama em 1976 ao Secretário de Estado Dean Rusk. Este é um dos documentos que revela a participação brasileira na aliança repressiva do Condor. Destacamos: “Em resposta eles estão agrupando-se no que pode vir a ser um bloco político de alguma coesão. Mas, mais significativamente, eles estão juntando forças para erradicar a ‘subversão’, uma palavra que crescentemente se traduz em dissidência não violenta da esquerda e da centro esquerda. As forças de segurança do Cone Sul: · Coordenam agora as atividades de inteligência mais de perto; · Operam no território uns dos outros em perseguição a ‘subversivos’; · Estabeleceram a Operação Condor para encontrar e matar terroristas do ‘Comitê Coordenador Revolucionário’ em seus próprios países e na Europa. O Brasil está cooperando de perto com as operações de assassinatos.” Esse informe demonstra a estreita relação entre os países envolvidos na Operação Condor, inclusive o Brasil, bem como o nível de informação que os EUA tinham acerca do que acontecia. Documento disponível no site Documentos Revelados.

diversos acervos espalhados no Cone Sul. Em um processo paulatino e cumulativo, esse intercâmbio foi agregado ao trabalho da Comissão de Anistia e da Comissão da Verdade. Essas iniciativas têm foco na reparação, no caso da Comissão de Anistia, e na construção de uma memória mais abrangente e no desvelamento do que ocorreu com cidadãos brasileiros, no que tange à Comissão da Verdade. Daí a razão de inexistir uma política de construção de arquivo em comum, ou mesmo do acesso aos arquivos por meio de plataforma conjunta. Os intercâmbios estabelecidos demonstram a importância do assunto para o aprofundamento da democracia. Um dos casos, que resultou em indenização à família e contou com a colaboração arquivística, é o de Lorenzo Ismael Viñas. Argentino, desaparecido em junho de 1980 na fronteira do Brasil com a Argentina, viajava de Buenos Aires com destino ao Rio de Janeiro, de onde pretendia ir à Itália. Lorenzo era militante montonero e viveu seus últimos anos em fuga dos agentes da repressão argentinos. Por meio de um processo na Comissão de

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Por meio de um processo na Comissão de Anistia, o Governo brasileiro assumiu que Lorenzo foi sequestrado no Brasil com a ajuda de agentes argentinos —

Anistia, o Governo brasileiro assumiu que Lorenzo foi sequestrado no Brasil com a ajuda de agentes argentinos. O processo conta com vasta documentação de diferentes acervos e foi encerrado em agosto de 2005. A família foi indenizada e Lorenzo, identificado como desaparecido político no Brasil. ————— O estabelecimento de vínculos institucionais entre Estados para a cooperação em matéria de intercâmbio de arquivos tem-se ajustado de maneira gradual e vem-se adaptando aos contextos particulares de transição democrática e de implementação de políticas de memória em cada país. A abertura dos arquivos é tema sensível em diversos aspectos. Não só os agentes da repressão temem a exposição pública de suas práticas, mas algumas vítimas e/ ou familiares não se sentem confortáveis em lidar com a questão. São feridas que estão abertas. Ao olhar para as trajetórias de enfrentamento das graves violações de direitos humanos, o estabelecimento de redes de

colaboração arquivística é salutar para a consolidação democrática de cada um dos países envolvidos nas atividades repressivas do Plano Condor. As iniciativas mencionadas deixam claro que esse caminho está sendo trilhado de maneira consistente e com vistas ao contínuo processo de ampliação de vínculos institucionais nesse domínio. O aprofundamento das democracias nos países do Cone Sul tem criado condições favoráveis e vontade política para o desenvolvimento de um sistema de cooperação arquivística mais consistente. O Governo brasileiro tem demonstrado grande interesse no avanço dessa agenda, com o objetivo de que seja possível, em alguns anos, que pesquisadores, familiares e demais interessados tenham acesso a documentos de uma série de países, os quais poderão contribuir para a elucidação dos casos ainda em investigação. É uma tarefa árdua, que necessita engajamento de todos os setores e que envolve interesses que são políticos no mais amplo sentido do termo.  — J

leia mais brasil. Direito à memória e à verdade. Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. calloni, Stella. Operación Condor: los años del lobo. Buenos Aires: Peña Lillo Ediciones Continente, 1999. cunha, Luiz Cláudio. Operação Condor. O sequestro dos Uruguaios. Uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2008. mariano, Nilson. As garras do Condor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

* Sabrina Steinke é doutoranda em História pela Universidade de Brasília.

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texto Lucila Caviglia*

O CASO ARGENTINO

VERDADE JUSTIÇA MEMÓRIA

Mãe com retrato da filha desaparecida. O movimento Mães da Praça de Maio permanece um dos mais atuantes na busca da verdade na Argentina.

foto Carlos Nahuel Baglietto

Desde a restauração da democracia, em 1983, a República Argentina tem desenvolvido uma política de Estado em matéria de direitos humanos, articulada em torno de três eixos: verdade, justiça e memória. Essa tríade encontra-se guiada pelo objetivo último de reparação integral, não somente das vítimas, mas do conjunto do coletivo social, agredido pela repressão ilegal articulada durante a última ditadura militar no país (1976-1983). Nas três dimensões de verdade, justiça e memória, as políticas reparatórias têm levado a medidas concretas da parte do Estado argentino. ————— O debate sobre as violações aos direitos humanos ocorridas durante a última ditadura militar tem passado no seio da sociedade argentina por uma série de etapas: esquematicamente, pode-se dizer que, desde uma fase inicial de reivindicação pelo estabelecimento da verdade, transitou-se a outra, centrada na demanda por justiça e, finalmente, ao momento atual de ênfase na memória. Posteriormente, o próprio Estado Nacional adotou esses objetivos e procurou dar-lhes uma resposta, acrescentando a preocupação com a reparação. A esquematização anterior – que é especialmente útil para compreender e explicar o processo acontecido – deve ser matizada: evidentemente, tratou-se de uma dinâmica complexa, de sinergia positiva, na qual os avanços em uma área promoveram progressos em outras e, muitas vezes, produziram-se em paralelo. O último governo militar na República Argentina (24 de março de 1976 – 10 de dezembro de 1983) O golpe de estado de março de 1976 marcou o início de um período de violência

política sem precedentes, que constitui uma das mais obscuras etapas da história argentina. Durante o chamado Processo de Reorganização Nacional, as Forças Armadas instituíram o terrorismo de Estado como mecanismo geral e sistemático de repressão social. O grupo militar que tomou o poder considerava que a sociedade e suas instituições estavam doentes, o que justificava a aplicação de métodos extremos na guerra contra a subversão. A primeira narrativa das violações aos direitos humanos acontecidas naquele período foi realizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (cidh), em um relatório publicado depois da sua visita à Argentina, em setembro de 1979. Neste, a cidh constatou a magnitude dos crimes cometidos pelo Estado, quebrando o discurso do Governo e tornando visíveis para a comunidade internacional as massivas violações perpetradas pelos agentes da ditadura. Verdade Durante a ditadura, a principal reivindicação dos familiares, dos exilados e das organizações de direitos humanos – tanto nacionais quanto internacionais –era a de obter informações sobre o paradeiro dos desaparecidos (cidadãos presos ilegalmente pela ditadura que se presumiam vivos). Surgiu, então, a demanda por verdade. Ainda não estava presente o anseio de levar à Justiça os responsáveis pelas violações, dado que não existiam as condições necessárias para tanto. Só em 1982, diante do enfraquecimento da ditadura, os diferentes atores começaram a exigir, cada vez com maior força, o julgamento dos perpetradores de violações aos direitos humanos.

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Conhecer a verdade sobre o destino das pessoas desaparecidas seria eventualmente reconhecido como um direito fundamental, que deve ser garantido pelo Estado. Nesse sentido, considera-se que o direito à verdade é “aquele que tem a sociedade, em especial os familiares das vítimas das violações aos direitos humanos, a conhecer o acontecido em decorrência daquelas violações, individualizando os fatos e os responsáveis”2. Não somente as vítimas e seus familiares têm a titularidade desse direito, mas a sociedade toda, que deve poder conhecer a história nacional e suas causas. Perto do final do governo militar, o eixo das demandas passou a ser a justiça. Já em 1982, organizou-se a Marcha pela Vida, demandando o julgamento e a pena de todos os culpáveis. Justiça Procurando evitar qualquer indagação por parte do futuro governo civil, a ditadura militar emitiu o Documento Final da Junta Militar sobre a Guerra contra a Subversão e o Terrorismo. Nele, assumia a responsabilidade pela guerra antissubversiva, desqualificava as denúncias por desaparição e relegava a “juízo divino” a avaliação de seus atos. Ademais, a fim de resguardar os atos cometidos sob as ordens de superiores, a ditadura sancionou a Lei 22.924 de Pacificação Nacional, também chamada Lei de Autoanistia, viciada de inconstitucionalidade, tanto pela origem quanto pelo conteúdo.

1  Rosales, Sebastián. 2005. “El derecho a la verdad: desarrollo en el ámbito internacional y en la República Argentina”. Documento de Trabajo Nº 38. Buenos Aires, Instituto del Servicio Exterior de la Nación. P. 5 (ênfase nossa).

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Já reinstalado o governo constitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei 23.040, que anulou a Lei de Autoanistia, e o Presidente Raúl Alfonsín publicou os decretos 157/83 e 158/83, pelos quais ordenou julgar os chefes guerrilheiros e os membros das três primeiras Juntas Militares. Ao mesmo tempo, além de ordenar o julgamento das Juntas, o Presidente criou, por decreto, a Comissão Nacional sobre a Desaparição de Pessoas (conadep), integrada por personalidades notáveis de diversas áreas, com a função de investigar as denúncias por violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura e de clarificar os fatos relacionados com o terrorismo de Estado. Em setembro de 1984, a conadep publicou o relatório Nunca Más, que apresentou os primeiros elementos para os processos judiciais contra os autores dos crimes. Depois da sanção do Decreto 158/83, os membros das três Juntas Militares começaram a ser julgados pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, dado que a legislação estabelecia que os militares deveriam ser julgados por foros daquela natureza. Mas, em razão da demora, em fevereiro de 1984, o Congresso Nacional sancionou a Lei 23.049 de reforma do Código da Justiça Militar, estabelecendo que esse foro só se aplicaria a delitos de tipo militar (deserção, insubordinação, etc.) e que as sentenças dos tribunais militares poderiam ser apeladas diante de tribunais civis, os quais, em caso de negligência ou demora injustificada, poderiam, inclusive, tornar-se diretamente responsáveis pelas causas. Assim, dado que o Conselho das Forças Armadas considerou impossível o julgamento dos líderes militares, pela inexistência de elementos probatórios que demonstrassem a ilegalidade das ordens por eles emitidas, um tribunal civil (a Câmara Federal no

Criminal e Correcional da Capital Federal) tomou para si o caso. A sentença, emitida em 9 dezembro de 1985, condenou os chefes da primeira Junta Militar à prisão perpétua; os membros da segunda Junta a diversas penas de prisão, e aqueles da terceira Junta não foram condenados, por não se ter conseguido provar os delitos que lhes eram imputados. A sentença reconheceu que os atos do período tinham sido uma ação planejada e sistemática de extermínio e, paralelamente, começaram a ser investigados na justiça crimes cometidos por funcionários de menor hierarquia. Porém, como consequência da pressão dos grupos militares e de alguns grupos civis, ditou-se, em dezembro de 1986, a Lei 23.492, de Ponto Final, que estabeleceu a extinção das ações penais contra os autores das prisões ilegais, as torturas e os homicídios, que não fossem chamados a prestar declaração dentro dos sessenta dias posteriores (a Lei foi promulgada em 24 de dezembro de 1986, e portanto, o prazo previsto vencia em 22 de fevereiro de 1987). Complementarmente, foi aprovada, em junho de 1987, a Lei 23.521 de Obediência Devida, a qual estabeleceu uma presunção iuris et de jure (quer dizer, que não admitia prova em contrário) de que os atos cometidos pelos integrantes das Forças Armadas entre 1976 e 1983 não eram puníveis, por terem seus autores agido com base na “obediência devida” – conceito militar pelo qual os oficiais devem obedecer às ordens emanadas dos seus superiores sem importar o conteúdo delas. Além disso, entre 1989 e 1990, o Poder Executivo, a cargo de Carlos Saúl Menem, estabeleceu uma sucessão de decretos pelos quais se concedeu indulto a militares e civis processados e condenados por crimes cometidos durante a ditadura, com o intuito de atingir a pacificação nacional.

Assim, com a Lei de Obediência Devida, a Lei de Ponto Final e os indultos, as vítimas diretas e indiretas do terrorismo de Estado ficavam privadas de justiça. Mas as reivindicações por parte dos movimentos de direitos humanos não cessaram. Dada a impunidade no âmbito nacional, as leis e os indultos foram denunciados diante da cidh, que se pronunciou favoravelmente com relação às reclamações e solicitou ao governo argentino que reparasse o dano sofrido pelas vítimas. Respondendo, então, às recomendações da cidh para que o Estado argentino garantisse as demandas de verdade, começaram os Juicios por la Verdad. Trata-se de procedimentos de natureza judicial cujas sentenças são meramente declaratórias, impulsionados desde a década de 1990 por familiares de pessoas desaparecidas e organizações de direitos humanos, com o objetivo de conhecer o destino dos seus entes queridos e os motivos e as circunstâncias que levaram à sua desaparição. A importância daqueles Juicios está em que, mesmo sem incluir a possibilidade de condenação, permitiram obter provas documentais e orais que foram utilizadas posteriormente, quando os julgamentos foram reabertos. Além disso, os Julgamentos pela Verdade contribuíram enormemente à conscientização da sociedade sobre o acontecido. Tratou-se de uma verdade não só associada ao propósito de obter o a pena dos responsáveis, mas também ao de construir a memória, pilar que adquiriu força no período seguinte. Memória Desde meados da década de 1990, as organizações de direitos humanos conseguiram instalar na agenda pública a demanda pela memória. O processo de elaboração e

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de construção social da memória tem resultado na produção e reutilização de figuras jurídicas e conceitos sociopolíticos que, em geral, não estavam presentes nos primeiros anos depois da recuperação democrática. Entre esses conceitos, é possível mencionar a caracterização da repressão sistemática operada durante o Processo de Reorganização Nacional como “genocídio”, que possibilitou sua inclusão na categoria de crimes de lesa humanidade (portanto imprescritíveis). Aliás, a luta, que inicialmente centrou-se na crítica ao passado, adquiriu um enfoque mais centrado no presente e no futuro. O exercício da memória não se detém à denúncia do sofrido; ela adquire o sentido preventivo de garantir que Nunca Más se repitam em nosso país tragédias semelhantes. Finalmente, o próprio Estado tem assumido sua responsabilidade nas violações cometidas e, em consequência, seu compromisso com a preservação da memória. A inclusão da temática dos direitos humanos nos conteúdos educativos e a proliferação de manifestações artísticas e atos públicos referidos à preservação da memória são evidência da importância da questão na agenda política argentina. A República Argentina, converteu-se, assim, em um dos poucos países do mundo que aceitam ter perpetrado um genocídio contra sua própria população. Especialmente após a chegada de Néstor Kirchner à Presidência da Nação em 2003, o Governo assumiu como próprios tanto o relato construído pelos organismos de direitos humanos quanto as demandas de verdade, justiça e memória, às quais nos temos referido. Nesse sentido, o presidente Kirchner promoveu a declaração de nulidade, por parte do Congresso da Nação, das leis de Obediência Devida e Ponto Final, o que

aconteceu em agosto de 2003. Esse fato fundamental permitiu a reabertura dos julgamentos penais contra os militares acusados de terem participado na repressão ilegal. Em 2005, a Corte Suprema de Justiça da Nação convalidou a nulidade declarada pelo Congresso, ao estabelecer a inconstitucionalidade das leis mencionadas. A “estatização” do relato dos grupos de direitos humanos evidenciou-se também em medidas como a reconversão de antigos centros de detenção clandestina em espaços para a memória e a instituição do 24 de março como feriado nacional sob a denominação de “Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça” – incorporando no nome as três consignas fundamentais daqueles organismos. Finalmente, como corolário da apropriação desde 2003 dos objetivos de memória, verdade e justiça, o Estado Nacional tem assumido a reparação como meta. Portanto, se ditaram novas leis reparatórias2 que procuraram ressarcir pecuniariamente vítimas da repressão ilegal. ————— Apresentamos nesse artigo como surgiram as demandas de verdade, justiça e memória, e como elas passaram a integrar a agenda política argentina. Evidentemente, os avanços nos distintos âmbitos estão relacionados e não se produziram em ordem cronológica. A justiça tem sido concebida como o pilar principal do longo processo de reparação. Mesmo quando a resposta nos tribunais foi limitada, em um primeiro momento, a verdade foi progressivamente conhecida graças à ação de organizações de direitos

humanos e de diversos indivíduos, grupos sociais e mesmo do Estado, que continuaram lutando até que as leis que bloqueavam os avanços fossem anuladas e os criminosos, castigados. Hoje, a memória tem a função social de impedir a repetição de situações semelhantes e de gerar uma maior valorização coletiva da democracia. A defesa dos direitos humanos, que nosso país entende como indivisíveis, inter-relacionados, interdependentes e sem hierarquia, passou a ser uma política de Estado que, como tal, irriga todas as outras políticas públicas nacionais, incluindo a política externa. Nessa dimensão, a experiência nacional tem gerado uma intensa participação da República Argentina em múltiplos foros internacionais relacionados aos direitos humanos e a inclusão em nossa legislação – com hierarquia constitucional – de um corpo vinculante de tratados e declarações sobre a matéria. Hoje, a Argentina exerce posição reconhecida na comunidade internacional que coloca sobre nós a responsabilidade de promover e proteger os direitos humanos em nosso país e no mundo.  — J

* Lucila Caviglia é diplomata argentina, aluna da Turma 2012-2014 do Instituto Rio Branco. Todas as opiniões apresentadas neste artigo são feitas em caráter pessoal e não representam, em nenhu-

2  Referimo-nos à Lei 25.914 de 2004 e à Lei 25.564 de 2009.

ma hipótese, as posições do governo argentino a respeito da matéria.

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DIPLOMACIA PÚBLICA NO BRASIL texto César Yip, Luiz de Andrade Filho e Pedro Tiê Candido Souza

ilustrações Clara Meliande e Rafael Alves

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Cada vez mais demandado, o Itamaraty tem nas ações de Diplomacia Pública a oportunidade de aperfeiçoar suas estratégias de inserção internacional e fortalecer o interesse nacional A ideia de Diplomacia Pública passou a ser estudada quando, em 1965, o diplomata americano Edmund A. Gullion inaugurou o Edward R. Murrow Center of Public Diplomacy, na tradicional Fletcher School of Law and Diplomacy. O conceito foi utilizado para legitimar a atuação da United States Information Agency e tinha como objetivo trabalhar a imagem dos Estados Unidos no exterior, no contexto da disputa mundial por mentes e corações durante a Guerra Fria. Desde então, o conceito de Diplomacia Pública tem sido objeto de diversas interpretações. Ainda assim, permanece, na prática diplomática da maioria dos países, a referência a um conjunto de atividades destinadas a cultivar a imagem do país no exterior e a influenciar o público estrangeiro. Não é dessa forma, no entanto, que o Ministério das Relações Exteriores entende a ideia de Diplomacia Pública. O conceito brasileiro de Diplomacia Pública está ligado não somente à promoção da imagem do

Brasil no exterior, mas principalmente a um objetivo de maior abertura do Itamaraty à sociedade civil, em um contexto de democratização das instituições nacionais. A primeira referência nacional à ideia de Diplomacia Pública reproduzia, contudo, a definição restritiva dos estadunidenses. Em 1969, o Embaixador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva descreveu a ação de Diplomacia Pública como “manter a opinião pública estrangeira devidamente informada das linhas mestras de sua política exterior, a ser apresentada de maneira a captar a sua simpatia.” A definição do Embaixador é sintomática de sua época: era reduzido o interesse da grande maioria da população brasileira pelos assuntos de política externa, resultando em menor participação social na sua formulação e, portanto, menor necessidade de se prestar informações ao público interno. Da mesma forma, em oposição à opinião pública estrangeira, a opinião pública nacional não era vista como um recurso que merecesse a mesma atenção.

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Essa situação mudou. Nos últimos anos, transparência e participação tornaram-se princípios fundamentais das políticas públicas brasileiras, inclusive a política externa. A sociedade tem demonstrado mais interesse pelos temas internacionais e vem demandando mais informação e maior participação ao Itamaraty. Ao incluir o público interno como interlocutor das ações de Diplomacia Pública, entretanto, o que muda não é somente o público-alvo, mas o próprio objetivo da comunicação. Passase da finalidade de propaganda e divulgação para o objetivo de democratização e transparência. É curioso que essa adaptação conceitual tenha ocorrido de forma tão natural. De fato, não houve questionamento quanto a um possível mau uso do conceito de Diplomacia Pública. A necessidade e o objetivo de democratização são tão evidentes no Brasil que a ideia de Diplomacia Pública é facilmente traduzida pelos diplomatas brasileiros em iniciativas de transparência e inclusão, e não somente de promoção da imagem do país no exterior. Essa ressignificação evidencia como a mudança da mentalidade institucional para uma maior abertura à sociedade civil ainda é processo em curso. Em outros países, seja porque a transparência já é prática corrente, seja porque ainda não existe essa demanda, a Diplomacia Pública não assume essa feição. É no contexto da transição e da democratização das instituições brasileiras que essa atribuição de significado faz sentido. Diplomacia Pública em três tempos Em sua tese do Curso de Altos Estudos (CAE), o Conselheiro Marco Antonio Nakata identifica três públicos-alvo da Diplomacia Pública brasileira: a opinião pública externa, a imprensa e a sociedade civil brasileira.

A opinião pública externa como alvo da civil, e sua participação na formulação e Diplomacia Pública já foi objeto de diversos execução de políticas públicas. Trata-se de estudos no Itamaraty. Em 1983, em sua tese uma grande mudança: de uma relação indide CAE, o Embaixador Samuel Pinheiro reta e vertical do Ministério com a sociedaGuimarães fazia propostas de “atuação do de civil, há hoje um esforço de comunicaMinistério das Relações Exteriores sobre a ção direta e inclusão no processo decisório. formação do aparelho e das visões interna- Esse salto decorre de uma necessidade e de cionais assim como sobre os fluxos de infor- uma percepção de que as pautas e priorimação”, com vistas a gerar uma visão exter- dades dos órgãos de imprensa não são, nena autônoma e livre de estereótipos sobre cessariamente, as prioridades de divulgao Brasil. Mais recentemente, já usando ex- ção do Itamaraty. plicitamente o termo Diplomacia Pública, Para o Porta-Voz do Itamaraty, essa inio Ministro Nilo Barroso também trata da ciativa de aproximação da sociedade ciimagem do Brasil no exterior e do “esfor- vil visa, por um lado, a aumentar a transço para tentar convencer e influenciar au- parência do Ministério, e, por outro, a aprimorar a sua imagem. Segundo ele, é diências estrangeiras.” No contexto atual, entretanto, não é necessário apresentar à sociedade o dia-asomente a opinião pública externa que -dia dos diplomatas brasileiros, tanto em interessa à Diplomacia Pública. Como ór- Brasília quanto em Postos no exterior, de gão político, o MRE participa de disputas forma a desmistificar estereótipos de um internas e internacionais, e, por isso, pre- corpo diplomático elitizado e desvinculacisa divulgar suas atividades e defender do da realidade nacional. suas perspectivas. Para esse fim, conta há muito tempo Mídias sociais com forte relação com veículos de comu- O uso de mídias sociais é uma das formas nicação e jornalistas. Essa vertente foi ana- de contato direto com a sociedade civil. As lisada pelo Ministro Rodrigo Baena Soares, redes sociais são um fenômeno distintivo que, em sua tese de CAE, “Política externa do século XXI. Na medida em que proe mídia em um Estado democrático”, tra- movem contatos entre seus integrantes tou da incorporação da mídia à agenda da sem a necessidade de quaisquer intermepolítica externa. Atualmente, como forma diários, as redes sociais são ferramentas de reforçar esse vínculo, tanto o Ministro abrangentes e democráticas. Com seu asde Estado, Embaixador Luiz Alberto pecto de autogestão e com a possibilidaFigueiredo Machado, como o Porta-Voz de de atualizações em tempo real, esses do Itamaraty, Embaixador Nelson Antonio sistemas ensejam o intercâmbio social e o Tabajara, têm buscado ampliar os encon- compartilhamento de informações, além tros regulares com jornalistas e formado- de facilitar a comunicação de massas. Ao res de opinião de diversos meios de comu- criar um perfil em uma rede social, é posnicação nacionais e estrangeiros. sível difundir informações, fotos e vídeos A novidade do atual processo democrá- para usuários que podem encontrar pestico, entretanto, é que não basta se comuni- soas ou instituições conhecidas e interagir car com a sociedade por meio da imprensa. com elas de maneira instantânea. A Diplomacia Pública atualmente obriga Diante disso, as redes sociais constambém o contato direto com a sociedade tituem importante instrumento para a

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interação entre a sociedade e o governo. A presença de órgãos governamentais (e, naturalmente, de chancelarias) em redes sociais é cada vez maior. Ciente da necessidade de prestar contas à população e de manter um diálogo fluido com a sociedade civil, o Itamaraty está presente em diversas redes sociais. O primeiro perfil institucional do Itamaraty foi criado, em 2009, no YouTube (atualmente o maior arquivo audiovisual do mundo), com o intuito de divulgar coletivas de imprensa, entrevistas do Ministro de Estado das Relações Exteriores e de outros diplomatas, sobretudo da alta chefia, declarações oficiais e programas do governo. No mesmo ano, foi criado o álbum no Flickr, para publicar fotos oficiais em alta resolução. Ainda em 2009, o Itamaraty decidiu criar uma conta no microblog Twitter, para divulgação automática de ‘links’ para notas à imprensa, discursos de autoridades do Ministério, vídeos incluídos no canal do Itamaraty no YouTube, avisos às redações e demais atualizações relacionadas à atuação do MRE. Em 2010, foi a vez de o Facebook receber uma página institucional do Itamaraty. Atualmente, o Ministério também mantém o blog “Diplomacia Pública” e um serviço de “feed” RSS, sistema que permite ao usuário receber atualizações de diversos sites sem precisar visitá-los um a um. O saldo dessa atuação nas redes sociais tem-se mostrado positivo: de acordo com o estudo Twiplomacy, a conta @MREBRASIL figurava, em 2013, entre os perfis das 20 diplomacias com mais seguidores na rede. Além dos perfis institucionais do Itamaraty, diversos Postos no exterior criaram perfis próprios. A dinâmica de interação propiciada pelas redes sociais não só promove o contato entre o Ministério e a sociedade civil brasileira, mas beneficia a

interlocução dos Postos no exterior com os brasileiros residentes nesses países e com as respectivas comunidades locais. Ao perceberem a eficácia e a capacidade de respostas imediatas das redes sociais, diversas Embaixadas, Consulados e Delegações criaram, de maneira espontânea, perfis em redes sociais. Diante disso e com o objetivo de subsidiar a Secretaria de Estado na elaboração de estratégia para a utilização das mídias sociais pelos Postos no exterior como instrumentos de Diplomacia Pública, o Itamaraty consultou toda sua rede de Postos para realizar uma espécie de censo acerca desses perfis. Até o fechamento desta edição, 214 dos 227 Postos no exterior haviam respondido à enquete que solicitava informações relativas à utilização de perfis em redes sociais. Dos 214 Postos que responderam ao censo, 103 utilizam mídias sociais para divulgar suas atividades. Alguns deles chegam a ter perfis em duas ou mais redes sociais. O mecanismo mais utilizado é o Facebook (100 Postos), seguido do Twitter (15 Postos). Em termos de idiomas, 31 Postos utilizam exclusivamente a língua portuguesa, 8 utilizam somente a língua local, e 64 utilizam ambas. Aproximadamente 70% dos Postos que utilizam mídias sociais designam funcionário específico para essa atividade. Cerca de 90% dos Postos avaliaram como positiva a utilização das redes sociais, destacando a facilidade de estabelecer contato com o público local, com a comunidade brasileira e com jornalistas; a rápida difusão das mensagens por meio de compartilhamentos dos usuários; a possibilidade de acompanhar a repercussão da divulgação, por meio de comentários e da sinalização “curtir”; o estabelecimento de canal direto e rápido para respostas a dúvidas e atendimento ao público em geral.

O público-alvo dos perfis de Embai­xadas e de Delegações é principalmente a comunidade local, com o objetivo de promover a imagem do Brasil, por meio da divulgação de eventos culturais, datas festivas e notícias. Os Consulados, ademais, utilizam as redes sociais como veículo de atendimento às comunidades brasileiras. Independentemente de qual seja o tipo de trabalho, o público-alvo ou o idioma das publicações, o Facebook tornou-se o principal meio de divulgação das atividades de diversos Postos. Além da criação de perfis próprios, alguns Postos têm adotado outras iniciativas com relação às mídias sociais. A Embaixada do Brasil em Londres, por exemplo, organizou, em 23 de janeiro de 2014, debate temático sobre mídias sociais em parceria com a dpaal (Diplomatic Press Attachés’ Association) e o London Press Club. O evento, que contou com a participação de mais de 100 pessoas, analisou a incorporação de ferramentas como o Twitter à arena diplomática e a sua utilização por diversas Embaixadas. Avançando a Diplomacia Pública no Brasil A partir do exposto, verifica-se o grande potencial da Diplomacia Pública em ampliar a participação social e fortalecer o uso da política externa como instrumento efetivo de promoção tanto do bem-estar da população, como do interesse nacional. Há, pelo menos, três motivos para que se aprofundem as estratégias de Diplomacia Pública no Itamaraty. Primeiramente, é preciso que o cidadão melhor compreenda a função da política externa no contexto da capacidade de resposta do Estado às demandas individuais e coletivas. Para tanto, os instrumentos de Diplomacia Pública, como as mídias sociais, os debates acadêmicos e as consultas à sociedade

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civil, devem ter presente o desafio de traduzir estratégias e formulações complexas em objetivos simples e claros. Além disso, por meio da Diplomacia Pública, a sociedade poderá perceber a importância de o Brasil obter maior protagonismo nas decisões mundiais, por meio da participação ativa em foros e organizações multilaterais e da ampliação dos contatos bilaterais. Ainda que questões como a reforma das instituições de governança internacional e a ampliação dos fluxos de comércio, atualmente, interessem mais às elites intelectuais e econômicas, os maiores níveis de instrução que deverão ser alcançados por cidadãos brasileiros, nos próximos anos, bem como a expansão do alcance das tecnologias de comunicação, incluindo as já citadas redes sociais, poderão ensejar o aumento do interesse social pelas questões de política externa. Por fim, a Diplomacia Pública poderá contribuir para que se obtenha maior respaldo para ação externa do Brasil, já que a atuação do Itamaraty estaria amparada por um número cada vez maior de indivíduos que compreendem, contribuem e questionam os seus meios e resultados. Trata-se, portanto, de oportunidade de ampliar a base de apoio das ações e ideias de política externa e de multiplicar as oportunidades de comunicação e conexões com uma sociedade que atua, cada vez mais, por meio de redes. Não restam dúvidas de que o tema é prioritário para o Itamaraty. O desafio que se coloca é menos o “se”, e mais o “como” obter diálogo profícuo e mutuamente benéfico com a sociedade civil. Em um de seus mais recentes livros, intitulado A ideia de justiça, o economista laureado com Prêmio Nobel Amartya Sen defende que é possível aprofundar o debate democrático por meio do aperfeiçoamento da disponibilidade informacional

e da viabilidade de discussões interativas. Para Sen, a democracia atual transita para ser julgada não apenas do ponto de vista das instituições que a apoiam, mas pelas distintas vozes da sociedade que dela se beneficiam, se puderem ser ouvidas. Os dois instrumentos de democratização apontados por Sen parecem relevantes para indicar caminhos para Diplomacia Pública brasileira. A política externa aberta requer, ao mesmo tempo, a disseminação, proativa e reativa, dos posicionamentos, procedimentos e resultados da ação diplomática, assim como a incorporação efetiva da contribuição cidadã. Expande-se, como resultado, a concepção tradicional de uma política externa amparada, mormente, pela excelência do corpo diplomático brasileiro, para aquela em que se atribuiu o devido valor à contribuição da sociedade. O acesso, por cidadãos brasileiros, a informações produzidas e circuladas no Itamaraty foi facilitado pela Lei de Acesso

à Informação (LAI). Sancionada em 2011, a LAI consolida as expectativas sociais de direito à informação e operacionaliza os demais direitos civis e políticos contidos da Constituição Federal. Desde o início da vigência da LAI até o fechamento desta edição, somavam-se 1253 pedidos de informação ao Itamaraty, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), dos quais 1210 haviam sido respondidos no prazo, em uma média de 20,69 dias. Para os pedidos recebidos, 56,85% tiverem seus acessos concedidos. As negativas são justificadas, sobretudo, quando se requer tratamento adicional de dados (82,42% das negativas) ou quando se trata de pedidos genéricos (6,88%), de informações sigilosas (4,51%), de pedidos desproporcionais ou desarrazoados (3,56%)  ou de dados pessoais de servidores (1,42%).  No que diz respeito à promoção de contatos próximos e regulares com a sociedade civil – brasileira, mas também

Modelo multissetorial de governança digital “Em 1995, com a criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o Brasil adotou um modelo multissetorial de governança da Internet, fórmula única no mundo até hoje. O CGI.br, responsável por coordenar as atribuições de endereços IPs nacionais e de nomes de domínios ‘.br’ e pela definição de diretrizes estratégicas para o desenvolvimento da Internet no Brasil, é composto por membros do Governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica, todos com igual poder de decisão.”

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estrangeira – há espaço para ampliação e aperfeiçoamento. Julgamos apropriado perguntar a representantes de ONGs, de movimentos sociais, do setor privado e da comunidade acadêmica brasileira (alguns dos quais já possuem histórico de diálogo com o Itamaraty) sobre quais passos poderiam ser dados no sentido de aprimorar o diálogo sobre política externa. Ainda que reconheçamos que o pequeno grupo de dez representantes consultados (mantidos anônimos, no questionário eletrônico utilizado) esteja longe de refletir consenso, é possível identificar alguns pontos de convergência, a partir das perguntas e pedidos de sugestões propostos. Entre as demandas recorrentes, esteve a demanda por diálogo mais estruturado e regular, sobretudo no começo da formulação de posicionamentos sobre os temas de política externa, e por maior uniformidade dos canais de diálogo com as unidades que compõem o Itamaraty. Alguns sugerem a utilização de “briefings” semanais à imprensa e de boletins informativos eletrônicos regulares como instrumento proativo de informação. Destacam, no entanto, que é preciso transitar da pura divulgação de ações para a coleta de insumos, e que o diálogo é muitas vezes dificultado pelo desconhecimento mútuo. Um mapeamento das oportunidades de inserção da sociedade civil na formulação e execução da política externa – o que tem sido tentado, por exemplo, por meio da iniciativa “Diálogos sobre Política Externa” – constitui passo importante, assim como análise da experiência de chancelarias de outras democracias. A diplomacia moderna, para que alcance resultados ambiciosos, deve ser capaz de ultrapassar as fronteiras estritamente governamentais, de forma a criar vínculos duradouros com a sociedade e a fazer uso efetivo das redes de ação nacionais e globais.

————— A adoção da Diplomacia Pública no Brasil deve ser compreendida na lógica do processo mais amplo de amadurecimento democrático do país. Esse processo não se esgota com a criação de uma estrutura institucional para tanto, mas depende, principalmente, de uma mudança de cultura. Por mais de um século, o Itamaraty esteve acostumado a lidar com um círculo restrito de pessoas interessadas por temas internacionais. Agora, vai aprendendo a lidar com as multidões das ruas, que marcham às suas portas. Nesse contexto, a participação direta da sociedade civil deve ser vista não como um ônus, mas como fonte do poder brasileiro. Exemplo disso é o debate sobre a governança da Internet. Graças ao modelo multissetorial de governança digital, com ampla participação social, o Brasil foi alçado à posição de líder nos debates mundiais sobre o tema. Em outras palavras, a participação social traduziu-se em liderança para o país. Em síntese, diríamos que o maior interesse por temas internacionais resulta em maior participação da sociedade civil na elaboração da política externa, assim como a concepção de política externa como política pública resulta em maior transparência do Itamaraty. No mundo atual, informação é poder. A recepção, a difusão e acompanhamento de sua circulação são recursos poderosos para o Brasil e para o Itamaraty. A Diplomacia Pública, portanto, é instrumento valioso para promoção dos interesses nacionais..  — J

leia mais baena soares, Rodrigo de Lima. Política externa e mídia em um Estado democrático: O caso brasileiro. li cae. 2007. barroso neto, Nilo. Diplomacia pública: conceitos e sugestões para a promoção da imagem do Brasil no exterior. li cae. 2007. guimarães neto, Samuel Pinheiro. O impacto das imagens dos países nas relações internacionais. vii cae. 1983. nascimento e silva, Geraldo Eulálio do. Diplomacia e Protocolo. Rio de Janeiro: Record. 1969. nakata, Marco Antonio. A Mídia Digital como instrumento de Diplomacia Pública. lviii cae. 2013. sen, Amartya. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

entrevistas

Entrevista com o Ministro de Estado das Relações Exteriores Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado por Andrezza Barbosa, Bruno Quadros e Quadros, Laura Delamonica e Lucianara Andrade Fonseca

foto Ana de Oliveira/aig-mre

juca Qual é, na opinião do Senhor, o perfil internacional do Brasil hoje e qual deve ser o perfil que devemos buscar no futuro? ministro de estado É muito interessante falar sobre o perfil do Brasil, porque é sempre algo muito dinâmico. Você tem perfis que evoluem com o tempo, então o perfil que nós temos hoje sempre visa a um perfil futuro. Especialmente no nosso caso: o Brasil, país emergente – como se fala –, que na última década teve um desenvolvimento econômico importantíssimo, uma inclusão social fantástica e (aí fala um pouco o lado do diplomata que cuidou dos temas ambientais também) uma proteção ambiental muito robusta, ou seja, nós estamos hoje de uma forma diferente. É um perfil diferente do que era algumas décadas atrás, e esse é um perfil que se projeta para o futuro. O que nós temos que ver é a inserção internacional que nós queremos o Brasil tenha. Primeiramente, sem dúvida alguma, a inserção regional. O Brasil é parte da América do Sul, de uma forma muito coesa, e parte de uma América Latina e Caribenha, também muito coesa, em que há sempre diversidades, mas há uma união dentro dessa diversidade, e nós somos ativos promotores disso. Eu costumo dizer que a gente mora em um bairro, e nesse bairro é importante que o bairro inteiro funcione, senão a sua casa não funcionará. O bairro inteiro tem que ter paz, concórdia, segurança e harmonia entre os vizinhos, luz e comunicações. Enfim, ou funciona em conjunto como um bairro ou a sua casa, isoladamente, não funcionará. Portanto, essa atividade agregadora que nós temos, esse impulso à integração é fundamentalmente um impulso a um desenvolvimento coletivo da região. É a noção de que todos temos que ir juntos, em beneficio de todos nós. Então essa é a primeira área de inserção do Brasil.

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Mas sem dúvida o Brasil, por todos os grandes e que se destacam em seus contítulos, é também muito próximo da África. tinentes pelo peso de suas economias ou Temos um perfil que nos leva inexoravel- mesmo pelo tamanho geográfico, e países mente também a uma projeção nas rela- que têm desafios semelhantes a enfrentar ções com o continente africano, que são e que têm interesse em conversar e buscar relações cada vez mais densas. E esses úl- uma atuação conjunta sempre que possítimos anos abrimos um número importan- vel. São, hoje em dia, inevitavelmente, os te de embaixadas na África: quando entrei verdadeiros motores da economia mundial, na carreira, eram pouquíssimas; hoje em ou, pelo menos, motores incontornáveis dia, é um numero que já atende as neces- da economia mundial, sem os quais ela sidades da nossa política externa na África. não funcionaria. E, portanto, somos parSem dúvida – aí eu estou tendo uma te desse grupo. Há também outros grupos, organização mental de vizinhanças –, eu como o BASIC (Brasil, África do Sul, Índia não quero dizer com isso que as nossas re- e China), no caso das negociações de mulações com os países desenvolvidos – com dança do clima. Mas aí já é um grupo mais os Estados Unidos, por um lado; e com os específico. Quando falei de integração sulpaíses da Europa, pelo outro – serão pou- -americana, naturalmente, dei por subenco importantes. Não, ao contrario: elas são tendido, mas é sempre bom reafirmar a densas, são tradicionais e são uma parte importância do Mercosul, da UNASUL e fundamental do nosso trabalho. da CELAC como instâncias agregadoras. E nós temos um quarto polo, que é a O Mercosul sendo uma importante e funÁsia, por todos os títulos. Temos relações damental instância agregadora. muito intensas com o Japão, a China, a Acho que esse é o perfil nosso hoje. É, Índia, enfim, e em todos os países da re- seguramente, um perfil em evolução e que gião a presença nossa é forte. E não se sempre busca a melhor inserção possível pode pensar em uma politica externa que para o Brasil nesse mundo que se transforse projete como uma política global sem ma cada vez mais e que se multipolariza. uma presença forte no continente asiáti- E, sem dúvida nenhuma, nós temos o que co, que responde a interesses econômi- dizer nesse contexto. cos, comerciais e financeiros importantes, — mas também culturais, políticos, em todas Na esteira dessa discussão sobre o peras vertentes das relações internacionais. fil e a inserção do Brasil, existem muiEu não posso deixar, nesse contexto do tos conceitos nas relações internacioperfil que vocês perguntaram, de me refe- nais – hard power, soft power e smart rir à nossa participação em grupos, como power – para explicar a projeção geoo G-20, o grupo das mais importantes eco- política dos Estados. Nessa discussão, nomias do mundo, que superou a lógica do quais conceitos o Senhor considera G-5, do G-7 e do G-8. Parte-se para um ló- úteis na definição da atuação internagica de que há atores importantes no mun- cional do Brasil? Qual tipo de poder o do dos quais depende o funcionamento da Brasil deve buscar? economia mundial. Isso é um reconheci- Eu respeito muito as classificações clássimento de uma multipolarização crescente cas de hard power, soft power e smart power, no mundo. A nossa inserção no G20 e nos mas acho que temos que encarar a quesBRICS, onde você tem um grupo de países tão de uma outra forma. Qual é a finalidade

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maior, fundamental, em termos de relações internacionais, de se obter poder? É obter influência internacional junto outros países. Isso pode ser conseguido de várias formas. A forma clássica de poder tem a ver com força armada, a economia, o território: são as bases clássicas de poder que existem na teoria há muito tempo. Eu, novamente respeitando todas as definições, vejo que devemos buscar sempre a influência – e os meios de se obter a influência são vários. Um principal, no nosso caso, é o que chamamos de as credenciais que o Brasil tem: de ser um país amante da paz – em paz com seus vizinhos há mais de 140 anos –; um país que não busca se imiscuir nos assuntos internos de outros países; extremamente respeitoso; democrático; que busca sempre o primado do direito e o primado do direito internacional nas relações internacionais. Enfim, que tem uma postura ética muito clara. E isso nos dá influência. O Brasil é buscado e respeitado por essa ação coerente da política externa brasileira ao longo das muitas décadas. Isso nos dá um capital diplomático importantíssimo, que é um capital de política externa, de ser capaz de atingir objetivos de política externa mediante um conceito que eu não chamaria de poder, mas sim de capacidade de influenciar no bom sentido e, por ser reconhecido que é no bom sentido, é que nós temos essa capacidade de influenciar. É claro que eu não minimizarei ja­ mais o tamanho do país, o tamanho da economia do país e o tamanho das tradi­ ções democráticas. Tudo isso é parte desse quadro, mas é um quadro que eu vejo como de influência benéfica, e não um quadro de poder. — Queremos abordar na próxima pergunta o fato de a agenda internacional ter

se tornado mais complexa nas últimas décadas. Nota-se, por exemplo, a multiplicação das regras de comércio, a proliferação e a própria especialização dos organismos internacionais. Isso faz com que o Itamaraty tenha que trabalhar cada vez mais com outros Ministérios. Nesse sentido, em que termos deve se dar essa cooperação com a Esplanada? Ótimo, isso me permite completar a pergunta anterior. Quando eu falava em influência benéfica e em sermos reconhecidos como tal, vocês me terão já ouvido dizer que eu considero que haja uma nova agenda internacional, que tem muito a ver com as conquistas sociais que nós tivemos nos últimos anos e que atraem os parceiros de outros países. Eles vêm buscar, no Brasil, exemplos de como é possível ter crescimento econômico com inclusão social, porque até algum tempo atrás havia uma dicotomia: ou você cresce ou distribui. Nós mostramos que é possível crescer distribuindo. E a distribuição ajuda a crescer. É um círculo virtuoso. E isso é algo que nos projeta internacionalmente. Ora, isso não é algo feito no Itamaraty ou pelo Itamaraty. Isso é feito pelo conjunto do Governo, portanto pela Esplanada também. Daí, porque, entrando diretamente na pergunta, a nossa relação com a Esplanada tem que ser absolutamente estreita, porque nós somos representantes de um Governo e de um País. Como tal, nós temos que trabalhar em absoluta harmonia e coordenação com os demais Órgãos públicos. Sem isso, o trabalho de projetar o País no exterior fica praticamente impossível. Eu tenho dito sempre e repetirei: é uma parte fundamental do meu trabalho, da minha função, como Ministro de Estado, buscar cada vez mais uma integração perfeita com os demais Órgãos públicos, senão o nosso trabalho é impossível. —

Em relação ao perfil do diplomata, como indivíduo e como servidor público, nesse contexto de novos temas e nova agenda internacional, que competências o Senhor acredita terem se tornado necessárias e imprescindíveis para o exercício da diplomacia no século XXI? É uma ótima pergunta. Em primeiro lugar, todos nós somos pessoas físicas, nascemos assim; mas, ao nos tornarmos um funcionário público e um diplomata, nós passamos a ser pessoa jurídica. E temos que ter um comportamento adequado a esse fato. Temos toda uma legislação em vigor que diz muito claramente como deve ser isso, o tipo de comportamento que se espera, os cuidados que se deve ter, até na vida pessoal, para que isso não se reflita negativamente na imagem do Brasil. A nossa vida pessoal, em qualquer ponto da carreira, poderá, pelo fato de sermos funcionários públicos, de sermos diplomatas, repercutir negativamente na imagem do próprio País. Então, esse é um cuidado, numa época de comunicações, de novos meios, que todos nós devemos ter. São desafios novos. A exposição que uma pessoa tem hoje é muito maior do que a exposição que alguém poderia ter trinta anos atrás. Não havia Facebook, não havia Twitter, não havia e-mails. Isso já nos obriga a ter certos cuidados que antes, talvez, não fossem tão necessários assim, por essa exposição que todas as pessoas, as pessoas físicas, passaram a ter atualmente. Só que, além de físicas nós também somos pessoas jurídicas. Isso torna tudo mais complexo. Além disso, o diplomata, hoje, cada vez mais, deve conhecer tecnicamente os temas de que cuida. Por exemplo, se ele se dedica a uma área de comércio internacional, é importantíssimo, é fundamental que ele conheça a fundo as regras

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Nossa relação com a Esplanada tem que ser absolutamente estreita, porque nós somos representantes de um Governo e de um País. —

de comércio internacional. E eu não vou entrar naquela velha discussão “especialização” versus “generalização”, porque eu acho que isso é algo que se deve superar com a fusão das duas coisas. Nós temos que ter uma visão geral, temos que ler política externa, conhecer política externa, discutir política externa, as grandes linhas, temos que permanentemente nos atualizar em política externa. É muito comum se ver médico que lê sem parar os novos artigos médicos, porque isso é importante para o trabalho dele. Advogados fazem o mesmo com relação a novas teorias de direito. Nós temos a obrigação de fazer o mesmo: estudar sempre, aperfeiçoarmo-nos sempre, tanto no plano do generalismo, quanto no plano da especialidade de que estamos cuidando naquele instante. Então, esse perfil, sobre o qual alguém poderia dizer “é um perfil mais técnico”; sim, é um perfil técnico do diplomata. O diplomata é isto: é alguém que entende de política externa, que é capaz de articular um pensamento coerente sobre temas de política externa, fazer uma análise política – isso é fundamental, nós somos analistas políticos – e, ao mesmo tempo, temos que conhecer os fatos, porque vivemos dos fatos, das informações. E a informação quer dizer, mesmo, as questões mais técnicas. —

Uma próxima pergunta é exatamente existe uma legislação que diz que se você nessa linha da atualização constante do não se comportar com urbanidade com diplomata, vemos hoje uma série de no- um colega, com um subalterno, com um vos temas sendo debatidos: cibernéti- chefe, você será punido, porque é o que a ca, ao papel das mulheres em temas de lei diz. Mas, muito mais do que uma culpaz e segurança, a questão dos direitos tura de ameaça pela lei, nós temos que ter sexuais e reprodutivos. Gostaríamos de uma cultura de propagação de maneiras saber como o Senhor vê a inserção do de relacionamento respeitosas, urbanas e Itamaraty frente a esses novos temas e republicanas. Isso também faz parte descomo o diplomata, com esse perfil que o ses debates que temos que ter, do respeisenhor acabou de descrever, pode con- to à diversidade, do respeito às minorias, tribuir para que o Brasil tenha um pa- do profundo respeito como característipel proeminente nesses debates? cas que têm que prevalecer no Itamaraty. Como eu disse antes, entendo que haja — uma nova agenda internacional, que inclui Nossa última pergunta é sobre as maniesses temas que você mencionou e para festações de junho do ano passado. O seos quais temos de estar preparados como nhor poderia dizer-nos, em termos geprofissionais e como instituição. Isso quer rais, quais ensinamentos o Itamaraty dizer que temos que nos atualizar constan- poderia extrair desses episódios? temente, temos que ter a agilidade de res- Em termos de política externa, repercuposta a esses novos desafios e temas. Para tiu, extraordinariamente, a reação que tanto, estou buscando, pouco a pouco, em o Governo teve às manifestações do ano consonância com a Direção do Instituto passado: a serenidade, a disposição da Rio Branco, introduzir até mesmo altera- Presidenta da República de ouvir as ruas, ções no currículo que possam levar a um a compreensão profunda e democrática aprimoramento nessas áreas novas. É cla- de que o ato de manifestar-se é um direiro que não podem ser feitas alterações de to democrático que estava sendo exercido. chofre, tem que haver uma evolução; são Obviamente, todos repudiarão a violência, tendências importantes que devem ser ins- e houve infiltração de violência, o que tem tituídas e eu estou debruçado sobre esse de ser canalizado em termos policiais. Mas assunto. Por exemplo, há, além das áre- eu recebi reações extremamente positias que vocês mencionou como importan- vas de colegas chanceleres dizendo que o tes, outra área que julgo importantíssima, Brasil soube lidar com as reivindicações de que é a de gestão, não só administrativa, uma maneira extraordinariamente demomas a de pessoas. Há a compreensão de crática e republicana. Isso me deixa semque estamos em um corpo, em uma insti- pre, como cidadão brasileiro e como memtuição com relacionamentos humanos. O bro do Governo, muito feliz.  — J que é chefiar? Como é ter uma relação adequada com os colegas, com os subalternos, com os chefes? Isso é algo que também se aprende na escola, porque há técnicas sobre isso. Eu quero que haja um perfeito entendimento do diplomata que está se formando, nos primeiros anos, de que

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ESPECIAL

BRASILEIROS NO MULTILATERALISMO por Andrezza Barbosa, Bruno Quadros e Quadros, Laura Delamonica e Lucianara Andrade Fonseca

O que têm em comum pessoas com formações tão distintas como a agronomia, a diplomacia, o direito, a engenharia e o jornalismo? Ao buscar traçar o perfil dos “Brasileiros no Multilateralismo”, nos deparamos com as diferentes trajetórias dos entrevistados, os quais compartilham o fato de haverem exercido, ou estarem exercendo, de maneira independente, importantes funções em organismos internacionais, nas mais distintas áreas: desenvolvimento social, paz e segurança, direito internacional, comércio e direitos humanos. A independência funcional inerente aos cargos de comando de organizações internacionais significa que os “Brasileiros no Multilateralismo” não estão mais representando o País no desempenho de suas responsabilidades. No entanto, pergunta-se: que contribuições específicas pode um(a) brasileiro(a) dar para o multilateralismo? Por meio dessa e de outras questões, retratamos a atuação dos entrevistados nos mecanismos de governança global. Acabou-se revelando, também, um pouco do perfil do País no mundo.

foto Embaixada do Brasil em Paris

Embaixador José Mauricio Bustani Diretor-Geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas, OPAQ (1997-2002)

juca Como a experiência no Instituto Rio Branco contribuiu para a sua formação diplomática? bustani Ingressei no Instituto Rio Branco na década de 1960, ainda no Rio de Janeiro. Tive grandes professores, entre os quais alguns diplomatas, os quais, mais além do ensino de sua matéria específica, transmitiam-nos conhecimento acerca do funcionamento do Ministério e do trabalho diplomático propriamente dito, tanto na Secretaria de Estado como no exterior, buscando familiarizar-nos com as rotinas e os desafios do ofício. Não posso esquecer,

entre outras, as aulas do Embaixador Alberto da Costa e Silva, nas quais me foram passadas noções de que até hoje me valho. Além de me ter dado maior segurança no desempenho das funções, essa interação com os colegas já experientes que me introduziam ao “exercício da carreira” abriu-me o leque de temas substantivos de que tratava o Itamaraty no dia-a-dia, o que me permitiu, por exemplo, melhor direcionar minhas leituras. O contato com os profissionais mais experientes constitui elemento importante na minha formação. Ainda aluno do Rio

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Branco, tive a oportunidade de fazer estágio na Divisão das Nações Unidas, experiência que considero das mais relevantes em minha formação e que determinou, em grande parte, o curso de minha carreira. Foi um privilégio conviver desde tão cedo com a maioria dos chefes da Casa, e com eles aprendi enormemente. A hierarquia, que sempre foi fundamental, conjugava autoridade e responsabilidade, em um sistema de democracia colegiada. Nesse contexto, meu diálogo de jovem diplomata com os chefes da Casa era não apenas possível, como encorajado. Mais adiante, quando voltei a trabalhar no Departamento de Organismos Internacionais, beneficiei-me do contato profissional com os chefes de outros departamentos importantes, como os Embaixadores Italo Zappa e Pereira de Araújo. Outra dimensão da minha formação do diplomata que considero de grande importância foi o aprendizado de idiomas estrangeiros. Nesse particular, nossa formação teve padrão elevado, com ampla exposição a vocabulário sofisticado de uso oficial. O conhecimento de idiomas permitiu-me interagir e comunicar-me com desenvoltura, segurança e um máximo de precisão à mesa de negociação, onde o mau emprego de um termo pode determinar o malogro de um exercício. Por interesse próprio, estudei o russo, que me foi útil na então União Soviética e também na onu. No meu período em Nova Iorque, o fato de falar inglês, francês, espanhol e russo capacitou-me a coordenar tarefas, e fui por isso frequentemente chamado a presidir reuniões. Os desdobramentos recentes nas relações internacionais e a interação crescente do Brasil com outros grandes atores do mundo em desenvolvimento devem servir de inspiração e incentivo para que os diplomatas brasileiros aprendam idiomas como árabe,

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mandarim e russo, além do espanhol que já é ensinado no curso regular. — Há alguma personalidade, brasileira ou estrangeira, na qual o Senhor tenha se inspirado para buscar a realização de seus projetos profissionais? Logo que entrei para o Itamaraty, tive a oportunidade de trabalhar com o Embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro, então Secretário-Geral Adjunto para Assuntos de Organismos Internacionais. O Embaixador Guerreiro foi um chefe didático, que me transmitiu entendimento profundo do que significava ser diplomata. Foi um dos maiores profissionais que o Itamaraty já teve e, naquele primeiro momento, terá sido a minha grande fonte de inspiração, não só pela sua capacidade intelectual, mas também por sua visão da carreira, seu compromisso com a questão do Estado, seu profissionalismo e sua vasta cultura. Mais adiante, quando voltei depois dos meus dois primeiros postos no exterior, Guerreiro era SecretárioGeral (sg) e em seguida foi feito Ministro. Tive, então, outras experiências imensamente gratificantes, ao trabalhar com os Embaixadores Carlos Calero Rodrigues e, mais adiante, João Clemente Baena Soares. Enquanto o Embaixador Guerreiro foi o Secretário-Geral, tivemos também um grande Ministro de Estado, Azeredo da Silveira. Alguém com espírito de estadista, um articulador que exerceu grande influência. De sua posição de Chanceler, Silveira conseguiu estabelecer um diálogo, às vezes muito direto, com os diplomatas jovens. Segundo-Secretário que eu era, tinha a sensação de que, do Gabinete, o Chanceler monitorava o meu trabalho. Essa sensação que podia ter um Secretário da relevância do seu trabalho era sem dúvida muito estimulante. —

O episódio que culminou na sua sa- menos na manutenção do cargo e mais ída da opaq demonstrou a pressão no futuro da organização e do multilapolítica exercida pelos grandes fi- teralismo. Tentei, não fui bem sucedido nanciadores de organizações interna- na minha experiência, mas talvez o meu cionais. O Tribunal Administrativo da caso e a sentença proferida pelo Tribunal Organização Internacional do Trabalho da oit tenham servido de alerta aos atu(OIT) considerou ilegal seu afastamen- ais dgs, ao mesmo tempo dando-lhes a to, reafirmando o princípio da indepen- segurança de que não serão facilmente dência dos chefes de organismos inter- objeto de uma investida como a que sonacionais. Tendo isso em vista, como fri. Foi uma experiência que nem os eua garantir os princípios da independên- desejam repetir. cia e neutralidade da direção-geral — desses organismos, assim como o da O Senhor acredita ter havido um forigualdade jurídica entre seus Estados talecimento do multilateralismo desde Membros? sua remoção do cargo de Diretor-Geral Esse episódio ilustra as dificuldades com da opaq em 2002? O Senhor acredita que as organizações internacionais se de- que uma ação semelhante à daquele ano frontam, que têm a ver com o peso político seria possível atualmente? e financeiro das grandes potências. O fato O multilateralismo que nós defendemos de que os eua e o Japão, normalmente ali- passa por crises, mas acredito que uma nhados entre si, contribuam com quase ação semelhante àquela seria hoje mais 50% do orçamento das organizações inter- difícil. Fui à oit para obter uma definição nacionais lhes dá grande influência, além sobre a legalidade do que havia acontecide “poder de chantagem” sobre o Diretor- do. Tive, aliás, grande dificuldade em enGeral (DG). No meu caso, a primeira amea- contrar um advogado, em razão inclusive ça consistia em suspender o pagamento das do ineditismo do caso, pois nenhum dg hacontribuições se eu me recusasse a aban- via até então sido afastado. Quero crer que donar minha posição favorável ao ingresso o precedente de minha vitória na oit terá do Iraque na opaq. A implicação da ame- servido como obstáculo ou desestímulo a aça americana sobre a saúde financeira da possíveis novas tentativas. Evidentemente, opaq seria devastadora. Decidi lutar até o isso depende também da capacidade de fim. Sabia que teria eventualmente de dei- mobilização dos países. Meu afastamenxar o cargo, porém não estava disposto a sa- to se deu mais pelas abstenções do que crificar o futuro e a credibilidade da orga- pelos votos negativos. Se o Brasil tivesse nização apenas pela vaidade de continuar decidido mobilizar formalmente o apoio na Direção-Geral, o que me teria sido ga- (espontaneamente já existente) dos grurantido se eu permitisse a ingerência abu- pos latino-americano, africano e asiático, siva dos eua no funcionamento da opaq. eu não teria sido afastado e, sobretudo, o A melhor maneira de garantir a inde- multilateralismo teria vencido uma granpendência e a neutralidade da Direção- de batalha. Se o Brasil tivesse agido conGeral é cumprir rigorosamente com o forme a orientação histórica de sua polímandato, com os requisitos de funcio- tica externa, não teríamos perdido essa namento da organização e não se deixar chance de mobilizar forças em defesa do levar pelas pressões políticas. É pensar multilateralismo.

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A independência das organizações e a eficácia do sistema multilateral dependem também de outros fatores mais crônicos, como a representação no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Enquanto o csnu não for reformado para incluir outros agentes importantes, haverá dificuldade de equacionar os grandes problemas em bases que reflitam o espírito da Carta das Nações Unidas. A figura do Secretário-Geral da onu também deveria ser reforçada. Ele não pode ser visto apenas como funcionário administrativo, mas como líder, precisa ter certo poder de atuação política. Os poucos SecretáriosGerais que o tentaram pagaram o preço, como foi o caso de Boutros-Ghali e de Kofi Annan, em alguma medida. Da mesma forma, em qualquer organização os dgs têm um papel político a desempenhar, mas a sua capacidade de trabalho político depende do apoio dos países-membros. — Na sua opinião, qual a importância da concessão do Prêmio Nobel da Paz em 2013 à opaq? O Senhor acredita que sua atuação tenha contribuído, de alguma forma, para a concessão do prêmio? A concessão do Prêmio Nobel da Paz deu grande relevo à opaq, tirando-a das sombras. Foi uma organização que lutou, durante os seus primeiros 15 anos, para cunhar sua reputação de seriedade e independência, a despeito de enormes dificuldades. A sua própria localização, na Haia, já indicava que as potências, sobretudo os eua, a viam com certo receio. Genebra teria sido o local ideal para sua sede, pois é lá que estão lotados os grandes técnicos em Desarmamento. Na Haia, as Embaixadas geralmente não dispõem de elementos concretos ou de pessoal especializado suficiente para acompanhar as reuniões e os trabalhos da organização.

Nem a própria delegação americana tinha relevante nos processos de busca do diáloum Embaixador junto à opaq, mas man- go. O caso da crise síria é exemplar, e continha apenas uma representação técnica, firma que, se em 2010 o Iraque tivesse sido em nível equivalente ao de Conselheiro; o admitido na organização, as inspeções poEmbaixador dos eua vinha de Washington deriam ter esclarecido todas as dúvidas, lepara as reuniões, o que dificultava o co- gítimas ou não, que serviram de pretexto à nhecimento e o aprofundamento do tra- invasão do país. Os fatos confirmaram posbalho de uma organização que estava co- teriormente que as alegações eram amplameçando a operar. Colocá-la na Haia foi mente exageradas, quando não mentiroassim uma forma de restringir a sua pro- sas, e alguns dos responsáveis pelas ações jeção e a implementação da Convenção militares no Iraque foram politicamente de Armas Químicas. O Prêmio Nobel cha- condenados, tanto em seus países, como mou a atenção para o fato de que a opaq internacionalmente. Desse ponto de vista, estou convencido de que houve progresso existe, está fazendo a sua tarefa e, desde em favor do multilateralismo. Há dez anos, a sua criação, incrementou o seu número de membros e fez progressos em termos não se admitiu o recurso a uma organizada destruição dos arsenais químicos e das ção internacional para solucionar uma criinspeções em indústrias. se. Hoje, aparentemente isso aconteceu, o Sem falsa modéstia, sinto-me satisfei- que considero muito positivo. to por ter contribuído em qualquer me- — dida para esse prêmio. Participei da cria- Que papel o Senhor acredita que o ção de uma cultura para a organização, da Brasil pode desempenhar nas grandes instituição de seus métodos de trabalho, discussões internacionais contemporânão apenas administrativos, mas políticos. neas sobre paz e segurança? A despeiCriei um código de conduta para os então to do engajamento do P5+1 nas tratati211 inspetores, para fazê-los compreender vas atuais com o Irã, um novo acordo de Teerã, intermediado pelo Brasil, seque sua lealdade deveria ser para com a opaq e não para com seus países de ori- ria possível? Em que medida as condições atuais diferem da conjuntura que gem. Tenho a impressão de que as bases permitiu a assinatura da Declaração de deixadas foram aproveitadas pelos meus sucessores, ainda que tenha havido evo- Teerã (2010)? luções posteriores. De lá para cá, houve A busca da paz por meio do diálogo constiredução importante do número de inspe- tui um dos pilares da política externa brasileira, previsto até mesmo na Constituição. tores, terceirizando-se boa parte deles, a pretexto de reduzir custos; mas na verda- Isso nos credencia junto à comunidade inde ao que se visa é atender ao interesse das ternacional para atuar como criadores de grandes potências de interferir no traba- consensos, navegando no amplo espectro lho substantivo da Organização. Não obs- de posições político-ideológicas existentante tais ingerências, acredito que a opaq te. Não causa surpresa, portanto, que em ainda consegue - e felizmente - atuar de 2010 o Irã tenha aceitado a intermediação maneira independente. O Prêmio Nobel do Brasil, em conjunto com a Turquia, para foi o reconhecimento do seu trabalho e, tratar do complexo dossiê nuclear. O atumais importante, de que uma organiza- al mapa do caminho é fundamentalmente o mesmo da solução prevista no acordo ção dessa natureza pode ser instrumento

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anterior. Não se teriam perdido três anos se os eua e outros países tivessem aceitado, naquele momento, a intermediação do Brasil. Ter-se-ia poupado muito dissabor à comunidade internacional. As condições atuais, todavia, diferem das de 2010: houve uma evolução da administração democrata nos eua; o governo do Irã parece não inspirar tão pouca confiança e o país encontra-se em situação mais vulnerável, portanto mais inclinado a sentar-se à mesa de negociação. Também terá ficado mais claro para os eua o caráter multifacetado e complexo dos conflitos e tensões no Oriente Médio, em que o acirramento da divergência sunita-xiita é central na disputa do poder regional. Naturalmente, o problema não está sanado, até mesmo porque outros passivos históricos se foram acumulando. Vejo aí o início de um processo, no qual o Brasil poderá desempenhar um papel importante, indispensável mesmo, seja no contexto do Irã ou da Síria, seja no do conflito israelo-palestino e dos demais focos de tensão na região. — O Senhor acredita que o desarmamento, como um dos três pilares do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (tnp), será algum dia completamente implementado? Não haveria interesses vitais dos países nuclearmente armados em garantir sua própria segurança que inviabilizam o completo desarmamento no mundo? Não creio que o desarmamento nuclear venha a ser implementado no futuro próximo, certamente não no meu tempo de vida. Os interesses cristalizados no artigo 6º do tnp são tão fortes que seria desonesto afirmar que as potências nucleares abrirão mão desse poder em um horizonte previsível. A realidade lamentavelmente aponta no sentido contrário. Algumas potências fora do tnp continuam

a capacitar-se nuclearmente. Mais grave ainda, o tratamento é diferente para cada país que adquire essa capacidade. Há um problema ideológico, falta atitude coerente por parte das potências nucleares, o que não cria boas perspectivas. É possível alcançar acordos de redução de estoques ou de interrupção do desenvolvimento de novas armas. Por outro lado, a tecnologia alastrou-se de tal maneira que o controle do desenvolvimento desses armamentos tornou-se uma tarefa mais difícil. A capacidade letal das armas já pode ser testada por meio de projeções em supercomputadores e o controle que pode ser feito sobre isso é muito relativo. As potências nucleares encontram-se em uma zona de conforto e não há pressão suficiente para fazer com que revejam suas posições. Por outro lado, há uma percepção crescente, nas próprias potências nucleares, de que a arma nuclear representa um sorvedouro de recursos financeiros/humanos, com custos e riscos ambientais, além de baixa relevância para seus principais desafios de segurança. Os últimos casos de proliferação não ocorreram em grandes potências, mas em países instáveis e problemáticos, enquanto Estados influentes como Brasil, Alemanha e Japão optam por não desenvolver a bomba, embora tenham a capacidade industrial e tecnológica para tanto. Se o caso do Irã for bem resolvido, pela primeira vez na história não haverá um país “próximo na fila” para conseguir a bomba. Quem sabe o desarmamento nuclear então ocorrerá, se não total, pelo menos na direção de estoques nucleares reduzidos e discretos, menos pelo peso dos tratados que pela percepção dos altos custos, dos riscos e dos benefícios duvidosos da posse de grandes arsenais nucleares. O que solapa a bomba é o custo e o ridículo, não o direito, infelizmente.

Busquei fazer com que a OPAQ fosse uma organização exemplar. Ela tem uma característica que a diferencia do TNP, que foi o que mais me atraiu [...]: desarmar é objetivo tão importante quanto não-proliferar —

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— O que significa para o multilateralis- tempo até que entre nós se desenvolvesse mo ter um brasileiro na liderança de uma relação de confiança. A legislação brauma importante organização inter- sileira punia o diplomata que fosse trabanacional? Que contribuições específi- lhar em organizações internacionais. Não cas pode um(a) brasileiro(a) dar para sei se houve alteração nas regras, mas me o multilateralismo? recordo que o diplomata tinha de entrar É inegavelmente um prestígio e um trunfo em licença, saía da lista de antiguidade, depara o País ter um brasileiro na Direção- via pagar a sua própria contribuição previGeral de um organismo internacional, mas denciária como autônomo e estava excluo Brasil demorou muito para se interes- ída qualquer possibilidade de promoção sar por isso. O primeiro salto que demos durante a cessão. Insisti muito para que foi com a eleição do Embaixador Baena se alterasse a legislação. A ausência de esSoares para a oea. O seguinte fui eu, na tímulos revela a falta de percepção de que opaq. Mais recentemente, partimos para o diplomata que é indicado para organisa fao e a omc. O Brasil merece ter a dire- mo internacional também está trabalhando ção dessas organizações. Os dgs brasilei- para o Brasil. Na Haia eu era repetidamenros podem encarnar todas as característi- te visitado por Embaixadores que cobracas da nossa visão do mundo e isso só vem vam a colocação de nacionais de seus paía contribuir para o bom encaminhamento ses. Nunca recebi, durante meus cinco anos das questões, pois essas instituições são os na Direção-Geral da opaq, qualquer gesatores por excelência na solução de con- tão do meu Governo pela entrada de braflitos e litígios internacionais. Da mesma sileiros na organização, o que sempre me forma, as trajetórias pessoais e a experiên- impressionou. cia acumulada ao longo de suas carreiras — permite aos dgs contribuir segundo seu Considerando sua experiência no De­ campo de atuação. O Professor Graziano partamento de Organismos In­t er­ teve uma trajetória importante na área do nacionais, na missão brasileira junto combate à fome antes de chegar à fao. O às Nações Unidas, bem como em Postos Embaixador Roberto Azevêdo tem conhe- como Moscou e Viena, em que medida cimento aprofundado das negociações co- sua carreira no Itamaraty contribuiu merciais, o que seguramente lhe dá um para o exercício de suas funções como instrumental de peso para buscar solução Diretor-Geral da opaq? aos entraves que atualmente obstruem as Minha experiência prévia teve grande importância. Sobretudo em Nova Iorque, negociações comerciais multilaterais. Apesar do salutar interesse por liderar ganhei um conhecimento em pormenor instituições internacionais de prestígio, ain- do funcionamento de uma organização da falta ao País o entendimento de que é ne- internacional. Pude ver como atuam o cessário integrar também os quadros dessas Secretariado e as delegações, como as neorganizações com diplomatas e nacionais gociações são levadas a cabo e quão imporbrasileiros em diversas posições. Lembro- tante é o trabalho de bastidores. Quando me não ter podido contar com nenhum di- assumi a direção da opaq, sabia o que se plomata brasileiro quando atuei como dg passava, tinha noção de como as organida opaq. Tive de constituir um núcleo ape- zações funcionam, de como as delegações nas com estrangeiros e foi necessário algum perceberiam o trabalho do Secretariado e

quais seriam suas expectativas. Esse conhecimento fez-me atribuir prioridade à sensibilização do secretariado quanto a sua atitude perante as delegações. O secretariado tem de ser aberto ao diálogo e disponível. Também sabia da importância de se criar uma cultura para o secretariado administrativo, de ser transparente na prestação de contas. Um dos principais problemas em uma organização internacional é a suspeita de alguns países de que as suas contribuições não estão sendo utilizadas de maneira satisfatória. Em última instância, também contribuiu para o meu trabalho político o que eu havia aprendido com os chefes que eu mencionei no início, em termos de ética, de comprometimento com o multilateralismo e com o caminho jurídico que me orientava naquele momento. Busquei fazer com que a opaq fosse uma organização exemplar. Ela tem uma característica que a diferencia do tnp, que foi o que mais me atraiu. A Convenção de 1993 não constitui um regime discriminatório. Ao contrário, estabelece que todos os países devem ser tratados em pé de igualdade, com o mesmo rigor respeitoso: desarmar é objetivo tão importante quanto não-proliferar. O desafio de implementar uma convenção com essas características exerceu sobre mim grande sedução. Infelizmente, houve um acidente de percurso, mas eu guardo como boa recordação a certeza de que tentei e de que muitos dos frutos só vieram a aparecer alguns anos depois, legitimando uma postura que não é só minha, é da diplomacia brasileira: a igualdade dos Estados perante o direito internacional, a obrigatoriedade do respeito às regras e o recurso preferencial ao diálogo.

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Professor José Graziano da Silva Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação , FAO

juca Em que medida sua experiência aca- do mundo acadêmico, especialmente com dêmica na questão agrária tem contribuí- instituições de pesquisa nas áreas das cido para a formulação das políticas da fao, ências agrárias, das florestas e das pescas. bem como para a consecução dos objeti- Mas há uma grande diferença: o nosso conhecimento é orientado para embasar provos da Organização? Quão diferente é a realidade de um organismo internacio- postas de ação no terreno, o que nem semnal em relação ao ambiente acadêmico? pre acontece na área acadêmica. graziano A experiência acadêmica ajuda — muito! Afinal, a fao é uma knowledge or- O que significa para o multilateralismo ganization: o conhecimento que ela pos- ter um brasileiro na composição de uma sui (conhecimento próprio mas, na maioria das mais antigas e importantes organidas vezes, dos Membros) e pode comparti- zações internacionais que é a fao? Que lhar com outros é seu bem de maior valor. contribuições específicas pode um(a) Também trabalhamos muito com parceiros brasileiro(a) dar ao multilateralismo?

O Brasil tem uma reconhecida tradição de país promotor e defensor do multilateralismo. Membro fundador da onu, da fao, da oea, da omc e de tantos outros organismos e mecanismos internacionais e regionais, o Brasil sempre teve um papel de destaque por suas posições coerentes e consistentes, pela busca incansável de consensos e pela promoção de princípios políticos, éticos e jurídicos importantes para o sistema internacional. Minha eleição a Diretor-Geral da fao em 2011 (é a primeira vez que um brasileiro, e na verdade um latino-americano, ocupa tal cargo) e a do Embaixador Roberto Azevêdo na omc devem ser entendidas como uma consequência natural do papel que o Brasil vem desempenhando naquele contexto, da ascensão do país no cenário mundial e dos resultados que vem alcançando em matéria de desenvolvimento. No caso da fao – e também no caso da omc -, cabe recordar que o Brasil vem aplicando com sucesso políticas internas na área agrícola e no campo da proteção social, que buscam concatenar a sua vertente de agronegócio, de grande valor econômico e voltada principalmente ao comércio exterior, com a agricultura familiar, que visa a atender o mercado interno e tem um aspecto importantíssimo em matéria de proteção social e de segurança alimentar e nutricional. Essas experiências brasileiras de reconhecido êxito ajudaram, sem dúvida, na minha eleição e denotaram a expectativa da maioria dos Estados Membros da fao quanto ao novo rumo que desejariam dar aos trabalhos da Organização. Mas como eu disse em meu discurso em junho de 2011 ao ser eleito, eu concorri ao cargo como candidato do Brasil, mas assumi minha função como Diretor-Geral de todos os Estados Membros da fao. Como Chefe da administração da organização, é

foto fao/Alessandra Benedetti

preciso ter na devida conta o interesse co- Membros minha visão de como eu gostamum de todo o conjunto de países membros. ria de transformar a fao. Minha visão se As propostas de mudanças na fao que baseava em acentuar o foco do trabalho apresentei guardam uma relação impor- da organização, que vinha sofrendo protante com a minha própria experiência no funda fragmentação de suas atividades; Brasil como Ministro extraordinário de e em escutar mais as demandas concreSegurança Alimentar e Combate à Fome tas dos Membros e respondê-las, de fore, posteriormente, como Representante ma mais ágil e concentrada. Para isso, tiRegional da fao para a América Latina e nha como ponto fundamental fortalecer Caribe. E elas têm recebido o apoio dos os trabalhos da fao com seus parceirosEstados Membros, como se vê na aprova- -chave (as demais agências-irmãs, como ção do programa de trabalho e orçamen- o pma [Programa Mundial de Alimentos] to para o biênio 2014-2015 que submeti à e o fida [Fundo Internacional para o Conferência em junho passado. Desenvolvimento da Agricultura], a sociedade civil e o setor privado, entre ou— Há alguma personalidade, brasileira ou tros), buscar aumentar a eficiência e dar estrangeira, na qual o Senhor tenha se aos Estados Membros a clara noção do vainspirado para buscar a realização de lue for money que eles fornecem à fao. seus objetivos profissionais? Para levar isso a cabo, desenvolveMeu pai: José Gomes da Silva, é minha mos, ao longo de 2012-2013, um procesgrande inspiração. Foi um homem que so de pensamento estratégico, por meio soube combinar como poucos seus conhe- do qual definimos cinco objetivos estracimentos técnicos e científicos com a prá- tégicos e um sexto objetivo técnico, que tica do dia a dia, com a ação. Mas muitas hoje dão um foco bem definido às ativioutras pessoas me inspiraram. É uma lista dades da instituição, tendo metas que longa que começa, é logico, com Josué de vão até mesmo além do primeiro objetiCastro, que foi presidente independente vo do desenvolvimento do milênio: na 37a do Conselho da fao e colocou em evidên- Conferência da fao, realizada em junho cia que a fome não era um problema na- de 2013, os Estados Membros elevaram a tural, mas um problema político. Também primeira meta global de reduzir para erquero lembrar o sociólogo Betinho e, em radicar a fome do mundo, tal como havia especial, uma frase dele: “quem tem sido idealizado pelos próprios fundadofome, tem pressa”. Essa frase traduz com res da fao, em 1945. simplicidade a urgência que nossa ação Creio sempre importante recordar às precisa ter. pessoas que a fao, ao tratar de alimentação e de agricultura, tem competência — O primeiro dos Objetivos de De­sen­ também em temas como pesca e aquiculvolvimento do Milênio é a redução da tura, florestas, e gestão de recursos natufome e da miséria no mundo. Que ini- rais de forma geral. O desenvolvimento ciativas o Senhor tem buscado imple- sustentável é um elemento que norteia mentar, desde 2012, para que a fao possa permanentemente os trabalhos da fao nas contribuir para a realização dessa meta? questões de desenvolvimento agrícola, de Durante minha campanha para o cargo produção de alimentos, de políticas de sede Diretor-Geral, apresentei aos Estados gurança alimentar e de nutrição.

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— Sabe-se que, atualmente, a produção de alimentos é suficiente para atender às necessidades da população mundial e que a erradicação da fome passa por outros obstáculos, como a volatilidade dos preços e a concessão de subsídios agrícolas. Levando em consideração essa multiplicidade de fatores, como se dá a articulação da fao com outros fóruns, como a omc e o G-20 comercial, para a solução do problema? A fao, como instituição de conhecimento por excelência, tem um papel fundamental como geradora de estatísticas e dados e de análises, que balizam em grande medida as discussões e decisões tanto de países quanto de outras instituições internacionais, como a omc, e mecanismos de articulação política, como o G-20. Sabemos que a produção de alimentos é suficiente para atender as necessidades de toda a população, mas a produção em si não é condição suficiente para tanto. Milhões de famílias não têm condições para um acesso adequado a alimentos: temos problemas complexos de distribuição - tanto de renda (capacidade de aquisição de alimentos) quanto física (fazer o produto chegar ao consumidor) - e temos agricultores de subsistência com acesso apenas a recursos naturais degradados. Temos também problemas sérios de desperdício e de má nutrição. Ademais, considerando os cenários de conflitos em vários países, é preciso ter em conta a relação intrínseca entre paz e estabilidade, de um lado, e segurança alimentar, de outro lado; entre fome e conflito. Sem paz e estabilidade, o potencial dos setores alimentício e agrícola não será atingido; e com fome e com acesso inadequado aos recursos naturais, haverá obstáculos à paz e à estabilidade. Sobre os preços internacionais das commodities agrícolas, para evitar a repetição

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Sem paz e estabilidade, o potencial dos setores alimentício e agrícola não será atingido; e com fome e com acesso inadequado aos recursos naturais, haverá obstáculos à paz e à estabilidade. —

de episódios de alta volatilidade de preços e que podem ter graves consequências para a segurança alimentar, principalmente em países pobres e importadores de alimentos, o Grupo dos 20 (G20) instituiu o Sistema de Informação de Mercado Agrícola (amis, pela sigla em inglês). A fao lidera a secretaria desse sistema, que tem também a presença de outras agências, como a ocde, omc, Banco Mundial, pma e fida. O amis é uma ferramenta política voltada a examinar, discutir e agir, se e quando necessário, para evitar a repetição de crises de preços como as de 2007-2008 e 2011. Ademais, decidimos criar um espaço na fao, aproveitando a vinda de ministros a reuniões da organização, para promover um intercâmbio de ideias e uma discussão mais aberta ( já que nem todos os Estados Membros da fao participam do amis) sobre a questão de preços e oferta de commodities alimentícias. — Qual é a viabilidade de replicação, em escala mundial, de políticas brasileiras de combate à pobreza, como o Programa Fome Zero e o Bolsa Família? Em que medida as políticas e tecnologias sociais desenvolvidas pelo Brasil podem ser transpostas para outros países? Um dos cinco itens centrais da minha campanha em 2011 foi a proposta de incentivar a Cooperação Sul-Sul na agenda da fao. Esse item foi sempre bem recebido por meus interlocutores. Ao assumir o comando do Secretariado da fao, busquei promover os trabalhos na área de cooperação técnica, e sobretudo a Sul-Sul. Nesse campo, a maioria dos países tem algo a aportar em matéria de conhecimento de técnicas agrícolas, que podem ser replicadas ou adaptadas em outros países. O sucesso da experiência brasileira em matéria de redução da pobreza e da

insegurança alimentar nos últimos dez anos gerou um interesse global no modelo brasileiro, sobretudo as políticas sociais e de desenvolvimento inclusivo, como aquelas incluídas sob o guarda-chuva do Fome Zero, e seus mecanismos legais, institucionais (consea, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e financeiros. E o Brasil se interessou em compartilhar sua experiência com outros países, em especial no desenho e implementação dos programas de alimentação escolar e seu vínculo com a produção e o mercado local. Isso tem sido feito com êxito através da articulação com a abc [Agência Brasileira de Cooperação] e diversos ministérios. Nesse contexto, iniciativas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, Programa de Aquisição de Alimentos (paa) e o Bolsa Família estão entre os que mais despertam interesse de outros países em desenvolvimento. O modelo brasileiro que vincula alimentação escolar e agricultura familiar está sendo levado para cerca de 10 países da América Latina e Caribe e chegará em breve à África graças à colaboração com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (fnde). Com a cg-fome (Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome, do Itamaraty), o paa já está presente em cinco países africanos através do paa África e inspirou o programa Let Agogo no Haiti. A fao também está ajudando o Brasil a compartilhar a experiência do Bolsa Família em países como o Senegal. Quando eu ocupava o posto de Repre­ sentante Regional da fao para a América Latina e o Caribe, no Chile, também apoiamos a iniciativa “América Latina e Caribe Sem Fome 2025”, que contém princípios e ideias baseada na experiência brasileira do Fome Zero e, desde a primeira calc (Cúpula da América Latina e do Caribe

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sobre Integração e Desenvolvimento), rea- 3. Reduzir a pobreza rural; Num período de 36 anos, a fao teve apelizada no Brasil, em 2008, conta com o firme 4. Propiciar sistemas agrícolas e alimen- nas dois Diretores-Gerais, que ocuparam apoio dos Chefes de Estado e de Governo tares mais inclusivos e eficientes aos o cargo por 18 anos cada um. Nesse condos países da região. Posteriormente, vários níveis local, nacional e internacional; texto, há uma forte, e aparentemente inpaíses na África e Ásia se interessaram por 5. Aumentar a resiliência dos meios de contornável, tendência da burocracia a se essa experiência e têm buscado cooperasubsistência a ameaças e crises. acomodar a suas rotinas e evitar atualização brasileira, tanto bilateralmente quan- Isso deu novo ímpeto aos trabalhos da ções e mudanças. Havia uma necessidade to por meio da fao. organização. de reforma e renovação da organização. Os A cplp (Comunidade de Países de A descentralização – etapa final do pro- Estados Membros promoveram essa reforLíngua Portuguesa), por exemplo, apro- cesso de reforma da fao –, que busca dar ma, inclusive reduzindo o prazo do manvou a Declaração de Maputo, em 2012, na maior autonomia aos Escritórios regionais, dato de seus Diretores-Gerais de 6 para 4 qual se abordaram os desafios da seguran- sub-regionais e nacionais da fao, foi con- anos e limitando a possibilidade de reeleiça alimentar e se definiu uma estratégia cluída e está começando a dar frutos, em ção a uma única vez. para enfrentá-los. Em parte, o modelo de matéria de maior eficiência e de capacidaCreio já ser possível ver melhorias em gestão escolhido se aproxima do brasilei- de de resposta mais ágil às demandas dos vários aspectos do funcionamento da fao, desde a busca por mais eficiência ao foco ro, e a fao tem apoiado concretamente os Estados membros. No plano mais administrativo, foram claro em um número reduzido de objetivos trabalhos da cplp e de seus países africanos individualmente para levar a cabo essa implementados novos mecanismos e pro- estratégicos (hoje são 5 e antes passavam estratégia. Não se trata de uma mera ré- cedimentos, cabendo destacar, por exem- de uma dezena) e incluindo um comproplica, cada país fará as adaptações neces- plo, o Sistema Global de Gerenciamento de misso muito maior de escutar e responder Recursos (grms) para agilizar os procedi- às necessidades dos seus países membros. sárias às suas condições. E, na Cúpula da União Africana reali- mentos e reduzir os custos da administraEssas mudanças estão sendo vistas e zada em janeiro de 2014, os líderes africa- ção financeira da fao. Foi concluída recen- são apreciadas por diversos parceiros e nos aprovaram a meta de erradicar a fome temente uma reforma de pessoal e incluída membros da fao. Em 2011, por exemplo, na região até 2025, que também não deixa a rotação entre sede e seus postos no ex- a agência de cooperação internacional do de ser reflexo do êxito que países como o terior como uma característica natural do Reino Unido (dfid) havia avaliado a fao quadro de funcionários da organização. como uma das organizações com pior deBrasil tem tido no combate à fome. Foram aprovadas também estratégias de sempenho no seu Multilateral Aid Review — Considerando a alta demanda por po- parceria com a sociedade civil e com o se- (mar). Numa reavaliação intermediária líticas públicas de combate à fome e à tor privado, que visam a contribuir com os (mar Update) que fizeram no ano passamiséria dos países em desenvolvimento trabalhos da Organização no campo e refor- do, eles apontam uma série de melhorias e as restrições orçamentárias comuns çar sua capacidade de mobilizar recursos. na fao, o que, segundo eles, mostra que a governos e organizações internacio- Há, ainda, em curso processo para ampliar “change can happen”. nais, como eleger prioridades em seara e aprofundar a parceria da fao com instituiForam implementadas várias reformas de temas tão sensíveis e fundamentais? ções acadêmicas e de pesquisas científica. internas, mas cuja transposição para ouComo já indiquei, demos uma definição mais — tras agências internacionais caberia ser clara e mais concentrada ao foco da fao, es- O Senhor atuou de forma decisiva na re- analisada com cautela, em função das próforma interna da fao. Quais foram os prias especificidades de cada uma. Talvez tabelecendo cinco objetivos estratégicos: 1. Contribuir para a erradicação da fome, maiores obstáculos na concretização o maior aprendizado que se possa ter da da insegurança alimentar e da má desse processo? Já é possível detectar experiência da fao se resuma à conclusão nutrição; melhorias no trabalho da organização? que o dfid chegou no ano passado: “chan2. Aumentar e melhorar o fornecimento O Senhor vislumbra algo nesse proces- ge can happen”. de bens e serviços da agricultura, flores- so que poderia ser transposto para outas e pescas de uma forma sustentável; tros órgãos do Sistema onu?

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Embaixador Roberto Azevêdo Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio, OMC

juca Como a experiência no Instituto Rio Branco contribuiu para a sua formação diplomática? azevêdo O Instituto Rio Branco (irbr) contribuiu de maneira extraordinária para a minha formação como diplomata. Tendo estudado engenharia elétrica, foi no Rio Branco que estive exposto pela primeira vez a elementos que estão na base da formação dos diplomatas. Diferentemente de outros colegas, antes do Rio Branco eu havia me dedicado basicamente a projetos de geração e distribuição de energia elétrica. Foi no Rio Branco que adquiri a base

econômica e a base jurídica que marcaram a minha carreira. Ali tive minha primeira aula de direito e, ao longo da minha trajetória como diplomata, vim a me tornar defensor dos grandes casos do Brasil no sistema de solução de controvérsias da omc. Não tenho a menor dúvida de que minha formação no irbr está intimamente ligada ao que sou hoje. Entendo que isso possa soar exagerado às pessoas que estudaram áreas afins ou foram mais expostas à carreira antes de ingressar no Rio Branco. Engenheiro por formação, o Rio Branco foi para mim – repito – extraordinariamente importante.

— Grande parte de sua carreira foi dedicada a assuntos econômicos e financeiros. Antes de servir em Genebra, por exemplo, o Senhor foi Coordenador-Geral de Contenciosos, Diretor do Depar­ tamento Econômico e SubsecretárioGeral de Temas Econômicos e Fi­­nan­­ceiros. O que levou o Senhor a especializar-se em temas econômicos ao longo de sua carreira? A partir de sua trajetória, como o Sr. enxerga a discussão sobre generalistas e especialistas na carreira diplomática? A aproximação com a área econômica aconteceu para mim de forma natural. Minha formação em ciências exatas talvez explique uma inclinação para esta área, na qual, com o tempo, fui adquirindo maior desenvoltura. O trabalho realizado em temas econômicos fez com que eu fosse sendo chamado a assumir novas responsabilidades nessa área. A construção da minha carreira na área econômica foi portanto um processo natural, e não algo planejado. As oportunidades e os desafios é que foram surgindo nesse campo, a partir das experiências anteriores. A respeito da discussão sobre generalistas e especialistas, entendo que seja natural haver diplomatas com perfis distintos, e entendo também que isso fortalece o corpo diplomático. Especialistas e generalistas se complementam. Até porque o especialista não é apenas um técnico, e o generalista não é necessariamente superficial. Ambos têm os instrumentos de formação necessários para atuar em áreas novas e para aprofundar seus conhecimentos em um tema específico quando isso for demandado. Em várias áreas, caso o Itamaraty queira seguir sendo relevante, a especialização é absolutamente necessária. Pela minha própria experiência, posso afirmar que

foto wto/Studio Casagrande

solução de disputas comerciais é uma dessas áreas. Ou o Itamaraty tem diplomatas especializados nisso, ou, com o tempo, corre o risco de deixar de fazer este trabalho. O sistema certamente se beneficia dos dois perfis. A carreira permite que as pessoas busquem seus interesses e construam suas próprias trajetórias – isso é bom para os diplomatas e bom para o Itamaraty. O  corpo diplomático se fortalece com perfis distintos e complementares. — Como o Senhor avalia a proliferação de acordos regionais preferenciais de comércio? Em que medida eles facilitam ou prejudicam a liberalização do comércio em escala global? Esse é um tema importante e perguntas nessa linha são recorrentes. Tenho lembrado aos meus interlocutores que o sistema multilateral sempre coexistiu com acordos preferenciais de comércio. Na origem do gatt, em 1947, já se reconhecia a existência de acordos preferenciais de comércio, regionais ou não. Os britânicos tinham então uma ampla rede de preferências comerciais e a união aduaneira entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo, que está na origem do processo de integração europeu, havia sido constituída em 1944. Esta realidade não foi ignorada pelos negociadores do gatt 1947, que estabeleceram, no entanto, os parâmetros para a compatibilidade dos acordos regionais com as regras multilaterais. Nesse contexto, tenho observado que, em si, os acordos preferenciais não são uma ameaça ao sistema multilateral de comércio. O que preocupa não é o avanço dos acordos preferenciais, mas sim a paralisia das negociações multilaterais. Desde criação da omc, em 1995, o sistema multilateral de comércio praticamente não havia sido capaz de viabilizar a adoção de novas regras comerciais. O

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resultado positivo em Bali, em dezem- Em primeiro lugar, a liberalização comerbro de 2013, mudou este cenário, com a cial em caráter não-discriminatório é semconclusão de um novo acordo (Acordo de pre preferível em termos econômicos. Além Facilitação de Comércio) e a adoção de disso, há alguns temas que, pela sua própria novas disciplinas em outras áreas. Ainda natureza, apenas podem ser disciplinados assim, é necessário que as negociações num ambiente multilateral (refiro-me aqui, multilaterais avancem mais rapidamen- por exemplo, a subsídios agrícolas). te e o sistema possa contar com regras Todos os Membros, independentemenatualizadas, que respondam de maneira te do tamanho ou dos interesses, reconhemais adequada às necessidades do mun- cem que o sistema multilateral é o único que do de hoje. Novamente, o que preocupa permite ganhos globalizáveis e que a omc é é o risco de haver uma defasagem exces- chave para a governança econômica global. siva entre as regras multilaterais e os ar- — Durante a Ministerial de Bali, concluiuranjos preferenciais. Com uma boa dose de realismo, é pre- -se o primeiro acordo comercial na omc ciso reconhecer, ainda, que o sistema mul- em quase vinte anos. Da perspectiva da tilateral de comércio raramente esteve na Direção-Geral, quais foram os maiores vanguarda da definição de novas disciplinas obstáculos para a conclusão do Pacote comerciais. Novas fronteiras são mais facil- de Bali? Quais elementos o Senhor elenmente exploradas em configurações meno- caria como fundamentais para o êxito res, onde muitas vezes a convergência de das negociações? interesses entre participantes é maior. Em A dificuldade inicial para a conclusão do acordos preferenciais aprofundam-se re- pacote de Bali foi a descrença, que reinagras sobre temas já cobertos pelo sistema va em Genebra, sobre a possibilidade de multilateral e adotam-se regras para novos conseguirmos um resultado positivo para temas. É natural que isso ocorra. as negociações. Várias tentativas anterioEssa dinâmica muitas vezes até facili- res haviam fracassado e a omc nunca hata as negociações que ocorrem no plano via concluído um acordo desde sua criação. multilateral. Várias disciplinas existenAssumi a Direção-Geral da omc a três tes nos acordos da omc encontraram ins- meses da Conferência Ministerial de Bali. piração em experiências de acordos regio- O rascunho de facilitação de comércio, por nais. A omc, no entanto, oferece uma base exemplo, tinha naquele momento cerca normativa comum, compartilhada por 160 de 700 colchetes. Para outros temas, não países, o que é um ativo inestimável para havia nem mesmo um primeiro rascunho estimular o comércio mundial. A composi- (como algodão, por exemplo). ção quase universal da omc permite que os Eu diria que, talvez mais que as dificuldadividendos das negociações multilaterais des técnicas da negociação, o primeiro obstásejam sempre expressivos, mesmo que o culo foi mudar o ambiente em Genebra e faavanço ocorra de forma progressiva. zer os negociadores realmente acreditarem Gostaria ainda de chamar atenção para que desta vez seria possível. Naturalmente, o fato de que mesmo os países mais envol- vencida essa barreira, várias outras surgividos em acordos preferenciais reconhe- ram – e foram superadas – até poucas hocem a importância de um sistema mul- ras antes da Cerimônia de En­cerramento da tilateral forte. Há boas razões para isso. Conferência Ministerial em Bali.

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Vários elementos respondem pelo sucesso de Bali. O caráter transparente e inclusivo das negociações é certamente um deles. Todos tiveram voz. O processo foi mais lento e penoso, mas isso certamente contribuiu para viabilizar o consenso. Além disso, todos os países tiveram ganhos, inclusive os menos desenvolvidos. Flexibilidade e criatividade também prestaram sua contribuição para o sucesso de Bali. O envolvimento das Capitais durante o processo negociador em Genebra e a participação direta dos Ministros em Bali foram da mesma maneira essenciais para o resultado obtido. Em suma, o engajamento político mostrou-se indispensável. Finalmente, eu destacaria a importância central do realismo para o sucesso de Bali. Expectativas realistas permitiram um resultado com o qual todos os Membros puderam conviver. Ninguém obteve tudo o que gostaria, mas tampouco de ninguém se exigiu o impossível – e, ainda assim, obtivemos resultados bastante significativos para o comércio mundial. Todos esses elementos fazem parte de um acervo importante de lições que trouxemos de Bali para as negociações que agora ocorrem em Genebra, e que certamente adquiriram fôlego novo. — Ao longo dos anos, tornou-se forte a percepção de que o sistema de solução de controvérsias da omc havia passado por uma hipertrofia em relação ao papel da organização na criação de novas regras de comércio ou na mudança das existentes. Nesse sentido, uma das grandes ameaças à omc seria o de que a organização fosse reduzida a pouco mais do que seu sistema de solução de controvérsias. Em sua opinião, qual o papel de Bali na revitalização da omc como instância negociadora? Qual seria

a importância do multilateralismo para o comércio? Bali inaugura uma nova etapa para a omc. Com os resultados positivos da 9ª Conferência Ministerial, as negociações comerciais na omc são revitalizadas e, com isso, abrem-se novas perspectivas para a atualização de disciplinas comerciais. Ao longo desses meses de negociação, não hesitei em expressar aos Membros minha visão sobre as consequências desastrosas do eventual fracasso em Bali. A omc, sim, continuaria existindo, mas as negociações comerciais passariam por um longo período de hibernação, o que faria com que as regras se tornassem cada vez mais desatualizadas. Um acervo normativo excessivamente desatualizado naturalmente coloca em risco a relevância das próprias regras. Ainda assim, qualquer que fosse o resultado de Bali, o sistema de solução de controvérsias seguiria sendo muitíssimo importante. A propósito, o mecanismo de resolução de disputas da omc – de caráter obrigatório, de acionamento automático e com “dentes” – é o principal ganho da Rodada Uruguai e conferiu enorme visibilidade à Organização. O número elevado e crescente de disputas levadas ao mecanismo é sinal de sua credibilidade diante dos Membros e da importância que eles lhe atribuem. Naturalmente, com as novas perspectivas de negociação a partir de Bali, também este braço da omc ganha à medida que, no futuro, estaremos julgando disputas à luz de regras mais modernas, e não daquelas concebidas nos anos 1980 e 1990. Além desta contribuição objetiva das negociações para as disputas, o resultado positivo em Bali contribui, de forma geral, para fortalecer o multilateralismo

Flexibilidade e criatividade costumam ser atribuídas aos brasileiros. [...] Essas são habilidades preciosas para a OMC ou para qualquer organização multilateral. —

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comercial e, por consequência, todas as habilidades são ativos importantes na confunções da omc saem revigoradas dessa dução de negociações multilaterais, coConferência Ministerial. merciais ou não. Finalmente e em especial em relação — O que significa para o multilateralis- à omc, eu diria que o fato de ser brasileimo ter um brasileiro na liderança de ro contribuiu para inspirar confiança no uma importante organização inter- mundo em desenvolvimento de que novas nacional? Que contribuições específi- práticas seriam adotadas na Organização, cas pode um(a) brasileiro(a) dar para sobretudo em termos de transparência e o multilateralismo? abertura, e de que a agenda do desenvolO Brasil tem grande tradição no multila- vimento não seria abandonada. teralismo. A participação brasileira costu- — ma ser sempre muito respeitada em fóruns À época de sua eleição para a Direçãomultilaterais, por vários motivos. Em pri- Geral da omc, a imprensa veiculou crímeiro lugar, há a competência técnica dos ticas à sua capacidade de atuação innegociadores brasileiros, aliada à capaci- dependente como Diretor-Geral da dade de aproximar visões e construir con- Organização, tendo em vista sua funsenso. Ademais, o Brasil é conhecido por ção anterior como Chefe da Delegação posições políticas razoáveis e construtivas. Brasileira junto à omc. Como o Senhor Isso permitiu que o País tivesse no- enxerga o surgimento dessas crímes de destaque na história do multila- ticas? Como optou lidar com esses teralismo – e prefiro não fazer referência questionamentos? a nenhum em particular para não cor- Considerando minhas responsabilidades rer o risco de cometer injustiças. Parece- profissionais à época da campanha, não me natural que mais brasileiros venham surpreende que este tenha sido um ponto a ocupar posições de liderança em orga- levantado pela imprensa. Honestamente, nizações multilaterais e, como consequ- essa crítica não me pareceu muito reência, possam contribuir para o fortale- levante. No processo de seleção para a cimento do multilateralismo a partir de Direção-Geral da omc, praticamente tooutra perspectiva, que não a de delega- dos os candidatos tinham naquele momento ou haviam tido anteriormente vínculos do do seu país. Talvez os Membros da omc estejam com seus governos. O fato de ser Chefe da Delegação Bra­ em melhor condição que eu para falar o que significa ter um brasileiro à frente da sileira veio a mostrar-se antes um ativo Organização. Flexibilidade e criatividade que um passivo da candidatura. Em pricostumam ser atribuídas aos brasileiros. meiro lugar, minhas atribuições profisNão sei o quanto disso trago comigo, mas sionais me faziam conhecido em Genebra. é certo que essas são habilidades precio- Negociadores de todos os países estasas para a omc ou para qualquer organi- vam habituados a conviver e a trabazação multilateral. lhar comigo. Minha trajetória de atuaComo brasileiro, mas especialmen- ção como diplomata brasileiro junto à te como diplomata, aprendi ao longo da omc não apenas me fez conhecido neste minha carreira a lidar com as diferen- meio, mas também reforçou minhas creças e a construir pontes de diálogo. Essas denciais para a posição de Diretor-Geral.

Talvez de forma mais evidente que outros candidatos, eu era visto como alguém que poderia contribuir para o processo negociador, paralisado então há vários anos. Ao final, o tipo de vínculo que eu tinha com o Brasil me permitiu ser percebido pelos Membros como alguém que conhecia profundamente os temas em negociação, que ajudava na formação de consensos e que reconhecia o valor da omc e do multilateralismo.

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Juíza Sylvia Steiner Membro do Tribunal Penal Internacional, TPI

juca A Senhora formou-se em Direito e antes de assumir o cargo de  desembargadora no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, exerceu a advocacia e atuou no Ministério Público Federal.  Como surgiu seu interesse pelo Direito Internacional Público?  Em que medida sua carreira no Brasil contribuiu para o exercício de suas funções no TPI? steiner Como dito na própria pergunta, exerci, na minha trajetória profissional, funções de advogada, de Ministério Público e de Juíza. Com certeza, essa

soma de experiências teve uma papel fundamental na minha formação e, também, na escolha de meu nome como candidata brasileira à função de juiz do Tribunal Penal Internacional. Ao lado da experiência profissional, também a contínua militância na área de proteção a direitos fundamentais pesou, com certeza, na minha eleição. Minha experiência profissional, aliada à minha vivência e militância em direitos humanos, por certo contribuem para o exercício diário de minhas funções judiciais no TPI. Afinal, foram trinta anos de preparação… —

Há alguma personalidade, brasileira ou estrangeira, na qual a Senhora tenha se inspirado para buscar a realização de seus projetos profissionais? Muitas pessoas tiveram uma importância muito grande nas minhas escolhas, na eleição de meus projetos de vida. Para mencionar apenas alguns – e me perdoem os que não forem mencionados – citaria o Prof. Cançado Trindade, hoje Juiz da Corte Internacional de Justiça, que tive o prazer de conhecer em Costa Rica, quando fui convidada para fazer o curso interdisciplinar de Direitos Humanos. Meus companheiros de Comissão Justiça e Paz de São Paulo o ex-Secretário Nacional de Direitos Humanos José Gregori, o advogado e ex-Ministro da Justiça José Carlos Dias, e o advogado e ex-Secretário de Justiça de São Paulo, Belisário dos Santos Junior. Gostaria também de mencionar Dona Helena Pereira dos Santos, já falecida, uma costureira humilde e cheia de energia que fundou e dirigiu o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. A advogada miltante Alice Soares Ferreira, que me iniciou na prática da defesa intransigente dos presos pobres, carentes de justiça. Há muitas outras pessoas, a quem devo o fato de ser o que hoje sou... — A eleição para o Tribunal Penal Inter­ nacional foi o reconhecimento de uma longa carreira dedicada ao estudo do direito penal e dos direitos humanos.  Após mais de uma década na Haia, quais aspectos do trabalho no TPI a Sra. consideraria mais gratificantes? Houve frustrações em relação ao que a Senhora esperava desempenhar? Após esse período, quais as lições a Sra. leva dessa experiência? O aspecto mais gratificante foi, sem dúvida, o de participar da construção deste tribunal. De atuar como juíza nos seus

foto icc-cpi/Hans Hordijk

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primeiros casos. De criar a primeira juris- confiáveis, sérios, extremamente dedica- violência contra mulheres e crianças. Em prudência, fazendo prevalecer o modelo dos, capazes, flexíveis e ao mesmo tempo situações de conflito armado, na atualihíbrido pretendido pelo legislador, ao in- firmes. Enfim, creio que em todas as áre- dade, não há dúvidas em que mulheres e vés de deixar que os procedimentos sim- as a presença de profissionais brasileiros é crianças sofrem duplamente, são duplaplesmente seguissem o molde de prefe- bem-vinda, e o resultado de suas atuações mente vitimizadas; pelo conflito, e pela rência de um ou outro juiz vindo de um é notado. Especificamente em relação ao violência específica que se traduz, entre ou outro sistema legal. Também o primei- meu tribunal, o multilateralismo é uma das outros, pelo recrutamento e utilização de crianças como soldados e seu envolvimenro contato com um sistema único e inova- bases de sua legitimidade. Um tribunal que dor de participação de vítimas no proce- se pretende internacional, e que pretende to em combate, e a vitimização da mulher dimento, algo extremamente importante representar os interesses da comunidade através do estupro e outros atos de violênprincipalmente por tratarmos de crimes internacional – melhor dizendo, da huma- cia sexual, como forma de dominar e huperpetrados contra um número enorme de nidade- tem que ser multilateral, tem que milhar o inimigo. Num cenário mais amvítimas. Frustrações? Algumas, com certe- assegurar a diversidade, tem que respeitar o plo, ainda que em tempo de paz, podemos za. Assistir, por vezes, à falta de uniformi- equilíbrio de gênero, de distribuição geográ- lembrar que mulheres são vitimizadas diadade de entendimentos, à desconstrução fica, de sistemas legais. Não consigo imagi- riamente, pelas mais diversas formas, e de modelos cuidadosamente elaborados, nar uma instituição que determine, em sua em todos os cantos do mundo. Na família, a exemplo, o de participação de vítimas. composição, a presença latinoamericana, no trabalho, não importa. É por isso que, Sucessivos cortes orçamentários também sem que se assegure a presença brasileira. a meu ver, devemos estimular a presença tiveram um impacto negativo na celeri- Somos, geograficamente, latinoamericanos, cada vez maior de mulheres nas diversas dade dos procedimentos. Aliás, o maior mas distintos da América Latina de língua instituições, nacionais ou internacionais, motivo de frustração é, sem dúvida, a di- espanhola. Nosso país tem dimensões conti- mas de mulheres que estejam engajadas ficuldade em acelerar ainda mais o pro- nentais, uma cultura própria, uma tradição em contribuir na luta contra a violência e cedimento. Das alegrias e das frustrações jurídica própria, enfim, a presença brasilei- a discriminação contra outras mulheres. resultam as lições aprendidas. O primeiro ra deveria somar-se à presença de outros re- — caso que conduzi na fase preliminar teve presentantes da América Latina. Em que medida as discussões em uma demora muito maior que o segundo, e — Kampala e a inclusão do crime de agreso terceiro bem menor. Aprendemos a con- A Senhora acredita que a presença de são na competência do TPI contribuem tornar as dificuldades logísiticas, a falta mulheres na composição do TPI dota o para o desenvolvimento e promoção do de pessoal, e a assegurar um juízo justo Tribunal de uma perspectiva diferen- Direito Internacional? apesar das dificuldades. Você passa a se ciada, por exemplo em casos de cri- Não podemos ignorar que vivemos num ver como um juiz melhor, mais prepara- mes de guerra relacionados à violência momento de profundas mudanças no direido para enfrentar o que vier pela frente... contra mulheres? Nesse sentido, qual to internacional. O modelo clássico de sécudeve ser o papel da mulher no mundo lo passado já não atende às necessidades da — O que significa para o multilateralismo contemporâneo? comunidade internacional. Mesmo o moter uma brasileira na composição de um Desde sua primeira composição, o TPI delo do pós Segunda Guerra já dá sinais de Tribunal Internacional de tamanha re- tem uma representação de gênero bas- cansaço. O indivíduo, a pessoa, passou a ser levância? Que contribuições específi- tante significativa. Entre os juízes, hoje detentor de um direito próprio, individual, cas pode um(a) brasileiro(a) dar para a maioria são mulheres. Como norma de em face do direito internacional, o que ano multilateralismo? recrutamento de funcionários, também se tes seria impensável. A afirmação de direiO Brasil tem um papel significante no cená- exige preservar o equilíbrio de gênero. O tos individuais oponíveis aos Estados, e da rio internacional. E temos profissionais, em Estatuto de Roma exige o equilíbrio de gê- comunidade internacional – a humanidatodas as áreas, de um gabarito excepcional. nero, mas também exige que todos os can- de – como sujeito de direito internacional, Pelos exemplos que tenho visto ou ouvido didatos ao cargo de juiz demonstrem ex- provocam uma revisão radical nos institucomentar, os brasileiros são considerados pertise em temas relativos, entre outros, à tos clássicos do direito internacional. Hoje,

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eu não perderia tempo discutindo monis- jurisdição primária em caso da acorrênmo ou dualismo. Os desafios do novo direi- cia de crimes internacionais em seus territórios ou perpetrados por seus nacionais. to internacional são outros. A inclusão do crime de agressão no Estatuto de Roma é só — mais um exemplo desse novo direito inter- A Senhora acredita que o instituto do amicus curiae poderia contribuir para o nacional, esse que legitima a comunidade internacional e reafirma a responsabilida- fortalecimento do TPI e aproximá-lo da de individual perante o direito internacio- sociedade civil? Como o Tribunal vê a nal. Nenhum Estado pode ter o monopólio possibilidade dessas manifestações exde decidir sobre a existência de um crime ternas nos crimes de sua competência? internacional, ou sobre a punibilidade dos Eu, pessoalmente, vejo a contribuição de entidades da sociedade civil, entidades responsáveis. públicas, e mesmo de pessoas tais como — Quais seriam os maiores obstáculos à professores, profissionais de áreas espeuniversalização do TPI? Como seria pos- cializadas, como altamente positiva em sível obter maior aceitação do Tribunal termos de contribuição para um melhor por países que ainda não assinaram nem tratamento dos casos que estão sob apreratificaram o Estatuto de Roma? ciação dos juízes. Creio que, de maneira Apesar de ter sido criado há dez anos, o TPI geral, a maioria dos juízes vê a participacomeçou a funcionar judicialmente, de fato, ção de amicus curiae como algo positivo. há pouco mais de seis anos. É ainda um re- Por outro lado, o instituto do amicus curiae, cém nascido. Enfrenta ainda a desconfina- como o próprio nome indica, destina-se ça de certos Estados, que temem por sua a trazer informação especializada aos jupolitização. Acho compreensível essa des- ízes, àqueles que vão julgar. Temos, porconfiança, mas tenho a certeza de que será tanto, que ter muito cuidado para que esse superada na medida em que o TPI conti- instituto não se desvie de seu objetivo, e nue a desempenhar suas funções da for- seja usado como instrumento de pressão, ma independente e imparcial com que tem de autopromoção, ou com objetivos políatuado. Estou entre aqueles que acreditam ticos. Há que se examinar sempre, caso a que o exemplo é muito mais eficaz e con- caso, a oportunidade e a conveniência de vincente que o discurso. A legitimidade do autorizar-se a participação de terceiros TPI já está reconhecida pelas mais de 120 nos procedimentos. ratificações do Estatuto. Pouco a pouco, e — na medida em que seu trabalho, sua inde- Quais são os maiores desafios do Tribunal pendência e sua imparcialidade se tornem Penal Internacional na atualidade? São muitos, mas principalmente o de esfatos cada vez mais incontroversos, mais e tabelecer-se como uma instância judicial mais Estados ratificarão o Estatuto e, mais de caráter universal. Ampliar o número de importante do que isso, implementarão as normas do Estatuto em suas legislações Estados Partes, incentivar e colaborar com internas. O maior objetivo do Estatuto, a a implementação do Estatuto na legislação meu ver, é fazer com que os Estados pas- interna dos Estados. Internamente, agilizar sem a prever, em suas legislações internas, os procedimentos, aumentar o número de os crimes previstos no Estatuto, e se capa- juízes e de funcionários para que mais cacitem para exercerem, eles mesmos, sua sos possam ser julgados simultaneamente.

Contribuir para que as regras de procedimento, elaboradas e aprovadas há mais de dez anos, se adaptem à jurisprudência já firmada, ainda que sejam necessárias emendas às regras existentes, mas evitando as emendas casuísticas que possam trazer a quebra, o desequilíbrio do sistema pensado pelo legislador. Selecionar novos juízes que comprovem ter experiência profissional em lidar com o direito penal e processual penal. Incentivar cada vez mais os programas de divulgação das atividades do Tribunal, por exemplo, ampliando o número de comunidades aptas a seguir as audiências por meio de transmissão audiovisual. Incrementar cada vez mais a participação efetiva de vítimas nos procedimentos. Ampliar o número de Estados envolvidos no programa de proteção de testemunhas. Fortalecer um sistema de comunicação mais direta e eficiente com representantes da Assembléia dos Estados Partes. Bem, são tantos os desafios que creio já ter dado exemplos suficientes. Espero, sinceramente, que todos e cada um façam a sua parte no esforço de fortalecimento do Tribunal Penal Internacional. ————— A seguir, trechos da decisão tomada por Steiner, atuando como Juíza Singular, em 13 de maio de 2008, no caso Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, o qual se insere no contexto de ataques ocorridos no distrito de Ituri, na República Democrática do Congo (RDC). No caso, é levantada a questão dos direitos processuais das vítimas perante o Tribunal Penal Internacional. Observase, na decisão, a preocupação em conferir um papel significativo às vítimas nos processos perante o tpi, tendo em vista seus direitos à justiça e à verdade, assim como a importância de atingir objetivos

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importantes do Tribunal, como o de disseminar uma cultura de responsabilização por violações de direitos humanos. — “O Juiz Singular observa que o Procurador, bem como as defesas de Germain Katanga e de Mathieu Ngudjolo Chui, afirmou que não deve ser permitido àqueles aos quais foi concedida situação processual de vítima na fase de instrução do caso em apreço discutir as evidências ou questionar uma testemunha em relação a questões que dizem respeito à culpa ou inocência dos suspeitos, porque, de acordo com o Procurador e as duas defesas, essas questões não são diretamente relevantes para os interesses das vítimas. Primeiramente, o Juiz Singular observa que a proposição do Procurador e das defesas é contrária aos mais recentes estudos empíricos realizados acerca das vítimas de graves violações dos direitos humanos, os quais mostram que a principal razão pela qual as vítimas decidem recorrer aos mecanismos judiciais que estão disponíveis para elas contra aqueles que as vitimaram é ter uma declaração da verdade pelo órgão competente. A esse respeito, o Juiz Singular sublinha que o interesse principal das vítimas na determinação dos fatos, na identificação dos responsáveis ​​e na declaração de sua responsabilidade está na raiz da estabelecido direito à verdade para as vítimas de grave violações dos direitos humanos. O Juiz Singular também observa que os estudos empíricos acima mencionados mostram que a grande maioria das vítimas deseja ter aqueles que os vitimaram processados, julgados e condenados, e submetidos a alguma punição. Em outras palavras, os interesses das vítimas vão além da determinação do que aconteceu e da identificação dos responsáveis, e se estendem até garantir um certo

grau de punição para aqueles que são responsáveis pela ​​ perpetração dos crimes em função dos quais eles sofreram danos. Esses interesses – quais sejam, a identificação, o julgamento e a punição daqueles que as vitimaram, impedindo sua impunidade - estão na raiz do consolidado direito à justiça para as vítimas de graves violações dos direitos humanos, que os organismos internacionais de direitos humanos se diferenciaram do direito das vítimas à reparação. (…) Além disso, o Juiz Singular considera que a participação daqueles aos quais foi concedida a situação processual de vítima no debate probatório realizado na audiência de confirmação também será significativa para alcançar outros objetivos importantes do Tribunal. (…) Em primeiro lugar, na opinião do Juiz Singular, tal participação será uma ferramenta importante para garantir que certos traços culturais e percepções que são específicas para a RDC, em geral, e para a região de Ituri, em particular, sejam levados em consideração pela Câmara ao avaliar as provas. Em segundo lugar, o Juiz Singular também considera que essa participação - juntamente com os esforços envidados pelo Tribunal para divulgar o processo através de vários meios técnicos – aproximará os processos conduzidos na sede da Corte, em Haia, dos habitantes da região de Ituri. Isso fortalecerá a legitimidade dos processos judiciais em tal área e aumentará a eficácia da função do Tribunal de disseminar uma cultura de responsabilização por violações de direitos humanos.”

Os brasileiros são considerados confiáveis, sérios, extremamente dedicados, capazes, flexíveis e ao mesmo tempo firmes. —

entrevistas

Paulo Vannucchi Membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos , CIDH

juca O Senhor tem formação em jornalismo, ciência política, e, antes de assumir as funções no Instituto Lula, o Senhor foi Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como o Senhor acha que sua trajetória pode contribuir para suas funções na Comissão Interamericana de Direitos Humanos? vannucchi Começo respondendo que minha trajetória pessoal, profissional e política é um pouco peculiar, no sentido de que eu nunca exerci, como é a regra ampla, na profissão, uma trajetória que leva a algum lugar.

A minha história é uma história de militância política, que começa ainda muito jovem na resistência à ditadura. Quando saí da prisão, já estava pensando na formação universitária como busca de emprego, sobrevivência. Estava começando o terceiro ano de medicina quando fui preso e, posteriormente, ao voltar à faculdade de medicina, não senti que aquilo se encaixava com meu momento de vida. Queria fazer algo mais rápido e com mais chance de retorno, pois estava casando e queria ter filhos. Foi assim que optei pelo jornalismo. Escrevi o tempo todo, desde pequeno, e escolhi jornalismo

porque queria ir para uma escola compatível com algo que já era uma aptidão, aprender regras. A ciência política veio em um momento em que eu queria revisar toda a formação política. Havia acontecido a queda do Muro de Berlim e eu tinha enormes indagações e angústias acerca do que restaria do socialismo. Dessa forma, eu fiz um mestrado longo, de seis anos, para rever todo o estudo anterior da época dos 18 anos. Essa formação foi muito importante para uma reciclagem em minha vida, no sentido de promover com mais facilidade a adequação daqueles valores de 1968: por um lado, o mundo em revolução, Che Guevara morrendo na Bolívia em outubro de 1967 e chamando a juventude a participar, o Vietnã expulsando os norte-americanos, a Primavera de Praga; por outro, a resistência armada no Brasil, eu com 17 ou 18 anos, parte da organização de [Carlos] Marighella, muito consciente das dificuldades da conjuntura, dos equívocos da ação clandestina, da resistência armada, e como Franklin Martins gosta de dizer, não cometemos o maior dos erros que teria sido não lutar. E livres desse erro, erramos, mas acertamos também, porque ajudamos a construir esse Brasil novo que nasce agora. Então se tratava de ter capacidade – que muita gente não teve – de se distanciar de esquemas analíticos daquele passado, o mundo da Guerra Fria, e suportar bem o desfecho de 1989, com a pulverização do bloco soviético e o fim de uma experiência socialista. Quanto aos direitos humanos, no processo de candidatura à Comissão, meu histórico em relação ao tema foi resumido como o de uma pessoa que reúne três perfis: vítima, militante e agente do Estado (por ter sido Ministro durante cinco anos). Também fui presidente do Instituto Cidadania, que é o atual Instituto

foto Brizza Cavalcante (Câmara)

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Lula, onde desenvolvemos importantes No nosso contexto regional, o Brasil da democracia e, por extensão, dos direitrabalhos de políticas públicas, como o é um país que ostenta o ideal de reconci- tos humanos. Fome Zero e o Projeto Juventude. Nesse liação mais do que países vizinhos. Quem — currículo profissional, também tenho que luta pelos direitos humanos, também luta Como o Senhor acha que o Sistema registrar a experiência do Brasil Nunca pela paz, e tem que tentar promover essa Interamericano contribuiu para conMais, um trabalho profissional muito pe- reconciliação – com justiça, claro. A recon- solidar a democracia e a expansão dos culiar – era um trabalho clandestino, nem ciliação enfrenta dificuldades até de mi- direitos humanos nas Américas? em casa eu dizia o que era. litantes de direitos humanos que dizem: Em 1979, a Comissão Interamericana fez Considero que é sim uma vida que “não quero reconciliação, quero justiça”, uma visita à Argentina, em plena ditaduajuda a estar agora na Comissão Inter­ sem perceber que, caso se pense apenas ra, e o Governo, à época, autorizou a viamericana de Direitos Humanos, com em justiça, sem nada de reconciliação, há sita querendo manejá-la, manipulá-la. essa percepção de multilateralidade da o risco de seguir na linha da pena de talião: A Comissão, que foi fundada em 1959, foi verdade e com a percepção de que, na olho por olho, dente por dente. Ressalto refundada em 1979 justamente com a visiafirmação dos direitos humanos, tem que que essa reconciliação deve ser feita com ta ao país, pois ela não aceitou a armadilha ser exercido não só um papel de atenção responsabilidade, com os processos, jul- da ditadura argentina. Pelo contrário, dee de cobrança. Nos direitos humanos, o gamentos e condenações devidas. nunciou o regime autoritário e a ditadura instrumento de luta nunca é o arpão ou Quanto ao que no Brasil nós tratamos argentina começou a perder força, a ponto o tridente; tem que levar em conta o ou- como vício e doença brasileira, o brasilei- de fazer a aventura das Malvinas em 1982 tro lado, precisamos também ouvir. Minha ro cordial do Sérgio Buarque, eu sempre e, posteriormente, a transição. A Comissão formação profissional foi essa, e na campa- chamo a atenção para o fato de que não é que existia de 59 até 79 era quase que uma nha, acho que o que contribuiu muito foi só problema. Na vida as coisas são assim: “pré-Comissão”; ela ainda não tinha encondizer que o Brasil é o único país da oea que aquilo que compõe a virtude de uma pes- trado seu verdadeiro papel. Cabe recordar tem ampla condição de diálogo com todos. soa também compõe o vício, e vice-versa. que, quando ela nasce em 1959, ela não tiEu sinto que estou entrando em um tra- Os dois andam juntos. Esse jeitinho bra- nha constitucionalidade, o que só veio a balho que é um recomeço, um aprendiza- sileiro também propende nosso país a ter ter dez anos depois, quando, em 1969, foi do de línguas, um mergulho na América – mais chance na busca da paz e da reconci- aprovada a Convenção Interamericana de que é uma velha paixão. A experiência que liação. Existem características no proces- Direitos Humanos na oea. eu agora inicio é como aquela da música so histórico brasileiro que fazem com que Em 1979, ela descobre esse seu papel, de Violeta Parra, “Volver a los 17”. valha a pena colocar um brasileiro na mesa passando a ter importante roteiro no enem Washington, ao lado, por exemplo, de frentamento às ditaduras. Esse ciclo termi— O que significa para o multilateralis- um chileno e de um argentino, que têm nou vitorioso e ela agora viveu a crise que mo ter um brasileiro em um dos prin- outras histórias, considerando, particu- é a adaptação ao novo momento, que não cipais órgãos de direitos humanos da larmente, a multilateralidade da verdade. corresponde mais à ação de litígio permaatualidade? No entanto, o Brasil precisa ser um nente em relação aos Estados. A cobranO fato de três brasileiros terem sido eleitos pouco mais afirmativo: “Aconteceu, não ça e o monitoramento têm que prosseguir, para postos importantes, em disputas difi- vou esquecer”. Notamos que inimigos da de forma que esse lado litigante não pode cílimas, é um sucesso da diplomacia brasi- véspera tiram fotos juntos e estão de mãos cessar; no entanto isso tem que se somar a leira, do Itamaraty inequívoco. A minha ida, dadas, mas ninguém discute o que se pas- parcerias, cooperação e seminários – que evidentemente, não tem essa importância. sou. Posso tirar foto junto, desde que fale- ela não promove, pois é asfixiada finanPrimeiramente, porque se trata de um cargo mos claramente: “Nós fomos inimigos na ceiramente e tem tensões internas, tendo regional, enquanto os outros dois são mun- véspera, tivemos posições colidentes, mas ficado confinada ao processo de receber diais. Em segundo lugar, porque direitos hu- mudamos nossa posição.” Apenas assim petições. As petições atingiram o númemanos ainda constitui uma espécie de peri- as novas gerações avançarão no sentido ro de dois mil processos que demoram 20, de valorização e qualificação da política, 30 anos. A justiça que tarda tanto assim feria das principais políticas públicas.

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não se realiza, pois o processo histórico de quem seja a doação, é ruim não se ter na já morreu. Há consciência dessas fragili- Comissão uma equidade de recursos, pois dades, e vamos trabalhar nisso. o resultado é a hierarquização dos direitos Houve vários dos avanços de direitos humanos, como se um deles fosse mais imhumanos tanto no Brasil quanto em outros portante que outros. Criança, adolescente, países. Temos os exemplos da Lei Maria da racial, igualdade de gênero, direitos lgbt: Penha no Brasil, resultado de caso peran- todos eles têm a mesma importância da lite a Comissão; do caso Damião Ximenes e berdade de expressão. seus reflexos na luta antimanicomial; do — caso Ovelario Tamis e as repercussões na O Senhor foi preso político e teve papel defesa dos direitos indígenas. Resumindo, fundamental na criação da Comissão a Comissão trabalha, continuamente, nes- Nacional da Verdade. Na sua opinião, sa linha de promover mudanças nas políti- qual a importância da cnv para apurar cas internas. Em alguns momentos, como graves violações de Direitos Humanos aconteceu recentemente, como qualquer ocorridas durante a ditadura e para esorganismo público, a oea também erra. timular o reconhecimento ao direito à Tomou uma decisão que gerou um confli- à Memória e à Verdade? to para o Brasil em torno da usina de Belo Eu acho que a importância da Comissão Monte no Xingu, o que levou a Presidenta [Nacional da Verdade] é muito maior do Dilma a um gesto muito duro de respos- que a consciência que se tem a esse resta. O processo agora está em plena supe- peito. Tem-se, agora, algo mais de nation ração, faltando, para completar o ciclo de building. É a primeira vez, em 500 anos, reconciliação, a designação de embaixa- que o Estado brasileiro promove um exerdor. De toda forma, os pagamentos e con- cício de si mesmo. Se o Brasil tivesse protribuições para a oea foram retomados já movido um exercício de reflexão, como há muito tempo. Ademais, o Estado brasi- uma comissão da verdade sobre a escraleiro apresentou a candidatura de Roberto vidão, o racismo e a própria a discussão Caldas para a Corte e o elegeu. sobre quotas no Brasil seriam outros. O Nós também trabalhamos muito a im- país teve uma escravidão única no planeportância da isonomia entre as diferentes ta. Diferentemente dos Estados Unidos, relatorias. A relatoria de liberdade de im- por exemplo, no Brasil, o escravismo giraprensa, que é um tema fundamental, tor- va a roda da economia e havia apenas uma nou-se quase a única questão, como se os pequena área não escravista de produção demais direitos humanos fossem secun- econômica. Também se pode recordar que dários. O direito à alimentação, o direito à o país promoveu um genocídio indígena. terra indígena, o direito à terra dos traba- Se o Brasil tivesse promovido uma discuslhadores rurais, o sistema prisional: tudo são, uma comissão da verdade, não haveria isso não pode ter um ativismo; na prática, tanto bandeirante dando nome a rodovia. a Comissão viu e aceitou que a relatoria de Ao promover a discussão, extrapolaliberdades tenha recursos, enquanto as ou- -se o tema da área de direitos humanos e tras não tem. Isso não é bom, pois o fato de justiça, chegando à psicanálise e à antroter recursos significa que alguém contri- pologia. Constrói-se a nação. Eu, que sou buiu levando em consideração os interes- um estudioso do tema, há mais de 40 anos, ses especiais naquele tema. Não importa estou descobrindo coisas novas sobre a

ditadura agora. A reparação também tem que ter suporte psicológico. A minha mulher, psicanalista, trabalha com um programa do Paulo Abraão chamado Clínica do Testemunho. Passamos a acompanhar casos com os quais estou me espantando, como pessoas que foram presas por um dia, não foram torturadas fisicamente, mas encapuzadas, ameaçadas e não sabiam onde estavam. Isso também é tortura, é uma brutal tortura estigmatizante. A Dilma já disse: a tortura não sai de dentro da gente. Ela fica em algum lugar. E o que fizeram essas pessoas? Elas decidiram nunca contar nada para ninguém: nem para o marido, nem para a mulher, nem para os filhos. Quarenta anos depois, foram bater no divã. Em alguns casos, são os filhos que trazem e forçam os pais, tendo em vista o reflexo disso na vida deles. Esse assunto tem uma associação com o tema universal do Holocausto, no qual há uma discussão psicanalítica da chamada transferência geracional do trauma. Nessa clínica, está aparecendo muito claramente a impossibilidade de dar solução básica sem responsabilização. No Brasil, a visão das pessoas de que ninguém foi responsabilizado por nada é intolerável, o que nos leva ao tema da punição e da responsabilização judicial. A minha visão da necessária punição não é a mesma de muitas vitimas da ditadura e da tortura no Brasil. Eu me inspiro em Mandela. Acho que, depois de Mandela, tornou-se complicado querer submeter seus torturadores e algozes um processo punitivo, o que acaba acontecendo. Não tenho nenhuma crítica a isso. Há chefes da ditadura condenados na Argentina, no Chile e até no Uruguai, e eu não tenho nenhuma crítica a isso. Mas eu pergunto: no Brasil tem que ser assim? No que o Brasil é diferente? A primeira resposta é: em que a África do Sul é diferente? Houve a percepção do

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Mandela de notar que aquele país poderia se encaminhar para um interminável banho de sangue. Pessoas que militam nos direitos humanos como eu, ex-ministro, formador político, analista político, membro da Comissão da OEA a partir de janeiro, pode ter o passado na referência, mas é do futuro que se trata. E quando a gente brinca muito com a frase “não esquecer o passado”, a gente pode acrescentar “não esquecer o futuro”. Então é do futuro que se trata. Para mim não é indispensável que o Ulstra vá para a cadeia. Eles já estão derrotados no mais importante, que é a construção da verdade. O Estado tem que assumir e completar esse processo, e o Brasil está a meio caminho. Quando foi criada a Comissão, era o Estado brasileiro falando. As sete pessoas que a integram são da mais alta qualidade. As divergências entre elas são naturais; existem na vida. Essas pessoas sabem muito bem que a missão que elas desempenham é mais importante do que qualquer desacordo interno. Não tenho a menor dúvida de que a Comissão da Verdade vai produzir um relatório que marcará uma mudança. E há uma novidade brasileira: a Comissão virou 100. Temos quase 100 comissões da verdade, o que nenhum outro país teve. Foi uma expressão da vontade da sociedade: as universidades têm, assim como a OAB, os psicólogos, a CUT etc. Então, esse trabalho vai ser concluído, e o Brasil vai se perguntar: e agora? Qual o próximo passo? Eu vou defender que o próximo passo envolva a responsabilização individual, com a ideia de que o estado ditatorial já foi julgado, no processo político, nas Diretas Já, na Constituinte. Eu não acho que o caminho seja a revisão da Lei de Anistia de 1979, pois rever uma lei é sempre um perigo no tema da retroatividade e da insegurança jurídica. Acredito

que o Judiciário cometeu o gravíssimo e hoje é completamente diferente da forma indesculpável erro de julgar, em abril de como a discutimos há vinte anos. Esse pro2012, que a Lei de Anistia brasileira pro- cesso histórico existe. Eles ganharam mitegia os torturadores. Não protege; a re- litarmente, mas foram acuados politicaferência aos chamados crimes conexos mente. O Brasil achou a democracia, e é não implica dizer que os dois lados serão preciso colocar um ponto final, sim, nesprotegidos, como se convencionou falar. se processo. Não se pode discutir isso pelo A técnica legislativa não protege aquilo resto da vida, e a minha proposta é esta: que foi um acordo de boca à época da ela- que haja sentença condenatória; não preboração da lei. cisa ser uma sentença com prisão. Que se No caso Araguaia, a Comissão diz faça essa responsabilização moral; que as que a Lei de Anistia não deve represen- pessoas saibam. tar obstáculo. Ela poderia ter dito: “que — seja revogada a Lei de Anistia”. Mas não E o Brasil do futuro? o fez, dizendo: não me compete invadir a O Brasil do futuro é o Brasil onde os diconstitucionalidade de um Estado nacio- reitos humanos serão respeitados plenanal e dizer que, à luz da adesão do Brasil mente – o que não é tecnicamente correà Convenção Americana, é fundamental to; talvez fosse melhor dizer no mais alto que a Lei de Anistia não siga. Não acre- grau possível. A violação dos direitos hudito que o caminho seja fazer uma lei manos tem que ser enfrentada no Brasil no Parlamento anulando a anistia de 79. com ações e com a educação em direitos Acredito que o caminho seja o Judiciário. humanos. Tem-se o exemplo da questão Caso nos voltemos à questão de nego- gay: não foi o Brasil que mudou sua visão ciar o tipo de punição, posso me empe- nos últimos trinta anos, fui eu que mudei a nhar para dizer: a punição deve ser uma minha. Um militante de direitos humanos, sentença declaratória, civil, em que o há trinta anos, fazia piadas racistas, mas Supremo transcreve páginas e páginas da isso está mudando. As percepções são noComissão Nacional da Verdade e afirma vas. Essa educação deve entrar na rede esque, a respeito de determinadas pessoas, colar. A professora deve passar a tratar a foram apresentadas contundentes provas briga das crianças – questões de bullying, de que praticaram tortura, declarando-as racismo e sexismo – com a mesma importodas indignas dos direitos de um militar, tância do 1+1. Quero um Brasil do futuro em que se um funcionário público etc. A punição já existe, a exemplo dos torturados sendo respeite, no mais alto grau possível, os suacareados com bate-boca nas ruas. Nesse premos ideais de liberdade, igualdade e sosentido, acabou a certeza de impunidade, lidariedade, que são a chave sintética dos mas não acabou a impunidade. É preciso direitos humanos. E o que eu quero do fucompletar esse ciclo, e eu acho que o Brasil turo é que o futuro chegue o mais rápido o completará com a mais absoluta certeza. possível.  — J Não há a menor hipótese de que o Brasil não o faça. Resta apenas a dúvida se isso vai acontecer em dois anos, em dez ou vinte. Pode ser em vinte, pois realmente a forma como nós discutimos a ditadura

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foto UN Photo

Uma fórmula, várias ideias

Os 50 anos dos 3Ds de Araújo Castro texto Leandro Pignatari e Matheus Hardt*

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“As ideias são importantes, mas nenhuma ideia sobrevive ao espírito que a anima.” (Araújo Castro, discurso de abertura da 18ª Assembleia Geral da ONU, 1963)

Cinquenta anos após seu célebre discurso dos 3Ds à Pensamento diplomático Assembleia Geral da ONU, Araújo Castro continua presenO uso da fórmula dos 3Ds na diplomacia brasileira ao longo das te na formulação e na prática da diplomacia brasileira. A sobredécadas leva, primeiramente, a uma reflexão acerca da formação vivência dos temas Desenvolvimento, Desarmamento e Direitos do pensamento diplomático nacional. De acordo com João Vargas Humanos - inicialmente por meio da defesa da descolonização e, (2009), as duas principais tentativas teóricas de estabelecer uma em seguida, pela promoção da democracia -, revela que a opção conexão entre a formulação da PEB e as ideias que circulam o pelo universal-desenvolvimentismo permanece uma preferênMRE foram feitas por Celso Lafer – que ressalta a existência de cia no Itamaraty. Esses conceitos são mais do que reivindicações uma identidade internacional brasileira –, e por Amado Cervo pontuais; são, em verdade, composições que se relacionam mu– o qual se centra nos padrões comportamentais da diplomacia tuamente e que evoluem ao longo do tempo, em compasso com brasileira e sua oscilação entre diferentes paradigmas. as mudanças sofridas pelo ambiente internacional: A partir da constatação de que faltam bases metodológicas "A luta pelo Desarmamento é a própria luta pela Paz e pela para examinar a relação entre ideias e formulação da PEB, Vargas igualdade jurídica de Estados que desejam colocar-se a sal(2009) observa que a realização de estudos na área pode ser feita, vo do medo e da intimidação. A luta pelo Desenvolvimento é entre outros, mediante observação do conteúdo substantivo dos a própria luta pela emancipação econômica e pela justiça sodebates no seio do pensamento diplomático brasileiro e emprecial. A luta pela Descolonização, em seu conceito mais amplo, é go do pensamento diplomático como ponte entre cultura institua própria luta pela emancipação política, pela liberdade e pecional e política externa. No presente trabalho, utilizam-se esses los direitos humanos." meios teóricos como recursos explicativos na reflexão acerca da (Araújo Castro, discurso de abertura da 18ª Assembleia Geral da ONU, 1963) evolução dos 3Ds na PEB, buscando-se entender como os conceitos de desarmamento, desenvolvimento e descolonização se Neste artigo, analisaremos a evolução histórica dos 3Ds como transformaram, para os formuladores da política externa, naquieixo central da Política Externa Brasileira (PEB) nos últimos lo que Villa (2006) define como “as coordenadas regulatórias do cinquenta anos. Conquanto avanços e retrocessos tenham sido mapa para a inserção do Brasil no mundo das polaridades indeexperimentados nesse período, a formulação de Araújo Castro finidas que se abria com o fim da Guerra Fria”. manteve-se pertinente na orientação das diversas gerações Ressalta-se, primeiramente, que contribuíram para tanto os de diplomatas brasileiros no tocante à inserção internacio- canais de transmissão do pensamento diplomático no interior do nal do país. Itamaraty e o conteúdo substantivo presente no conceito, flexíNa década de 1990, o ex-Chanceler Celso Amorim reto- vel o bastante para manter sua pertinência ao longo de décadas mou a fórmula dos 3Ds atualizando-a para Desarmamento, (Vargas, 2008). Destarte, reforçando a transmissão, encontra-se Desenvolvimento e Democracia, marcando a evolução do concei- o fato de Araújo Castro ter sido diplomata de carreira, o que não to de Descolonização no âmbito dos Direitos Humanos. No pre- era a norma para os Chanceleres à época, auxiliando no insulasente, uma possível releitura desses conceitos e da fórmula pode- mento do Itamaraty, na medida em que a mais alta chefia da Casa ria conter os seguintes pilares: Desarmamento, Desenvolvimento era oriunda da própria instituição. Ademais, a proximidade que Sustentável e Direitos Humanos. A partir destas observações, de- o Chanceler nutria com os jovens diplomatas facilitou deveras monstraremos que os conceitos colocados por Araújo Castro não a perpetuação das ideias de Castro no órgão. apenas guiam, ainda hoje, a formulação da PEB, mas envolvem o Ressalva-se, no entanto, que o insulamento nunca foi absoluto imaginário dos diplomatas brasileiros. Serão exploradas, igual- ou a exclusiva razão da ação diplomática brasileira. Como assevemente, abordagens contemporâneas à formula original. ra Vargas (2008), a Política Externa Independente, por exemplo,

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deveu muito a ideias e influências de fora do Itamaraty, que as absorveu e modelou. O que há, portanto, é uma cadeia de interação academia-Chancelaria-imprensa-meios políticos, cujos elementos mostram-se, por vezes, mais ou menos influentes. A continuidade da influência do discurso dos 3Ds no pensamento diplomático brasileiro também se deve à capacidade do Itamaraty em formar um corpo diplomático ideologicamente coeso e com forte esprit de corps, conforme ressaltado pelo ex-Chanceler Antonio Patriota em discurso para a turma Oscar Niemeyer do Instituto Rio Branco, em junho de 2013 – momento em que também deixa clara a importância do legado de Araújo Castro. Esse traço promove uma continuidade nas ideias que permeiam o Itamaraty e consequentemente nas práticas adotadas pelo Ministério, nas quais pode ser analisada a evolução do conceito tema deste trabalho. A evolução dos 3Ds

êxito, à questão da exequibilidade da redução continuada de armamentos soma-se o problema, presente, da difusão e multiplicação dos temas de segurança. A crescente vinculação do tema com o direito ao desenvolvimento tecnológico, sobretudo diante da sofisticação do conflito, coloca novo desafio nos anos vindouros: conciliar paz e desenvolvimento com tecnologias progressivamente mais duais. No tocante ao uso da força, o Brasil, reconhecido por seu engajamento na solução pacífica de controvérsias e no privilégio dos meios diplomáticos, vê com preocupação o crescente recurso ao Capítulo VII da Carta da ONU em Resoluções do Conselho de Segurança. Vinculando o uso da força à promoção dos Direitos Humanos, por exemplo, a propalada Responsabilidade de Proteger, no entanto, tem o nefasto potencial de causar mais danos do que os que propõe combater, sendo facilmente manipulada com fins políticos. A Responsabilidade ao Proteger, contrariamente, está de acordo com o posicionamento histórico do Brasil em defesa da não intervenção em assuntos internos e da não indiferença.

A fórmula dos 3Ds evolui conjunta e separadamente. Aplicado, em 1963, como crítica ao congelamento de poder mundial, o conceito não se referia a uma dimensão específica desse fenômeno, Desenvolvimento pelo contrário. Concebido de forma estratégica, os 3Ds abrangem a multiplicidade de meios pelos quais se reforçam os laços he- "É óbvio (...) que a segurança econômica e social atingida por algemônicos na esfera internacional, permitindo a emergência de guns está em risco se essa segurança econômica e social não nuances conforme essa realidade se desdobra. Nas seções que se for atingida por todos." seguem, será apresentado, sucintamente, o desenrolar dos con- (Araújo Castro, discurso de abertura da 18ª Assembleia Geral da ONU, 1963) ceitos individuais. O pleito pelo desenvolvimento conjunto da sociedade internacional está vinculado ao conceito de segurança coletiva por meio de Desarmamento uma abordagem multifacetada que considera não só a dimensão "O Desarmamento é um problema de poder e, tradicionalmente, militar, mas também a econômica. Trata-se de reconhecimento os problemas de poder se têm resolvido pela operação do pró- da indivisibilidade do desenvolvimento e da paz, já advogado na prio mecanismo do poder." Operação Pan-Americana do Presidente Juscelino Kubitschek. (Araújo Castro, discurso de abertura da 18ª Assembleia Geral da ONU, 1963) O discurso de Araújo Castro deu a essa iniciativa continental um escopo universal, colocando claramente a dicotomia NorteNa década de 1960, o Desarmamento foi adotado pela PEB como Sul como igualmente importante à dicotomia Leste-Oeste. Mais, um instrumento de combate ao congelamento do poder na or- evidenciou como a primeira pode dirimir ou alimentar a segundem internacional. Refratário a iniciativas desta ordem, com o da. Neste sentido, em sua busca pela paz, a comunidade intertempo o país passou a aderir aos regimes internacionais como o nacional tem o dever de promover o desenvolvimento das naTratado de Não Proliferação (TNP), defendendo, sempre, a ver- ções mais pobres. Recentemente, essa visão é demonstrada, pela PEB, em sua tente do desarmamento paralelamente à questão da não proliferação. No tocante à redução de arsenais, por exemplo, importa concepção acerca das missões de paz, em que se assinala, com a sua obtenção por meio de construções soberanas e conjun- veemência, a conexão de paz e desenvolvimento. tas, como a formação, na América Latina e no Atlântico Sul, de Se há meio século o privilégio era dado à dimensão econômizonas livres de armas nucleares. A despeito de experiências de ca, associada ao poder, atualmente, também se associam àquela

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os componentes social e ambiental. Se a paz não se constrói sem desenvolvimento, este não se atinge sem integração social e sustentabilidade. Tal enfoque ressalta a necessidade de uma abordagem tridimensional para a questão do desenvolvimento; não visa, porém, à imposição de obstáculos ao crescimento dos países de menor desenvolvimento relativo. De fato, essa visão abrangente orientou a argumentação brasileira em favor do estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no contexto da Rio+20. Descolonização, Democracia e Direitos Humanos "Para o Brasil, a luta pela descolonização abrange todos os aspectos da luta secular pela liberdade e pelos direitos humanos."

(Araújo Castro, discurso de abertura da 18ª Assembleia Geral da ONU, 1963)

A terceira linha de força da PEB nos últimos 50 anos é a luta pelos Direitos Humanos. Como tantos outros objetivos e abordagens de Política Externa, também essa dimensão teve momentos de maior ou menor presença na agenda brasileira, destacando-se, evidentemente, a maior importância conferida ao tema após a redemocratização. Nesse âmbito, passou-se da descolonização, já compreendida por Araújo Castro como um elemento dos Direitos Humanos, à democracia conforme o próprio país se democratizava. Para Villa (2006), a incorporação da democracia no discurso da PEB gerou ganhos de capital social positivos para o Brasil, mesmo em situações em que havia um histórico de capital social negativo, como era o caso da relação do país com a Venezuela e a Argentina. Para ele, o discurso democrático na PEB foi fundamental para que se criasse confiança entre os países sul-americanos. O Itamaraty soube contornar o receio dos países da região com um possível expansionismo brasileiro e construir uma base de promoção para a estabilidade democrática, sem ser percebido como um país exportador de valores democráticos. A bonança e crise da primeira década dos anos 2000 mostraram que a democracia formal não significa garantia de Direitos Humanos, sendo necessária a inclusão social e a efetiva participação da população nos processos decisórios do Estado. Nesse sentido, a abordagem holística proporcionada pela categoria geral “Direitos Humanos” pode revelar-se mais apropriada do que a especificação de uma ou outra vertente. Casos como a Lei Maria da Penha, criada a partir de uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para que o Brasil altere

a interpretação da Lei de Anistia mostram que a temática dos Direitos Humanos se tornou um dos eixos centrais da PEB. Menciona-se, igualmente, o discurso da Presidente Dilma Rousseff na abertura da 68a Assembleia Geral da ONU, no qual classificou os programas de inteligência dos Estados Unidos como um caso “grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis”. Para além da maior relevância dos Direitos Humanos na PEB, essa categoria geral permite uma análise dinâmica da diplomacia, já que, até o final da década de 1980, o Brasil tinha uma Política Externa bastante defensiva em relação à soberania nacional, e passou para uma posição mais comprometida e cooperativa em relação ao tema. — Nos últimos cinquenta anos, o universal-desenvolvimentismo não esteve sempre presente, mas esteve sempre disponível, evoluindo (Vargas, 2008). Também o foi o pensamento de Araújo Castro, sobretudo da forma como esteve estruturado em torno dos 3Ds. Articulado de forma estratégica e flexível, o conceito manteve sua atualidade à medida que o sistema internacional sofreu alterações. Tendo sido adaptado por múltiplas gerações de diplomatas, a fórmula de Castro reinventou-se, mantendo sua identidade, para o que colaborou a tradição diplomática do Itamaraty e seu protagonismo na elaboração e execução da PEB, mas também a pertinência da análise do Chanceler de João Goulart. "O pensamento de Castro (...) foi uma verdadeira lente pela qual os formuladores da política exterior passaram a enxergar o mundo e interpretar os fatos internacionais." (João Vargas: Uma Esplêndida Tradição).  — J leia mais vargas, João Augusto Costa. Uma Esplêndida Tradição: João Augusto de Araújo Castro e a Política Exterior do Brasil. Dissertação. Ministério das Relações Exteriores, Instituto Rio Branco. Brasília, 2008. vargas, João Augusto Costa. Individuals and Ideas in Itamaraty: The role of diplomatic thought in Brazilian Foreign Policy. Artigo apresentado na ABRI/ISA Joint Conference, Rio de Janeiro, 2009. villa, Rafael Duarte. Política Externa Brasileira: capital social e discurso democrático na América do Sul. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v.21, n.61, June 2006.

* Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo.

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O Instituto Rio Branco:

retratos de diplomatas ao longo de 60 anos texto Bruno Quadros e Quadros e Felipe Pinchemel

Em 2015, o Instituto Rio Branco (IRBr) completará 70 anos de criação. Sua primeira turma iniciou o curso de dois anos de formação no ano de 1946. Assim, decidimos tentar recuperar a memória dos diplomatas de turmas separadas por períodos de 20 anos – o tempo de uma geração e de mudanças profundas no Ministério, na sociedade e na política brasileiras e também nas relações internacionais. Entrevistamos diplomatas das turmas de 1946-1947, 1966-1967, 1986-1987 e 2006-2008, levando em consideração o ano em que o curso foi iniciado, não necessariamente o ano de seleção. Em 1946, pouco após o fim do Estado Novo, o Instituto dava início a seus trabalhos. Em 1966, começara, havia dois anos, um período de 21 anos dominado pelos militares na política nacional. Em 1986, o Governo Sarney enfrentava o desafio da transição do regime militar para a democracia. Em 2006, iniciava-se o ciclo das chamadas “turmas de 100” no Instituto. Com a escolha de diplomatas cuja formação se distancia em 20 anos de uma geração para

a outra, esperamos poder mostrar como o Instituto Rio Branco é um fator fundamental para a formação dos novos diplomatas brasileiros e como seu papel se transformou em 60 anos. Desse modo, nosso objetivo é investigar a preparação para o concurso, as expectativas que os jovens diplomatas tinham quando foram aceitos no Instituto e como o IRBr os preparou para a inserção no Ministério. Tentamos estabelecer o retrato parcial (momentos fixos no tempo e na memória) de quatro turmas, em quatro contextos diferentes. O que significa o Instituto Rio Branco para o diplomata brasileiro? Essa questão nos guiou na construção deste artigo. As dificuldades de um dos concursos públicos mais concorridos do Brasil fazem os candidatos encararem a aprovação no Instituto Rio Branco como o final de uma longa caminhada. Contudo, o IRBr é – primordialmente – o ponto de partida de uma longeva carreira. O período do curso de formação dos novos diplomatas corresponde a um processo de iniciação e internalização do

ethos da diplomacia brasileira, por meio do qual é posto em evidência o caráter ressocializador do IRBr como integração em uma carreira considerada totalizadora.

História do Instituto Rio Branco O Instituto Rio Branco foi criado pelo Decreto-Lei nº 7.473, de 18 de abril de 1945. Seu estabelecimento inseriu-se nas comemorações do centenário do nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. O Instituto acolheu a primeira turma do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata (CPCD) em maio de 1946. Até então, o recrutamento dos diplomatas brasileiros era feito pelo Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), por meio dos chamados “Concursos Diretos”. Como afirma o Embaixador Oscar Soto Lorenzo Fernandez, da turma de 19461947, os diplomatas antigos provocavam os aprovados da primeira turma do Instituto Rio Branco, afirmando que “difícil mesmo era o Concurso Direto”. Provocações

64 1a turma do Instituto Rio Branco (19461947). Primeira fila: João Desiderati Moneti, Paulo Padilha Vidal, Raimundo Nonato Loyola de Castro, Luiz Garrido Cavadas, Angelo João Regattieri Ferrari, Paulo Amélio Nascimento Silva, Osvaldo Barreto e Silva. Segunda fila: Alcindo Carlos Guanabara, Gilberto Chateaubriand Bandeira de Melo, Édipo Santos Maia, Eberaldo Abílio Teles Machado, Embaixador Hildebrando Accioly, Hélio da Fonseca e Silva Bittencourt, Paulus da Silva Castro, Oscar Soto Lorenzo Fernandes, Anibal Alberto de Albuquerque Maranhão. Terceira fila: Hélio Antônio Scarabôtolo, Otávio do Nascimento Brito Filho, Paulo Cabral de Mello, Sérgio Maurício Corrêa do Lago, Marcos Magalhães de Souza Dantas Romero, Otávio Luiz de Berenguer César, Alfredo Rainho da Silva Neves, Antônio Fantinato Neto, João Luiz Arêas Neto, Rodolfo Godói de Souza Dantas, Oton do Amaral Henriques Filho, Celso Antonio de Souza e Silva (foto: livro “instituto rio branco 50 anos”).

semelhantes parecem estender-se no tem- exceção feita aos poucos concursos di- Brasileiro, como Terceiros-Secretários, repo, pois turmas mais recentes são irreve- retos (menos de dez desde 1946!). “Fazer cebendo o salário correspondente a essa rentemente perturbadas por diplomatas Rio Branco” passou a ser parte da carreira classe, diferentemente do que acontecia mais antigos, que afirmam que “difíceis do diplomata brasileiro. A recorrência do anteriormente, quando os alunos apenas mesmo eram as provas orais”. vestibular de ingresso construiu sua tra- recebiam uma bolsa durante o curso de forA primeira turma do Rio Branco teve dição, pois se trata da única carreira ci- mação. Vale observar que, para a primeisuas provas “vestibulares” no final de 1945. vil de Estado no Brasil que mantém con- ra turma e por muito tempo, nem mesmo Foram aprovados 30 alunos, mais cinco cursos públicos anuais, sem interrupções, a bolsa era concedida, pois, como lembra complementares. Ao final de dois anos de há 68 anos. o Embaixador Oscar, o então Diretorcurso, no qual todas as provas eram eliEm 1946, os requisitos para acesso ao Geral do IRBr, Embaixador Hildebrando minatórias, foram nomeados somente 27 Instituto incluíam nacionalidade brasileira Accioly, considerava que “a carreira [era] Cônsules de Terceira Classe, como se cha- nata, escolaridade de nível médio e idade muito cara. Os alunos [deveriam] demonsmavam então os Terceiros-Secretários de mínima de 21 anos. A partir de 1967, pas- trar que [tinham] recursos próprios para hoje. Corriam boatos de que ninguém seria sou-se a exigir dos candidatos primeiro se manter”. Essa mentalidade reprodunomeado ao fim do curso, de que os alunos ano de curso superior, exigência aumen- ziu-se ao longo do tempo. Como relata o do Instituto apenas receberiam um certifi- tada para o segundo ano em 1968, e para Embaixador Sérgio Tutikian, na década de cado e de que os Concursos Diretos volta- o terceiro ano em 1985. Desde 1994, tor- 1960, um diplomata mais velho afirmou: riam a acontecer. Felizmente, eram só ru- nou-se pré-requisito obrigatório a gradu- “infelizmente, o Itamaraty abriu as portas mores, pois a partir do ano de 1946, com a ação plena em qualquer curso superior re- para a classe média”. consolidação do Instituto Rio Branco, for- conhecido pelo MEC. Em 1995, criou-se o mou-se uma tradição de excelência na bu- Programa de Formação e Aperfeiçoamento rocracia civil brasileira. O acesso à carreira – Primeira Fase (Profa-I). A partir do ano A Preparação diplomática, desde então, ocorre obriga- seguinte, os candidatos aprovados no con- A decisão de tornar-se diplomata varia tória e exclusivamente pelo concurso pú- curso passaram a entrar automaticamen- bastante, assim como o percurso pessoal, blico de acesso ao Instituto Rio Branco, te para os quadros do Serviço Exterior acadêmico e profissional percorrido até

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ela. Para muitos, a experiência como alu- com línguas e sua disciplina para os estuno no Instituto Rio Branco é profunda- dos permitiram, no entanto, que fosse apromente marcada pelo concurso. O período vado na sua primeira tentativa. de preparação é importante para a trajeO Embaixador Osmar Vladimir Chohfi, tória pessoal e profissional do diplomata e da turma de 1966-1967, ex-Secretáriopode ser um período extenso, com inúme- -Geral, proveniente de São Paulo, lemras histórias de diplomatas que tentaram bra: “Mudei-me para o Rio de Janeiro múltiplas vezes o exame vestibular. As ex- e inscrevi-me nos cursos preparatórios. periências de preparação também variam Os do Rio de Janeiro eram praticamente no tempo. Para as turmas de 1946-1947 e os únicos existentes para os candidatos”. 1966-1967, o Rio de Janeiro era a cidade Foi aprovado em sua segunda tentativa, onde se concentravam os poucos cursos no final de 1965. Já o Embaixador Sérgio preparatórios ou professores especializa- Tutikian, colega de turma do Embaixador dos no CACD; por sua vez, para a turma Chohfi, fez uma viagem ainda mais longa. de 1986-1987, Brasília também apresentava Saiu de Porto Alegre e viajou ao Rio de alternativas para a preparação; finalmente, Janeiro, com mais dois outros candidatos, para a turma de 2006-2008, grandes cen- em fevereiro de 1964. Lá, procurou os metros nacionais ofereciam cursos prepara- lhores professores que preparavam para o tórios adequados. Rio Branco e conseguiu um emprego na As histórias de aprovação são muito di- Comissão do Plano do Carvão Nacional no versas entre si. O caso da primeira turma turno da manhã, para “juntamente com a de 1946-1947 é atípico, pois não havia pro- mesada que recebia de minha casa, custevas anteriores nas quais se basear para o ar meus estudos”. Também foi aprovado estudo. O Embaixador Oscar Soto Lorenzo em sua segunda tentativa. Fernandez não tinha interesse prévio pela Para o Embaixador Benedicto Fonseca carreira, e foi sua mãe quem o inscreveu no Filho, da turma de 1986-1987, a preparação concurso. Sua formação em Direito, suas aconteceu especialmente durante o curleituras durante a faculdade, sua facilidade so superior, em Relações Internacionais

na Universidade de Brasília, formação escolhida “já pensando no concurso do Instituto Rio Branco”. Fez curso preparatório em Brasília, inclusive com professores que também eram diplomatas, como o falecido Embaixador Nuno de Oliveira e o hoje Embaixador Igor Kipman. Foi aprovado em 2º lugar, em sua primeira tentativa, em 1985, feita apenas para “testar”. Caso parecido aconteceu com o PrimeiroSecretário André Tenório Mourão, da turma de 2006-2008, que pensava em ser diplomata antes mesmo de entrar na faculdade, e escolheu o mesmo curso de Relações Internacionais do Embaixador Benedicto. Fez curso preparatório em paralelo ao último ano de faculdade e também foi aprovado na primeira tentativa após sua formatura. A Segunda-Secretária Valeria Mendes Costa Paranhos, também da turma de 2006-2008, preparou-se em São Paulo. Alternava os estudos com o trabalho. Durante seis meses trabalhava na organização do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, e nos seis meses seguintes estudava para o concurso. Fez isso durante dois anos, até ser aprovada em sua segunda tentativa.

Cerimônia de posse como Terceiro Secretário, dezembro de 1987. Manuel Montenegro, Benedicto Fonseca Filho, Márcia Donner Abreu, Embaixadora Thereza Quintella, então Diretora do IRBr, e o Embaixador Marco César Meira Naslausky, Chefe da Administração (foto: acervo pessoal do embaixador benedicto fonseca filho).

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O Curso de Formação O curso de formação do Instituto Rio Branco deve preparar o diplomata para as profundas transformações do sistema internacional e proporcionar atualização constante da capacidade de análise da intensa dinâmica das relações internacionais. Entretanto, mais do que um curso de formação teórica, o período no IRBr deve ser visto como um longo rito de passagem que compreende várias etapas. Trata-se exatamente da inserção no ethos da Casa de Rio Branco, quando os Terceiros-Secretários passam a ser reconhecidos pelos diplomatas mais antigos como “jovens colegas”. Para as turmas mais antigas, a divisão entre o período no curso de formação e o período posterior, já lotado na Secretaria de Estado, era clara: o IRBr era “um ambiente eminentemente de estudos e escolar”, afirma o Embaixador Chohfi. Para o Embaixador Oscar Lorenzo Fernandez, sua turma “estava inaugurando a nova instituição, foi-se fazendo junto”. Atualmente, ainda existem diferenças claras entre o Terceiro-Secretário no Rio Branco e o diplomata lotado no Ministério. Apesar de, desde 1996, um candidato aprovado ser automaticamente um funcionário da carreira de diplomata do Serviço Exterior, sua posição no Ministério durante seu período no Instituto resta, de certa forma, indefinida, até a conclusão do curso de formação. Ao entrar, é identificado como diplomata, Terceiro-Secretário, mas também como “aluno do Rio Branco”, em um verdadeiro limbo de identidade. Diplomatas mais antigos veem o concurso e o curso de formação como uma forma de selecionar pessoas que se tornarão diplomatas brasileiros no seu devido tempo. Encontram-se em uma situação extremamente ambígua, conforme descreve Cristina Patriota: “para ‘fora’ eles são diplomatas, mas para ‘dentro’ eles

são ‘alunos do Rio Branco’. Não podem, no permanentemente seu papel de diplomata. entanto, exercer suas funções dentro do Às vezes, pode-se instalar uma situação de Ministério até serem lotados em uma di- menor comprometimento com o curso, desvisão da SERE (...). Isso se reflete em um crita por Cristina de Patriota Moura (2007): sentimento bastante generalizado de que “muitos começam o curso acreditando que estão perdendo tempo no Rio Branco e que as aulas exigirão um nível de esforço muideveriam trabalhar logo”. to elevado, mas chegam à conclusão de que Essa indefinição é refletida na fala as matérias são muitas vezes repetições dado Primeiro-Secretário André Tenório quilo que estudaram com afinco para se Mourão: “quando comecei a trabalhar no preparar para o concurso”. O Embaixador Itamaraty, todos nós nos sentíamos pares. Benedicto Fonseca Filho admite que suas No Rio Branco, ainda me sentia ‘aluno’. Já lembranças do Rio Branco podem ser uma nas divisões, todos esperavam que eu fosse exceção: “ao contrário de alguns colegas que diplomata, nada mais, nada menos”. reclamam do tempo do Rio Branco, para Como não podia deixar de ser, a es- mim, tratou-se de um período de aprenditruturação do curso de formação passou zado, de observação do Ministério a partir por muitas mudanças entre 1946 e 2006. de um posto privilegiado”. Em 1946, as aulas aconteciam no período da manhã, deixando o turno oposto para o estudo dos alunos, ou também Expectativas e Aprendizagens para o trabalho que os sustentaria, a exem- O Rio Branco é um tempo de formação, de plo do Embaixador Oscar, que se tornou inserção em um meio profissional e de resInspetor do Ensino Superior do Ministério socialização em uma carreira totalizante, da Educação, para poder manter-se. Já na com seu ethos próprio, mas é também um década de 1960, as aulas aconteciam no tempo de encontros, de estabelecimento período da tarde, das 13h às 17h30. Vinte de relacionamentos, senão no nível pessoal, anos depois, as aulas aconteciam nos dois ao menos no nível profissional. A Segundaturnos e o tempo era quase integralmente Secretária Valeria Mendes reconhece: “o consagrado aos estudos. relacionamento com os demais colegas foi “A preocupação era acabar o Rio Branco”, ótimo e ter um network com pelo menos confidencia o Embaixador Oscar. Esse sen- 100 pessoas no Ministério ajudou e ajuda timento é partilhado por diferentes gera- muito”. Para a turma de 1986, há certa difições que passaram pelo Instituto. Para o culdade de manter o contato, em razão dos Embaixador Marcus Camacho de Vincenzi, deslocamentos inerentes à carreira, mas, da turma de 1966, “o período do Rio Branco eventualmente, são realizados encontros representou, de modo geral, uma grade per- com os colegas que estão em Brasília. Para da de tempo. A preparação para o concurso a turma de 1966, “como o início da carreitinha me deixado intelectualmente muito ra praticamente coincidiu com a mudanestimulado com demandas que o Instituto ça do Ministério para Brasília em 1970, a não atendia”. Como momento, como rito turma não se manteve unida no período de passagem, como processo transitório, os pré-remoção para o exterior, uma vez que alunos do Rio Branco sempre desejaram e muitos colegas anteciparam sua saída para continuam desejando terminá-lo o quanto o exterior para evitar Brasília”, afirma o antes para que possam assumir completa e Embaixador Vincenzi.

memória diplomática

Placa comemorativa do Decreto-Lei de criação do Instituto Rio Branco (foto: felipe pinchemel).

As expectativas em relação ao curso de formação e à carreira posterior, com todos os seus eventos – lotações, promoções, remoções, funções –, são legítimas e importantes no caminho profissional, como assevera o Embaixador Chohfi. Se, por um lado, pode ser motivo de ansiedade, por outro, a expectativa também pode se revelar distante da realidade. Ilustrativamente, a turma de 1986-1987 acreditava que a classe mais alta que os alunos atingiriam seria a de Conselheiro. Contraditoriamente, um grande número dos alunos é hoje Ministro de Segunda Classe, e dois colegas já foram promovidos a Ministros de Primeira Classe (Embaixadores). As expectativas também podem se tornar desilusão. O Embaixador Marcus de Vincenzi afirma: “Não tenho dúvidas de que após passar por exame extremamente rigoroso, estivéssemos preparados e intelectualmente estimulados para o aprofundamento de nossa formação acadêmica. Infelizmente, tal fato não ocorreu. O currículo não incluiu outros

idiomas, limitando-se ao estudo de inglês e do francês. As cadeiras de história foram objeto de restrições ideológicas, como, por exemplo, no caso do ensino da história do Brasil e sua limitação ao período colonial”. O período do regime militar teve grande influência sobre o ambiente no Instituto Rio Branco. O Embaixador Alexandre Addor Neto foi aprovado em quarto lugar, mas teve sua matrícula indeferida pelo então Diretor-Geral do IRBr, sob alegação de “antecedentes ideológicos”. O Ministro de Segunda Classe Mario da Graça Roiter, também da turma de 1966, foi aposentado em 1970, com base no Ato Institucional nº 5. Na década de 1980, ambos foram reintegrados à carreira. Os atos arbitrários e autoritários não atingiram somente os alunos, pois, como relembra o Embaixador Vincenzi, dois excelentes professores, Manoel Mauricio de Albuquerque, de História do Brasil, e Antonio Barros Castro, de Economia, foram afastados do Instituto e substituídos. O mesmo Embaixador afirma que “o período passado no Instituto Rio Branco (196667) não [coincidiu] com a fase mais radical do governo militar; já trabalhávamos quando o AI-5 foi assinado. O regime militar influenciou em grande medida toda nossa vida profissional e pessoal”. Para o Embaixador Oscar Soto Lorenzo, o aprendizado mais importante no Instituto “foram os corredores”, o convívio com os diplomatas mais velhos, que valeram para a carreira mais que todos os anos posteriores. Para alguns, a formação do Rio Branco contribuiu adequadamente com conhecimentos gerais ou mais especializados de utilidade para o início do exercício no Ministério. Para outros, restam experiências curiosas, como para o Embaixador Tutikian, que ajudou a separar uma luta corporal entre um aluno do primeiro ano e um aluno do

segundo ano. É comum a sensação da falta do que não se teve, da expectativa não realizada de uma preparação mais voltada também para aspectos práticos e rotineiros da carreira, a exemplo das posições brasileiras nos foros internacionais e as razões por trás delas. Contudo, para todos, o curso de formação não deixa de ser um tempo de transição para a inserção no Ministério, como afirma o Embaixador Benedicto, para quem o período no Rio Branco preparou-o para uma “aterrissagem suave na carreira”. Independentemente dos elogios ou das críticas, das memórias boas ou ruins, da nostalgia do tempo riobranquino ou do desejo de terminar logo o curso de formação, o período no Instituto Rio Branco revela-se, retrospectivamente, como um tempo de esperanças, de construção e de introdução à vida profissional (e pessoal) no Itamaraty, onde a tradição se renova a cada turma.   — J

leia mais brasil. Instituto Rio Branco 50 anos: edição comemorativa 1946-1996. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1996. 81 p. moura, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007. ribeiro, Guilherme Luiz Leite. Os bastidores da diplomacia: o bife de zinco e outras histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 414 p.

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RESENHA O fim do poder de Moisés Naím texto Luiz de Andrade Filho

O fim do poder, de Moisés Naím (Editora Leya Brasil, 392 páginas, R$ 49,90) trata do fenômeno sobre o qual internacionalistas, sociólogos e cientistas políticos têm-se debruçado, com especial ênfase, em anos recentes: a desconcentração do poder. Naím inova ao analisar o fenômeno não apenas do ponto de vista político, mas econômico-financeiro, militar-estratégico e social, como indica o subtítulo: “nas salas da diretoria ou nos campos de batalha, em Igrejas ou Estados, por que estar no poder não é mais o que costumava ser?”. O título alarmante da obra não implica crença do autor no fim absoluto do poder. Os principais objetivos de Naím – economista que já exerceu as funções de Ministro do Comércio e da Indústria da Venezuela e de editor-chefe da Foreign Policy – são explicar por que, na atualidade, a capacidade de adquirir, reter e exercer poder está em declínio e alertar para a necessidade de que governos, empresas e organizações se adaptem a essas mudanças. As transformações que impactam o poder são classificadas segundo arcabouço criado pelo autor: a tripla revolução do mais, da mobilidade e da mentalidade. A primeira indica que, com a população crescente, detentora de maior renda e acesso a informação, surge certa impaciência generalizada e, consequentemente, incapacidade dos governos de arregimentar indivíduos para seu domínio. A revolução da mobilidade, por sua vez, vincula-se à ideia de ampliação das possibilidades de deslocamento de indivíduos, recursos financeiros e informações, do que decorre a perda de audiência cativa, essencial ao exercício do poder. A terceira revolução, a da mentalidade, em parte resultante das duas primeiras, trata da mudança nos

padrões de expectativa e nas tradições dos indivíduos, o que exacerba o questionamento da autoridade e a insatisfação com os establishments e sistemas políticos vigentes, especialmente entre jovens. Dessa tripla revolução surge a possibilidade de atuação de micropoderes: autoridades locais, novas igrejas, micro e pequenas empresas e ONGs, mas também redes globais de terrorismo, guerrilhas e hackers ocupam espaços deixados pelas tradicionais formas de exercício do poder, em âmbito nacional e internacional. Naím chama atenção para a incapacidade de partidos políticos de intermediarem novas demandas das sociedades, o que abre espaço, por exemplo, para facções intrapartidárias e formas alternativas de organização política. Naím é consciente da dificuldade, própria e alheia, de apresentar respostas concretas sobre as implicações do declínio do poder. O mais importante seria, contudo, refletir sobre o que deve ser feito para recuperar a confiança dos indivíduos, sobretudo em relação aos governos. Os movimentos sociais e ONGs, que, nas últimas décadas, ampliaram sua projeção e capacidade de influência, teriam muito a informar, especialmente no que se refere à capacidade de mobilização de jovens ativistas e ao estabelecimento de agendas claras e focadas. A obra de Naím, ilustrada com exemplos simples e acessíveis mesmo ao leitor leigo, traz argumentação inovadora e certamente estimula reflexão duradoura entre aqueles interessados em fenômenos políticos, diplomáticos e na lógica de atuação em redes.  — J

ensaios e resenhas

A Rússia faz parte do seleto grupo de países que têm lugar garantido no imaginário coletivo das pessoas. Carac­ terísticas como o frio, a neve, o gosto por bebidas pesadas e o militarismo são frequentemente associadas ao país. Muitos E não é assim que tu mesma voas, Rússia, desses estereótipos e imagens têm sido qual uma tróica impetuosa que ninguém incessantemente reforçados por interméconsegue alcançar? Debaixo de ti fumega a dio de veículos anglo-saxões e europeus estrada, tremem as pontes, tudo recua (filmes, relatos de viagens, livros, notícias), não se tratando necessariamente e fica para trás. [...] de visões construídas por meio de um Rússia, para onde voas? Responde! contato direto entre brasileiros e russos. Ela não responde. Vibram os sininhos no Tendo isso em mente, abordam-se, aqui, seu tilintar mavioso, zune e transforma-se alguns dos fundamentos históricos da em vento o ar dilacerado em farrapos; pas- identidade russa, a fim de fornecer subsídios para uma perspectiva pós-ocidensa voando ao largo tudo o que existe sobre a terra, e, de olhar enviesado, afastam-se tal sobre a Rússia que supere as visões ocidentais reproduzidas acriticamente e abrem-lhe caminho os outros povos e os outros países. no Brasil. Antes disso, contudo, é necessário res(Nikolai Gógol, Almas Mortas, p.294-295) saltar que o Ocidente desenvolveu uma espécie de “orientalismo” para a Rússia. Com efeito, uma das definições que Edward Said confere ao termo, na introdução de O orientalismo, é “um modo de resolver o Oriente que está baseado no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência ocidental europeia”. É possível adotar termos semelhantes para a abordagem ocidental em relação à Rússia, a qual Tirando as lentes ocidentais para ver a Rússia ressalta o suposto exotismo do país e mes— cla elementos de admiração - como a exaltação de manifestações culturais russas na texto Bruno Quadros e Quadros literatura, na dança e na música clássica – e de temor – de que é exemplo a interPara superar a absorção acrítica das imagens sobre a Rússia produzidas no Ocidente, é ne- pretação das iniciativas internacionais do cessário promover uma perspectiva pós-ocidental sobre o país, que leve em conta a aná- país como “expansionistas” e “imperialislise sem mediações dos fundamentos históricos da identidade e da nacionalidade russas. tas” nos últimos séculos. Eh, tróica! Pássaro tróica, quem foi que te inventou? Só podias ter nascido de um povo atrevido, naquela terra que não está para brincadeiras, mas espraiou-se, imensa e alastrada, pela metade do mundo. [...]

Para além do “orientalismo”

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A águia bicéfala é o brasão de armas da Rússia, e sua origem remonta à heráldica bizantina. Uma das interpretações do símbolo, ilustrativa do caráter híbrido da identidade russa, é que uma cabeça da águia olha para o Ocidente, e a outra, para o Oriente.

Durante a maior parte dos séculos xix e xx, a Rússia foi o “outro” a ser combatido pelo Ocidente, em episódios como a Guerra da Crimeia (1853-1856), o “Grande Jogo” na Ásia Central e o conflito bipolar da Guerra Fria. A representação da Rússia como um Urso, grande, ameaçador e impiedoso, data das caricaturas britânicas do século xix. A associação do suposto autoritarismo dos governos russos a um “despotismo asiático”, por sua vez, tem sido frequente no Ocidente desde os iluministas. Como veremos a seguir, o fator geográfico (a condição eurasiana do país) provocou um debate identitário cuja complexidade é frequentemente negligenciada por analistas ocidentais.

Entre a Europa e a Ásia A dimensão gigantesca da Rússia e a sua localização em dois continentes trouxeram desdobramentos indeléveis para a formação da nacionalidade russa. Encruzilhada entre a Ásia e a Europa, a Rússia foi alvo de invasões e de influências oriundas dos dois lados, e isso fez com que a identidade russa fosse um amálgama de todas essas tendências. Da Europa, a Rússia recebeu a religião cristã e o alfabeto cirílico, derivado do grego. Da Ásia, herdou um modelo de centralização política que passaria a ser adotado, sob diversas formas, ao longo da história do país, após as invasões mongóis do século xiii. Interessante observar que essa dualidade é expressa também nas características das “duas capitais” da Rússia. Moscou representaria a dimensão asiática, devido à herança do jugo tártaro-mongol, o qual

tornou a cidade a capital do país. Já São Petersburgo seria, nas palavras de seu fundador - o Tsar Pedro, o Grande -, a “janela para a Europa”, assemelhando-se urbanisticamente a Veneza. Há correntes artísticas, políticas e sociais no Ocidente cuja reação ao caráter híbrido da identidade russa (meio europeia, meio asiática) tem sido, historicamente, a de associar todos os elementos considerados “negativos” do país a seu legado asiático (tido como “bárbaro”): o autoritarismo político, a servidão e o atraso social e econômico em relação à Europa Ocidental. Em conjunturas políticas específicas, esse discurso “orientalista” de ressaltar as características asiáticas da Rússia é utilizado para alienar o país da “família europeia”. A condição eurasiana da Rússia traduziu-se na cisão entre ocidentalistas (zapadniki) e eslavófilos (slavyanofily), a qual permeou o debate cultural, social e político sobre os destinos do país após o reinado de Pedro, o Grande (1682-1725), com desdobramentos verificados até hoje. Os ocidentalistas defendiam reformas socioeconômicas ao estilo ocidental (reforma agrária, por exemplo) como caminho para a modernização e a inserção internacional da Rússia. O grupo privilegiava os aspectos históricos e culturais em comum entre a Rússia e o Ocidente, em vez dos pontos de discordância. Os zapadniki valorizavam as medidas implementadas por Pedro, o Grande, como modelo da modernização que pretendiam implantar na Rússia. Nas artes, expoentes dessa corrente foram Ivan Turgueniev e Aleksander

Herzen. Na diplomacia, os ocidentalistas estão associados ao grupo dos “atlantistas”, que dominaram a formulação da política externa russa na primeira metade da década de 1990, com o chanceler Andrey Kozyrev. Os eslavófilos, por sua vez, destacavam o excepcionalismo da Rússia frente ao Ocidente. Para eles, o desenvolvimento econômico, social e político do país deveria estar de acordo com os valores russos, como a noção de comunidade (sobornost’) e de ortodoxia (pravoslavie). Os slavyanofily rejeitavam ideias ocidentais como o liberalismo, o materialismo e o individualismo, pois as consideravam nocivas à essência da “alma russa”. Os reinados dos Tsares Alexandre III (1881-1894) e Nicolau II (1894-1917), assim como figuras proeminentes da literatura como Fyodor Dostoyevsky, são associados à ideologia defendida pelos eslavófilos.

ensaios e resenhas

A Rússia como Urso: a partir do século xix, passaram a ser comuns no imaginário coletivo ocidental representações da Rússia como Urso, como a caricatura de 1911 que retrata a disputa entre Grã-Bretanha e Rússia sobre a Pérsia. imagem “Craven Hill” (leonard raven-hill) / Revista Punch, or The London Charivari

unívoco. Conforme salientou Konstantin Khudoley, membro da Universidade das Nações Unidas, em palestra proferida no Brasil, em 2009, a maioria dos russos adultos tende a comparar o nível de liberdade da Rússia atual com o da União Soviética, e não com o dos governos ocidentais. Nessa comparação, os russos gozam de liberdades individuais sem precedentes em perspectiva histórica. —————

Um dos pontos de maior discordância entre ocidentalistas e eslavófilos tem sido a respeito do caráter do sistema político e, principalmente, do papel desempenhado pelo governante nesse sistema. Enquanto os ocidentalistas tendem a privilegiar, historicamente, a adoção de sistemas mais representativos, os eslavófilos, baseados no princípio da autocracia (samoderzhaviye), defendem uma maior concentração do poder nas mãos de um indivíduo.

A Rússia precisa de um Tsar? A concentração do poder dos governos da Rússia ao longo dos séculos está associado à importância do conceito de gosudarstvennost’ na cultura política russa. O termo não possui tradução direta para o português, mas transmite a ideia da centralidade do Estado (gosudarstvo) na vida russa. Ao contrário do Ocidente, em que a teoria política liberal contrapõe o Estado à sociedade e ao indivíduo, na

Rússia o Estado é tido como o organizador da vida social e o garantidor da estabilidade. Na memória histórica russa, os períodos de caos são associados à existência de um Estado fraco, como aconteceu, recentemente, na década de 1990. Por contraste, os períodos com a presença de um poder político forte são considerados os mais estáveis. A estabilidade, aliás, é outro conceito caro à cultura política russa. Está associada à ausência de padrões de concorrência entre líderes políticos; na verdade, a concorrência tem conduzido, historicamente, à instabilidade e, na maioria das vezes, ao aniquilamento de um dos adversários. O caso mais célebre nesse sentido foi a disputa pela sucessão de Lenin, a qual culminou no assassinato de Leon Trotsky, a mando de Joseph Stalin, na década de 1940. A crítica ocidental acerca da alegada falta de liberdade na Rússia é ideologicamente enviesada, uma vez que o conceito de liberdade carece de um sentido

O Brasil precisa construir uma compreensão própria e sem mediações da Rússia. Para isso, é fundamental afastar-se da absorção acrítica do discurso ocidental (leia-se, norte-americano e europeu), que é sustentado por um amplo complexo midiático e epistêmico e que responde a imperativos políticos específicos desses países. Para escapar das lentes “orientalistas” pelas quais o Ocidente muitas vezes vê a Rússia, é necessário recorrer aos fundamentos históricos da identidade e da nacionalidade russas, entre os quais estão a dualidade asiático-europeia do país e a particularidade da cultura política russa. Outro passo na construção de uma perspectiva pós-ocidental sobre a Rússia é evitar abordagens normativas a respeito do país, as quais podem provocar dificuldades de entendimento. A prescrição de receitas e a elaboração de críticas, longe de promoverem a compreensão do país, redundam na alienação e na irritação do “outro”. Por fim, a promoção de contatos diretos com agentes da sociedade russa (governo, sociedade civil e empresas) tende a ajudar na criação de uma perspectiva pós-ocidental sobre a Rússia. Iniciativas como a publicação de obras de especialistas brasileiros sobre o país eslavo, assim como a colocação de correspondentes jornalísticos brasileiros na Rússia e a promoção de uma agenda comum de pesquisa científica, respondem a esse objetivo.  — J

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A celeuma causada pelos vazamentos de Manning e Snowden não se deve, apenas, à necessidade de condenar práticas inaceitáveis e cínicas do outro, mas à de admitir que elas se beneficiam de nossa conivência — texto Rui Camargo

Não é mais tempo de homens partidos. As revelações levadas a cabo por Assange e Snowden, nos episódios ligados ao Wikileaks e à espionagem, apenas ilustram essa constatação. A descrença na instituição do partido é sintoma do cinismo que perpassa a prática política contemporânea. É esse cinismo que dá a justa medida dos recentes vazamentos. A contradição entre o discurso oficial sobre liberdades individuais de antigas democracias e o “verdadeiro” discurso, contido em documentos classificados e, há pouco, desconhecidos pelo público, indica sua desconsideração de valores como direito à privacidade e liberdade de expressão, que estão na base do liberalismo político desde, pelo menos, a Revolução Americana, em 1776. O cinismo não corrói apenas o liberalismo. Uma vez que todo o espectro político moderno é herdeiro do liberalismo iluminista, o cinismo corrói o próprio conceito moderno de Política. Este último tem como pressuposto fundamental

a ideia de Futuro, como já ressaltou o historiador alemão Reinhardt Koselleck, em Futuro Passado. Não o futuro de Hesíodo, que é mera repetição cíclica do passado, mas o futuro das Revoluções Americana e Francesa, que o afirmam como genuinamente novo. Na Modernidade, o futuro é domínio da liberdade humana. Os cidadãos decidem juntos quais serão os critérios de sua construção. O embate entre democracias liberais e socialismo disputava qual era a forma mais eficiente de implementar esse conceito de liberdade, mas não punha em xeque o conceito em si. O cinismo, em contraste, afirma que os cidadãos precisam apenas acreditar – ou fingir que acreditam – no exercício da própria liberdade, visto que a política real continua a ser um ofício de um pequeno e seleto grupo. Em certo sentido, a preocupação do cínico é, apenas, a de manter as aparências. Nesse sentido, é correto afirmar que a classificação da informação é uma questão de segurança nacional. O problema

é pressupor que tenhamos de esconder algo do inimigo, apenas. O desconforto causado pelos documentos publicados no Wikileaks não se deve à entrega de informações cruciais para o sucesso das operações de grupos radicais, mas à revelação de algo que já sabíamos. Essa constatação foi feita pelo antigo deputy chief do mi6, Nigel Inkster, em entrevista ao jornal britânico The Guardian. Segundo Inkster, nada do que foi publicado era desconhecido ou não podia ser facilmente inferido, seja por nós, seja por membros da Al Qaeda ou do Taliban. Se esse é o caso, então por que o mesmo jornal britânico recebeu ordem do gabinete de David Cameron para destruir os documentos vazados por Snowden? Ordem análoga às que receberia o periódico The New York Times, dias depois. Em vista dos danos que essas tentativas de impedir a circulação dos documentos vazados impõem à imagem de ambos os governos, forçados a agredir em público a liberdade da

ensaios e resenhas

imagem Google Art Project

imprensa, neles deve haver algo que não pode ser revelado. O argumento oficial é o de que Snowden teria vazado documentos contendo informações vitais para a segurança nacional. No entanto, como os serviços de inteligência são os únicos que conhecem os documentos, a opinião pública não tem como verificar a veracidade do argumento. No caso do The Guardian o caso é mais curioso, porque a destruição dos arquivos tem valor meramente simbólico. Há cópias dos arquivos vazados em diversas partes do mundo, inclusive, supõe-se, com Glenn Greenwald, correspondente do jornal que vive no Rio de Janeiro. A descrição de como foi destruído o hd contendo os documentos, publicado pelo periódico em 20 de agosto de 2013, dá todos os sinais de que a questão é manter as aparências. É constrangedor admitir que a crença no projeto político moderno foi abandonada há muito e que o que interessa é a simples manutenção do poder. É como uma criança que, após ter quebrado o vaso, esconde os cacos. Embora ela julgue esconder o desastre da mãe, o que realmente interessa é escondê-lo de si mesma. Nesse exemplo simplório, mas recorrente, a criança não são go­vernos maquiavélicos e sedentos por poder, mas a sociedade como um todo. Não foi apenas a classe política que perdeu a crença nos valores que deveriam justificar a existência de seus cargos, mas também aqueles que os elegeram de maneira ativa ou omissa. Isso é grave porque significa que não se espera mais que a Política seja um meio de transformação do futuro e, se o futuro não for transformado, ele repetirá o presente. Se ele repetir o

presente, não será um futuro de verdade, para mentir pelo bem de seu país”. A figumas um mero presente contínuo. Uma vez ra arquetípica dessa concepção é o quadro que seria doloroso demais viver em mun- “Os Embaixadores” de Holbein, no qual o do que não pode ser transformado, conti- elemento mais importante – uma caveira nuamos a agir como se acreditássemos nos pintada bem no centro da cena – só pode valores fundamentais de liberdade, priva- ser visto de um determinado ângulo, porcidade e representação política. Ao agir que foi codificado com uma técnica de disem dissonância com o que acreditamos, torção da perspectiva, conhecida como tornamo-nos uma sociedade cínica. anamorfose. O quadro reforça a ideia de É curioso que o mal-estar causado pela que a verdade da diplomacia está esconindiscrição de Snowden e de Assange seja dida do olhar vulgar. sentido particularmente na condução da O único detalhe é que tanto Holbein quanto Wotton são anteriores ao Ilumi­nismo. Sua concepção de diplomacia é incompatível com o Estado de Direito. Um pressuposto fundamental deste último é o de que as leis são de conhecimento público. Leis secretas são um resquício do Antigo Regime, vergonhosamente preservado em regimes de exceção, mas não – ao menos em teoria – em governos verdadeiramente democráticos. Se a condução da política externa implica a elaboração e a aplicação de leis, ela é tão “política” como a interna, que elabora leis e, portanto, não pode ser secreta. A diplomacia deveria ser conduzida sob o escrutínio público, ao alcance do olhar comum. Em um diplomacia, associada, no imaginário co- Estado Democrático, mentir por seu país mum, ao domínio da mentira e da falsi- e para seu país são a mesma coisa. dade. Se a política internacional é, suposEm certo sentido, todos sabem que as tamente, o domínio da inverdade, porque coisas não funcionam assim. Mesmo antes os vazamentos provocaram reações par- do Wikileaks, como frisou o Sr. Inkster. Os ticularmente energéticas nesse domínio? exemplos abundam. Pensemos nas suposSe é esperado que os Estados tentem ta- tas armas de destruição em massa do regime pear uns aos outros, qual a surpresa nos de Saddam Hussein – evidências forjadas recentes vazamentos? que justificaram uma longa guerra – ou no É conhecida a definição de Henry regime fora da lei de Guantánamo. Aquilo Wotton, para quem “o diplomata é um ho- que deveria ser do público, as informações mem honesto que é enviado ao estrangeiro nas quais se baseava a condução da política Hans Holbein, o Jovem Os Embaixadores, 1533 Óleo sobre madeira 209,5 x 207 cm

ilustrações Clara Meliande e Rafael Alves

externa, lhe foi negado. Em ambos os casos era sabido que a Política era conduzida por serviços de inteligência que empregavam meios escusos para atingir seus objetivos. Saber como funcionam as coisas não explica o imbróglio diplomático produzido com os vazamentos. Se já nos sabíamos vigiados antes, por que só reclamamos agora? É claro que, num primeiro momento, as dimensões exatas dos programas de controle não eram conhecidas. Além disso, os vazamentos fornecem provas que fazem com que as reclamações não possam ser desqualificadas como fruto de mera especulação. No entanto, isso é insuficiente para explicar todo o desconforto com a situação. Como bem lembrou o filósofo esloveno Slavoj Žižek, em artigo de 3/9/13, para o jornal britânico The Guardian, o episódio envergonhou os responsáveis por práticas de espionagem. É esse sentimento de vergonha que se tenta esconder a todo custo, porque ele indica a confrontação com um saber que foi recalcado. Se alguém sabe que as coisas não são como deveriam, mas age como se fossem, esse alguém é cínico. É esse cinismo o substrato de programas de coleta de metadados que violam uma quantidade nada desprezível de direitos fundamentais e de normas internacionais. O cinismo busca anular a contradição entre saber e prática. Quando essa contradição é revelada, o cínico fica envergonhado. Ele é obrigado a reconhecer a própria hipocrisia. Žižek ponderou que, ao ser factualmente exposta a contradição entre o discurso democrático e a condução da política externa, os

representantes do poder foram confrontados com a vergonha, tornada, assim, instrumento de luta política. Ela é o efeito de uma denúncia, que expõe a indecência da contradição. É essencial, nesse caso, que se possa dizer não, não é admissível que um Estado de Direito se porte de tal e tal forma. Mais do que isso, a vergonha é uma forma de forçar o outro – e nós mesmos, como veremos – a confrontar a inadmissibilidade da situação. As ordens de destruição dos discos rígidos que continham os documentos vazados por Assange são uma reação defensiva a esse retorno do recalcado social, como se seu desaparecimento pudesse apaziguar a vergo-

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A celeuma diplomática não se deve, apenas, à necessidade política e moral de condenar práticas inaceitáveis e cínicas do outro, mas às dificuldades de admitir que elas se beneficiam de nossa conivência. Em meio aos nossos justos gritos de protesto, não devemos esquecer que nós já sabíamos, ou, ao menos, suspeitávamos do que se passava. Afinal, como as tropas de choque ao redor do mundo têm demonstrado recentemente, não são apenas os serviços de inteligência que violam a liberdade de expressão. Não são apenas eles os cínicos em relação ao Estado de Direto. Há, portanto, um sentido recôndito na classificação dos vazamentos como indiscretos. Eles não nos ensinam nada, mas criam uma estrutura na qual “eu sei que o outro sabe que eu sei”. Por isso, há um movimento reflexivo. Agora, todos sabem que tenho perfeita noção da hipocrisia dos outros e da minha. Esse saber reflexivo mina o cinismo por meio da vergonha e revela a insustentabilidade de sua posição. Ele nos força a olhar-nos através do olhar alheio. É através do outro que revemos o nosso segredo. Descobrimos que nosso cinismo não é um estado natural, que não temos de aceitar que a vigilância perpétua seja natureza de nossa sociedade. Descobrimos que podemos lutar contra o cinismo e que a política é, sim, uma prática que constrói a realidade. A vergonha nos lembra, enfim, de que somos livres e de que o futuro não precisa ser o mesmo presente vigiado.  — J

Os vazamentos não são uma questão de saber, mas de confronto, de reconhecimento. — nha. Nesse sentido, elas não diferem muito da criança que esconde o vaso quebrado. Seria, contudo, interessante alargar o escopo da análise de Žižek. Os vazamentos não são uma questão de saber, mas de confronto, de reconhecimento. Por meio deles, governos de Grandes Potências são forçados a admitir que violam seus próprios valores fundamentais, mas nós também somos forçados a reconhecer o que sabemos. Logo, nós não seríamos cínicos também? É plausível supor que o comportamento cínico é mero desvio patológico de uns poucos funcionários de agências de inteligência ao redor do mundo? Não, sabemos que não é; especialmente, após as denúncias de Assange, Snowden e outros.

ensaios e resenhas

Amor paterno. (Cais de Wonsan)

ensaio fotográfico

Coreia do Norte —

fotos Thomaz Napoleão comentários Rui Camargo

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ensaios e resenhas

ao lado O espetáculo do Festival de Arirang de Jogos de Massa, em Pyongyang, constitui-se no diálogo entre um gigantesco painel de mosaico e uma dinâmica performance de dançarinos, cantores, ginastas e músicos. abaixo Com fones de ouvido de iPod. (Cidade de Panmunjeom, na fronteira entre as Coreias)

É rara a oportunidade de olhar a Coreia do Norte por dentro. O país está fora do circuito turístico internacional e sofre com os estereótipos de uma cobertura enviesada. Para o bem ou para o mal, o preconceito produziu um véu de medo e mistério sobre país. Raros são os momentos de exposição da vida cotidiana de um país notoriamente fechado ao exterior.

Todas as fotos de Thomaz Napoleão parecem retratar um olhar pela fechadura. Há algo de indiscreto no modo como olha por debaixo de uma cobertura jornalística no mais das vezes pouco criativa. Não se trata, é claro, de idealizar a sociedade norte-coreana, que está certamente longe do Paraíso; mas também o resto do mundo está a anos luz do Éden. Trata-se de aplicar o mesmo peso e a mesma medida.

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Os ensaios para o Festival de Arirang são um processo sem fim. Assim como no Carnaval do Rio, a preparação para o ano seguinte começa tão logo as comemorações do ano corrente terminam.

Ao abandonar os clichês, o obturador registra particularidades únicas da cultura local. Não se deve esquecer, contudo, que, ao reconhecer as particularidades, reconhecemos também o universal. As imagens revelam que os habitantes deste longínquo pedaço de terra são tão humanos quanto nós. Despidos da fantasia demoníaca que lhes é maldosamente vestida, são homens que brincam com crianças na praia.

É, no mínimo, cruel que essa constatação, provocada pelas fotografias, nos cause espanto. Como pudemos esquecer que eles também são homens? Quem nos convenceu de que eram outra coisa? Essas as perguntas que surgem, passado o encanto com cenas tão raras.  — J

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acima Hora da escola. (Creche Kim Jong Suk, em Pyongyang) ao lado Monumento do Partido dos Trabalhadores. (Pyongyang)

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RESENHA Cidades Rebeldes de David Harvey, Ermínia Maricato, Slavoj Žižek, Mike Davis et. al. texto Rui Camargo O breve e acessível livro “Cidades Rebeldes” (Boitempo e Carta Maior, R$ 10, 110 páginas) reúne curtos ensaios sobre as recentes manifestações urbanas; de Ancara à Atenas, passando por São Paulo, Nova Iorque e Barcelona. Ainda que a maior parte dos ensaios privilegie as manifestações brasileiras de junho de 2013, a linha editorial busca salientar a conexão entre o fenômeno brasileiro e o vivido por outras cidades do mundo. Em seu conjunto, o livro contrapõe o que há de específico nos protestos urbanos brasileiros ao que neles há de universal. Sob a ótica dos autores – muitos dos quais amplamente conhecidos, como Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis e o Movimento Passe Livre – a luta contra a elevação das tarifas do transporte público é expressão particular de um problema mais amplo. Em última instância, subjaz aos protestos a incapacidade crônica do Estado de bem-estar social de cumprir suas promessas. Os sintomas de semelhante incapacidade variam no tempo e no espaço, mas são manifestações de uma doença comum. É claro que os autores abordam os aspectos objetivos da realidade social brasileira que contextualizam os protestos. Um breve retrospecto do aumento no tempo gasto em deslocamento na cidade de São Paulo nas últimas três décadas, ou do aumento exponencial na taxa de homicídios – que vitimam jovens negros de forma brutalmente desproporcional– já poderia indicar os motivos iniciais. Entretanto, o empenho analítico intenta transcender a simples realidade cotidiana e indicar as relações sociais que a produzem. Os protestos de junho rejeitam radicalmente a realidade cotidiana em grandes metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro, mas não é ela, por si só, que produz o mal-estar generalizado entre os que saíram às ruas. Os autores concordam, em maior ou menor grau, com o fato de que essa afirmação ainda não está

clara para a maior parte dos manifestantes, que não se mostraram, até o momento, capazes de propor uma forma de vida alternativa. O episódio de rejeição generalizada e violenta dos partidos ilustra, de maneira exemplar, tal indeterminação; é por isso que ele recebe a atenção de diferentes ensaístas. A mobilização nega a estrutura social do cotidiano, mas não indica caminhos concretos de transformação. Nesse diagnóstico, é possível identificar a orientação marxista adotada pela maior parte dos ensaístas. A inexistência de alternativas deve-se, exatamente, ao fato de os manifestantes não realizarem uma mediação entre as circunstâncias particulares de seu entorno imediato e a crise generalizada do capitalismo, que eclodiu sob diferentes roupagens: na Europa, com a luta contra a austeridade fiscal; no norte da África e no Oriente Médio, com a Primavera Árabe; nos Estados Unidos, com o movimento Occupy Wall Street. Os ensaios procuram explicitar uma relação dialética entre universal e particular – traduzida pelo vínculo entre os problemas locais e a lógica inerente ao sistema capitalista – que escaparia aos manifestantes no Brasil e no mundo. Essa incapacidade, por sua vez, resulta na incapacidade dos protestos de propor um cotidiano alternativo e superar as contradições e insuficiências do Estado. A leitura exige que o leitor tome partido. Esse simples detalhe já a justifica, na medida em que escapa a uma apresentação meramente descritiva do debate público no Brasil contemporâneo. Em certo sentido, o livro impõe um engajamento propositivo que não se formou durante os protestos em junho, ao indicar um programa político e uma concepção de transformação social para a insatisfação indeterminada e generalizada. Ao forçar uma tomada de posição, a leitura expõe os conflitos que, há pouco, passavam despercebidos nas metrópoles brasileiras.  — J

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foto Amena Yassine Palácio Itamaraty: a curva livre e sensual de Oscar Niemeyer.

texto Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos e Pedro Tiê Candido Souza

ARQUITETURA, JARDINS E MOSAICOS A influência da “Tríade Modernista” no Itamaraty

Em 20 de abril de 1970, Brasília assistia à inauguração oficial do Palácio dos Arcos. Por força da tradição, a nova sede da diplomacia brasileira ficaria conhecida apenas como Palácio Itamaraty, em referência ao antigo sobrado oitocentista de paredes rosadas, localizado no centro do Rio de Janeiro. Imbuído do espírito que permeou a construção da nova capital e o traçado de seus edifícios públicos, o Palácio Itamaraty sintetiza os princípios e a singularidade da arte modernista brasileira. Pouco mais de 42 anos depois, em setembro de 2012, 30 jovens recém-aprovados no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata caminhavam pelos corredores do Palácio Itamaraty e de seus Anexos à procura da

82 em sentido horário, a partir da imagem ao lado Escada helicoidal no vão livre do Palácio Itamaraty; encontro de Athos e Niemeyer em vista inferior da escada helicoidal; passarela: luz e sombra.

sala do Serviço de Assistência Médica e Social (SAMS). Ao adentrarem o SAMS, deparar-se-iam com um anguloso painel de laminado azul e verde. Naquele momento, ávidos por entregar seus exames admissionais, os futuros Terceiros-Secretários não se deram conta de que aquele painel, aparentemente inconspícuo, era, em realidade, obra escondida do artista e arquiteto Athos Bulcão. Juntamente com Burle Marx e Oscar Niemeyer, Athos compõe o que aqui designamos “A Tríade Modernista”. — Oscar Niemeyer, inspirado pela “curva livre e sensual”, usou seu lápis para projetar uma fachada de arcos a um só tempo imponentes e etéreos, que pairam com

leveza sobre o espelho d’água que circunda o Palácio. A preferência de Niemeyer por formas abstratas e por curvas está presente em diversos aspectos do projeto arquitetônico do Palácio Itamaraty. Caminhando por seus espaços abertos, tem-se uma sensação de amplidão e de infinitude, paradigmas da estética modernista. No vão livre de mais de 2.000 m2, emerge uma sinuosa escada helicoidal, que conecta o auditório, o térreo, e o mezanino do Palácio. A simplicidade do traço, marca de Niemeyer, transmite elegância e graça àqueles que visitam ou trabalham no Itamaraty. Le Corbusier, uma das influências de Niemeyer, consubstanciou diretrizes conhecidas como “Os Cinco Pontos da Nova Arquitetura”, a saber: planta livre (as

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A cultura institucional do Itamaraty está imbuída dos preceitos presentes nas manifestações estéticas da Tríade Modernista — paredes não exercem função estrutural), fachada livre (independência entre estrutura e vedação), fênetre en longueur (janela em fita por toda a extensão dos edifícios), pilotis (permitindo a livre circulação) e terraço-jardim (transferência de jardins para a parte superior dos prédios, transformando as coberturas em espaços de convívio). Em seus projetos, Niemeyer aplicava, parcial ou integralmente, esses cincos princípios. A planta e a fachada livres, assim como a janela em fita, são componentes fundamentais do Palácio. — Roberto Burle Marx seria o responsável por dar vida ao terraço-jardim que, com vista panorâmica para a Esplanada dos Ministérios, é componente de destaque

no projeto arquitetônico de Niemeyer. O lã. Denominada “Vegetação do Planalto expoente do paisagismo brasileiro mo- Central”, a peça representa as plantas naderno projetou, ainda, jardins vanguar- tivas do Cerrado brasileiro. distas no térreo e no espelho d’água do — Palácio, combinando a diversidade de es- O último integrante da Tríade Moder­nista, pécies nativas brasileiras com a justaposi- Athos Bulcão, é considerado o “artista de ção de formas, texturas e volumes. A com- Brasília”. Seu trabalho é dedicado para o posição inovadora dos jardins concebidos convívio diário com a população, que enpor Burle Marx completa a estética moder- tra em contato com suas obras quase que nista que caracteriza o Palácio Itamaraty, acidentalmente. Foi o caso dos Terceirosrevelando uma harmonia inusitada entre Secretários da Turma de 2012, que, sem darconcreto e natureza. A fascinação do artis- -se conta, estavam rodeados por um paita pela vegetação nativa manifesta-se, ain- nel do artista no momento da entrega de da, em uma tapeçaria de sua autoria ex- seus exames admissionais. Esse contato posta na Sala Brasília, que se abre para o fortuito com a arte, inclusive no decorrer terraço-jardim do Palácio. Executada pelo de atividades protocolares, é algo rotineiro Atelier Douchez-Nicola, a tapeçaria foi con- para os funcionários do Itamaraty. Há obras feccionada em cinco partes e tecida em de Athos Bulcão no vão livre do Palácio, no

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na página ao lado Terraço-jardim idealizado por Burle Marx; jardins térreos do Palácio Itamaraty: composição de espécies nativas brasileiras. nesta página, acima Painel de Athos Bulcão no SAMS: joia escondida (foto: autores). Abaixo Passarela: Athos, Niemeyer e natureza.

Instituto Rio Branco, no SAMS e na passarela entre os Anexos I e II, assim como nas Embaixadas brasileiras em Lagos, em Nova Délhi, em Buenos Aires e em Praia. Por meio de composições de cores e de formas geométricas, Athos Bulcão cria mosaicos e painéis inusitados e sem padrão necessariamente pré-determinado. Os trabalhos de Oscar Niemeyer, Burle Marx e Athos Bulcão no Palácio Itamaraty dialogam de forma orgânica, resultando em um todo naturalmente harmonioso. Essa harmonia deriva da convergência estética entre as visões dos três artistas, que imprimiram sua marca em um momento de renovação da arte e da arquitetura no Brasil. Nesse sentido, o Palácio Itamaraty

reúne diversos preceitos modernistas, que lhe conferem uma identidade visual única e inovadora, que, por sua vez, influencia a identidade do diplomata brasileiro. O Palácio Itamaraty não é apenas uma estrutura física, mas também um espaço de ressocialização. A cultura institucional do Itamaraty está imbuída dos preceitos presentes nas manifestações estéticas da Tríade Modernista, que fazem do Palácio uma segunda “Casa” para seus funcionários. Quando forem lotados no exterior, os Terceiros-Secretários da Turma de 2012 certamente levarão consigo a curva livre e sensual de Oscar Niemeyer, os jardins contemplativos de Burle Marx e as instigantes composições de Athos Bulcão.  — J

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RESENHA – Exposição

“Resistir é preciso” texto Rui Camargo

no alto Ivan Serpa, Figura, 1964. Óleo sobre tela, Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Compra do Governo do Estado de São Paulo, 2001. Licenciado por Yves Henrique Cardoso Serpa, Leila Cardoso Serpa e Heraldo Cardoso Serpa (foto: isabella matheus); ao lado Cildo Meireles, Inserções em Circuitos Ideológicos 2 – Projeto Cédula, 1970. Registro Fotográfico de ação. Coleção Cildo Meireles. Licenciado por Cildo Meireles (foto: pat kilgore).

O título da exposição concebida pelo – da memória e do evento - jazem insepulInstituto Vladimir Herzog abre uma plu- tos, sendo necessário protegê-los. ralidade semântica que vai dos versos de É importante lembrar que os mortos Fernando Pessoa aos de Caetano Veloso. Se da ditadura não estão a salvo. Talvez essa resistir – e navegar - é preciso, viver não o é. seja a mensagem implícita no quadro de A curadoria, portanto, se dá sob o signo da Ivan Serpa que integra a exposição. Parte morte, é um rito fúnebre. A obra de Hélio do que ficou conhecido como sua fase “neOiticica que confronta o visitante já na en- gra”, quando abandona o rigor abstrato e trada, ainda que não seja dos seus traba- geométrico da arte concreta em favor de lhos mais estimulantes, é suficiente para uma releitura do expressionismo, a obra dar o recado: um corpo estendido no chão. apresenta a deformação do traço branco Resistir exibe um leque de significados como elemento básico de composição. As que qualificam a memória. Não capitular, pinceladas grossas e carregadas de tinopor-se, durar. Não se trata de não sucum- tas criam um campo de força circular, ao bir, de fazer face, de sobreviver apenas ao centro da tela. A figura evoca os elemenregime de exceção, mas, também, ao tem- tos constitutivos do corpo humano, sobrepo. A exposição procura lembrar o visitante tudo ossos, cuja forma é retorcida nesse de um evento que resiste no tempo e que, campo. Expõem-se, desse modo, as oposipor isso, constitui a memória. Seus mortos ções fundamentais da arte pictórica: luz/

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acima Cildo Meireles, Inserções em Circuitos Ideológicos 1 – Projeto CocaCola, 1970. Serigrafia sobre vidro. Coleção Cildo Meireles. Licenciado por Cildo Meireles (foto: pat kilgore). ao lado Alex Flemming, NaturezaMorta, 1978. Fotogravura sobre papel. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, doação do artista, 1980. Licenciado por Alex Flemming (foto: isabella matheus).

sombra, linha/plano, figura/fundo. A crueza do procedimento, ao abandonar séculos de sofisticação – destinada justamente a esconder o contraste em uma ilusão naturalista –, apresenta uma imagem fantasmagórica de um ser que não está vivo. O horror da imagem é o de um passado sem descanso. A morbidez é reforçada pelos ready-made produzidos por Cildo Meireles, numa releitura engajada da prática inicialmente proposta por Marcel Duchamp e reproduzida à exaustão pela arte pop estadunidense e europeia. As cédulas e garrafas gravadas com mensagens políticas, que integram o trabalho “Inserções Ideológicas”, não foram descartadas após o uso, mas conservadas, como que parodiando o hábito egípcio de sepultar objetos junto aos corpos, para

a vida após a morte de seus donos. Corpos e objetos permanecem insepultos. Convém lembrar, no entanto, que, ao contrário das imagens pictóricas presentes na exposição, os objetos, bem como os cartazes, trazem mensagens verbais inscritas em seus corpos. Os ready-made e cartazes propõem perguntas que permanecem sem resposta, acerca do paradeiro de militantes políticos e familiares desaparecidos, da ausência de soluções para uma sociedade profundamente desigual. Semelhantes indagações históricas permanecem, em sua maioria, sem resposta satisfatória, como as recentes manifestações bem o demonstram. Na ausência de respostas, os mortos não podem descansar em paz. O “Adágio para cordas”, de Samuel Barber, é uma boa trilha sonora para esse

trabalho de luto incompleto. A peça é reproduzida em uma instalação simplória, que projeta sobre a parede os nomes das vítimas da Ditadura. A melancolia provocada pela progressão melódica circular e incerta não deixa de evocar uma história bloqueada, que, à semelhança do tema desse adágio, não resolve suas tensões ou avança para um novo estágio. A trilha sonora – por pouco inovadora que seja – é um parâmetro adequado para avaliar a exposição: simples, mas extremamente didática. Individualmente, as obras apresentadas não são as mais bem acabadas de seus autores; mas, somadas aos depoimentos e cartazes, cumprem sua função de luto. O aspecto didático é fundamental para lembrar os visitantes de que as feridas da história brasileira ainda estão abertas.  — J

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Caleidoscópio:

a América Latina sob nossas lentes organizadora Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos

Orejeras, representações artísticas do sistema hidráulico do povo Zenú. Museo del Oro del Banco de la República – Colômbia (foto: pedro tiê cândido souza).

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“La riqueza de América Latina está en ser muchas cosas a la vez, tantas que hacen de ella un microcosmos en el que cohabitan casi todas las razas y culturas del mundo. (...) No es exagerado decir que no hay tradición, cultura, lengua y raza que no haya aportado algo a ese fosforescente vórtice de mezclas y alianzas que se dan en todos los órdenes de la vida en América Latina. Esta amalgama es nuestro mejor patrimonio. Ser un continente que carece de una identidad porque las tiene todas. Y porque, gracias a sus creadores, se sigue transformando cada día.”

no alto Carnaval no Lago Titicaca: festival de Santiago – Bolívia (foto: mariana yokoya simoni). acima Cabeça de Quetzalcóatl, divindade mesoamericana. Museu Nacional de Antropologia, Cidade do México – México (foto: mariana marton).

“América Latina: unidad y dispersión”, Mario Vargas Llosa — A América Latina é diversidade. No presente ensaio fotográfico, os diplomatas da Turma 2012-2014 do Instituto Rio Branco apresentam suas visões do caleidoscópio latino-americano de tradições, culturas e paisagens – o fascinante microcosmos de identidades de que fala Mario Vargas Llosa.

90 ao lado Lago de Atitlán e o vulcão de São Pedro compõem paisagem exuberante – Guatemala (foto: thiago oliveira). abaixo Avenida 9 de Julio, Buenos Aires, o coração pulsante da capital porteña – Argentina (foto: leandro pignatari).

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acima Uma lenda, um povo, uma cidade: Ollantaytambo – Peru (foto: mariana yokoya simoni); “La primera maravilla turística de Colombia”, a Catedral de Sal de Zipaquirá – Colômbia (foto: pedro tiê candido souza). ao lado Salar de Atacama, uma das faces do deserto de desertos – Chile (foto: lucianara andrade fonseca).

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ao lado Esforço e devoção caracterizam procissão católica em Antigua – Guatemala (foto: thiago oliveira). abaixo Intervenção: poder urbano nas ruas de San Telmo – Argentina (foto: césar yip).

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Citação retirada de : http://www. fundacionvidanta.org/fundacion/ doc/pdf/keynote/02-America-Latina-unidad-y-dispersion-v-llosa.pdf

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CONTO

EXPOSIÇÃO UNIVERSAL José Carlos Silvestre “You know, in Afghanistan, when you smoke from the corner of the mouth, we say it means you are missing someone.” “I suppose I must be a romantic, then”, sorrio. “I always smoke sideways.” —

depois, e resolvo mostrar-lhes a cidade como eu a conhecia, os lugares que eu frequentava. Como a cidade se transforma, tantos dos meus lugares favoritos já fecharam, e faz, o quê, um punhadinho de anos. Passamos em frente de dois prédios em que morei, conto anedotas de vizinhos excêntricos, de boates e bares que tinham um charme inusitado. Passando pelos teatros da Praça Roosevelt, deparo-me com fotografias de amigos, de figurino e maquiagem, em montagens de peças que eu talvez tenha assistido. Pergunto-me por onde andarão agora. Agora que não temos mais vinte e poucos anos, será que eles ainda estão por aí, noctívagos e boêmios, vivendo de teatro?

Somos muito poucos, os fumantes no hotel, e acabamos nos conhecendo rapidamente, reunidos sozinhos ao redor dos cinzeiros nas entradas do saguão, compartilhando minutos sem outra finalidade. Eu deveria estar apresentando São Paulo, para ele e para vários outros diplomatas, como um bom lugar para hospe- — dar um grande evento; mas o voto do Afeganistão já está decidido, e o assunto acaba sendo somente en- O diplomata afegão me conta que seu ministério disfadonho. Há uma cumplicidade pequena, ou uma cor- põe de cinco mil coletes à prova de bala. O relato apadialidade sincera, entre os fumantes do nosso sécu- rece quase sem contexto, como algo que ele sentislo. Nossas conversas são lentas, amenas, pontuadas se uma pressão para falar. Ele me conta muito pouco com silêncios longos. Não há uma vista, o olhar per- sobre o Afeganistão, apesar de minha curiosidade dido acaba procurando algo em que se fixar num es- evidente; a conversa, ao invés disso, encaminha-se tacionamento. Todas as vezes, ele me oferece cigarros sempre para seus anos felizes em Dubai, a cidade das que trouxe do Afeganistão, muito mais fortes que os torres luminosas no meio do deserto, dos imigrantes nossos, que trago com dificuldade. de toda a Ásia, de cifras assombrosas. Ele me parece um pouco ocidentalizado, com sua barba por fa— zer, sua camisa com dois botões desabotoados, uma careca crescente à mostra. Quando pergunto quanSaio com alguns colegas para jantar perto do cen- to tempo ele viveu em Dubai, confirmo que passou tro. Estamos muito cansados, estou cansado demais a maior parte da vida fora de seu país, refugiando-se para não querer beber. Saímos caminhando pelas ruas dos conflitos e do Talibã. Tampouco me fala sobre a

imagens Mapa souvenir da Exposição de Chicago, Biblioteca do Congresso Americano

guerra e a ocupação, exceto por elipses assim, desajeitadas, em que nunca nos retemos. —

a qualquer momento, sabia-se –, mas o dirigível da Goodyear, montado às vistas dos visitantes, vogava lentamente entre as nuvens, visível de toda a cidade. A luz e o céu eram as novas fronteiras que cediam, um novo e etéreo continente a ser colonizado. Qual é o nosso futurismo, o que esperamos de novo e maravilhoso ainda no tempo de nossas vidas? A ordem do dia é a sustentabilidade, tudo que é moderno é ecológico, durável, renovável. Um pensamento me desconcerta: a humanidade, me ocorre, descobriu que já passou da juventude, agora sabe que vai morrer um dia – não mais em abstrato, como sempre soube, mas concretamente, calculando os anos para recursos se exaurirem, prevendo catástrofes em metros e graus centígrados, percebendo que as irresponsabilidades do passado deixaram suas marcas e sequelas. Descobre que a fantasia de morrer jovem não é mais reconfortante, porque já é tarde demais para morrer jovem. Também não está velha, é claro; mas, a essa altura da vida, percebe, precisa começar a se cuidar.

O taxista, descubro por acaso, mora no bairro em que se planeja construir o parque da exposição. Conto para ele do projeto, cito números aproximados. Menciono a perspectiva de construção de hotéis, para acomodar os visitantes (“hotéis!”, ele não consegue deixar de exclamar), de grandes centros de convenções. Quando chegamos, ele saca o celular e me mostra fotos que tirou do alto do pico onde, contei-lhe, pretende-se construir uma torre, de onde se veja todas as instalações do parque, com grandes painéis solares. Ele se desculpa que as fotos são dele mesmo, selfies para usar no Facebook, mas aponta que dá para ver um pouco da paisagem por trás. A essa altura, ele fala com algum comedimento, talvez precocemente agradecido, talvez sentindo que conversa com alguém importante. Lembro a ele que ainda é uma disputa, que nada está definido. Tenho dúvidas sobre as chances reais da ci- — dade, na verdade, mas prefiro não estragar seu otimismo, mesmo falando de um jeito ressalvado e cautelo- Meu amigo do Afeganistão se despede. Diz-me que vou descobrir em breve que o mundo é pequeno, muito peso. Depois de sair do carro, olho para trás e noto que o queno, cita um ditado afegão envolvendo amizade e pideixei sorridente e pensativo. Entrando no hotel, olho para o relógio e conto as cos de montanhas. Não entendo exatamente o que ele horas que ainda terei para dormir. O café da manhã é diz, ele está falando baixo e um pouco enrolado, mas cedo, e o dia será corrido. é um momento bonito e não quero interrompê-lo pedindo para que repita. As caipirinhas do almoço esta— vam mais fortes do que é usual. Ele pede para que eu tire fotos dele ao lado de uma das garçonetes, que, ele A Exposição de Chicago de 1893 rendeu-lhe o epíte- me diz, é idêntica a uma amiga dele, e quer mostrar a to de Cidade Branca. Pela arquitetura marmórea das coincidência quando retornar ao Afeganistão. Saímos instalações, mas também pelo prodígio da luz elétri- para fumar e ele me oferece um último cigarro. Noto ca – 10.000 lâmpadas incandescentes que iluminavam que ele fuma pelo canto da boca.  — J o parque de exposições o tempo inteiro, mantendo-o sempre em funcionamento, resplandecente quando a noite caía. Um marco da engenharia, o embate decisivo entre corrente contínua e corrente alternada. A aviação ainda estava por ser conquistada – seria Este é um texto de ficção.

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CONTO

O viajante tremeluz Rafael Santos Gorla

foto Kyle Post

No interior de um casebre, um homem deita em um colchão recheado com maços de palha seca e penas negras. Ele tem a aparência de quem dormita, mas está desperto – se bem que por um fio. Ele sente os olhos umedecendo debaixo das pálpebras e massageia com as pontas dos dedos o cerne sensível das têmporas. Deitado sobre o ervaçal seco do colchão, silvos de vento penetram pelas frestas do casebre e lhe gelam os ouvidos expostos. Velho recesso este onde ele se instalou: uma simples choça de madeira e teto de palha, um único cômodo retangular iluminado por bruxuleante lampião de mesa, rústicos apetrechos de cozinha num dos cantos e – o resto são sombras cujas formas não discernimos inteiramente. Aqui está o homem, coberto por mantas retalhadas, massageando suas têmporas, respirando pesadamente. Olhando mais atentamente, percebe-se que o repouso do homem não é sadio. Toda sorte de tremores se alastram. São caminhos dolorosos que se vêm abrindo dentro de si: o homem está gravemente enfermo. Barnabás de Silentio é seu nome, natural de Chipre, homem bom e piedoso, cheio de temor e fé, mas transbordante de ternuras ao longo de suas margens e tudo o mais que disso decorre. No auge da maturidade e sóbria bonomia, teve rompantes de sensualidade e deixou esposa e filhos e errou pelas franjas do mundo há longos anos já, empenhando-se em trajetórias exóticas como um fio d´água, entornando libações feitas em sua homenagem pelas jovens que encontrava nas estradas, cada vez mais ao longínquo retiro, às vezes na companhia de outros viajantes, no mais das vezes solitário, como que guiado por constelações interiores lhe alumiando os horizontes do pensamento. Trilhou caminhos de terra batida, roçou o corpo em arbustos e abrolhos, roçou campos férteis e inférteis e veio descansar numa choupana isolada, no interior da qual uma menina de seus 19 anos lhe prepara um caldo de raízes negras. Ariela nunca se aventurou mais do que algumas léguas para além dos limites da vila onde nasceu – terra de velhas senhoras e de homens que morriam precocemente devido a afecções desconhecidas. Sendo ainda jovem, ela não era soturna como os demais, mas também não era propriamente jovial – difícil sê-lo quando se sente o calor de nauseante fermentação agindo na

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vida em derredor, consumindo as horas do dia como se fossem feitas de substância perecível. Vivia, contudo, na expectativa de grandes acontecimentos – sua filosofia lho impingia. Quando Barnabás chegou, transpareceu um espírito invulgar. Finalmente, alguém digno do amor represado de Ariela, alguém com quem coabitar em modesta choupana situada além das ermas bordas da vila, ao final de picada aberta há muito tempo e recoberta por ramagens viçosas e crespos matagais do bosque de D. Assim se fez, e Barnabás a amou de tal maneira que pouco importou a Ariela que o homem já tivesse filhos e mulher abandonados em outro sítio. Pouco importava que ele passasse o dia de olhos fechados, esparramado no colchão preguiçosamente, e só mesmo quando estivesse abrasado conjurá-la para junto de si e possuí-la sem muitas cerimônias. Mas isso foi antes. Ultimamente, a situação complicava-se. O estado de Barnabás se agravara desde o início do inverno. A enfermidade começava a rastejar para fora de seu corpo, tornando-se quase uma presença física no casebre. O ar de alívio do viajante que encontra pouso foi aos poucos sendo substituído por frequentes insinuações mórbidas vindas de sua parte. A princípio, Ariela quis ignorá-las, refugiando-se nos voos de colibri de sua mente distraída, e assim tentaria viver dentro dos limites do tolerável, mas foi inútil – e o convívio dos amantes acabou mesmo se entrevando. Ao contrário do que ela esperava, contudo, as trevas não foram opressivas: alimentaram-na, e ela nelas se fortaleceu. Afundando na disciplina da dor para só então emergir do outro lado, serena, pôde refletir com calma sobre as cravelhas de seu amor por Barnabás, mesmo que as cordas se arrebentassem uma a uma e que viesse a ser tarde. “São muitas as transformações que sei me pegarão de surpresa assim que eu acordar, por acaso, uma manhã após a outra ao teu lado. É natural que eu me sinta um pouco intoxicada diante de ti, mas meus sentimentos também são irradiantes, voltados tanto para fora quanto para dentro, e podem acabar se alastrando em torno de ti quando menos esperas. Sim, irradiantes! pois não vou recolher as mãos diante de qualquer coisa que eu possa tocar e trazer para junto de meu peito; sinto como se nada pudesse me machucar que não devesse ser suportado, nada pudesse satisfazer-me que não

cultura e arte

devesse ser saboreado até os ossos. Tu o sentes? Quero que fique claro para ti que não vejo diante de mim um homem velho que, no auge da respeitabilidade, de repente se revelou incorrigível libertino; tampouco vejo um homem que relutantemente se rendeu à concupiscência, ao se concluir incapaz de resistir-lhe. Esse não é o Barnabás ao qual me afeiçoei. Tu és as revoluções do torvelinho, as muitas voltas em torno de um eixo móvel; o homem ajuizado e o bárbaro concupiscente têm a mesma face irresistível, o mesmo sorriso inexplicável; tu és o velho leito de rio por onde passam muitas águas de diferentes tributários, barrentos ou cristalinos. “Tu eras ajuizado e temente a Deus, mas te tornaste blasfemador. Uma vez carnal, podes voltar a ser santo, e assim consecutivamente. A contradição está no teu cerne e, se queres saber, isso me inspira, me faz encarar a vida mais tranquilamente; é como se nevoeiros de esperança de repente me tivessem encoberto quando te vi chegando à nossa vila; talvez não se dispersem nunca mais, mas, sinceramente, não me preocupo com isso; eles não me confundirão – e sinto que chegam até a facilitar meus movimentos, suavizando-os, refrigerando minha fronte e filtrando os poderosos raios do sol, que, a esta hora, já me teriam queimado, estivesse eu nua em campo aberto. Falo-te a verdade, sinto-me pronta para resignar-me infinitamente, caso nos sobrevenha o pior dos cenários. Tu estiveste são, agora jazes enfermo; pode ser que te recuperes, o que muito me agradaria; mas, se pereceres, então será como se congelassem até as mais internas sinuosidades de meus músculos e nervos. Não seria, contudo, o meu fim; a força de minha resignação me conduziria pelo resto de meus dias.” Barnabás estivera ouvindo em silencio até agora, deitado no colchão de olhos fechados, como de costume, mas algo nas palavras de Ariela acendeu nele o desejo de contradizê-la. Talvez as efusões indulgentes da amante o exasperassem. Pode ser que ele se sentisse vulnerável e de mau-humor, ou que sua paciência estivesse desguarnecida, e aí penetrou uma chispa de irritação. Deslizando por debaixo de cercas vazadas, nada a conteve. Ariela ainda falava quando ele se levantou e tomou-lhe a palavra abruptamente. “Pelo contrário, tu estás enganada – revelar-te-ei agora um segredo, algo que senti em tua presença desde os

primeiros dias contigo: se eu partisse, teu estado seria sim muito triste, mas não duraria tanto quanto pensas. É verdade que tu te aproximaste de mim com desenvoltura, o que me encheu de felicidade por um tempo, mas te apaixonares por mim foi algo absurdo em face das atuais circunstâncias. Talvez tu não te dês conta, mas te aproximares do absurdo foi como te achegar à borda de um penhasco, e tu flertaste com o salto corajosamente, mas foste precoce quanto às decisões tomadas. O medo voltou a tomar conta de ti sem que percebesses. Na tua cabeça, ainda estás aguentando firme no limite, de braços abertos e olhos fechados, sentindo rajadas de vento te agitarem os cabelos loiros, mas a verdade é que retrocedeste em tua coragem e agora estás muito aquém da borda do abismo de onde te despenharias quando chegasse a hora. As vertigens que suportas com orgulho são as da criança se arriscando no balanço, não as do suicida em queda livre. Ariela, tu retrocedeste abrindo-me caminho. À tua deixa, eu é que me precipito, de olhos abertos mordidos pelo vento, sem volta.” De pé, Barnabás suspendia os braços e gesticulava estranhamente, como se a doença lhe tivesse desprovido do senso de ritmo. “Saiba também que despachei mensageiro levando carta à minha velha esposa. É possível que ela reaja enviando-me o Dr. L., o que, todavia, não era minha intenção.” Ariela foi pega de surpresa. Sentiu vontade de cobrar-lhe pedido de desculpas. Ela, mais do que qualquer outra, não retrocederia. Ficaria do lado dele até o fim! A desconfiança de Barnabás a magoou. Sentou-se à mesa, calada, respirando fundo, o olhar fixo em seus pés descalços. Recompôs-se e voltou ao caldeirão onde ferviam suas raízes negras. Pensando bem, a vinda de um médico até que não seria mau negócio, mesmo que isso pudesse servir de desculpa para a Senhora de Silentio vir junto. E se o Senhor de Silentio resolvesse bancar o contrito e implorar o perdão de sua esposa, Ariela não se ofenderia. Assim ditava o desespero íntimo que a ligava ao amante. Era preciso que o mais impulsivo entre os devassos, o mais desavergonhado entre os salafrários fosse também capaz, com toda a sinceridade de seu coração tormentoso, dos gestos mais sublimes e puros! Era preciso ainda que, após honesta demonstração de arrependimento, Barnabás voltasse atrás e

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se lançasse nos sorvedouros da volúpia cujas corren- pudesses sentar-te à mesa com a Senhora de Silentio, tes o arrastariam pela segunda vez ao colo ardente de por alguns minutos que fosse, para um dedo de proAriela, e que nunca cessassem as graças pendulares sa. E se isso mexe com teu brio, nada se pode fazer, é desse motif, uma vez que nem ele nem ela existiam a verdade. No fulgor das safiras, ametistas e esmeralautonomamente, porque não passavam de dois feixes das da verdade, não há sentindo em embaçar os ares de fibras extremamente sensíveis ao toque raspando- com tuas declarações de amor. Queres mesmo ir? Vai, -se um contra o outro no frêmito e escuridão das ce- mas cuides para que não tropeces, fazes figura ridícugueiras incuráveis, meras ondas timbradas ao alvitre la saindo assim, esbaforida como uma louca.” inconsciente de uma clave desconhecida, impessoal Ariela se foi – mas é certo que voltaria. Isso não ime noturna na qual ressoa em ignorância toda a gente, portava mais, contudo. O pensamento de Barnabás esninguém podendo dizer francamente Eu sou – ou outra tava a léguas de distância do casebre, indo esquadriarrogância do tipo – mas todos tão somente como em- nhar a imagem de Joana de Silentio, que dentre pouco barcações desguarnecidas, à deriva nos abismos azuis teria nas mãos a carta enviada por ele. “Está doente... do mundo. Nesse caso, entretanto, o que explicaria a está doente...”, ela suspiraria. Ouviria falar dele depois firmeza de sua resignação? Mesmo estando confusa de tantos anos... sua súbita materialização nos garranpelos inesperados transbordos de ideias, ela se voltou chos rabiscados no bege do papel, o meio polegar de para o amante e exclamou: “Meu amor, és tu que tens tinta premido num canto da página, o vago tom humilhado da carta redigida em falso monólogo (faltamedo! O homem que se plantou à beira do penhasco e depois voltou atrás, coberto de vergonha, não é ou- -lhe equilíbrio para falar a ela diretamente), as charadas bizantinas forçosamente extraídas dos trançados tro senão tu! Eu, de minha parte, estou infinitamente de seu cérebro... Ela lê um trecho da carta em voz alta, resignada no meu amor por ti.” Essas últimas palavras acerbaram Barnabás ainda para que os filhos ouçam: “A nostalgia pelos dias que mais. Sua irritação saltou como um tigre negro por so- nunca existiram– mas como então nos lembramos debre Ariela. Suas ofensas se arvoraram aleatórias e im- les? – ou ainda as coisas que te ocupavam quando tu previsíveis, tornando impossível a esquiva. “Se insistes eras menino e que, depois, tu deixaste para trás. Importa nesse ponto, te revelo outro segredo. Tua resignação recuperá-las enquanto ainda tens ânimo. Assim sabeficou a meio caminho, ou melhor, tu te resignaste pe- rás que tuas dores são o oposto do que pensas. Não são los motivos errados. Agora vejo claramente: tu sabes uma muralha intransponível contra a qual golpeias viopouco ou quase nada sobre tua própria existência, a lentamente a testa até caíres inconsciente e desprotegiqual tu, muito estupidamente, desconfias nem mesmo do, à vista de todos. Tuas dores são o oposto dessa soliexistir de maneira independente. Feixes de fibras?! Tu dez, elas são as lacunas do abandono, o te sentires sem estás equivocada dos pés à cabeça e chegas a insultar- nenhum respaldo, o achares que não há mais ninguém -me com as palermices que cogitas à beira do caldei- por perto enquanto perambulas pelas arenosas vastirão. Levas uma vida imaginária e inautêntica e talvez, dões do cosmo, até que um dia tu encontras um atano teu caso, seja até razoável supor que grande parte lho para a enfermidade, e nesta, um atalho para a verdo que fazes não venha de ti, não tenha qualquer vín- dadeira doença mortal – que é o desespero. Caso logres culo com o frouxo elástico da tua alma negligenciada. vencê-lo, então terás avistado, à distância, as portas de Pode ser que tu nem sejas mesmo uma filha de Deus tua casa abertas, para que tu entres em paz e repouses – tu o dizes –, mas apenas uma vulga aglomeração de no conforto de teu quarto uma última vez. Mas não te algumas dúzias de qualidades mundanas comparti- digas que não tens mais força para percorrer todas as lhadas por milhares de outras mulheres, ao sabor de etapas dessa dedução severa. Tu não és um imbecil comarranjos genéticos quaisquer– como, aliás, insistes em pleto que te devesses concentrar tanto para compreenalardear, sem o menor pudor ou amor próprio. Sei que der algo tão simples. Não precisas investir de uma só te será penoso ouvir isto, mas muito te instruirias se vez toda a energia do teu intelecto. Só um pouco, e por

cultura e arte

curtos períodos de tempo, e a conclusão a que chegarás terá um nome familiar...” Joana de Silentio interrompeu a leitura nesse ponto. Dobrou a carta de Barnabás e a guardou na gaveta da cômoda. É triste, mas o homem está louco. Sua mente dá rasteiras em si mesma, fustigada que está pela enfermidade, e o resultado é esse melodrama sofrível, inacreditável. Arrependeu-se de ler a carta aos filhos, que agora, silenciosos, olhavam-na com ar assustado. Ao menos ele não discorreu sobre o vinho novo. Teria sido demais para ela. Ela sabe que é impossível uma reconciliação. Um absurdo, impossível! Reviver os anos nunca vividos, mas dos quais nos lembramos com nostalgia?! Acaso estivera ele zombando dela nessa carta infame? Estivera ele rindo gostosamente, com a cabeça recostada no colo oleado da garota Ariela, enquanto redigia esses raptos verborrágicos que, depois, com muito atrevimento, endereçaria a Joana? Ou estaria mesmo louco, seriamente, e o pretenso desaforo não era senão o sintoma de uma situação realmente miserável? Poderia ser ainda que, diante dela, ele só pudesse ficar em silêncio, fazendo jus a seu nome, e que esse silêncio fosse tanto mais marcante quanto mais calibrado pelos devaneios rabiscados na pauta da carta. Foi embalada por essa inquietação que Joana mandaria aprontar as malas. O doutor L., médico da família, seria avisado dos preparativos para a viagem. Pela manhã eles partiriam em direção a um povoado afastado, vila humilde que margeia o bosque de D., no interior do qual um casebre se acha imerso em pesada cerração. O marido convalescente acenara enfim. Mas quanta presunção o crer-se digno de receber perdão! Ela sabia o que devia fazer com ele: conduzir o Dr. L à sua presença, administrar unguentos, apaziguar um pouco sua consciência deteriorada e preparar-lhe para o fim – e nada mais. Não haveria perdão sincero, não haveria restituições, nem vinho novo servido extemporaneamente... Ainda assim, ela lera a carta aos filhos, em voz alta. Estranho impulso. Há muito o pai já havia evaporado da memória dos filhos, sobrando apenas um rastro de flor de gesso, sedimento imperceptível no panorama desértico que os dois meninos haveriam de cruzar ao longo de suas vidas. Por que reavivar, com a leitura daquela carta atordoante, sentimentos soterrados? Fizera

isso acaso por saber que o marido obedecia a leis que vigiam em seu coração, e não a injunções estranhas à sua existência, e que continuava sendo o mesmo de sempre – e não um arremedo contraditório e disparatado, como queria a pérfida Ariela – merecendo, portanto, ainda um mínimo de atenção da família? Lera a carta em voz alta e com o coração apertado acaso por saber que o marido sempre fora guiado pelas constelações interiores de seus pensamentos, estrelas que nunca iriam se consumir, que nunca o esmagariam debaixo do peso negro de mil sóis moribundos, estrelas que – conquanto se movessem no céu, de maneira desorientadora – continuariam ardendo eternamente, assim como ele permaneceria para sempre em sua desesperada e errante existência, tremeluzindo em meio a assombros distantes, não importando quão destrutiva fosse a enfermidade, quão iminente a morte? Arrumara as malas e convocara o médico acaso por saber que o marido era homem bom e piedoso e que venceria – como ela venceu – o desespero, e que, como ela, teria certeza de que, precisamente porque é impossível e absurdo, reconciliar-se-iam?  — J

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poemas Bruno Quadros e Quadros

Calvinice pós-moderna Tinhas razão, ó Calvino! O inferno dos vivos é agora Quadrúpedes emborrachados E bípedes autômatos Ó Calvino, como abrir espaço no inferno? Se a autoimportância ensurdece a alma? Se o não sofrer repele o novo? Se o dogma empederne a experiência? Ó Calvino, como ser Marco Polo hoje? Se na cidade o invisível sou eu? Se na vida o inferno são os outros? Se nas coisas não se é si mesmo?

Perdas desrimadas e desmetrificadas Nascemos para ser espoliados O tempo a Morte nos rouba A esperança a Frustração nos toma A fé o Cinismo nos surrupia Nascemos para tudo perder A singeleza o Progresso tomar A amizade a Intriga surrupiar O sucesso a Cobiça roubar Nascemos para nada ter A Arrogância a crítica surrupiar A Indiferença a sensibilidade roubar A Rotina o encantamento tomar

artigos

texto Pedro Ivo Ferraz da Silva

No inverno de 2013, ao vagar pelas ruelas do bairro de Pinheiros, na capital paulista, deparei-me com um pequeno casebre geminado, que, acima da porta de entrada, trazia a seguinte inscrição: “Alfarrábios Sírios”. De fora, avistavam-se estantes repletas de livros empoeirados, cujas capas, devido à escassez de luz no interior, não eram facilmente identificáveis. Entrei sem muita cerimônia e fui recebido por um velhinho sorridente, que, tomado pela surpresa de receber um visitante, talvez o primeiro daquele dia, pôs-se logo a fazer publicidade de sua “singela, porém significativa” coleção livresca. Dizia que era imigrante de Damasco e que havia herdado de seu pai o ofício de antiquário. Entre as preciosidades de seu estabelecimento, estavam edições oitocentistas e novecentistas do Corão, além de relatos de viajantes mouros dos séculos XII e XIII. Sem dar muita confiança ao idoso alfarrabista, percorri com os olhos uma das prateleiras e notei uma vistosa caixa colorida, com inscrições artísticas em árabe na parte superior. Indaguei-o sobre o conteúdo, ao que me respondeu com indiferença: “Apenas alguns papéis amarelados, sem muito valor. Segundo meu pai, um mascate de Bagdá havia oferecido esses papéis a meu bisavô em troca de uma cópia persa do Hazar Afsana. Até hoje, não compreendo o que o levou a se desfazer daquela relíquia”. Minha habitual curiosidade por objetos desprezados levou-me a abrir a caixa de madeira. Nela, encontrei cinco folhas dobradas, todas, de fato, muito danificadas pelo tempo. Meus parcos conhecimentos no idioma árabe, porém, permitiram-me suspeitar que aqueles papéis guardavam uma inestimável joia literária...

“Em Nome de Deus Todo Poderoso e Misericordioso, copio, nestas páginas, o texto que encontrei nas ruínas da Casa Al-Hikma, logo após a invasão de Bagdá pelo exército do Imperador mongol Hulagu Khan. Parece-me tratar de um escrito do sábio Platão de Atenas, discípulo de Sócrates, que os tradutores da dinastia Abássida, revelando extrema erudição, buscaram relegar para a eternidade. Abençoado seja o Profeta Mohamed por guiar-me até este tesouro e por facultar que tão ilustradas palavras fiquem imunes às agruras do tempo.” Fadih Ibn-Rihla, Maragheh

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Equécrates ou sobre a representação estrangeira sócrates Vejo-te cansado, caro Equécrates. Tuas sandálias estão por se desfazer e a túnica que te veste está repleta de suor. equécrates Tens razão, ó Sócrates. Venho caminhando de Pireus; sessenta estádios separam o porto desta ágora. Mas a corrupção de minha aparência contrasta com a disposição de minha alma. s Deixaste-me pensativo, estimado amigo. O que anima teu espírito, que nem mes­mo tamanha distância é capaz de desencorajá-lo? e Exaustão e euforia não andam juntas e não serias, ó Sócrates, o único ateniense a sentir-se perplexo diante de inusitada combinação. Exporei os motivos de meus sentimentos para que possas avaliar se há coerência em meu espírito. s Ouvirei com atenção tuas palavras. e Estava em Pireus com meu pai, Trasímaco. Despedimo-nos de um visitante de Cálcis, que permaneceu em Atenas por dois dias para realizar alguns negócios em nome de sua cidade. s Lembro-me de ter visto Trasímaco acompanhado de um estrangeiro na manhã de ontem, próximo ao templo de Ares. Abrigastes esse cidadão de Cálcis em vossa residência?

e É o dever de meu pai, caro Sócrates. Acolhe todos aqueles que em Atenas venham representar a cidade de Cálcis. Sedelhes dos melhores aposentos de nossa casa, oferece-lhes do que há de mais saboroso para comer e beber, facilita-lhes os encontros na cidade. E, como fez em Pireus, assegura que regressem a Cálcis pelo melhor e mais calmo caminho. s Se Zeus ainda me permite preservar boa memória sobre os cargos e as funções que podem exercer os homens no Estado, eu afirmaria que esse estrangeiro veio como embaixador de Cálcis e que teu pai, ao auxiliá-lo nos negócios calcisienses em Atenas, cumpre o papel de próxenos daquela cidade. e Por Mnemósine, Sócrates! Que teu conhecimento causaria inveja ao mais douto dos “Sete Sábios” e que se comete grande injustiça ao não te incluir nesse distinto grupo. O Oráculo ainda há de revelar que és o mais sábio entre os gregos. s Não guardo em mim sabedoria, Equécrates; tampouco creio que aqueles tidos como os mais sábios entre os sábios tenham a sabedoria que pensam ter. Mas ainda não explicaste a razão de teu entusiasmo. e Por certo não manterei em segredo o que tanto me concita os sentimentos. Sabes, ó

Sócrates, que meu pai está em idade avançada e seu corpo já não suporta mais o fardo do ofício. O velho Trasímaco me confessou não poder mais exercer a contento o papel de anfitrião, que requer muita organização, astúcia e agilidade. s É certo que um próxenos não necessita da destreza de um atleta para lançar longe um disco ou da esperteza de um homem para bem conduzir uma biga, mas não estou em desacordo quando dizes que se requer grande virtude para bem receber seus visitantes. e Justamente, caro amigo. Mas meu glorioso pai, como sabes, é homem de grande responsabilidade e não tem por costume abandonar seus deveres; preocupa-lhe em demasia não ser capaz de receber os cidadãos de Cálcis, que têm visitado nossa cidade com crescente assiduidade. Receoso dessa situação, Trasímaco propôs a mim assumir a função de próxenos de Cálcis. s Confesso não estar surpreso com a proposta do velho Trasímaco. Um pai que tem confiança em seu primogênito e conhece o vigor de sua juventude dificilmente poderá apontar outro homem para dar continuidade a seus negócios e a seus deveres. Mas estás seguro, Equécrates, que o destino que teu pai agora te oferece corresponde

artigos

a teus próprios anseios? Não foste acometido por uma súbita euforia e deixaste assim de refletir sobre a real implicação dessa nova responsabilidade? e Não compreendo teu discurso, sábio Sócrates, e as perguntas que me fazes parecem desaprovar o valor de tão nobre função. Um próxenos goza de grande prestígio na cidade em que vive, pois frequenta as residências dos mais abastados senhores e mercadores, além de possuir fácil interlocução com os administradores públicos locais. Acompanho meu pai desde os primeiros anos de minha puerícia e, em diversas ocasiões, pude constatar que é um homem de grande honra em Atenas. Considero que Moros regalou-me com um dos mais gloriosos desígnios que um homem pode experimentar. s Não me refiro à notoriedade que associas à função de próxenos. Porém, mesmo se essa fosse a única implicação desse cargo, penso que não justificaria tua exaltação. Sobre o assunto, outro dia mantive longo diálogo com Alcebíades, que não foi capaz de me responder o que considerava ser “prestígio”. Por certo, se me perguntares, tampouco o saberei, e por essa razão considero não ser um propósito a ser perseguido. e Se não te referes ao prestígio, a qual aspecto aludes para desaprovar esse cargo? s A função de próxenos, meu caro Equécrates, não é compatível com a cidadania. Muito embora Trasímaco seja um cidadão ateniense, sua responsabilidade perante a cidade de Cálcis corrompe seu vínculo com Atenas. e Por Zeus, Sócrates! Tuas palavras so­am como uma sentença e tua afirmação tem a

gravidade de uma condenação ao ostracismo! Não entendo porque fazes acusações tão graves a uma atribuição tão honrosa. s Não pode haver honra onde a verdade não é absoluta, Equécrates. Ao assumir certos deveres em relação a Cálcis, teu pai abdicou de ser um pleno cidadão de Atenas; e não há nada que Trasímaco possa fazer para alterar essa situação; nem mesmo a mais bela declaração de fidelidade a esta cidade seria bastante para restituir-lhe a integridade da cidadania, a não ser que abdicasse de suas obrigações perante os calcisienses. e Vejo que defendes com firmeza tua posição, Sócrates, e eu não ousaria afirmar que teu discurso está destituído de sentido. Contudo, não acompanho teu pensamento e muito me interessa saber a razão por detrás de teus argumentos. s Se estás disposto a avaliar a coerência de minhas palavras, Equécrates, peço, antes, que deixe tua exaltação de lado, pois tal estado de espírito não permitirá que julgues adequadamente a correção de meu discurso. Se, afinal, concluíres que não estou com a razão, poderás defender teu desígnio com a verdade das palavras e não mais com a euforia da alma. e Farei isso, Sócrates. s Teu pai é considerado um cidadão ateniense, não é certo, Equécrates? Tu também carregas, com orgulho, essa atribuição, não é mesmo? e O que dizes é verdade. s E como cidadãos de Atenas, vós tendes certos direitos e deveres, não é assim? Ou, por acaso, pensais que a cidadania se resume a uma mera denominação, destituída de consequências para seu portador?

e De forma alguma, caro Sócrates. Tanto eu como meu pai somos cientes de nossas obrigações e de nossos direitos. Como cidadãos de Atenas, somos potenciais oradores nas reuniões no Pnyx, podemos participar das votações na Ekklesia e, desse modo, somos capazes de decidir o futuro desta cidade. Atenas também permite que tenhamos terras, como é o caso de nosso pequeno campo de oliveiras, do outro lado da margem do Erídano. s Falastes de direitos e deveres, mas destes exemplos apenas dos privilégios de que gozais como cidadão. Não tendes também obrigações perante esta cidade? e Tens razão. Como cidadãos, devemos obedecer as leis de Atenas, mesmo se estas estão em desacordo com nossa vontade. s E também deveis, no caso de guerra, lutar em favor de Atenas, independentemente do inimigo que está do lado oposto? e É verdadeiro o que afirmas. s Concordas, assim, Equécrates, que a cidadania de Atenas, embora seja uma única investidura, é constituída de muitas atribuições? E que basta uma singela discordância a um desses atributos para que a legitimidade da cidadania seja colocada em questão? Que mesmo que defendas heroicamente o território desta cidade contra invasores estrangeiros, uma mera ação infratora de uma das leis desta cidade corromperá seu direito à cidadania de Atenas? e Não posso discordar do que dizes, caro Sócrates. s Alternativamente, se és um cidadão ateniense exemplar, se segues fielmente a legislação desta cidade e se chegas a ser aclamado “o mais correto” entre os homens;

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não seria suficiente a denúncia de que beneficiaste uma cidade rival para que tua fama se esvaísse? e Com efeito, caro Sócrates, seria considerado um traidor e não seria mais digno da cidadania ateniense. s Viemos bem até aqui, Equécrates, e, conforme constatei, há concordância entre teu pensamento e minhas proposições. Porém, prossigamos. Ao desempenhar a função de próxenos, agirás em consonância com os interesses da cidade que lhe conferiu este título, não é mesmo? e Certamente não me oporei às intenções de Cálcis em relação a Atenas, que visam sempre ao aprofundamento dos laços de amizade. s Quero acreditar, Equécrates, que o Governo de Cálcis sempre busque preservar a boa relação com Atenas. Mas recordemos que se trata de poleis distintas e que o propósito cardeal de cada Governo é o de garantir a integridade de seu povo e de seu território, não é mesmo? e Sim, é esta a finalidade de todo e qualquer Governo. s Hás, portanto, de admitir, Equécrates, que, em caso de guerra entre as duas cidades, o objetivo de uma se oporá ao da outra. Ou pensas que, nessa situação, os propósitos coincidem? e Embora pouco provável, uma guerra significaria que Atenas e Cálcis teriam objetivos opostos. Atenas buscaria a destruição de Cálcis, ao passo que Cálcis procuraria manter sua inteireza. Cálcis tentaria aniquilar Atenas e nós, atenienses, lutaríamos para preservá-la. Devo observar, caro Sócrates, que, nesse contexto, a cidadania

de Atenas se anteporia à função de próxenos de Cálcis, e não me furtaria a defender a polis de que sou pleno cidadão. s Disso não duvido, meu estimado amigo. Mas os acontecimentos e nossas inclinações em relação a eles nem sempre são tão evidentes e diretos. Suponha que, em tempos de paz, recebas em Atenas um embaixador calcisiense que queira adquirir grande volume de cereais plantados em nossos campos. Não hesitarias em oferecer teus préstimos a esse visitante, proporcionando encontro com agricultores locais e removendo eventuais entraves para que o negócio seja concluído. Não seria assim? e Por certo, Sócrates, mas meu esforço beneficiaria tanto Atenas, que lucraria com a produção excedente de grãos, como Cálcis, que supriria sua escassez de alimentos. s Imagine, contudo, que não houvesse falta de cereais em Cálcis e que a compra realizada pela cidade teria como propósito alimentar seu exército durante um esforço bélico que estaria sendo planejado contra Atenas. Não teria sido teu empenho em facilitar o negócio oposto ao interesse de Atenas? e Estás com a razão, Sócrates. Porém, nesse caso, assim como o agricultor que cultivou e forneceu os grãos, eu teria sido enganado pelo discurso do embaixador de Cálcis. Se soubesse, de antemão, das intenções calcisienses, jamais teria acordado em mediar a venda dos cereais. s Haveria, contudo, meu caro Equécrates, uma distinção fundamental entre ti e o agricultor, que diz respeito à relação entre a essência e o resultado do trabalho que cada um exerce. O agricultor, ao arar

e semear terra, ao colher os grãos e ao colocá-los à venda, tem como único propósito gerar benefícios para si próprio. Com as drácmas que recebe pelas colheitas periódicas, pode adquirir bens e terras. Seu labor termina quando transfere os grãos para o comprador. Já tu, Equécrates, terás por objetivo gerar benefícios para a polis que te engajou como próxenos. Tua atividade não se limitará a intermediar este ou aquele negócio, a fazer prosperar esta ou aquela proposta de cooperação. Estarás a serviço, acima de tudo, do ganho de Cálcis e terás como incumbência garantir que o interesse daquela cidade por Atenas seja sempre satisfeito. Quando esse interesse coincide com os anseios de Atenas, os filhos desta cidade de nada poderão te acusar. Mas quando as intenções de Cálcis, ainda que encobertas pelo ludíbrio ou pela mentira casual, se opuserem às de Atenas, os atenienses não hesitarão em levantar o dedo em tua direção e te acusarão de não honrar a cidadania que carregas contigo. E de nada te servirão as palavras perante os juízes, em nada te será útil a oratória rebuscada de um sofista diante da verdade que pairará sobre qualquer tentativa de defesa: servistes aos interesses de Cálcis, pois este é o propósito de tua função. Convence-te agora que o ser próxenos de Cálcis não pode coexistir com o ser cidadão de Atenas? Se ainda desejas declarar alguma coisa, escutarei com atenção. e Nada tenho a declarar, Sócrates. s Que siga, então, cada qual seu próprio caminho, estimado Equécrates; e que Zeus guie nossos passos.  — J

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texto Geórgenes Marçal, Leandro Pignatari e Thiago Oliveira

Diplomatas quebram paradigmas e recordes nesta página Dependurado por uma corda enquanto escala, Felipe Krause ressalta que o esporte requer confiança no companheiro de escalada, que tem o controle da corda. “O elemento de depositar profunda confiança em outra pessoa, de colocar a vida em suas mãos, diferencia a escalada dos esportes puramente competitivos”. página ao lado Olympio Faissol voou por 11h entre Quixadá (Ceará) e Caxias (Maranhão), o que lhe valeu o recorde mundial de voo livre partindo de montanha sem propulsão mecânica.

Poetas. Romancistas. Músicos. Escul­ tores, pintores, colecionadores de arte. Especialistas em cinema. Em todas essas áreas, diplomatas brasileiros tornaram-se conhecidos e ajudaram a associar a diplomacia à cultura e à intelectualidade. Ao lado deles, ganha espaço um grupo igualmente arrojado: diplomatas que se dedicam a esportes radicais. Mergulho, montanhismo, voo livre, snowboard, esportes náuticos e escalada são algumas das especialidades daqueles que aliam a perícia típica da carreira com audácia que só possuem os “diplomatas radicais”. É o caso de Pedro Cunha e Menezes, que pratica o montanhismo. Fugindo da

agitação urbana e em busca de paisagens exóticas, Pedro envereda-se por trilhas que já duraram até sete dias, tempo em que permanece em contato com a natureza e alheio aos ruídos da civilização. “Não tenho fetiche por atingir topos, cumes ou lugares inóspitos”, declara, “sou, acima de tudo, um ‘caçador de paisagens’”. Outro que pode não ser facilmente encontrado em seu tempo livre é Felipe Krause, que não perde oportunidades de praticar a escalada – o principal, mas não o único esporte radical que ele pratica. Desde os dezesseis anos, Felipe escala rochas verticais na América, na Europa, na África e na Ásia. Uma escalada moderada significa ficar preso a uma rocha a 50 metros de altura. Em seus projetos mais ousados, Felipe chega a ficar a 300 metros de distância do chão – o equivalente a três vezes a altura do Cristo Redentor. “Só os pássaros têm aquela vista”, afirma o diplomata, que questiona a classificação da sua especialidade como radical: “é um esporte que exige concentração e técnica. Apesar de momentos de tensão, é extremamente relaxante”. Mais que um praticante ocasional, Olympio Faissol é o detentor do recorde mundial de voo livre em parapente partindo de uma montanha sem a ajuda de reboque

fotos Acervos pessoais

mecânico. O diplomata decolou de Quixadá, no Ceará, cruzou todo o Piauí e aterrissou, 11 horas depois, em Caxias, no Maranhão. Olympio voou 463 km em seu parapente não motorizado, com base unicamente nas correntes de ar verticais (chamadas térmicas) e no vento. “O movimento circular que os urubus costumam fazer em voo é o mesmo que utilizamos no voo livre para escalar as térmicas”, explica. “Encontrar as térmicas é um exercício de análise das nuvens, do vento e do terreno em que elas se originam. Como o xadrez ou a diplomacia, o parapente é muito mais mental que físico”, afirma Olympio, que ressalta que a prática do esporte requer conhecimentos meteorológicos, além de concentração para seguir uma estratégia eficaz. Por fim, o diplomata confessa: “em alguns momentos, é preciso audácia e coragem”. Esses são alguns dos “diplomatas radicais”, que dividem o título com outros menos experientes nessas e em outras especialidades. Todos eles aproveitam os benefícios reconhecidos dos esportes de aventura, tais como o reforço da autoconfiança a cada superação de desafio, o contato frequente com ambientes sem intervenção humana e os benefícios das atividades físicas, como o bom funcionamento da mente – em especial da memória – e a redução do risco de doenças associadas ao sedentarismo. Carreira e esporte A questão “para onde vou?” não tem personagem mais adequado do que um diplomata. O cosmopolitismo e o nomadismo da carreira fazem com que planejamentos muito rígidos sejam frequentemente quebrados e adicionam um elemento de incerteza na vida pessoal e profissional. Conciliar rotinas normais à vida diplomática pode revelar-se um desafio. O que dizer então, daqueles que resolvem adotar estilos de vida com aspectos inusitados? Olympio conta que a mudança para Brasília foi um ponto positivo para a prática

do voo livre, que teve início antes do ingresso na carreira. A topografia do Planalto Central e suas condições climáticas oferecem um ambiente propício ao voo livre, contando com uma rampa natural no Vale do Paranã e com térmicas fortes e abundantes no período de seca. A necessidade de voos frequentes para garantir uma posição nos rankings fez com que Olympio deixasse de competir em 2009. “O trabalho é incompatível com a competição, porque os períodos de férias dependem dos compromissos funcionais”, afirma. É nos finais de semana que Olympio, literalmente, voa. Nessa modalidade, o diplomata encontrou satisfação diferente daquela proporcionada por esportes como futebol, surfe ou vela, que praticou. “Infelizmente a prática de esportes radicais ainda é vista com algum preconceito”, ressalva. Sem um grande papel

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na socialização da vida diplomática, por exemplo, o voo livre é considerado “maluquice” por quem não o conhece, ainda que seja “menos perigoso que andar de moto ou dirigir um carro sem airbag.” Já para Pedro, a carreira contribui para o esporte, uma vez que permite ao diplomata-montanhista conhecer lugares novos e paisagens diferentes com alguma periodicidade em razão das trocas de Posto. Nessa modalidade, a oferta de locais para prática é abundante. Em Nairóbi, recorda Pedro, o Clube de Montanhismo do Quênia conta com muitos diplomatas estrangeiros como sócios. A prática do esporte constitui, nesse caso, elemento de facilitação da socialização diplomática. “A vida social com colegas de outros países, além de funcionários da ONU, era muito facilitada pela paixão comum pelo montanhismo”,

artigos

experiências Felipe Krause Pedro Cunha e Menezes Olympio Faissol – escalada – montanhismo – parapente Em 2009, Pedro foi enviado pelo Itamaraty Olympio voa há vinte anos e afirma ter Para Felipe, a Tailândia é um local incríao Malaui, para auxiliar nas operações de passado por apenas um incidente poten- vel para escaladas, devido às característibusca por um jovem brasileiro que havia cialmente grave: em 2011, enfrentou uma cas das montanhas do país, com presença se perdido no Monte Mulanje. Bombeiros turbulência que impossibilitou o equi- de grandes estalactites e inclinação nebrasileiros e uma equipe de resgate cana- pamento de continuar voando. Com isso, gativa das vias de escalada, geralmente dense vasculharam a montanha, mas o jo- Olympio teve de lançar mão do paraquedas bem próximas às praias. Enquanto escavem foi encontrado por locais após ter su- de emergência. Mas o paraquedas embo- lava uma das montanhas tailandesas, sua cumbido à hipotermia. Ao seu lado estava a lou-se no parapente e o diplomata despen- corda ficou presa. Tentou resolver a situcâmera com as fotos que tirara da sua che- cou por centenas de metros em sucessivos ação, mas escurecia rapidamente. Exausto, gada ao topo do monte, registrando sua úl- giros, a mais de 50km/h! A sorte foi que decidiu, por fim, que teria que esperar até tima viagem. “Ele pagou muito caro por um havia levado dois paraquedas naquela vez. o amanhecer do dia seguinte para voltar erro que muitos montanhistas experientes Depois de alguns minutos de desespero, o a tentar desprender a corda ou começar a já cometeram. Poderia ter sido eu, ou mui- diplomata conseguiu acionar o segundo procurar ajuda. Como resultado, passou a e aterrissar com segurança. A experiên- noite em uma caverna, sem água e comida. tos de meus amigos... [Ao final da missão,] abateu-me uma tristeza muito grande e a cia, no entanto, não abalou sua confiança: Ao amanhecer, conseguiu, enfim, soltar a certeza de que nunca devemos subestimar Olympio continuou voando e, como men- corda e terminar sua decida. as regras básicas de segurança”. cionado, marcou o recorde de voo de parapente feito de uma montanha sem ajuda de reboque mecânico.

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página ao lado Felipe Krause escala o Desfiladero de los Gaitanes na região de El Chorro, na Andaluzia, Espanha. Do cockpit de seu parapente, Olympio registra: “Só os pássaros têm essa vista”. nesta página Pedro Cunha e Menezes (direita), ao lado de seu filho Lucas (centro) e do amigo Paulo Faria, iniciam travessia de 41 km rumo ao “The Hell”, uma lagoa entre rochas na África do Sul.

afirma Pedro, que também pratica polo aquático há três décadas. Atualmente, o esporte o ajuda a “relaxar e colocar os pensamentos em dia”, além de permitir uma reconexão com a natureza. Para Felipe, a carreira pode dificultar a prática da escalada, mas no sentido inverso do que o senso comum imaginaria. Não são as viagens constantes, mas a eventualidade de residir em um local plano que pode ser o ponto negativo. Um exemplo é a capital federal, onde o relevo não é propício para a escalada. “Brasília é o momento de pausa neste esporte”, afirma Felipe. O que esse diplomata busca em suas escaladas é um sentido de plenitude e realização pessoal que um esporte mais tradicional, como o futebol e o tênis não são capazes de proporcionar. “Além disso, os esportes radicais te dão experiência de vida, te dão história para contar”, ressalta. Em alguns Postos, como Nairóbi, onde Felipe viveu quando criança e onde visita quando possível, a prática da escalada permite inserir-se em círculos sociais além daqueles comumente frequentados por expatriados. “No Quênia, o interesse por um esporte radical pode ser uma excelente oportunidade para sair do âmbito dos clubes e manter maior contato com o país, sua geografia e seu povo”, relembra Felipe.

Uma nova imagem para os sucessores do Barão? A imagem do diplomata brasileiro está bastante relacionada, por um lado, à figura do Barão do Rio Branco, e, por outro lado, aos artistas e intelectuais que passaram pelo Itamaraty. Nesse contexto, surgem os “diplomatas radicais” com características dissonantes em relação àquela reputação estabelecida. Os entrevistados concordam que, em alguma medida, estão contribuindo para formar uma nova imagem dos diplomatas. No entanto, não percebem dicotomia entre os dois estilos de vida. Afinal, atividades intelectuais e atividades físicas não são excludentes, ainda que a ênfase em uma tenha custo de oportunidade para a prática da outra. “É natural, para o diplomata, gostar de estudar”, declara Felipe Krause, “todo diplomata é intelectual”. Para Felipe, a verdadeira dicotomia está entre o sedentário e o esportista. É o estereótipo do funcionário que passa toda a vida sentado em seu escritório que se desconstrói: o agente público se dedica com afinco ao trabalho, mas, terminado o expediente, busca atividades desafiadoras, como os esportes radicais. “Cabe ao diplomata cultivar o intelecto, estar bem informado, analisar, debater, redigir. É parte fundamental do nosso trabalho e da nossa vida”, analisa Olympio

Faissol. Mas acrescenta que “sempre haverá graus distintos de comprometimento com esse objetivo”. Por isso, os aventureiros – sem abrir mão do interesse por atividades intelectuais – concentram-se em outro nicho e contribuem para compor uma instituição heterogênea, em que cada um agrega características e habilidades próprias. Os entrevistados lembraram que, atualmente, não é possível que um diplomata domine todo o espectro de assuntos pelos quais transita a diplomacia. Ao concentrarem-se nas áreas de seu especial interesse, os diplomatas radicais distanciam-se da imagem tradicional da carreira. Em todo caso, não é possível reduzir o diplomata – ou o brasileiro – a um perfil único. Para a prática bem sucedida dos esportes radicais, conhecimento, concentração e arrojo são ingredientes fundamentais. Trata-se de características que os artistas e intelectuais que ganharam notoriedade na carreira também empregavam em suas atividades extraprofissionais. No fundo, são habilidades semelhantes que encontram novos fins. E geram tantas experiências inspiradoras ou inusitadas que podem acabar virando poemas, livros, músicas, quadros e filmes.  — J

artigos

texto Bruno Quadros e Quadros

A lín·gua por·tu·gue·sa no [sé·cu·lo do sul]

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página ao lado No Museu da Língua Portuguesa, linha do tempo mostra a evolução do idioma no Brasil (foto: jefferson pancieri/mlp).

No contexto de deslocamento do poder mundial em favor do Sul (o “Século do Sul”), a multipolaridade política vem desencadeando uma multipolaridade linguística. Sexta maior língua do mundo, com mais de 250 milhões de falantes nativos (de acordo com o renomado portal linguístico Ethnologue), o português vem-se beneficiando desse processo. Fatores como o fortalecimento dos vínculos diplomáticos entre os países lusófonos, a ascensão econômica do Brasil e dos países africanos de língua portuguesa, a participação mais ativa do Brasil em organismos internacionais e a penetração da indústria cultural brasileira têm aumentado o interesse global no aprendizado do português. Este artigo discute as políticas brasileiras de promoção da língua portuguesa e compara elementos das políticas implementadas por China e Rússia para o mandarim e o russo, respectivamente.

ofertados cursos de língua portuguesa, bem como de outras atividades representativas da cultura do país (música, dança, gastronomia e artes plásticas). Recentemente, os Centros Culturais foram modernizados, o que envolveu a aquisição de projetores e de computadores integrados à Internet, propiciando uma vivência pedagógica mais rica aos alunos. No âmbito dos ccbs, a Divisão de Promoção da Língua Portuguesa do Itamaraty (dplp) promove a realização de cursos de formação de professores em português como língua estrangeira – além de gratuitos, esses cursos são abertos para professores de fora dos ccbs –, a modernização do acervo das bibliotecas, por meio de parceria com a Biblioteca Nacional, e a produção de material didático para o portal da Rede Brasil Cultural na Internet (http://redebrasilcultural.itamaraty.gov.br).

A Rede Brasil Cultural A criação da Rede Brasil Cultural respondeu ao objetivo de promover sinergia entre as iniciativas de promoção da língua portuguesa desenvolvidas pelo Itamaraty. Fazem parte da Rede vinte e quatro Centros Culturais Brasileiros (ccbs), cinco Núcleos Há treze unidades dos ccbs nas de Estudos Brasileiros (nebs) e cerca de Américas, seis na África, três na Europa quarenta Leitorados em universidades es- e uma no Oriente Médio. Nos países sultrangeiras. Mas no que consiste cada uma -americanos, a demanda é tão grande dessas iniciativas? que não há vagas suficientes. Há relatos Os ccbs, cuja origem remonta às de que, no ccb de Lima, as vagas se esmissões culturais do Itamaraty envia- gotam em apenas um dia. De acordo com das aos Postos no exterior, entre as dé- Jorge Tavares, chefe da dplp, isso ocorre cadas de 1940 e de 1960, são extensões devido ao interesse de funcionários locais das Embaixadas brasileiras, em que são que trabalham em empresas brasileiras

nesses países de ter o domínio do português (especialmente do português jurídico) como um diferencial competitivo em seus currículos. Os nebs, por sua vez, contam com estrutura mais modesta, geralmente ocupando uma sala da Embaixada hospedeira. Por ter concepção mais enxuta e manutenção mais barata, são apropriados para locais em que a demanda pelo português e pela cultura brasileira é menor. Se a demanda se ampliar, um neb pode, eventualmente, transformar-se em Centro Cultural (CCB). Atualmente, os nebs estão na Guiné Equatorial, na Guatemala, no Paquistão e no Uruguai, onde há um núcleo em Artigas e outro em Río Branco. Já os Leitorados envolvem professores universitários (leitores) que atuam em universidades estrangeiras, nas quais promovem a língua portuguesa e a cultura brasileira. Os professores são recrutados por meio de edital publicado pelo Itamaraty e pela capes. Uma pré-seleção dos candidatos, feita pela capes, é submetida às universidades estrangeiras, que escolhem o leitor. Os professores são pagos pelo Itamaraty e costumam receber uma contrapartida da universidade na qual lecionam. A prioridade é a criação de leitorados em universidades de renome internacional (como Harvard e Sorbonne) e naquelas localizadas em países africanos de língua oficial portuguesa (palops), no brics e em países que recebem grande contingente de bolsistas brasileiros do programa Ciência sem Fronteiras (csf). Complementa as atividades da Rede Brasil Cultural o trabalho desenvolvido

artigos

junto às Comunidades Brasileiras no A promoção do português em parceria Exterior. Em 2013, foram promovidos cer- com os demais países lusófonos ca de vinte cursos de português como lín- Tão importante quanto a difusão do porgua de herança para pessoas de ascendên- tuguês para um universo maior de falancia brasileira que, pelas contingências da tes é a projeção diplomática do idioma de Camões e de Machado de Assis. Parte vida no exterior, perderam contato com o idioma de seus antepassados. fundamental desse processo é a articulaNessa miríade de iniciativas de promo- ção multilateral entre os países lusófonos ção do português ganha destaque a ques- realizada no âmbito da Comunidade dos tão da escolha do material didático. A pa- Países de Língua Portuguesa (cplp). A promoção do idioma comum é um dos piladronização do material é evitada, devido às peculiaridades linguísticas de cada lo- res da organização, juntamente com a cocal: as dificuldades de um falante de espa- ordenação política e a cooperação. Nesse sentido, foram realizadas duas edições da nhol ao aprender português são diferentes dos desafios enfrentados por um árabe, por Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial exemplo. Dessa forma, cada Posto escolhe o material que está mais de acordo com as – a primeira em Brasília (2010) e a seguncaracterísticas locais. Ainda que a padro- da em Lisboa (2013). Após dias de debate sobre os rumos da promoção internacionização do conteúdo seja evitada, tem-se nal da língua portuguesa, a II Conferência buscado a adaptação do material didático aprovou o Plano de Ação de Lisboa, que se à nomenclatura utilizada pelo Celpe-Bras (Intermediário, Intermediário Superior, juntou ao Plano de Ação de Brasília (aprovado na I Conferência, em 2010) como Avançado e Avançado Superior). base da estratégia de difusão global da línDesenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação e aplicado inter- gua portuguesa da cplp. O Plano de Ação nacionalmente pelo Itamaraty, o Celpe- aprovado na capital lusitana trata, entre outras coisas, do português como língua Bras é o único certificado de proficiência de ciência e inovação e a sua utilização em português como língua estrangeira nas comunidades de diáspora. reconhecido oficialmente pelo Governo brasileiro. No exterior, o exame é aplicado em diversos ccbs e universidades estrangeiras, no que o apoio logístico do Itamaraty é fundamental: o transporte dos exames é feito por meio de mala diplomática, por questões de segurança, e a prova oral é realizada e corrigida nas Embaixadas e Consulados brasileiros. Para os exames de outubro de 2013, mais de 5.700 candidatos se inscreveram.

Nina Gomes, reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) participa dos debates na II Conferência sobre o Futuro da Língua Portuguesa (foto: bruno portela e luísa ferreira).

Outra iniciativa importante é a inclusão do português como língua de trabalho em organizações internacionais. Além das organizações em que países lusófonos têm papel de destaque, como o Mercosul e a Unasul, o português tem sido paulatinamente promovido como língua de trabalho em instituições como a unesco e a oit, além de comissões da oea. Como exemplo, no âmbito da unesco, são promovidos eventos da série “Vamos Falar Português”, em que as delegações lusófonas se encontram com outros diplomatas e funcionários da organização, em momentos que celebram a língua portuguesa e a cultura dos países de fala portuguesa. Esses eventos ajudam a construir uma identidade política orientada pelo fator linguístico. No entanto, promover o idioma nas organizações internacionais requer, de acordo com Tavares, vultoso volume de recursos na manutenção de uma equipe permanente de tradutores em cada organização, seja para a tradução de documentos impressos, seja para as atividades de intérprete. Também é necessário mencionar que, paralelamente aos esforços da Rede Brasil Cultural, atuam na promoção do

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português organizações como o Instituto Camões, vinculado ao Governo português, e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (iilp), da cplp. O Instituto Camões, que existe desde 1929, promove importantes iniciativas para a capacitação de professores de português como língua estrangeira e para a elaboração de material didático. O Instituto beneficia-se da presença portuguesa ao redor do mundo, como no caso de Macau, onde foi um dos fundadores do Instituto Português do Oriente, que promove o idioma naquela região. Já o iilp desenvolve atividades desde 1999 e tem especial relevo na realização de projetos conjuntos dos países da cplp para a promoção do idioma. As políticas de promoção linguística em outros países do Sul A promoção da língua portuguesa realizada pelo Brasil difere em diversos aspectos das políticas implementadas pela China e Rússia, outros países do brics que não têm o inglês como idioma oficial. Na China, a política de promoção do mandarim está centrada na atuação do Instituto Confúcio, fundado em 2004 e que tem como objetivos oficiais a promoção e o ensino da cultura e da língua chinesa no exterior e o incentivo à cooperação educacional e ao aumento da compreensão internacional sobre a China. O Ministério da Educação chinês estima que 100 milhões de pessoas estejam aprendendo chinês atualmente. Ao contrário de instituições como a Aliança Francesa e o Conselho Britânico, o Instituto Confúcio é vinculado ao Governo chinês e opera dentro de estabelecimentos educacionais de países estrangeiros, promovendo cursos de língua chinesa, treinamento de professores e aplicação de exames de certificação de proficiência (hsk). Há mais de 300 unidades do Instituto em cerca de noventa países e há planos de expansão para mil unidades por volta de 2020.

O exemplo chinês inspirou a Rússia a adotar medidas semelhantes para promover internacionalmente a língua russa. Em 2007, foi criada a Fundação Russkiy Mir (Mundo ou Comunidade Russa, em russo), um projeto conjunto do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Educação da Rússia que conta com fundos públicos e privados para o seu funcionamento. O objetivo da Fundação é promover a língua russa e apoiar programas de ensino da língua russa no exterior. Ao contrário do alcance global do Instituto Confúcio, os “Centros Russos”, como são chamadas as cerca de setenta unidades da Russkiy Mir no exterior, estão basicamente concentrados em países que pertenceram à antiga União Soviética e ao bloco soviético. As estratégias chinesa e russa de promoção linguística recebem mais recursos financeiros do que a brasileira e são favorecidas por idiomas de maior reconhecimento internacional. O Brasil, contudo, é o único dos brics não falantes de inglês que se beneficia de uma rede de países empenhados em promover o idioma comum. A maior coordenação entre os países da Lusofonia tende a dinamizar a promoção do português, apesar do menor orçamento em relação à China e à Rússia. A projeção de um idioma e o poder mundial estão intimamente relacionados: o mandarim é favorecido pela presença da diáspora chinesa no Leste Asiático; o russo é tributário da influência histórica da Rússia no Leste Europeu, Ásia Central e Cáucaso; o português, por fim, é herdeiro do alcance do império colonial luso na África, Ásia e América.

de professores em português como língua estrangeira é escasso e a oferta de material didático, insuficiente, o que representa obstáculo formidável à expansão global do português. Por isso, são de fundamental importância a promoção de cursos para professores em português dentro dos ccbs e a elaboração de material didático online no Portal da Rede Brasil Cultural. O aprofundamento da sinergia dentro da Lusofonia é outro ponto crucial, que envolve maior sintonia entre as políticas individuais de promoção do português (como a cooperação entre os ccbs e o Instituto Camões) e a aceleração da convergência ortográfica, na qual a elaboração, pelo iilp, de manuais de vocabulário técnico na nova ortografia representa importante iniciativa. Apesar de o início do “Século do Sul” favorecer a multipolaridade linguística, os países que pretendem alçar seus idiomas a um lugar de maior destaque devem ativamente buscar esse espaço de proeminência. O contexto de ascensão dos países emergentes oferece oportunidades e desafios para a promoção internacional do português. De um lado, a maior projeção econômica, política e cultural do Brasil e dos demais países lusófonos tem despertado o interesse no aprendizado do português como língua estrangeira. De outro, a coordenação dentro da Lusofonia e o orçamento para a promoção do português precisam ser incrementados para aproveitar esse momento positivo. O que realmente determinará a força do por­­tuguês é a capacidade de os países lusófonos – com destaque para o Brasil – compro­varem aos estrangeiros que o co­­ nhe­cimento de sua língua será a chave para aproveitar as oportunidades do “Século do Sul”: acesso a benefícios eco————— nômicos, a uma cultura rica e dinâmica e Os desafios à expansão do português são a uma produção científica relevante. Os muitos e envolvem desde a estrutura da próximos movimentos no tabuleiro linRede Brasil Cultural até as característi- guístico da geopolítica do “Século do Sul” cas políticas da Lusofonia. O contingente estão sendo aguardados.  — J

artigos

O Itamaraty e o papel de outros atores governamentais

nas relações internacionais do Brasil

texto Igor Carneiro e Thiago Oliveira Nos últimos anos, o progresso tecnológico tornou a comunicação entre governos e sociedades menos custosa e, portanto, mais frequente. A nova era da instantaneidade trouxe a realidade internacional e suas consequências para o cotidiano dos povos. Tal realidade corrobora uma dinâmica bidirecional, ainda que de intensidades variáveis, entre os interesses locais e

os fatos internacionais. A capacidade de influência dos polos depende dos graus de relevância e de conexão dentro do sistema político-econômico global. Há lugares com maior capacidade de influenciar a dinâmica internacional, enquanto outros tendem a assimilar passivamente seus desdobramentos. Nesse contexto, os entes políticos, sociais e econômicos, tradicionalmente

incumbidos de atuar em um cenário local, desenvolvem a percepção da importância e dos potenciais da construção de relações com contrapartes externas. Quando analisados os efeitos desse fenômeno no âmbito governamental, nota-se que as formas tradicionais de organização e condução das relações internacionais, baseadas em uma lógica centralizada,

ilustrações Clara Meliande e Rafael Alves baseada em obra de Athos Bulcão

encontram limites diante de novos padrões de execução da política externa, que são mais difusos na estrutura do Estado. Essa nova realidade possibilita o contato direto e frequente entre instâncias burocráticas brasileiras e suas contrapartes estrangeiras sem a tradicional intermediação e depuração pelos canais diplomáticos. Colocam-se, portanto, grandes desafios à atuação das chancelarias em seu papel de representantes e porta-vozes de interesses e posições nacionais, sobretudo em áreas que requerem aprofundado conhecimento técnico ou em que haja vívido interesse de governos locais em benefícios decorrentes da construção de vínculos com interlocutores internacionais. Na estrutura estatal, nota-se o crescente número de atores que transpõem as realidades local e nacional. Neste artigo, propõe-se classificar a atuação dessas instâncias segundo dois eixos: o horizontal e o vertical. No primeiro, faz-se referência à atuação ampliada de diversas entidades, no âmbito da esfera federal (ministérios, agências e empresas públicas), nas relações exteriores do país. No segundo, recordamos a crescente participação dos entes subnacionais (estados e municípios) na busca de inserção privilegiada no contexto econômico-comercial mundial. O processo de descentralização horizontal – a participação de outros órgãos federais na política externa Dentro do poder constitucionalmente incumbido de manter relações com entes estrangeiros – o Executivo – constata-se o aumento das atividades internacionais dos

órgãos governamentais tradicionalmente voltados a temas da realidade interna do país. Comprovam a existência do processo de descentralização horizontal da política externa o incremento da atividade das assessorias internacionais dos ministérios, o aumento do número de missões dos diversos órgãos ao exterior e o grande número de acordos internacionais negociados com a participação de outros ministérios. Algumas assessorias internacionais, como a do Ministério da Saúde (ms), contam com dezenas de funcionários, que acompanham diversos foros na área e participam de numerosos projetos de cooperação técnica (116 projetos, de acordo com o ms). Destaque-se, também, o papel dos próprios titulares das pastas, já que os Ministros do Meio Ambiente, da Fazenda, da Educação e da Saúde, por exemplo, realizaram um total de 30 missões ao exterior em 2012, segundo as Assessorias Internacionais desses Ministérios. A descentralização horizontal (burocrática) decorre do aumento da conectividade global e das transformações ocorridas nas relações internacionais do pós-Guerra Fria. Destaca-se a ampliação da agenda internacional, o que trouxe, para a pauta de discussões interestatais, temas que demandam conhecimento altamente especializado. Nas discussões sobre meio ambiente, por exemplo, participam órgãos ambientais que dominam aspectos técnicos das negociações e que possuem capacidade de implementação das decisões no Brasil. Outro ponto relevante é o aumento da interface entre políticas internas e política externa, o que implica que políticas domésticas passassem a

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ser objeto de atenta análise internacional e que as preocupações internacionais tivessem desdobramentos em políticas públicas domésticas. Como exemplo, a criação da Organização Mundial do Comércio (omc) e de seu mecanismo de solução de controvérsias tornou as políticas comerciais e industriais dos países passíveis de questionamento em foros multilaterais. As prioridades da agenda internacional também foram rediscutidas, tendo em vista a percepção coletiva de que se poderia ganhar muito com a ampliação do escopo das relações interestatais para novas áreas. Foram criados agrupamentos internacionais, que, além de serem mecanismos de coordenação política, mantêm iniciativas de diálogo em áreas diversas. Um exemplo é Fórum de Cooperação América LatinaÁsia do Leste (Focalal), em cujo âmbito há, em paralelo ao mecanismo de diálogo diplomático, grupos de trabalho em desenvolvimento sustentável, turismo, cultura, juventude, gênero, esportes, ciência e tecnologia e educação. O Fórum ibas, o Mercosul e a Unasul possuem, cada um, 10 ou mais grupos sob responsabilidade compartilhada com outros ministérios. São significativos os ganhos que o processo de descentralização horizontal pode trazer para as relações internacionais do Brasil. Uma imagem da Química é ilustrativa: quando uma substância maciça é imersa em um reagente, as reações ocorrem gradualmente nas camadas da superfície. Quando a mesma substância é triturada e imersa no reagente, mais reações ocorrem simultaneamente. Analogamente, o processo de descentralização burocrática

artigos

aumenta a interface dos agentes estatais brasileiros com suas contrapartes estrangeiras. Esse processo possibilita ao Brasil exercer influência em maior número de áreas junto aos demais Estados – não apenas no âmbito do diálogo político, mas em todas as outras áreas em que existe compartilhamento de experiências e cooperação. O processo representa, ainda, um aumento dos recursos humanos e financeiros empregados nas relações internacionais, uma vez que ao pessoal diplomático somam-se os profissionais dos outros órgãos, que aportam recursos na realização de encontros bilaterais e multilaterais e na execução de projetos com alcance internacional. Do mesmo modo, ganham espaço, na política externa, áreas cujas interações têm natureza mutuamente benéfica para as partes envolvidas, em oposição a áreas em que ganhos de um lado implicam perdas do outro. Ao lado de barganhas políticas e comerciais, convivem iniciativas de aproximação cultural, educacional e científica, o que propicia a uma relação bilateral um tom amistoso mesmo em momentos de divergências pontuais. Apesar dos ganhos listados, não se podem ignorar os potenciais efeitos negativos da descentralização horizontal. Atuam na política externa dezenas de órgãos, os quais interpretam de maneira particular as linhas-mestras do relacionamento brasileiro com outros países e imprimem caraterísticas próprias às ações internacionais que executam. Essa pluralidade de atores pode gerar ações descoordenadas e até dissonantes. Outro aspecto negativo relaciona-se ao fato de que a maioria dos órgãos públicos federais foi criada para atender demandas internas e, consequentemente, têm como prioridade sua agenda doméstica. Nesse sentido, os esforços internacionais podem padecer

de baixa prioridade na agenda do órgão, o que costuma refletir-se em acordos e reuniões com parcos resultados concretos. Em outros casos, países nutrem a expectativa de que o Brasil aporte recursos financeiros a projetos no exterior, o que nem sempre é possível por restrições legais e orçamentárias ou por não ser de interesse dos órgãos brasileiros. À medida que se intensifica a descentralização horizontal, forma-se uma rede de atores das relações internacionais cujo

O MRE manterá atribuição de imprimir linha de ação internacional coerente com os interesses do Brasil, agora como nódulo central em uma lógica de atuação reticular. — potencial pode ser estrategicamente desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores em benefício dos interesses brasileiros. Esse processo implica uma reflexão do Itamaraty sobre seu papel nas áreas em que compartilha responsabilidades com outros órgãos e um renovado esforço de coordenação da mencionada rede. As dificuldades são significativas, mas de igual relevo são as oportunidades que se abrem para a política externa brasileira. A intensificação da atuação externa dos entes subnacionais A atuação internacional dos entes subnacionais tem sido referida em discussões

acadêmicas sob o conceito de “paradiplomacia”. Esse conceito, que traz a ideia de uma diplomacia paralela, causa arrepios aos constitucionalistas e estranheza à burocracia tradicionalmente incumbida da execução da política externa –os diplomatas. Atualmente, com vistas a um melhor enquadramento conceitual, atores governamentais referem-se a esse fenômeno como “diplomacia federativa” ou “cooperação internacional descentralizada”. Independentemente do conceito pelo qual se opte, a atuação internacional cada vez mais intensa desses entes é algo já bastante relevante, o que estimulou o Ministério das Relações Exteriores a aprimorar os meios para lidar com essa nova realidade com a criação, em 2003, pelo Decreto 7.759, de sua Assessoria de Assuntos Federativos e Parlamentares (afepa) e com o fortalecimento do papel de seus oito Escritórios de Representação nos Estados. Os entes federados beneficiam-se da possibilidade de estabelecer contatos no exterior, por meio de seus próprios recursos, e, assim, promover seus interesses comerciais, de investimentos e de cooperação. O marco inicial da atuação estruturada dos governos subnacionais na área internacional ocorreu em 1983, durante o governo Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, quando se criou a Coordenadoria de Assuntos Internacionais do Estado. Em 1987, durante o governo Pedro Simon, no Rio Grande do Sul, foi criada a primeira Secretaria Estadual de Assuntos Internacionais. Atualmente, metade das unidades federativas possuem órgãos voltados especificamente para a promoção de suas relações internacionais. Como evidência da participação destacada dos estados brasileiros no âmbito internacional, convém ressaltar que, a cada ano, o Estado de São Paulo assina mais

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de cinquenta acordos com governos e organizações internacionais e recebe mais de quatrocentas delegações estrangeiras. Atualmente, há 25 representações de entes subnacionais estrangeiros funcionando na capital paulista (tavares, 2013). A atuação internacional dos municípios é outro fenômeno de crescente relevo. Desde 2007, a Confederação Nacional dos Municípios (cnm), por meio do projeto Observatório da Cooperação Descentralizada no Brasil (ocdb), elabora estratégias para diagnosticar e avaliar a atuação internacional desses entes. Estudo da cnm verificou que somente trinta, entre os mais de 5.500 municípios brasileiros, são dotados de uma unidade especializada na área internacional. No entanto, a tendência de intensificação dessa atuação é evidente, uma vez que mais da metade das unidades foram criadas no período recente de 2005 a 2008. Os eixos de atuação dos municípios costumam estruturar-se em quatro macrodimensões: política (fóruns, vinculação a cidades-irmãs e participação em redes de políticas públicas); cooperação (técnica e captação de recursos); promoção econômica (comércio exterior, investimentos estrangeiros e turismo); e ações de mar­keting urbano. Cabe salientar, contudo, que há limitações a esse potencial de atuação nas relações internacionais e, por vezes, aspectos negativos relacionados à atuação simultânea dos entes federados brasileiros. Entre as limitações, deve-se ressaltar que acordos internacionais somente possuem validade jurídica se firmados ou avalizados pela República Federativa do Brasil, a entidade à qual se atribui a personalidade jurídica de direito internacional. No que diz respeito às operações financeiras internacionais, há ainda a exigência constitucional de aprovação pelo Poder Legislativo Federal.

Em se tratando da atuação internacional simultânea dos entes federados, esta pode ganhar contorno negativo se houver uma competição acirrada por oportunidades. É provável que governos com mais recursos humanos e financeiros tendam a desenvolver unidades internacionais mais ativas e, assim, obtenham vantagens na sua atuação. Desse modo, a atividade concomitante e livre de vários entes tenderia a privilegiar os mais fortes e acentuar as disparidades existentes, em vez de utilizarem-se as iniciativas internacionais como ferramenta para a consecução do objetivo constitucional de mitigação das desigualdades regionais.

existência de uma chancelaria competente e eficiente. Pelo contrário, cria-se forte demanda por uma harmonização das ações externas e pelo estabelecimento de diretrizes claras e condizentes com a política externa do país. O que se deve evitar a todo custo é o surgimento de uma dinâmica de competição burocrática no seio do Estado brasileiro, o que resultaria em grandes prejuízos à posição internacional do Brasil e severa erosão de seu prestígio ante as demais nações. Ao Itamaraty caberá repensar seu modelo de atuação e preparar-se para as novas demandas decorrentes do processo de descentralização das relações internacionais.  — J

————— Em que pese a coparticipação de diversos órgãos federais e dos vários entes federados nas relações internacionais, é razoável supor que as competências do Itamaraty continuarão, em essência, inalteradas pelas próximas décadas. O que não se pode ignorar, no entanto, é que o contexto de descentralização horizontal e vertical demande um ajuste do foco de atuação da Chancelaria. Sua função de supervisão e coordenação da posição internacional do Brasil deverá fortalecer-se frente ao maior envolvimento dos quadros técnicos especializados dos outros órgãos do Governo no desenvolvimento de ações com impacto na política externa. Desse modo, o Itamaraty deverá compor o centro articulador de uma rede burocrática com múltiplas e intensas conexões internacionais. O Ministério das Relações Exteriores manterá sua atribuição de imprimir uma linha de ação internacional coerente com os interesses do Brasil, porém agora como nódulo central em uma lógica de atuação reticular. A atuação mais intensa de outras instâncias burocráticas não ameaça a

leia mais As Áreas Internacionais dos Municípios Brasileiros: Observatório da Cooperação Descentralizada – Etapa 1 / Confederação Nacional dos Municípios – Brasília: CNM, 2011. tavares, Rodrigo. Foreign Policy Goes Local: How Globalization Made São Paulo into a Diplomatic Power. In: Foreign Affairs Online, 9 de outubro de 2013.

artigos

texto Bruno Quadros e Quadros 1

O outro lado da moeda a diplomacia e a numismática

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1. Moeda comemorativa por ocasião da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), sediada no Rio de Janeiro, em 1992. 2. A nota de 20 gourdes haitianos impressa pela Casa da Moeda é exemplo da cooperação prestada pelo Brasil na fabricação de dinheiro. 3. Rui Barbosa na nota de 10 mil cruzeiros, de 1984. 4. A nota de 5 mil réis, de 1913, foi a primeira a retratar o Barão do Rio Branco. 5. O Barão na nota de 5 cruzeiros, de 1950. 6. A famosa nota de 1 mil cruzeiros, de 1978, consagrou na linguagem popular o termo “barão” como sinônimo de “mil” e é conhecida no meio numismático como “cabeção”.

A dimensão mais conhecida da numismática ¬ o colecionismo de moedas e de cédulas ¬ representa, para alguns, uma excentricidade aristocrática, enquanto, para outros, é uma atividade educacional e recreativa. No entanto, a numismática envolve diversos outros aspectos: serve como ciência auxiliar da História e reúne o conhecimento das tecnologias de fabricação de dinheiro e de prevenção de falsificações. Independentemente dessas diferentes perspectivas, o estudo das cédulas e das moedas permite perceber como a história de um país é tratada e que personagens e eventos são privilegiados em detrimento de outros. Por isso, é o campo singular para se observar a hierarquização da história e da iconografia nacionais pelo poder político em determinada época. Que relação têm a diplomacia e uma singela moeda de cinquenta centavos? Como a numismática serve ao trabalho do diplomata? Quantas considerações diplomáticas estão envolvidas em um contrato de exportação de cédulas da Casa da Moeda? Nesse contexto, o artigo aborda a relação entre diplomacia e numismática na vertente iconográfica (os diplomatas e eventos diplomáticos no dinheiro brasileiro), profissional (a funcionalidade da numismática no trabalho diplomático) e comercial e de cooperação (a exportação de dinheiro pela Casa da Moeda).

A diplomacia em moedas e em cédulas brasileiras A representação de diplomatas e de eventos diplomáticos é farta na numismática brasileira, a começar pelo Barão do Rio Branco. O Patrono da diplomacia brasileira é presença garantida em moedas e cédulas do país há cem anos e acompanha as diversas mudanças de moeda sofridas pelo Brasil durante o século XX. A primeira aparição de José Maria Paranhos da Silva Júnior no anverso das cédulas brasileiras ocorreu em 1913, um ano após sua morte. Foi na 14a. estampa da nota de 5 mil réis, produzida pela American Bank Note Company, empresa sediada em Nova Iorque. O reverso da cédula faz referência à indústria e ao comércio do país. Quando se percebeu que o “mito” do Barão seria duradouro, o diplomata passou a figurar na 19a. estampa das notas de 5 mil réis que foram impressas em 1924, 1936 e 1942, também pela American Bank Note Company. Exemplares dessa cédula em perfeito estado de conservação (denominado “flor de estampa” pelos numismatas) chegam a valer quase quinhentos reais no mercado. Com a reforma monetária que introduziu o Cruzeiro, em 1942, a nota de 5 mil réis com o Barão foi carimbada para 5 cruzeiros, eliminando-se os três zeros. Também impressa nos Estados Unidos, a primeira estampa da cédula própria

artigos

Muito mais que um passatempo, a numismática é uma ciência com múltiplas implicações para a diplomacia. O conhecimento de cédulas e moedas pode auxiliar o diplomata no seu cotidiano e, frequentemente, servir como instrumento de política externa. —

de  5 cruzeiros circulou entre 1944 e 1967. Enquanto Rio Branco permanecia no anverso, a nota trouxe como inovação o reverso, que passou a retratar o quadro “A Conquista do Amazonas”, de Antônio da Silva Parreiras. A cédula circularia com a segunda estampa a partir de 1950, dessa vez impressa pela empresa britânica Thomas de La Rue & Company, com as mesmas ilustrações, mas com novo esquema de cores, mais próximo do marrom. Na segunda família de cédulas do Cruzeiro, reintroduzido como moeda nacional em 1970, o Barão foi transferido para a nota de mil cruzeiros, que foi impressa pela Casa da Moeda do Brasil (CMB) e circulou entre 1978 e 1989. Tendo no reverso o tema da delimitação das fronteiras, com a reprodução do taqueômetro usado na Questão de Palmas, essa nota foi inspirada nas cartas de baralho, possibilitando a mesma leitura para onde se virar a nota. Foi a partir dela que entrou na linguagem popular a expressão “barão” para designar o número mil em valores monetários. No meio numismático, é conhecida como “cabeção”, devido à protuberância da fronte do Barão. Após quase uma década “fora de circulação”, o Barão tornou a fazer parte

do dinheiro brasileiro na segunda família de moedas do Plano Real, introduzida em 1998. Uma vez que as cédulas passaram a tematizar a fauna, as moedas trazem próceres brasileiros. Os homenageados incluem Álvares Cabral, Tiradentes, D. Pedro I, Deodoro da Fonseca e o Barão, que figura no anverso da moeda de 50 centavos, ladeado pelo mapa do Brasil, em alusão à sua contribuição para a consolidação das fronteiras. De 1998 a 2001, foi cunhada em cuproníquel. De 2002 até hoje, passou a ser de aço inoxidável. Foram produzidos mais de dois bilhões dessas moedas. Além do Barão, Rui Barbosa é outro brasileiro homenageado em moedas por sua atuação diplomática. O jurista baiano

figura na moeda de 20 centavos de cruzeiro, que foi cunhada entre 1948 e 1956. Rui e a II Conferência de Paz de Haia (1907) estão presentes nas cédulas brasileiras de 10 mil cruzeiros, que circularam entre 1984 e 1990, e nas de dez cruzados, que circularam entre 1986-1990, ambas impressas pela CMB. No anverso, percebe-se Rui Barbosa à direita de sua mesa de trabalho; no reverso, o “Águia de Haia” aparece discursando no plenário da  Conferência. Em 1992, foi lançada, no valor de 2 mil cruzeiros, a moeda comemorativa referente à Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD ou Rio-1992), realizada no Rio de Janeiro, naquele ano. Cunhada em

A Questão de Palmas, também conhecida como Questão das Missões, foi um contencioso entre a Argentina e o Brasil, entre 1890 e 1895. Os países disputaram uma faixa territorial que compreendia o oeste de Santa Catarina e o sudoeste do Paraná. O Barão do Rio Branco, o representante brasileiro, logrou que o laudo arbitral do presidente norte-americano Grover Cleveland fosse favorável ao Brasil.

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O Embaixador Paulo Cordeiro e seu toman, moeda de ouro cunhada durante o reinado de Fath-Ali Shah, Xá da Dinastia Qajar que governou a Pérsia entre o final do século xviii e meados do século xix. (fotos: leandro pignatari)

prata, tem um beija-flor retratado no re- referirem ao dólar norte-americano como verso. Esse é mais um exemplo em que a “peso” e à moeda de 25 centavos de dólar Numismática acompanhou as transforma- (“quarter”) como “peseta”. No que se refere ções da política externa brasileira, justa- à estética artística, as dobras e os dobrões mente na Conferência que marcou a aber- cunhados durante o reinado de D. João V, tura e o fortalecimento do engajamento do na primeira metade do século XVIII, são Brasil no multilateralismo e na proteção exemplares formidáveis do estilo barroco do meio ambiente. que predominava em Portugal àquela época. Segundo o Embaixador Paulo Cordeiro, Diplomatas numismatas o olhar numismático atento permite a comAlém de retratar diplomatas, a numismá- preensão dos códigos de cada sociedade, tica relaciona-se com o cotidiano desses os quais frequentemente não são evidenprofissionais. Mas em que medida a ati- tes em fontes tradicionais de informação vidade numismática auxilia o trabalho do (discursos e imprensa). A política para as diplomata? De acordo com o Embaixador minorias da China, por exemplo, pode ser Paulo Cordeiro de Andrade Pinto, numis- percebida pela presença das traduções em mata com especial interesse em moedas mongol, tibetano, uigur e zhuang em todas coloniais portuguesas, ela proporciona o as notas de renminbi. Por meio dessas céconhecimento, por um lado, da realida- dulas, o Governo chinês transmite a políde e da história dos países e, por outro, da tica oficial de respeito à diversidade étniestética artística de determinada época. A ca, linguística e religiosa existente no país. compreensão da história de Porto Rico, por Além disso, a numismática serve como exemplo, pode ser percebida na relação dos mecanismo facilitador do diálogo. O locais com a moeda. O oficial de chancela- Embaixador Cordeiro relata ocasião em ria Luís Augusto Galante, que é doutor em que uma autoridade iraniana supunha que História e consultor numismático, obser- seu homólogo brasileiro pouco conhecia vou a preservação da memória monetá- sobre o país persa e sua sociedade. Ao ria espanhola em sua estada em San Juan, perceber o clima de suspeição, Cordeiro devido ao fato de os portorriquenhos se apresentou ao seu interlocutor um toman,

moeda de ouro cunhada durante o reinado de Fath-Ali Shah, Xá da Dinastia Qajar que governou a Pérsia entre o final do século XVIII e meados do século XIX. O ato contribuiu para dissipar as eventuais desconfianças, e a autoridade iraniana embarcou em frutuoso diálogo. A diplomacia também tem o papel de recuperar os tesouros numismáticos nacionais. Em 1986, quando trabalhava na Delegação do Brasil em Genebra, o Embaixador Cordeiro foi testemunha do trabalho do então Embaixador Paulo Nogueira Batista, que, instruído pela Secretaria de Estado, atuou em leilão de moedas coloniais portuguesas organizado pela Sotheby’s. As instruções específicas do Itamaraty, a pedido do Banco Central do Brasil, referiam-se à aquisição de cinco moedas cunhadas na Bahia entre 1715 e 1816, as quais faltavam no acervo numismático do Banco Central do Brasil. O Banco de Portugal também estava na disputa, interessado nas mesmas moedas. No fim, foi possível arrematar duas peças: uma moeda de 6.400 réis, cunhada em ouro, em 1734, pelo valor de 130 mil francos suíços (mais de R$ 300 mil em valores atuais), a qual era a prioridade do Banco

artigos Reverso da nota de 5 cruzeiros, de 1950: retrato do quadro “A Conquista do Amazonas”, de Antônio da Silva Parreiras. Reverso da nota de 10 mil cruzeiros, de 1984: o “Águia de Haia” discursando no plenário da II Conferência de Paz da Haia, em 1907.

Central; e outra de 4 mil réis, cunhada em ouro, em 1816, pelo valor de 1.400 francos suíços. Exportação de dinheiro pela Casa da Moeda A exportação de dinheiro é outra dimensão do vínculo entre diplomacia e numismática. Quando realizada em base comercial, essa exportação revela um forte laço de confiança dos países compradores com o país exportador. Já quando o dinheiro é fabricado sem ônus para países que têm dificuldades momentâneas em produzi-lo, torna-se importante instrumento de cooperação bilateral. Criada em 1694, a Casa da Moeda do Brasil (CMB) tem um longo histórico de exportação de moedas e cédulas, que remonta ao período colonial, quando cunhou macutas para as colônias portuguesas na África, a partir de 1813. No século XX, a Casa da Moeda exportou notas para diversos países, como Bolívia, Venezuela, Peru, Costa Rica e Equador, e transformou-se em referência internacional na fabricação de dinheiro. Esse processo foi interrompido, contudo, no final da década de 1980, devido ao excesso de demanda por meio circulante no Brasil e à obsolescência tecnológica do equipamento da CMB àquela época. Após receber importantes investimentos na modernização do maquinário e na ampliação da produção, a Casa da Moeda

retornou, recentemente, ao mercado internacional. Nos últimos anos, a CMB fechou contratos de fornecimento com autoridades monetárias de países como Paraguai, Venezuela, Argentina e Haiti. Para o Paraguai, a Casa da Moeda imprimiu mais de 40 milhões de cédulas de 5 mil e de 10 mil guaranis. Firmado em 2010, o contrato com a Argentina envolveu a impressão de 140 milhões de cédulas de 100 pesos, a fim de auxiliar no suprimento de papel-moeda para o mercado argentino. Aeronaves da Força Aérea Argentina foram enviadas ao Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, para fazer o transporte das cédulas até o país vizinho. No caso do Haiti, não se trata de contrato de venda, mas sim de doação, inserida na ajuda humanitária brasileira prestada ao país caribenho após o terremoto de 2010. A Lei 12.409 autorizou a CMB a doar 100 milhões de cédulas ao Haiti, o que representa um auxílio de quase R$ 5 milhões àquele país. O transporte do dinheiro também coube à CMB: em novembro de 2013, um navio fretado chegou a Porto Príncipe, com 47,4 milhões de cédulas de 20 gourdes, acondicionadas em um esquema especial de segurança. Essas notas já contam com os elementos de segurança presentes nas cédulas da segunda família do Real, como a banda holográfica. —————

Pensar a numismática como mero passatempo desvinculado da realidade é ignorar a riqueza das relações entre ela e a diplomacia. Os detalhes que constam nas moedas e nas cédulas são fruto de decisões políticas, pensadas com o objetivo de transmitir à população a narrativa histórica e/ou a percepção da realidade preferidas pelo poder político. Nesse sentido, a permanência quase ininterrupta do Barão no dinheiro brasileiro nos últimos cem anos demonstra o prestígio que ele e seu legado possuem na sociedade brasileira, principalmente devido à consolidação das fronteiras nacionais. A numismática também é um valioso instrumento que auxilia o diplomata na compreensão de outras realidades e na facilitação do diálogo. Permite-lhe analisar a relação das sociedades estrangeiras com o seu passado, bem como as mensagens do poder político local em temas como desenvolvimento, meio ambiente e cultura. Por fim, a fabricação de dinheiro pode servir como mecanismo de política externa e de cooperação, cujo maior exemplo é a impressão gratuita da moeda haitiana, a fim de abastecer o mercado do país caribenho. Nesse sentido, a expertise numismática da Casa da Moeda é um dos recursos à disposição da diplomacia brasileira para aprofundar as relações com os demais países emergentes.  — J

letter from the editors

brief

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english texts letter from the editors

Letter from the editors Portuguese version page 01

— The 50th anniversary of the military coup. Protests of June 2013. Itamaraty’s increasing openness to the dialogue with civil society. The exposure of limits of traditional diplomacy. The consolidation of the Brazilian leadership in important multilateral organizations. Certainly, the period of the training course of the Rio Branco Institute’s 20122014 Class coincided with remarkable episodes for Brazil’s diplomacy, politics and society. The development of another issue of juca could not overlook this time of change. The fact that we were numerically less than colleagues of the “Classes of 100” did not minimize the enthusiasm to introduce innovations. Firstly, we renewed the graphic design of the magazine, in order to enhance the link between texts and visual identity. Moreover, we fostered partnerships with young scholars, co-authors of two important articles in this issue. Last but not least, juca has, for the first time, its content translated into English. With the bilingual edition and the newly launched Facebook page (facebook.com/ revistajuca), we hope to conquer new audiences, in further places. While we made changes, we also took care of the essence of juca. The contents of this issue reiterate the commitment of young diplomats to take part in debates about the profession to which they are still getting used, as well as to disseminate their talents and opinions on arts, politics, literature and philosophy. In juca 7, we present details of Itamaraty’s work and Brazil’s foreign policy. We deal with objects as diverse as books, pieces of news, art works, coins and cables to shed light on links between foreign policy and transitional justice; arts and dictatorship; diplomacy and numismatics. We look inside “our House” as well as at the cultural diversity of the region and elsewhere. We give voice to the Minister of State

for External Relations, Ambassador Luiz Alberto Figueiredo Machado, and to Brazilian leaders of multilateral organizations, but also to other government officials, ngos, businesses and academics. juca 7 proposes to discuss democracy and to be itself a democratic space. With that we affirm the magazine’s role of being a place for diplomats, researchers and citizens to contribute together to the development of foreign policy, arts, culture and humanities in our country. We could not conclude without thanking the Director-General of the Rio Branco Institute, Ambassador Gonçalo Mourão, as well as his entire team, for kindly welcoming our ideas and supporting our ambitions. Special thanks to Professors Sara Walker and Susan Casement for the patience of revising the texts in English and for the confidence in the potential of our ideas. Finally, we wish good luck to the forthcoming juca team. May we, Third Secretaries of Rio Branco Institute, continue to take advantage of the opportunities offered by the career to present our opinions and talents and to seek constructive debates – as we tried to do in juca 7. Although this may sound like a commonplace, it may have been a far-reaching dream for the 1964 Class. Enjoy the reading!  — J

followed by democracy and diplomacy in Brazil in recent years, in order to make sense of the country’s current reality and to take part in its historic construction. With this purpose, this brief addresses different aspects of the Brazilian democratization process, emphasizing the international perspective: the role of the National Commission of Truth and of Itamaraty to achieve transitional justice in the country; the establishment of a Brazilian concept of public diplomacy; international cooperation for the exchange of files on the dictatorships of the Southern Cone; and the interesting case of democratic transition in Argentina. News and history, politics and diplomacy are detailed, investigated and carefully discussed on the following pages.  — J

brief

Transitional Justice in Brazil: Memory and Truth in Itamaraty

Diplomacy and democratic transition 50 years after the Coup

Portuguese version page 05

— Mariana Yokoya Simoni

Portuguese version page 04

— Remembering dates, events, people allows us to cast a glance at the developments without the attenuating circumstance of their fugacity. 2014 is marked by events of exceptional significance for Brazil: the 50th anniversary of the 1964 Coup and the launch of the National Truth Commission’s final report. Therefore, it is appropriate to reflect about the path

@MREBRASIL: “Itamaraty cooperates with the Brazilian Truth Commission to open archives and affirm the right to memory and truth.” The three main axes of transitional justice measures developed in Brazil are: the recognition of state responsibility for political persecution; the policy of economic and symbolic reparation;

brief

and, recently, the pursuit of truth and according value to memory. The discussion and implementation of these public policies have been able to convey new concepts, such as the duty of responsibility and accountability to present and future generations, to many public institutions in the country. The positive influence of many of the advances in the Brazilian transition agenda over the Ministry of External Relations (MRE) is noticeable, both in terms of its foreign policy orientation and the institutional culture of the Ministry.

Mechanisms of Transitional Justice They have the task of remedying the legacy of mass violation of human rights, through concrete actions aiming, for example, to require the implementation of the right to memory and truth and accountability for the violence committed in the past. The prime objectives of “transitional justice” refer to the recognition of victims, the strengthening of civic trust and commitment of the Democratic Rule of Law with the effectiveness of fundamental rights.

Over the past 50 years, one can identify significant change in the way the Brazilian state addresses human rights abuses caused by the discretionary use of power. If the political amnesty of 1979 had, initially, a pragmatic character aimed at conciliation and peace attainment, this classic conception was modified, with the enactment of Law Nº 9.140, in 1995, to include establishing the Special Commission on Political Deaths and Disappearances (CEMDP), the recognition of State responsibility for serious violations of human rights. With the Reparation Act in 2002, Brazil started a reparation policy for losses caused by political persecution, to which were added activities focused on the memory and the honor of those who were granted amnesty, implemented by the Amnesty Commission of the Ministry of Justice (CA-MJ). With the creation of the National Truth Commission (CNV) on November 18, 2011, by Law No. 12.528, the Brazilian government established the goal of clarifying past events and investigating cases of enforced disappearance and death between September 18, 1946, and October 5, 1988. Therewith, the Brazilian government

demonstrates its commitment to the pursuit of historical justice and the right to memory and truth. Changes in the way human rights violations are treated and in the meaning given to the work of CEMDP, CA-MJ and CNV influence the construction of political memory about the military dictatorship of 1964-1985 and the current Brazilian democracy, tracing limits of continuity and of discontinuity between the two political systems. The Right to Memory and Truth Seeking truth in a period of transition encompasses the complex field of intersection between politics, law and collective memory. In this debate, the truth is related to the right of victims of serious human rights violations and the right of their families to know the actual circumstances of past abuses, including the causes and the people responsible for these violations. The investigation and the knowledge of the truth about the events of the past are essential to curb impunity, promote human rights and contribute to the strengthening of democracy. The preservation of memory is clearly understood as a political act and the right to memory, a prerogative of individuals and generations to know the past that gives coherence and meaning to the current moment. The reconstruction of the memory about the military dictatorship, based on the truth, allows us to create a historical representation of the authoritarian past, with the official record of the arbitrary actions of the State, so that these atrocities are not relegated to oblivion. In the same way, it tries to enhance the memory and testimonies of victims, which are converted, afterwards, into additional documentation to write the history of the period. The right to memory and truth is fundamental to prevent misinterpretations about past events and for these not to happen again. The development of the concept and scope of the right to memory and truth has been gradual and consistent in Brazil. A first step was the launch of the book “Brazil: Never Again” in 1985, about the modus operandi of the repressive apparatus, published on the initiative of the Archdiocese of São Paulo and the World Council of Churches. Only after the publication of the book-report “Right to Memory and Truth,” in 2007, did an official document of the Brazilian State give notice and public recognition to the crimes committed and attribute them to members of state security forces.

The creation of the project “Memories Revealed” in 2009 was essential for facilitating access to files on the political repression by digitally interlinking the collection of the National Archives to federal archives and to 15 other Brazilian states, bringing together more than five million documents. The importance of the debate on memory and truth lies, as noted by Paulo Sérgio Pinheiro (see interview in this Brief ), a member of the CNV, in the central importance of building a solid system of responsibility with accountability for governmental actions in the present and in the past for the consolidation of democracy in the country. Therefore, several federal and state public agencies have an important role in gathering information and in investigating the whereabouts of the politically disappeared. In this context, the Ministry of External Relations is no different. Itamaraty has participated in discussions on the subject of memory and truth at universal and regional levels, as well as developing important contributions for the CNV’s work, and in the implementation of the Information Access Law. At the United Nations and Mercosur: cooperation and prospective view Brazil has progressively undertaken international and regional standards of transitional justice, having acceded to the major international conventions on human rights in this field, such as the International Covenant on Civil and Political Rights (1966), the UN Convention against Torture (1984) and the International Convention for the Protection from Enforced Disappearance (2006). It has signed the Inter-American Convention on Forced Disappearance of Persons (1994), still in process of ratification. In 2011, Brazil also supported the creation of a Special UN Rapporteur on the Promotion of Truth, Justice, Reparations and Guarantees of Non-Repetition, a position currently held by Colombian human rights activist, Pablo de Greiff. The establishment of a special rapporteur promotes constant monitoring of countries and the development of a prospective view on the subject. The right to memory and truth permeates the agenda of Mercosur and its members, since democracy and the Rule of Law are fundamental pillars of South American integration. The Permanent Commission on the Right to Memory, Truth and Justice is one of the most active groups

brief

within the Mercosur Meeting of High Authorities on Human Rights (RAADH), established in 2004. This Commission tries to develop mechanisms for international cooperation in the area of transition​​ al justice. As a result, in 2012, the Commission approved the construction of a Mercosur Memorial on Memory and Truth, in Porto Alegre, with the aim of gathering documents and stimulating discussions on the dictatorships of Latin American countries. Within the RAADH, South American countries have established best practices for the theme and advances in the process of exchange of archives (see article on the subject in this dossier). Sharing different national experiences allows everyone concerned to take advantage of knowledge accumulated in other contexts, such as the specialization of Argentina in the area of forensic genetics. In order to share information about the authoritarian periods, we highlight the signing by Brazil, Argentina and Uruguay of the Memorandum of Understanding for the Exchange of Documentation to Investigate Serious Violations of Human Rights, on January 29, 2014. Such cooperation is essential for the development of a complete list of victims of the military regimes in the region and to provide data and evidence for legal investigations. Mercosur countries articulate regional political consultation about proposed agreements and resolutions on the subject of memory and truth. Argentina led several initiatives which were taken to the international level – for example Resolution 2005/66 (2005) of the former UN Commission on Human Rights, which established the right to the truth in the context of International Law – and Brazil and other South American countries co-sponsored the vast majority of these projects. In the future, the idea is that all proposals on the matter have the support and the brand of Mercosur. It is an important step towards a region that shares the historical legacy of the military regimes of the 1970’s and 1980’s, but in recent decades, has emerged as a continent of reference for best practices and cooperation in transitional justice. According to the International Center for Transitional Justice (ICTJ), the first Truth Commissions have emerged in the Southern Cone, as well as several of the most successful commissions and the most creative initiatives to search for the truth.

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In the National Truth Commission: the daughter of time Truth Commissions are temporary official structures without judicial character that are created to establish the circumstances of human rights violations in a period of exception. These Commissions are founded on the principles of documentation, representation and construction of legitimacy of the successor regime. Firstly, according to the principle of documentation, these Commissions should attempt to register facts with all possible details. Secondly, these Commissions have to pay close attention to the representation and the language used to characterize the political violence of the predecessor regime. Finally, the successor regime seeks to draw a line of discontinuity with the previous government and lay the foundation for a future of greater political liberalization. The Brazilian Truth Commission is a pioneer, because the “right to truth” is clearly incorporated in Article 1 of the law creating it. According to the ICTJ, few truth commissions have explicitly mentioned the right to truth as its legal basis and those that did, such as in Guatemala and Peru, were limited only to preliminary considerations. The explicit statement of this right is a strong orientation to CNV in order to work towards the detailed clarification of facts related to serious human rights violations. Article 1 also states “national reconciliation” as a purpose of CNV, understood as a process of rebuilding the bonds of civic trust that are the foundation of social coexistence. One interpretation of the relation between these two concepts appears in the speech of inauguration of CNV in May 16, 2012, President Rousseff, says that truth is not revenge, nor forgiveness, but only the opposite of forgetting. The CNV represents a great opportunity to advance transitional justice measures in the country. Its investigations have prioritized the clarification of circumstances of deaths, torture, enforced disappearances and concealment of corpses that occurred between 1946 and 1988. It also seeks to investigate human rights violations against specific groups, the chains of command of State terrorism and international connections (such as “Operation Condor”) and the establishment of an “authoritarian legality” in Brazil. Besides the significant expansion of the thematic scope, the creation of the CNV represents a stimulus for horizontal

expansion, with the emergence of committees for local or specific organizations (such as those of the Brazilian Bar Association-OAB, National Union of Students-UNE and several universities), establishing a national network of truth commissions. Part of the documentary research has been held in the National Archives, particularly in the archives of the Ministry of External Relations, and foreign archives. In 2006, President Dilma Rousseff, then Minister-Chief of Staff, ordered the transfer of all documentation of federal institutions about the 1964-1985 military dictatorship to the National Archives. In 2007, the Ministry of External Relations was the first public body to answer the request and send the documents of the Documentation Centre of the MRE and the extinguished Information Center of the Exterior (CIEX) and Division of Security and Intelligence (DSI), amounting to over 120 boxes of documents. The Ministry of External Relations has not only provided unrestricted access to documents of its cables to researchers from CNV, but also organized its files located in Embassies in South America. MRE sent personnel exclusively to work with these archives in order to facilitate consultation by the missions of CNV. In the Embassy of Brazil in Buenos Aires, for example, the CNV collected nine remaining folders, full of documents. Recently, CNV examined the entire collection of classified documents from the Ministry, having selected about 300 top secret documents, 600 secret documents, and scanned, transcribed and analyzed 34 tapes with classified audios concerning the General Investigation Commission (CGI), created in April 1964, according to data from the report Balanço de Atividades: um ano de Comissão Nacional da Verdade. The National Truth Commission has been developing international actions in three main directions. Firstly, the CNV has conducted international missions to identify archives of interest and initiate exploratory research. It is worth highlighting the survey conducted in the Archives of the Ministry of Foreign Affairs of Argentina and the “Archive of Terror” of Paraguay, where CNV managed to obtain information about Brazilians imprisoned or exiled in these countries. A second line of action of CNV has been the establishment of cooperation mechanisms – with countries like Argentina, Bolivia, Chile and Paraguay

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– to investigate cases of enforced disappearance and death of Brazilians abroad and foreigners in Brazil. Finally, the CNV and the Ministry of External Relations sent official messages to approximately 15 countries in America, Europe, Africa, and also to international organizations, with the aim of establishing the basis of cooperation in archives exchange. The CNV is the culmination of a process that started with struggles for democratic freedoms and the writing of the 1988 Constitution; but it is also a new starting point. It represents a qualitative step compared to previous initiatives, because it has greater access to information and has built a map of archives and channels of investigation. This contributes to mobilize Brazilian society – represented by more than 100 committees of memory, truth and justice throughout the country – even after the end of the CNV mandate, when its final report is launched in December 2014. CNV was created not only to mobilize the Brazilian public sphere for two years, but also to leave a legacy to be strengthened through a long-term commitment from the Brazilian society and State. The meaning of the CNV for the Brazilian transition is still an open quest. According to Secretary Sylvia Whitaker, researcher in the CNV, the Commission’s main step forward is the fact that “the Brazilian state symbolically wants to know what happened to [missing] persons» acknowledging the importance of knowing and giving satisfaction to victims, their families and the Brazilian society on cases of torture, disappearance and death. The final report of the CNV may be composed of such information, of the testimony from about 500 people and some recommendations. Counsellor André Sabóia Martins, Executive Secretary of the CNV, said that what defines whether something is «new» is extremely subtle and depends on the place from which certain information is disseminated. An official report giving testimonies about the period and stating that certain information is to be found in an official document has a different impact in terms of social legitimacy for the writing of Brazilian history. The CNV’s final report and recommendations have great potential to be worked on by Brazilian public institutions, modifying longstanding behavior and institutional cultures, in order to align

them to the new objectives of the Brazilian democratic state and a state policy of truthseeking and enhancing memory. In Itamaraty: opening and turning the pages of history In Brazil, the Information Access Law (IAL), Law No. 12.527, was established along with the CNV (Law No. 12.528), in November 2011, representing an outcome of a long process of democratic construction and institutional improvement in the country. IAL regulates the right to information guaranteed by the Federal Constitution, determining that public institutions shall regard publicity as a rule and secrecy as the exception. The disclosure of information of public interest has procedures that facilitate access by any person, also through the Internet, to develop a culture of transparency and social control within the Brazilian public administration. Together with retrospective measures of transitional justice, the construction of patterns and mechanisms of free access to information is a significant step for the establishment of an open and participative society. The implementation of the IAL has required considerable effort on several fronts in various public institutions, including the MRE. According to Minister João Pedro Corrêa Costa, director of the Department of Communication and Documentation (DCD), even before the establishment of IAL, the Ministry of External Relations already guided its information production procedures, its classification and archiving by the principle of publicity. From 2007 to 2011, for example, from a total of 1.41 million diplomatic cables exchanged between the Ministry and its network abroad, only 0.7 % were classified as “secret”, and less than 0.06 %, as “top secret”. Added to expedients classified as “reserved”, the average of confidential documents produced annually by the MRE was only 7.5 %, which confirms that the restriction of access to information is an exception. This exceptionality is based on the fact that the disclosure of certain information could harm or jeopardize the conduct of negotiations or the international relations of the country, as expressed in Article 23 (II) of IAL. Inside Itamaraty, these efforts include changes in routine and procedures for treating diplomatic and consular information. According to

Minister João Pedro Corrêa Costa, one can observe a visible change in the administrative and political culture of Itamaraty, aligned with the guidelines of the Law No. 12.527. As reported in a survey of DCD, in the first two months after the implementation of the law, there was a perceptible decrease in the number of classified telegrams. Between March and May 2012, before the IAL, the Ministry produced 3,259 reserved and 591 secret documents. In the following months, in June and July 2012, these figures dropped to 2,333 and 421, equivalent to a fall of 28% and 29%, respectively. According to Minister Costa this change can be explained “by a higher selectivity over classifying information, in contrast to the behavior characterized by a propensity to assign confidentiality to issues that do not necessarily deserve such categorization.” ---------Brazil sees a moment of vivid and conscious historical production. There is a challenge involving two different models: on the one hand, a design of the Brazilian transition that turns “its back on the past”, as urged by Ulysses Guimarães, in the 1988 Constituent Assembly; and, on the other, the guideline assumed by the Brazilian government in recent years, with the search for detailed explanation of gross violations of human rights and to build the country’s political memory as a break with the authoritarian legacy. The CNV is a great opportunity to reflect on these dissimilarities and start a solid process of clarification and accountability for serious human rights violations of the dictatorship period. To delimit the Brazilian “never again” and create a transitional narrative, which is unambiguously directed towards democratization, holds a high transformative potential. It is a necessity for the implementation of a series of rights such as the right to memory and truth, interconnected to the right of access to justice, the right to obtain effective remedy and reparation and the right to mourning. It is an incentive for the development of a national policy on archives, adapted to cases of human rights violations, so that the country’s documentary heritage is preserved and made available, in particular those related to human rights violations. It is the basis for the formulation of a national project that face its past and thereby

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build a democracy based on the new foundations of freedom of expression, transparency and social participation.  — J Further reading BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Balanço de Atividade: 1 ano de Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/ images/pdf/balanco_1ano.pdf. COSTA, João Pedro Corrêa. A Lei de Acesso à Informação e a Diplomacia Brasileira; In: Revista Interesse Nacional, Ano 5, Número 19, OutubroDezembro 2012. PINTO, Simone Rodrigues. Direito à memó­ria e à verdade: Comissões de Verdade na Amé­rica Latina. Revista Debates, Porto Alegre, v.4, n.1, p. 128-143, jan.-jun. 2010. REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo. O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. SIKKINK, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. The Impact of Human Rights Trials in Latin America. Journal of Peace Research, 2007, Vol. 44, No. 4, 427-445. SOARES, I. & KISHI, S. Memória e Verdade: a justiça de transição no Estado democrático brasileiro. Belo Horizonte, Fórum, 2009. TEITEL, Ruti. Transitional Justice. New York: Oxford University Press, 2000.

Brazilian National Truth Commission: accountability to the past and to the future Portuguese version page 12

— Interview with Paulo Sérgio Pinheiro1 Mariana Yokoya Simoni 1 Professor Pinheiro is grateful to the diplomat Minister Antonio de Moraes, his colleague at CNV, for the contributions made to this interview, particularly with respect to historical data. Naturally, the responsibility for the text that follows is Professor Pinheiro’s.

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Paulo Sérgio Pinheiro is member of the Brazilian National Truth Commission and was Minister of State Secretariat for Human Rights in Fernando Henrique Cardoso’s presidential mandate. Since 2011, Mr. Pinheiro presides the UN International Independent Investigation Commission on the Republic of Syria. He was the UN Special Rapporteur on Burundi and Myanmar, and Independent Expert of the Secretary-General to the World Report on Violence against Children. Mr. Pinheiro is Adjunct Professor of International Relations at the Watson Institute of International Studies, Brown University, and Associate Researcher at the Center for the Study of Violence (NEV), University of São Paulo, having taught at Columbia University (USA), Notre Dame (USA), Oxford (England) and at the Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris). JUCA: What do you believe will be the meaning and contribution of the National Truth Commission (CNV) for the Brazilian society? Will CNV leave important legacies? Paulo Sérgio Pinheiro: The institution of the National Truth Commission, by Law No. 12,528, approved almost unanimously by the National Congress in 2011, came to meet a long-standing demand of Brazilian society – promoting accountability acts committed by public servants that were patent violations of human rights –, as well welcoming democratic freedoms. I must point out that, since the Constituent Assembly of 1946, General Euclydes de Figueiredo, then Deputy of the former Federal District, had striven in vain for the installation of a truth commission avant la lettre, in order to investigate criminal offenses committed by the police during the “Estado Novo” period and the two years following the communist uprising of 1935. After Brazil’s return to democracy, with civilian rule in 1985, important steps were taken: the Law of Political Deaths and Disappearances in 1995, and the regulations of the institute of political amnesty in 2002, both during Fernando Henrique Cardoso’s government. The recognition that the Brazilian State was responsible for the crimes committed by the military dictatorship was the cornerstone on which the construction process of that accountability could be based in the democratic period. President Luiz Inácio Lula da Silva, in his turn, continued along the democratic path by sending to the Congress the bill to establish the CNV. The

final version was approved in a solemn ceremony by President Dilma Rousseff, in the presence of all her living presidential predecessors. I have no doubt that the most important legacy of our Commission is to have started a process of great vitality and national proportions, in order to rescue the memory of serious human rights violations that occurred during the period 1946-1988, especially after the Coup of 1964. Today, truth commissions operate in almost all Brazilian states and numerous municipalities; one can note the proliferation of truth commissions of an institutional nature, in universities, trade unions, and professional bodies (for example, OAB). Over a hundred committees for truth, memory and justice, are active and are representative of Brazilian citizenship. — Truth Commissions are set up to seek clarification about facts of a period of exception and to accord value to the perspective of the victims. What are the particular characteristics of the Brazilian Truth Commission in comparison to other experiences around the world? I would like to highlight the paramount importance given to documentary research as a peculiarity of the Brazilian Truth Commission, without leaving aside the testimony of victims, witnesses and human rights violators. By extinguishing the former National Intelligence Service (SNI), through an interim measure, in 1990, without indicating a successor agency, President Fernando Collor de Mello paved the way for sending the whole SNI collection of documents to the Brazilian National Archive, which indeed took place during Luiz Inácio Lula da Silva administration. The National Archive made available to the CNV over 16 million pages of documents from the “bureaucratic octopus” self-entitled SISNI (National Information System), which brought together the SNI and the other branches of the repressive apparatus of the dictatorship. In comparison, I would like to remind you that the report of Argentina’s CONADEP (the so called “Sabato Commission”), established by President Raúl Alfonsín, was based solely on the testimony of the victims. — What kind of activities has CNV been developing at the international level? What do you think will be the outcome of these efforts? In addition to carrying out information missions to neighboring countries which have had similar

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experiences of dictatorship and redemocratization – such as Argentina, Uruguay and Paraguay –, CNV has established direct contact with authorities in more than two dozen States and international organizations, aiming to gain access to important documentary collections in order to understand the political processes that enabled systematic violation of human rights in Brazil, in the period after 1964. These contacts have always had the support and guidance of the Brazilian Ministry of External Relations, producing in some cases extremely fruitful results, such as the decision of the Czech Republic to open its archives to researchers accredited by the CNV. Another country that has agreed to meet the demands of the CNV was Germany, thanks to a personal request of President Dilma Rousseff to President Joachim Gauck when he visited Brazil in May 2013. It is essential that these efforts to have access to documents that are dispersed in foreign archives are not interrupted, even after the closure of the CNV’s activities in 2014. There are exceedingly important negotiation processes going on, such as the one underway in the United States, which is unlikely to be succeed without the negotiating talent of Brazilian diplomats. — How have the relations between Itamaraty and the CNV evolved? What have been the main contributions of Itamaraty to the CNV’s work? From the beginning of its work, the CNV has had exemplary relations with the Ministry of External Relations. By decision of the then Minister of External Relations, Antonio Patriota, researchers of the CNV have had not only wide access to the documents collected at the central archives of the Secretariat of State, in Brasilia, but also freedom to research the archives of Embassies and Consulates. This practically unrestricted support of Itamaraty to the National Truth Commission’s work was reaffirmed by Chancellor Luiz Alberto Figueiredo, soon after he took office as Minister of External Relations. I would stress the valuable support that the CNV has been receiving from Ambassador Eduardo dos Santos, currently Secretary-General of External Relations, not forgetting the sincere and friendly collaboration of his predecessor, Ambassador Ruy Nogueira. As a matter of justice, I could not fail to mention other diplomats and lower rank officers,

as Minister João Pedro Costa, Director of the Communication and Documentation Department (DCD); and the staff of the General-Coordination of Diplomatic Documentation, headed by Counsellor Pedro Garcia. In addition, Itamaraty has seconded four diplomats of different ages and professional ranks in the career to the CNV. Three of those officers work directly with me in the “Foreigners Working Group” (human rights violations of Brazilian citizens abroad and foreigners in Brazil). I can testify as to their dedication and the quality of their work. — How can the findings of the CNV be worked on in public institutions and educational institutions? This is a side of the CNV that few people mention – its capacity to introduce new concepts into the Brazilian public administration, such as the support for the concept of accountability and of answering to future generations. It is clear to me that, by producing a report that consolidates information about an endless number of grave human rights violations over a period of more than 40 years, the CNV will contribute to a deeper reflexion about the reasons for those violations and how far they could have been avoided. After all, the time lapse of the CNV’s legal mandate practically overlaps with the Cold War, a conflict that was, in its roots, extraneous to Brazil. Its internalization, starting with the Dutra administration, led to the rupture of the democratic order in 1964, with the prevalence inside the State apparatus, especially after the AI-5 (Institutional Act No. 5), of a dualistic and authoritarian world view, that disregarded human rights as an value essential to a rapidly changing society. By elaborating an official narrative – and an absolutely unique one – about this long historical period, the CNV will certainly help to crystallize a new official discourse, common to the different segments of the Brazilian State, and fully in line with the 1998 Federal Constitution’s letter and spirit. It will be up to the educational institutions to transmit this discourse to new generations, who often know little about the scale of the grave human rights violations during the period over which the CNV is working. — What is the impact of the implementation of mechanisms of transitional justice in a country?

Do you believe that there are meaningful correlations between these measures and democratic consolidation, a decrease in violence and improvement in human rights practices? This is a question which must be analyzed on a case by case basis, otherwise we may come to simplistic and unhelpful generalizations. In the specific case of Brazil, I have been arguing for over two decades, as researcher and associate professor of the Center for the Study of Violence (NEV) of the University of Sao Paulo (USP), and also as member of the Teotônio Vilela Commission on Human Rights – founded by Severo Gomes and by Teotônio himself – for the imperative necessity of a deep reform of the police apparatus, with the demilitarization of state police forces. Only then will we bring to an end the culture of violence that still prevails among a large number of public agents, as an inheritance of the dictatorship’s practices. Without wishing to pre-empt the conclusions of the CNV as a collegiate body – which will come before the recommendations in the final report – I am sure that this issue, the correlation between the authoritarian legacy of the dictatorial order and the persistence of human rights violations for significant shares of the Brazilian population, will certainly have a distinctive place in the document that will be presented to Her Excellency, the President, in December 2014. — What are the relations between the right to information and the right to truth, guaranteed, respectively, by the Information Access Law (Law No. 12.527) and the act that created the Truth Commission (Law No. 12.528)? These were, undoubtedly, converging movements, which placed Brazil in the mainstream of contemporary international society. A famous Brazilian, an exponential figure from the recent past, Alceu Amoroso Lima – one of the great masters of my generation, and who was the first to denounce “State terrorism” in the act of torture after the coup d’état in 1964 in his column in Jornal do Brasil – once wrote that there is a tendency in Brazil for “late repercussion” to the great lines of thought and to the processes of universal dimension that bring about big changes. That happened, for instance, with slavery, as Brazil was the last country on the American continent to abolish this archaic and abject social practice.

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In present-day society, 9/11 and its consequences led, in some of the world’s most advanced societies – the United States, the United Kingdom or Japan – to the adoption of legal instruments widely restrictive of public freedom. Instead of promoting transparency, a fundamental value in any democratic society, the notion of State secret and the intrusion of the public power in citizens’ private lives were have been extended without restraint. By simultaneously sanctioningthese two notable legal acts that are the Information Access Law and the act that created the National Truth Commission in 2011, President Rousseff positioned Brazil against the current that was restricting the Rule of Law in some of the great industrial democracies. This placed Brazil in the forefront in the affirmation of human rights. I am sure that my late master, Doctor Alceu Amoroso Lima, if he were here, would be very pleased with this moment, a complete exception to the historical tendency that he identified in Brazilian society.  — J

Brazil and the exchange of archives about the military dictatorships of the Southern Cone: the case of Operation Condor Portuguese version page 16

— Bruno Quadros e Quadros and Sabrina Steinke2 One of the challenges to democracy in Brazil and the other countries of the Southern Cone is to reconstruct the traumatic events of political repression in the 1960s and 1970s. This region was the scene of military dictatorships of national security, 2 PhD candidate in History, Universidade de Brasília

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which in addition to repression in their national territory, pursued those considered “enemies” of the State throughout the Southern Cone. While in the 1970s the States of the region got together to repress through the military regimes imposed in each country, based on the ideology of the National Security Doctrine (DSN), adapted according to the particularities of each country, today there exists a progressive collaboration aiming at reconstructing the history of that period, in which the Foreign Ministry has a prominent role. The performance of the diplomatic corps in actions for promoting memory, truth and justice in Brazil and the region is salutary. One example is the participation of diplomats at the Special Commission on Political Deaths and Disappearances – under the Secretariat of Human Rights of the Presidency of the Republic –, as well as at the National Truth Commission. Another example is the work performed in the archives of the Foreign Ministry, which has extensive documentation about these years open for consultation, including documents classified as secret. The Foreign Ministry has worked to deepen the archival cooperation on the bilateral and multilateral levels, examples of which are the efforts for exchanging files about the repressive events under the auspices of Operation Condor. The condor is the largest flying bird of prey in the world, able to search for its prey from miles away; it feeds on carrion or weak and sick animals. In Andean folklore, this bird represents the struggles between the oppressed and oppressors. The peoples of Quechua language convey through this bird what they consider “emptiness” of their traditions. It was certainly not because of the prominent role of the bird as a sign of the oppressed that Manuel Contreras, then head of the Chilean secret police, named the repressive coordination between the States of the Southern Cone Operation Condor, formalized on November 28, 1975 in Santiago, Chile. At the time, Brazil sent two representatives as observers, so the minutes of the meeting did not include the signature of any Brazilians. Operation Condor was a collaborative network between agencies of information and/or prosecution of six countries (Chile, Brazil, Paraguay, Uruguay, Argentina and Bolivia). These agencies were linked to their respective States which at that period were under the management of dictatorial regimes – with the exception of Argentina, which was to have its

most recent military coup in March 1976. It was organized and systematized to formalize the repressive collaboration that had already been promoted occasionally among the countries of the Southern Cone. Operation Condor was structured in three phases: the first phase was information exchange and involved the distribution of lists of “subversive” people, who were wanted in the participating countries; the second stage consisted of operations and actions in Latin America; and the third one would focus on interventions outside Latin American territory. The term “operations”, in the scope of this repressive system, meant kidnapping, torture and disappearances. These phases were interspersed; practices did not change, but the logistics were expanded. There was no standard model for the conduct of actions, since each case contained a unique way of operating. The international exchange of files is essential for us to understand how violations of human rights occurred in the emergency regimes and who participated in them. The specific exchanges that have been occurring in relation to cases of Operation Condor are the first initiatives of the Brazilian State in this regard. This demonstrates an effective institutional effort to establish a consistent policy of memory and represents a salutary advance for transitional justice in Brazil. The international scope of repression under Operation Condor was only considered in a serious and effective way by the Brazilian state as of the establishment of the Working Group Operation Condor (GT-Condor) of the National Truth Commission (CNV) on September, 2012. The group, coordinated by Dr. Cardoso, researcher and diplomat André Sabóia Martins and researcher Vivien Ishad, has produced significant projects, taking advantage of all the work inherited by the Special Commission on Political Deaths and Disappearances and the Amnesty Commission of the Ministry of Justice. All those projects were undertaken with the support from the Foreign Ministry. The exchange of archives In the documentary aspect, Operation Condor is an extremely complex puzzle, as well as all the traumatic events of the 1964-1985 Dictatorship. Besides having a plural logistical action – which complicates the characterization of the violations as part of this operation – depends on substrates in

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different countries. Help in this field comes from the initiatives of civil society such as the website Documentos Revelados (Documents Revealed), which reflects the research of Aluízio Palmar and contains a great quantity of documents about the repression in South America. Aluízio is a survivor of the Brazilian military regime. As a young man, he studied Social Sciences at the Universidade Federal Fluminense and acted in political militancy, later on he was arrested and exiled from Brazil – in the famous exchange of political prisoners for the Swiss Ambassador in Brazil. He returned to the country after the political amnesty and, among other activities, he has maintained the online document collection that includes research in numerous public archives and donations of private collections, since he was in exile. The activities of the website began in 2011. It has a monthly average of eight thousand hits. Public institutions of human rights have also taken action in order to provide documentation about collaborative repressive operations between the States of the Southern Cone. The Documentary Collection Condor (Acervo Documental Condor), a project of the Institute of Public Policy on Human Rights of Mercosur (IPPDH), provides a web-guide for researchers and other interested parties. It is about the revelations of files and documentary collections from Brazil, Argentina, Paraguay, Uruguay and Chile. The data available are: contents of each file or collection, how files can be accessed, rules and restrictions and, in some cases, summaries of documents. This initiative aims at promoting the analysis, organization and provision of information about the archival heritage related to Operation Condor. Within the Permanent Committee of Me­ mory, Truth and Justice of the Meeting of High Authorities on Human Rights and Foreign Minis­ tries of Mercosur and Associated States (RAADH), a technical group engaged in data collection and research in the files of Operation Condor was established. One of the main functions of this technical group is to promote the exchange of data between Member and Associate States of Mercosur, in order to establish a regional system of data on the subject. In 2012 a call was launched by the IPPDH for information for the research project on public archives related to the serious violations committed in the context of Operation Condor. The institutional agenda of “exchange” of collections that is being implemented in the countries

of the Southern Cone serves memory policies whose trajectories are quite different. Argentina has a leading role: immediately after the transition to democracy was established the National Commission on the Disappearance of Persons (CONADEP), which produced the report Nunca Más (Never More) and has already tried a hundred people implicated in repression. It is in effecta process of crimes against humanity focused on Operation Condor. The collections of Argentina are dispersed in numerous files in all provinces, and CONADEP represents is what is systematized so far. Paraguay is home to one of the largest document collections specifically on Operation Condor, which reveals the international repressive structure of that time. Both Argentina and Paraguay have already offered their collections to the work of the GT-Condor of CNV. Brazilian research teams have already been in these countries compiling documents, with the support of the Foreign Ministry. These teams are working together in a non-formalized way – if we understand as “formal” an agreement between States that allows free access and even the building of a single archive on these events. With Brazilian Law No. 12,527 of 2011, the widely known bill on access to information, a plural and unprecedented document collection on the 21 years of military dictatorship is being systematized in the National Archives. Access is free to any citizen of any nationality, which is a giant step towards an even wider exchange of information among the countries of the Southern Cone. The exchange of files was carried out firstly by researchers who seek substrates for their investigation in various collections around the Southern Cone. In a gradual and cumulative process, this exchange has been added to the work of the Amnesty Commission and the CNV. These initiatives have focused on repair in the case of the Amnesty Commission, and on the building of a more comprehensive memory and the unveiling of what happened to Brazilian citizens in the case of the Truth Commission. Hence the reason for the lack of a policy for building a common archive, or even access to archives through a joint platform. Exchanges in place demonstrate the importance of the issue for the deepening of democracy. One of the cases which resulted in an indemnization to the family and had the help of archival collaboration, is that of Lorenzo Ismael

Viñas. An Argentinean, who disappeared in June 1980 on the border between Brazil and Argentina, he was traveling from Buenos Aires bound for Rio de Janeiro and from there he planned to go to Italy. Lorenzo was a Montonero activist and spent his last years on the run from agents of Argentinean repression. Through a process at the Amnesty Commission, the Brazilian government recognized that Lorenzo was kidnapped in Brazil with the aid of Argentinean agents. The process includes extensive documentation from different collections and was concluded in August 2005. The family has been indemnified and Lorenzo identified as a political disappearance in Brazil. ---------The establishment of institutional linkages between States for cooperation on the exchange of archives has been gradually adjusted and is being adapted to the particular contexts of democratic transition and implementation of policies of memory in each country. The opening of the archives is a sensitive issue in many respects. Not only do the agents of repression fear public exposure of their practices, but also some victims and/or relatives do not feel comfortable. There are wounds that are still open. When looking at the trajectories in facing serious human rights violations, creating a network of archival collaboration is beneficial for the democratic consolidation of each of the countries involved in the repressive activities of Operation Condor. The aforementioned initiatives make it clear that this path is being trodden consistently and with a view to the ongoing process of expanding institutional linkages in this area. The deepening of democracy in the Southern Cone countries has created favorable conditions and the political will to develop a more consistent system of archival cooperation. The Brazilian government has shown great interest in advancing this agenda, with the aim of making it possible in a few years for researchers, relatives and other interested parties to have access to documents from several countries, which may contribute to the elucidation of cases still being researched. It is an arduous task that requires engagement of all sectors and involves interests that are political in the broadest sense of the term.  — J

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Lorenzo Ismael Viñas A student of Social Sciences in Buenos Aires, he was a member of Montoneros. Married to Claudia Olga Romana Allegrini, after living in exile in Mexico he returned to Argentina, from where he was trying to travel to Italy when he disappeared on June 26, 1980.

Further reading BRASIL. Direito à memória e à verdade. Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. CALLONI, Stella. Operación Condor: los años del lobo. Buenos Aires: Peña Lillo Ediciones Continente, 1999. CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor. O sequestro dos Uruguaios. Uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2008. MARIANO, Nilson. As garras do Condor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

The case of Argentina: Truth, Justice and Memory Portuguese version page 22

— Lucila Caviglia3 3 Argentine diplomat, student of the 2012-2014 Class of Rio Branco Institute. All opinions in this article are expressed in a personal capacity and do not represent, in any way, positions of the Argentine government on the matter.

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Since the restoration of democracy in 1983, the Argentine Republic has developed a State policy in the domain of human rights, articulated in three pillars: truth, justice and memory. This triad is guided by the ultimate goal of full compensation, not only for the victims, but also for the whole social collectivity, wounded by the illegal repression during the last military dictatorship in the country. In the three pillars of truth, justice and memory, the reparatory policies have led to concrete measures by the Argentinean State. — The debate on human rights violations during the last military dictatorship has passed through several stages in the heart of Argentinean society: schematically speaking, we can say that, from an initial stage of demands for the establishment of truth, we have moved to another one, focused on the demand for justice and, finally, in the present moment an emphasis on memory. Eventually, the State has adopted these objectives and has sought to give them an answer, adding the concern for reparation. The previous schematization, useful to understand and to explain the evolution of this process, must be nuanced: evidently, this was a complex dynamic with positive synergies, in which steps forward in one area helped to foster progress in the others, and, many times, developed side by side. The last military government in the Argentine Republic (March 24th 1976 – December 10th 1983) The coup d’état of March 1976 marked the beginning of a period of unprecedented political violence, which constitutes one of the darkest periods of Argentine’s history. During the so-called National Reorganization Process, the Armed Forces established State terrorism as a generalized and systematic mechanism for social repression. The military group that came to power considered society and its institutions to be sick, justifying the use of extreme methods in the “war against subversion”. The first narrative of the human rights violations of that period was made in the InterAmerican Commission on Human Rights of the Organization of American States (IACHR), in a report published after its visit to Argentina, in September 1979. In this report, the IACHR noted the magnitude of the crimes committed by the

State, contradicting the Government’s discourse and making the violations perpetrated by the agents of the dictatorship visible to the international community. TRUTH During the dictatorship, the main demand of the families, people in exile and human rights organizations – both domestic and international – was to obtain information on the whereabouts of those desaparecidos (citizens illegally arrested by the regime and presumed alive). There emerged the demand for truth. There was not yet the demand to bring those responsible for the violations to justice, as there were no conditions for that. Only in 1982, in the face of the weakening of the dictatorship, did different agents start to demand, with growing strength, the trial of the perpetrators of human rights violations. Knowledge of the truth about the fate of the disappeared people would eventually be recognized as a fundamental right, which must be guaranteed by the State. In this sense, it is considered that the right to truth is the right “held by society, especially the relatives of victims of violations of human rights, to know what happened following those violations, individualizing the facts and those responsible.”4 This rights belongs not only to the relatives of the victims, but to the whole society, who must know national history and its causes. Close to the end of the military government, the driving force for the demands became the demands for justice. Already in 1982, the March for Life took place, demanding the trial and punishment of those responsible. JUSTICE Trying to avoid any investigation from future civilian governments, the military dictatorship published the Final Document of the Military Junta on the War against Subversion and Terrorism. In this document, the regime took responsibility for the war on subversion, dismissed the charges of forced disappearance and referred the evaluation of its acts to “divine judgment”. Moreover, in order to preserve the acts committed under superior 4 Rosales, Sebastián. 2005. “El derecho a la verdad: desarrollo en el ámbito internacional y en la República Argentina”. Documento de Trabajo Nº 38. Buenos Aires, Instituto del Servicio Exterior de la Nación. P. 5 (free translation).

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orders, the dictatorship sanctioned The National Pacification Act (Law 22.924), also known as SelfAmnesty Law, tainted with unconstitutionality because of its source and content. Once the constitutional government was reinstated, the National Congress passed Law No. 23.040, which annulled the Self-Amnesty Law, and President Raúl Alfonsín published Decrees No. 157/83 and 158/83, ordering the trial of guerrilla leaders and the members of the first three Military Juntas. At the same time, besides ordering the Trial of the Juntas, the President decreed the creation of the National Commission on the Disappearance of Persons (CONADEP), in composed by distinguished people from various domains, with the objective of investigating the accusations of human rights violations during the dictatorship and clarifying the facts related to State terrorism. In September 1984, CONADEP published its “Never Again” report, which presented the first steps towards the judicial procedures against perpetrators of crimes. After Decree No. 158/83 was sanctioned, the members of the three Military Juntas began to be tried by the Supreme Council of the Armed Forces, since the Law guaranteed that military officers should be judged by that kind of court. But, as the proceedings were taking a very long time, in February 1984, Congress passed Law No. 23.049 reforming the Code of Military Justice, so that this forum should only take military crimes (desertion, insubordination, etc.) and that the military courts’ sentences could be appealed against civil courts, which, in the case of negligence or unjustified delay, could even become the competent courts for military cases. In that scenario, as the Council of the Armed Forces considered the trial of the military leaders to be impossible due to lack of evidence to show the illegality of their orders, a civil court assumed responsibility for the case. The sentence, published in 9 December 1985, condemned the heads of the first Military Junta to life imprisonment; the members of the second Junta got different periods in prison, and the members of the third Junta were not condemned, as the crimes of which they were accused could not be proved. The sentence recognized that the acts committed in the period were planned and systematic acts of extermination. At the same time, crimes committed by lower ranking officers started to be investigated.

However, due to pressure by military and civilian groups, in 1986, Law No. 23.492, called Ley de Punto Final (Full Stop Law), was enacted, putting an end to criminal cases against those accused of illegal detentions, torture and homicide that were not called in to testify in sixty days (the Law was enacted in December 24th 1986, and therefore, the deadline was due on February 22nd 1987). In addition, in June 1987, the so-called Ley de Obediencia Debida (Law of Due Obedience) was approved, establishing an absolute presumption (iuris et de jure, meaning, without admitting proof to the contrary) that the acts committed by members of the Armed Forces between 1976 and 1983 were not punishable, as they were committed in due obedience – a military concept according to which officers must obey orders from their superiors, regardless of their contents. Additionally, between 1989 and 1990, the Executive, run by Carlos Saúl Menem, established a sequence of decrees giving pardon to military and civilian staff prosecuted and condemned for crimes during the dictatorship, with the aim of achieving national pacification. With the Due Obedience Law, the Full Stop Law and the presidential pardon, the direct and indirect victims of State terrorism were deprived of justice. But the claims by human rights organizations did not stop. Given the impunity in the domestic domain, these acts and pardons were denounced to the Inter-American Commission on Human Rights. The IACHR accepted the claims and demanded that the Government of Argentina repaired the damage suffered by the victims. Responding to the recommendations of the IACHR that the State should answer the claims for truth, the Juicios de la Verdad (“Truth Trials”) began. These were judicial proceedings with merely declarative sentences, that gained force since the 1990’s by relatives of disappeared people and human rights groups, with the objective of finding out what happened to their loved ones and the reasons and circumstances that led to their disappearance. The importance of those trials lies in the fact that, even if they did not lead to condemnations, they allowed for the production of written and oral documents that were used afterwards, when the judgements began. Besides, the Truth Trials contributed enormously to the creation of social awareness about the facts. It was all about the truth not only with the

aim of seeking the punishment of those responsible, but also that of building the memory, a pillar that gained strength in the following period. MEMORY Since the middle 1990’s, human rights organizations have been able to bring the demand for memory into the public agenda. The process of elaboration and social construction of memory has led to the production and reutilization of legal arguments and socio-political concepts which, in general, were not present in the first years after the restoration of democracy. Among these concepts, one can mention the characterization of systematic repression during the National Reorganization Process as genocide, paving the way for its inclusion in the category of crimes against humanity (to which statuary limitations do not apply). The struggle, initially centered on criticism of the past, gained a focus on the present and the future. The exercise of memory does not stop on the denunciation of what was suffered; it acquires the preventive meaning of guaranteeing that Never Again (Nunca Más) may these tragedies take place in our country. Finally, the State itself has taken responsibility for the violations and, in consequence, has committed itself to the preservation of memory. The inclusion of human rights in educative material and the proliferation of artistic manifestations and public acts referring to the preservation of memory are evidence of the importance of the question on the public agenda in Argentina. The Argentine Republic became, therefore, one of the few countries in the world that admits it has committed genocide against its own people. The “Statization” of the human rights demands Especially after Néstor Kirchner became President, in 2003, the Government assumed the narrative built by the human rights organizations regarding the demands for truth, justice and memory, to which we have been referring, as its own. In this sense, President Kirchner sponsored the Congressional declaration of the Due Obedience and Full Stop laws as void, in August 2013. This fundamental fact allowed for the reopening of the criminal trials against the military officers accused of participation in the unlawful repression. In 2005,

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the Supreme Court declared these acts unconstitutional, ratifying the Congress’ declaration. The “statization” of the human rights groups’ narrative also became evident in measures like the conversion of old clandestine detention centers into places for the preservation of memory, and the declaration of March 24th as a national holiday called “National Memory Day for Truth and Justice” – incorporating in its name the three fundamental flags of those organizations. Finally, as a corollary of its appropriation of the objectives of memory, truth and justice since 2003, the National State has assumed reparation as a goal. Therefore, new reparatory acts5 were enacted, seeking to financially compensate the victims of the unlawful repression.

community. This places upon us the responsibility to promote and protect human rights in our country and in the world.  — J

---------In this article, we have shown how the demands for truth, justice and memory emerged, and how they were incorporated into the Argentinean political agenda. Evidently, the advances in each of these areas are interrelated and did not take place in a chronological order. Justice has been conceived as the main pillar of the long process of reparation. Even when the answer of the tribunals was, in a first moment, limited, the truth progressively gained public knowledge thanks to human rights organizations and several individuals, social groups and even the State, which continued to fight until the laws that blocked further advances were declared void and the criminals were punished. At present, memory has the social function of not allowing the repetition of similar situations and of spurring a greater collective appreciation of democracy. The protection of human rights, which our country understands as indivisible, interrelated, interdependent and without hierarchy, became a State policy. As such, it influences other national public policies, including foreign policy. In this dimension, the national experience has led to a strong participation of the Argentine Republic in many international human rights fora and to the inclusion in our legislation – with constitutional hierarchy – of a binding body of treaties and declarations on the matter. Today, Argentina plays a recognized role in the international 5 Law No. 25.914 in 2004 and Law No. 25.564 in 2009.

Public Diplomacy in Brazil Portuguese version page 26

— César Yip, Luiz de Andrade Filho and Pedro Tiê Cândido Souza Increasingly in demand, Itamaraty has the opportunity to improve Brazil`s international projection strategy and to strengthen the national interest through the actions of its public diplomacy. Brazil’s concept of Public Diplomacy The idea of Public Diplomacy was first studied in 1965, when the American diplomat Edmund A. Gullion established the Edward R. Murrow Center of Public Diplomacy, in the traditional Fletcher School of Law and Diplomacy. The concept was used to legitimize the activities of the United States Information Agency, and aimed at improving the US image abroad, in the context of the global struggle for hearts and minds during the Cold War. Since then, the concept of public diplomacy has been subject to many interpretations. Still it remains, in the diplomatic practice of most countries, as the reference to a set of activities with the aim of cultivating the external image of a country and influencing foreign audiences.

The Ministry of External Relations, however, understands the idea of public diplomacy in a different way. Brazil’s concept of public diplomacy is related not only to the promotion of Brazil’s image abroad, but mainly to the goal of a greater opening of Itamaraty to civil society, in the context of the democratization of national institutions. In spite of of that, the first national reference to the idea of public diplomacy reproduced the restrictive American definition. In 1969, Ambassador Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva described the action of public diplomacy as that of “keeping foreign public opinion informed of the guidelines of foreign policy, to be presented in such a way as to attain its sympathy”. The Ambassador’s definition is a sign of his time: the interest of the largest share of the Brazilian population was small, leading to a smaller social involvement in foreign policy making and, therefore, smaller necessity to inform the domestic audience. Likewise, in opposition to foreign public opinion, domestic public opinion was not seen as an asset that deserved the same kind of attention. This situation has changed. In recent years, transparency and participation became fundamental principles of Brazilian public policies, including foreign policy. Society has been showing greater interest in international affairs and has been demanding from Itamaraty more information and participation. By including the domestic audience as an interlocutor to public diplomacy actions, however, the Ministry is changing not only its target audience, but the very goal of the communication. We are moving from a goal of propaganda and advertising to that of democratization and transparency. Curiously this conceptual adaptation has occurred in a natural way. Indeed, there has been no questioning about a possible misuse of the concept of public diplomacy. The necessity and the goal of democratization are so evident in Brazil that the idea of public diplomacy is easily translated by Brazilian diplomats into transparency and inclusion initiatives, and not only the promotion of the country’s image abroad. This conceptual reframing shows how the change in the institutional mindset to a greater opening to civil society is still an ongoing process. In other countries, be it because transparency is a standard practice, be it because there is still no demand, public diplomacy has no such meaning.

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It is in the context of transition and democratization of Brazilian institutions that the attribution of meaning makes sense. Public Diplomacy in three times In his CAE (Itamaraty’s Advanced Studies Course) thesis, Counsellor Marco Antonio Nakata identifies three target audiences for Brazil’s Public Diplomacy: foreign public opinion, the press, and Brazilian civil society. Foreign public opinion as a target for public diplomacy has been the object of a great deal of research in Itamaraty. In 1983, is his CAE thesis, Ambassador Samuel Pinheiro Guimarães made suggestions about “the performance of the Ministry of External Relations in the formation of the apparatus and the international mindsets, as well as in the flow of information”, with a view to creating an autonomous external vision, rid of stereotypes about Brazil. More recently, Minister Nilo Barroso also wrote about Brazil’s image abroad and about the “effort to try to convince and to influence foreign audiences.” In the present context, however, it is not only foreign public opinion that is of interest to public diplomacy. As a political institution, the Ministry takes part in domestic and international struggles, and, for that reason, needs to publicize its activities and defend its points of view. To that end, it has, for a long time, had a strong connection to the media and journalists. This side of public diplomacy was analyzed by Minister Rodrigo Baena, who, in his CAE thesis, “Foreign policy and media in a democratic State”, wrote about the incorporation of the media into the foreign policy agenda. Currently, as a way of strengthening bonds with the press, the Minister of State, Ambassador Luiz Alberto Figueiredo Machado, and the Ministry’s Spokesman, Ambassador Nelson Antonio Tabajara have engaged in regular meetings with journalists and opinion leaders from various communication media, both domestic and international. What is new about the present democratic process, however, is that it is no longer enough to communicate with society through the press. Currently, public diplomacy also demands direct relations with civil society, and its participation in the formulation and execution of public policies. It is a big change: from an indirect and vertical relation of the Ministry with civil society, to today’s effort

of direct communication and inclusion in the policy making. This leap comes from a necessity and a perception that the press priorities and agenda are not necessarily the same as those of Itamaraty. For Itamaraty’s Spokesman, this approach to civil society seeks, at the same time to increase the Ministry’s transparency and to work on its image. According to him, it is necessary to show society the daily routine of Brazil’s diplomats, in Brasilia and in posts abroad, in such a way as to demystify stereotypes of an elitist diplomatic service strange to the national reality. As a form of strengthening this bond, the Minister and the Ministry’s Spokesman have engaged in regular meetings with journalists and opinion leaders from various communication media, both domestic and international. Social media Using social media is one way of establishing direct contact with civil society. Social media are a distinctive phenomenon in the 21st century. By promoting contacts between its users without the need of any intermediary, social media become a comprehensive and democratic tool. With the feature of self-management and the possibility of real-time updates, these systems lead to social exchange and the sharing of information, apart from facilitating mass communication. With a profile in a social media site, it is possible to spread information, pictures and videos to other users, who can find people or institutions and instantly interact with them. That being said, social media represent an important tool for the interaction between society and the government. The use of social media by government agencies (and, naturally, Foreign Affairs Ministries) is increasing considerably. Aware of the need of being accountable to the population and keeping an open dialogue with civil society, Itamaraty is present on several social networks. Itamaraty’s first institutional profile was created in 2009 on YouTube (currently the largest audiovisual collection in the world), with the aim of publishing press conferences, interviews of the Foreign Minister and other diplomats, official statements and government programs. In the same year, an album was created on Flickr in order to upload high-resolution official pictures. Still in 2009, Itamaraty decided to create an account on Twitter, for automatically publishing links to

press releases, statements by high-ranking diplomats, videos of Itamaraty’s YouTube channel and other updates related to the Ministry’s activities. In 2010, Itamaraty created an official profile on Facebook. Nowadays, the Ministry also runs a blog called “Diplomacia Pública” (“Public Diplomacy”) and a RSS feed, a system that allows the user to get updates from different sites without having to visit them one by one. The balance of this use of social media has been positive: according to the Twiplomacy study, in 2013, the account @MREBRASIL ranked among the 20 most followed foreign affairs accounts in the world. Besides Itamaraty’s institutional profiles, several posts abroad have created their own profiles. Not only does the interaction provided by social media increase the contact between the Ministry and Brazilian civil society, but it also enhances the dialogue between local communities and Brazilian Embassies, Consulates and Missions. After realizing the efficiency of social media and their ability to provide immediate responses, several Brazilian posts abroad spontaneously created accounts in social media. Taking that into consideration and with the purpose of helping the Ministry come up with a social media strategy for Posts abroad as a tool of Public Diplomacy, Itamaraty consulted all of its Posts abroad in a sort of survey regarding these accounts. As this edition goes to press, 214 out of 227 posts had answered the survey that requested information on the use of social media. Among these 214 posts that answered the survey, 103 use social media to disseminate their activities. Some of them even have profiles on two or more social networks. Facebook is the most used tool (100 Posts), followed by Twitter (15 Posts). In terms of language, 31 posts use Portuguese only, 8 posts use only the local language, and 64 use both. Approximately 70% of the posts that use social media have a specific employee for that activity. Around 90% of the posts evaluated the use of social networks as positive, highlighting how easy it is to establish a structured contact with the local population, the Brazilian community and journalists; the quick dissemination of messages by the “share” option; the possibility of monitoring the repercussion of an update by reading the comments and checking the number of “likes”; the establishment of an open and quick channel for answering questions and doubts.

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The target audience of Embassies and Missions is mainly the local community, aiming to promote Brazil’s image abroad by spreading news and advertising cultural events, national dates, traditions and celebrations. In their turn, Consulates use social networks as a vehicle for assisting Brazilian communities abroad. No matter the type of work, the target-public or the language of the updates, Facebook has become the main tool for publicizing the activities of several Posts. Besides creating their own profiles, some posts abroad have adopted other initiatives regarding social media. For instance, on 23 January 2014, the Embassy of Brazil in London co-organized a discussion on the theme of social media with DPAAL (Diplomatic Press Attachés’ Association, London) and the London Press Club. The event, which gathered over 100 people, looked at how social media tools such as Twitter have been incorporated into the diplomatic arena and suggested how embassies could use them effectively. Advancing public diplomacy in Brazil The above illustrates the great potential of public diplomacy actions to increase social participation and to strengthen the use of foreign policy as an effective tool to promote peoples’ prosperity in line with the national interest. There are at least three reasons why public diplomacy strategies should be strengthened in Itamaraty. Firstly, the Brazilian citizen should be able to better understand the role of foreign policy in the context of the State`s ability to respond to collective and individual demands. That is why public diplomacy tools, such as social media, academic debates and consultations with civil society must take account of the challenge of translating complex strategies and formulations into clear and simple objectives. In addition to that, through public diplomacy actions, society will be able to realize the importance of Brazil achieving a bigger role in global decisions, through an active participation in multilateral forums and organizations and the expansion of bilateral ties. Although, nowadays, issues such as the reform of global governance institutions and trade expansion are interests of economic and intellectual elites, the greater levels of education that should be achieved by Brazilian citizens over the coming years, as well as the

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expansion of communication technology tools, including social media, have the potential of increasing society`s interest in foreign policy issues. Lastly, public diplomacy can contribute to building a larger support basis for Brazil`s actions abroad, since Itamaraty’s initiatives will be underpinned by a larger number of individuals that understand, contribute to and question foreign policy means and outcomes. In other words, it is an opportunity to expand the support basis for actions and ideas in foreign policy while multiplying opportunities for engaging with and connecting to a society that increasingly acts through networks. There is no doubt that the issue is a priority in Itamaraty. The challenge is less about the “if” and more about the “how” we can establish a useful and mutually beneficial dialogue with civil society. In one of his latest books, entitled “The idea of Justice”, Nobel Prize-winning economist Amartya Sen argues that it is possible to deepen democracy by improving information availability and promoting interactive discussions. According to Sen, democracy is shifting towards being judged not only by the institutions that support it, but also by the different voices that benefit from it, as long as they can be heard. The two conditions suggested by Sen seem relevant to point out paths for Brazilian public diplomacy. An open foreign policy requires not only the proactive and reactive dissemination of positions, proceedings and results of diplomatic action, but also the effective consideration of citizens’ contributions. As a result, the traditional idea of a foreign policy underpinned by the diplomatic corps’ excellence is replaced by the one in which due attention is paid to society’s contributions. The access by Brazilian citizens to information produced and circulated in Itamaraty was made easier by the Information Access Law (IAL). Effective from 2011, the Law consolidates society’s aspirations for the right to information and makes other civil and political rights in the Constitution a reality. Between the Law’s starting date and the closing of this article, more than 1253 requests had been made to Itamaraty through the Citizens’ Information Service e-system (e-SIC), of which 1210 had been responded to within the deadline, within an average of 20.59 days. Of those requests, 56.85% had positive responses. Negative responses were given when more information was needed

(82.42%), requests were too generic (6.88%), information was protected (4.51%), demands were disproportionate or unreasonable (3.56%) or dealt with civil servants’ private information (1.42%). Regarding the promotion of closer and more regular contacts with Brazilian and foreign civil society, there is room for expansion and improvement. We thought it would be appropriate to ask, through an anonymous online survey, representatives of Brazil’s NGOs, social movements, private sector and academia – some of whom with previous experience in engaging with Itamaraty – about which steps could be taken to improve the dialogue on foreign policy. Although we recognize that the small group of ten people that were consulted is far from representing a consensus, it is possible to see some common ground on the questions and requests that were made. Among the most recurrent demands is the one for a more structured and regular dialogue, especially during the initial phases of formulation of foreign policy positions, as well as the request for a standard approach by the various units that are part of Itamaraty. Some suggest weekly briefings to the press and online newsletters as a proactive information tool, while stressing that it is important to move from purely publishing activities to the actual collection of inputs. They add that sometimes the dialogue is hindered by mutual unawareness of roles. Mapping opportunities for including civil society in the formulation and execution of foreign policy – along the lines of what has been tried through the Dialogues on Foreign Policy initiative – could be a good starting point, as well as the analysis of the experience of other foreign services under democratic regimes. Modern diplomacy, in order to achieve ambitious results, must be able to go beyond purely-governmental boundaries, thereby creating long-standing bonds with society and making effective use of national and global networks. ---------The adoption of public diplomacy in Brazil must be understood in the context of the broader process of the country’s democratic learning. This process cannot be restricted to the creation of an institutional structure, as it depends, mostly, on a mindset change. For over a century, Itamaraty has been used to dealing with a small number of people interested

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in foreign affairs. Now, it is learning to deal with the crowds that march to its doors. In this context, direct civil society participation must be seen not as a burden, but as a power resource for Brazil. The debate on the Governance of the Internet is an example. Because of its multistakeholder model of digital governance, with broad social participation, Brazil has achieved the status of leader in global debates about the subject. In other words: social participation means leadership for the country. To sum up, we can say that the greater interest in foreign affairs and the understanding of foreign policy as a public policy lead to more transparency and civil society participation in the foreign policy making. In today’s world, information is power. Receiving, emanating and following the flow of information are powerful resources for Brazil and for Itamaraty. Public diplomacy, therefore, is a valuable asset for the promotion of national interests.

interviews

interviews

Interview with the Minister of State for External Relations, Ambassador Luiz Alberto Figueiredo Machado Portuguese version page 32

Multistakeholder Governance Model In 1995, with the creation of the Comitê Gestor da Internet (CGI.br – Brazilian Internet Steering Committee), Brazil adopted a multistakeholder governance model for the internet, with a unique structure until today. CGI.br is responsible for coordinating the assignment of national IPs addresses and ‹.br› domains and for the definition of strategic guidelines to the development of the internet in Brazil. It is composed by members of the Government, the business sector, the third sector and the academic society, with equal power of decision.  — J

Further reading BAENA SOARES, Rodrigo de Lima. Política externa e mídia em um Estado democrático: O caso brasileiro. LI CAE. 2007. BARROSO NETO, Nilo. Diplomacia pública: conceitos e sugestões para a promoção da imagem do Brasil no exterior. LI CAE. 2007. GUIMARÃES NETO, Samuel Pinheiro. O impacto das imagens dos países nas relações internacionais. VII CAE. 1983. NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Diplomacia e Protocolo. Rio de Janeiro: Record. 1969. NAKATA, Marco Antonio. A Mídia Digital como instrumento de Diplomacia Pública. LVIII CAE. 2013. SEN, Amartya. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

— JUCA: In your opinion, what is the international profile of Brazil today and what profile should we look for in the future? LAFM: It is very interesting to talk about the profile of Brazil, because it is always something very dynamic. You have profiles that evolve over time, so the profile we have today always aims at a future profile. Especially in our case: Brazil, an emerging country – as we say -, which had very important economic development in the past decade, a fantastic degree of social inclusion and (here you may hear something of the voice of the diplomat who has also taken care of environmental issues), some very robust environmental protection, i.e., we are now on a different path. It is a different profile than it was a few decades ago, and this is a profile that projects into the future. What we should consider is the international position that we want Brazil to have. First, without doubt, our regional position. Brazil is part of South America, in a very cohesive way, and part of Latin America and the Caribbean, also very cohesive, in which there are always diversities. But there is union within that diversity, and we are active promoters of this. I usually say that we live in a district, and it is important that the entire neighborhood works, otherwise your house, in isolation, will not work. The whole district must have peace,

security and harmony among neighbors. It must have light and means of communication. Thus, either we work together as a district or our home, alone, will not work. Therefore, this aggregative activity that we have, this stimulus to integration is fundamentally a stimulus to the collective development of the region. It is the idea that we all have to go forward together, for the benefit of us all. So this is the first area of Brazil’s positioning. But Brazil, without doubt, on all counts, is also very close to Africa. We have a profile that also leads us inexorably to a projection in relations with the African continent, which are increasingly intense. In recent years, we have set up a large number of embassies in Africa: when I entered the career they were very few; nowadays, the number already meets the needs of our foreign policy on the continent. Undoubtedly – and here I am working with a mental picture of neighborhoods – I do not mean by this that our relations with developed countries – with the United States on the one hand; and European countries, on the other – will be any less important. No, quite the contrary: they are intense and traditional relations, a fundamental part of our work. And we have a fourth pole, which is Asia. We have very close relations with Japan, China, and India; in all the countries of the region, our presence is strong. And one cannot think of a foreign policy that is projected as a global policy without a strong presence in Asia, which responds to important economic, commercial and financial interests, but also to cultural and political ones, in all aspects of international relations. In the context of this profile you asked me about, I cannot help referring to our participation in groups such as the G -20, the group of the world’s major economies, which has overcome the logic of the G- 5, G-7 and G-8. It is the logic according to which there are important actors in the world, on which the functioning of the world economy depends. This is a recognition of the increasingly multipolar aspect of the world. Our membership of the G-20 and BRICS , a group of great countries that stand out on their continents by the weight of their economies or even by their geographic size, and countries that have similar challenges to face and countries we must talk to and seek joint action whenever possible. They are, nowadays, the true engines of the world

interviews

economy, or at least engines of the world economy that cannot be overlooked, without which it would not work. There are also other groups such as BASIC (Brazil, South Africa, India and China) in the case of climate change negotiations, a group with a more specific character. When I talked about South American integration, naturally I implied the existence MERCOSUR, UNASUR and CELAC as organizations that bring us together, but it is always worth reaffirming their importance. Mercosur is an important and fundamental meeting point. I think this is our profile today. It is surely an evolving profile, which always seeks the best possible position for Brazil in this world that is increasingly changing and becomes multipolar. And, no doubt, we have something important to say in this context.

— JUCA: Within this discussion about the profile and the positioning of Brazil, there are many concepts in international relations – hard power, soft power and smart power – to explain the geopolitical projection of states. In this discussion, which concepts do you consider useful in defining the international action of Brazil? What kind of power should Brazil pursue? LAFM: I have great respect for the classical classification of hard power, soft power and smart power, but I think we have to look at the question in another way. What is the greatest, most fundamental purpose, in terms of international relations, of obtaining power? It is the international influence you get in relation to other countries. This can be achieved in several ways. The traditional form of power is related to armed force, the economy and territory, which are the classic bases of power that have existed in theory for a long time. Once again, respecting all definitions, I see that we must always seek influence – and there are several means to obtain it. In our case, the main issue is what we call Brazil’s credentials, which vary from being a peace-loving country, at peace with its neighbors for over 140 years, to being a country that does not seek to interfere in the internal affairs of other countries. In addition, Brazil is extremely respectful and democratic; it is a country oriented by the rule of law and the primacy of international law in international relations. In a nutshell, Brazil has a very clear ethical stance.

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And these credentials make us more influential. Brazil is sought out and respected because of this coherent action of Brazilian foreign policy over the decades. This also gives us a very important diplomatic asset, enabling us to achieve foreign policy goals through a concept that I would not call power, but the ability to influence in a good way. And it is as it is recognized that it is in good way that we have the ability to exert an influence. Of course I would never minimize the size of Brazil’s territory, its economy and its democratic traditions. Everything is part of this big picture, which I see as a positive influence, not as a framework of power.

— JUCA: In the next question, we would like to address the fact that the international agenda has become more complex in recent decades. We can observe, for example, the multiplication of trade rules, the proliferation and the specialization of international organizations, creating the need for the Ministry of Foreign Relations to work together with other Ministries. In this sense, in what terms should this cooperation be developed? LAFM: Great, this allows me to complete the previous question. When I mention our positive influence and the fact that we are recognized as such, you must have heard me saying that I think that a new international agenda exists, which has much to do with the social achievements Brazil has had in recent years that attract partners from other countries. In our country, they seek examples of how we have managed to have economic growth with social inclusion, because until some time ago there was a dichotomy: either you grow or you distribute. We are showing that it is possible to grow distributing income. And this distribution helps you grow. It is a virtuous circle. It is something that projects us internationally. Well, this is not something done in or by the Ministry of External Relations. That is done by the whole Government; therefore, by the Esplanada as well. Now addressing the question directly, that is why our relationship with the Esplanada absolutely has to be a close one: we are representatives of a government and a country. As such, we have to work in absolute harmony and coordination with other public bodies. Without this, the job of promoting the country abroad is virtually impossible. I have

always said and I will repeat: it is a fundamental part of my job, of my role as Minister of State, to pursue increasingly seamless integration with other public bodies, without which our work is impossible.

— JUCA: As regards the profile of a diplomat, both as an individual and as a public servant, in this context of new themes and of a new international agenda, which skills do you believe have become necessary and essential to the practice of diplomacy in the 21st century? LAFM: That’s a great question. Firstly, we are all individuals, we are born so; but as we become a public servant and a diplomat, we also become a legal person. And we must behave in ways appropriate to that fact. We have a whole body of legislation that says very clearly how that should be, the kind of behavior expected, the caution one should have, even in one’s personal life, so that it does not reflect negatively on the image of Brazil. At any point in this career, our personal life may reflect negatively on the image of the country itself, because we are public servants, diplomats. And this is a caution we should all have in an age of communications and news media. These are new challenges. The exposure a person has today is much greater than the exposure someone might have had thirty years ago. There was no Facebook, no Twitter, no emails. That requires us to take certain precautions that perhaps were not so necessary before – given this exposure that all people, individuals, face today. Furthermore, a diplomat today should increasingly have a good level of technical knowledge of all the issues under his/her responsibility. For example, if he or she works in the area of international trade, it is very important, essential really, that s/he has a through grasp of the rules of international trade. I will not go into that old debate of “specialization” versus “generalization”, because I think this should be overcome by merging the two. We must have a general view, we have to read foreign policy, understand foreign policy, discuss foreign policy, the broad lines, we must constantly keep abreast of foreign policy. It is very common to see doctors always reading new articles in their area, because that is very important for their job. Lawyers do the same as regards new legal theories. We have an obligation to do that as

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well: we should always be studying and perfecting ourselves, both in general terms as well as in terms of the specialty we are dealing with at that moment. So this profile, which someone might say “is a more technical profile”; yes, it is the technical profile of a diplomat. A diplomat is this: someone who understands foreign policy, who is able to articulate a coherent line of thought on foreign policy issues and make a foreign policy analysis – this is fundamental, we are political analysts – and at the same time, we must know the facts, because we live on facts, information. And information, indeed, means the more technical issues.

— JUCA: The next question is exactly on this issue of the constant updating of the diplomat. Today we see a number of new topics being discussed: cybernetics, the role of women in peace and security issues, the issue of sexual and reproductive rights. We would like to know how do you see the approach of the Foreign Ministry on these new themes and how diplomats, with the profile you have just described, can contribute so that Brazil has a prominent role in these debates? LAFM: As I said before, I understand that there is a new international agenda, which includes those topics you mentioned and for which we must be prepared as professionals and as an institution. This means that we have to constantly update ourselves; we must have the flexibility to respond to these new issues and challenges. For that, little by little, in coordination with the Direction of the Rio Branco Institute, I am seeking to introduce changes in the curriculum that may lead to an improvement in these new areas. Of course abrupt changes cannot be made, there must be an evolution; these are important trends that should be instituted and I am working on this subject. For instance, there is, beyond the areas you mentioned as important, another area that I consider of utmost importance, which is management, not only administrative, but also of people. There is an understanding that we are in a body, in an institution with human relationships. What does leadership mean? How to have a proper relationship with a colleague, a subordinate and the bosses? This is also something that you learn in school, because there are techniques in this field. I want there to be a perfect understanding of the diplomat who is

graduating, in the early years, that there is legislation that states that if you do not behave with propriety with a colleague, a subordinate, a boss, you will be punished because this is what the law says. But rather than a culture of threat by law, we must have a culture of spreading respectful, urbane and republican ways of relating to one another.. This is also part of the debates that we must have about the respect for diversity, the respect for minorities and deep respect as characteristics that must prevail at the Foreign Ministry.

trade and human rights. The natural independence of leadership positions in international organizations means that “Brazilians in multilateralism” are no longer representing their country while performing their duties. However, we asked: what specific contributions can a Brazilian give to multilateralism? Through this and other questions, we showed the interviewees’ performance in the mechanisms of global governance. Eventually, we revealed a bit of Brazil’s profile in the world too.

— JUCA: Our last question is about the protests of June 2013. Can you tell us in general terms what lessons could be learned from these episodes by the Foreign Ministry? LAFM: In terms of foreign policy, the reaction of the Government to the demonstrations last year reflected remarkably: the serenity, the disposal of the President of the Republic to listen to the streets, the deep and democratic understanding that the act of demonstrating is a democratic right that was being exercised. Obviously, everybody repudiates violence, and there was infiltration of violence, which has to be channeled via the police. But I received extremely positive reactions from my fellow Ministers of Foreign Affairs, saying that Brazil was able to deal with the demands in an extraordinarily democratic and republican way. That always makes me, as a Brazilian citizen and a member of the Government, very happy.  — J

Brazilians in multilateralism Portuguese version page 36

— What do people with different backgrounds such as agronomy, diplomacy, law, engineering and journalism have in common? While seeking to draw the profile of “Brazilians in multilateralism”, we found out more about the path of each of the interviewees, who share the fact that they independently exercised, or are exercising, important roles in international organizations in a wide range of areas: social development, peace and security, international law,

Ambassador José Maurício Bustani, Diretor-General of Organization for the Prohibition of Chemical Weapons, OPCW (1997-2002)

Portuguese version page 37 JUCA: How did the experience at the Rio Branco Institute contribute to your diplomatic training? JMB: I entered Instituto Rio Branco (Rio Branco Institute) in the 1960s, still in Rio de Janeiro. I had great teachers, among them some diplomats, which, beyond teaching a specific subject, conveyed us knowledge about the functioning of the Ministry and the diplomatic work itself, both in at home and abroad, aiming at familiarizing ourselves with the routine and the challenges of the craft. I cannot forget, among others, the classes of Ambassador Alberto da Costa e Silva, in which he transmitted notions that I still make use of today. Besides giving me greater confidence in carrying out my duties, this interaction with experienced colleagues who introduced me to the “exercise of the career” opened up the range of substantive issues that the Foreign Ministry was dealing with on a daily basis, and this allowed me, for instance, to better direct my readings. The contact with the most experienced professionals is an important element in my professional development. While I was still a student at the Rio Branco Institute, I had the opportunity to do an internship at the Division of the United Nations, an experience that I consider one of the most important in my training and one that determined, to large extent, the course of my career. It was a privilege to live with most of the heads of the Ministry

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from such an early stage and I learned from them enormously. Hierarchy, which has always been fundamental, conjugated authority and responsibility, in a system of collegiate democracy. In this context, my dialogue as a young diplomat with the heads of the Ministry was not only possible but also encouraged. Later, when I came to work at the Department of International Organizations, I benefited from the professional contact with the heads of other relevant departments such as the Ambassadors Italo Zappa and Pereira de Araújo. Another dimension of my training as a diplomat that I consider of great importance was the learning of foreign languages​​. In particular, our training had a high standard, with broad exposure to sophisticated vocabulary of official use. The knowledge of languages allowed ​​ me to interact and communicate with resourcefulness, confidence and maximum accuracy at the negotiating table, where the misuse of a term can determine the failure of an exercise. For my own interest, I studied Russian, which was useful in the then Soviet Union and also at the United Nations. In my time in New York, the fact that I speak English, French, Spanish and Russian enabled me to coordinate tasks, and I was therefore often called on to preside over meetings. Recent developments in international relations and the increasing interaction between Brazil and other major actors in the developing world should serve as inspiration and encouragement for Brazilian diplomats to learn languages ​​such as Arabic, Mandarin and Russian, apart from Spanish, which is now taught in the regular course.

— JUCA: Is there any Brazilian or foreign personality who inspired you in the process of achieving your professional objectives? JMB: Right after joining the Foreign Ministry, I had the opportunity to work with Ambassador Ramiro Saraiva Guerreiro, the then Assistant Secretary-General for International Organizations Affairs. As a boss, Ambassador Guerreiro was a great teacher, who gave me a deep understanding of what it meant to be a diplomat. He was one of the greatest professionals the Foreign Ministry has ever had and, at that first moment, it was my great source of inspiration, due not only to his intellectual capacity, but also to his vision of the career, his commitment to the issue of the State, his professionalism and his vast culture. Later

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on, when I returned after my first two postings abroad, Guerreiro was Secretary-General and then he was made Minister. Then I had other immensely rewarding experiences, while working with Ambassadors Carlos Calero Rodrigues and, later, João Clemente Baena Soares. While Ambassador Guerreiro was SecretaryGeneral, we also had a great Foreign Minister, Azeredo da Silveira. Someone with a spirit of statesmanship, an articulator who exercised great influence. From his position as Chancellor, Silveira managed to establish a dialogue, sometimes very direct, with young diplomats. Being a Second Secretary, I had the feeling that the Foreign Minister was monitoring my work from the Cabinet. This feeling that a Secretary could have of the relevance of their work was certainly very exciting.

— JUCA: The episode that culminated in your departure from the OPCW demonstrated the political pressure exerted by major funders of international organizations. The Administrative Tribunal of the International Labour Organization (ILO) considered your removal illegal, reaffirming the principle of the independence of the heads of international organizations. With this in mind, how can the principles of independence and neutrality of the Directors-General of these bodies be ensured, as well as the legal equality between their Member States? JMB: This episode illustrates the difficulties that international organizations face regarding the political and financial weight of the great powers. The fact that the United States and Japan, usually aligned with each other, contribute with almost 50% of the budget of international organizations gives them great influence, besides the “power of blackmail” over the Director-General. In my case, the first threat was to suspend the payment of contributions, if I refused to abandon my position favorable to the entry of Iraq into the OPCW. The implication of the American threat to the financial health of the OPCW would be devastating. I decided to fight until the end. I knew I would eventually have to leave office, but I was not willing to sacrifice the future and credibility of the organization only because of the vanity of wanting to continue as Director-General, which would

have been guaranteed, if I had allowed the abusive U.S. interference in the functioning of the OPCW. The best way to ensure the independence and neutrality of the Directorate-General is to strictly comply with the mandate, with the operational requirements of the organization and not to be swayed by political pressures. It is about thinking less of the maintenance of the post and more of the future of the organization and multilateralism. I tried, I was not successful in my attempt, but maybe my case and the verdict of the Tribunal of the ILO have served as a warning to the current DirectorsGeneral, giving them at the same time a sense of security that they will not be as easily subject to a charge as the one I suffered. It was an experience that not even the United States wishes to repeat.

— JUCA: Do you believe that multilateralism has been strengthened since your removal from the post of Director-General of the OPCW in 2002? Do you believe that a similar action would be possible today? JMB: The multilateralism we promote goes through crises, but I believe that a similar action would be more difficult today. I went to the ILO for a definition on the legality of what had happened. I had, indeed, great difficulty in finding a lawyer, in light of the novelty of the case, because no Director-General had hitherto been removed. I want to believe that the precedent of my victory at the ILO will have served as a barrier or disincentive to potential attempts. Of course, this also depends on the capacity of mobilization of countries. My removal was more due to abstentions than to negative votes. If Brazil had decided to formally mobilize support (spontaneously already existing) of the Latin American, African and Asian groups, I would not have been released from duty, and above all, multilateralism would have won a major battle. If Brazil had acted according to the historical orientation of its foreign policy, we would not have lost that chance to mobilize forces in the defense of multilateralism. The independence of organizations and the effectiveness of the multilateral system also depend on other more chronic factors, such as representation on the Security Council. Until the UNSC is reformed to include other important players, there will be difficulty in solving the major problems on grounds that reflect the spirit of the UN Charter.

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The figure of the UN Secretary-General should also be reinforced. He cannot be seen solely as an administrative officer, but as a leader, he needs to have some power of political action. The few Secretaries-General who tried it paid the price, as was the case of Boutros-Ghali and Kofi Annan, to some extent. Likewise, in any organization the Directors-General have a political role to play, but their ability to work politically depends on the support of member countries.

— JUCA: In your opinion, what is the importance of the awarding of the Nobel Peace Prize in 2013 to the OPCW? Do you believe that your actions contributed in some way to the granting of the award? JMB: The award of the Nobel Peace Prize gave great prominence to the OPCW, taking it out of the shadows. It was an organization that struggled, during its first 15 years, to forge its reputation of seriousness and independence, despite enormous difficulties. Its very location in The Hague indicated that the great powers, particularly the U.S., viewed it with a certain trepidation. Geneva would have been the ideal place for its headquarters because that is where the great experts on disarmament are based. In The Hague, the embassies usually have no specific elements or sufficient specialized personnel to follow up the meetings and the work of the organization. Not even the American delegation itself had an ambassador to the OPCW, but kept only a technical representative, equivalent to the level of Counsellor; the American ambassador came from Washington for the meetings, which made if difficult to have a good knowledge or to deepen the work of an organization that was beginning to operate. Placing it in The Hague was just a way to restrict its projection and the implementation of the Chemical Weapons Convention. The Nobel Prize has drawn attention to the fact that the OPCW exists, is doing its job and, since its inception, has increased its membership and has made progress in terms of destruction of chemical stockpiles and industrial inspections. Without false modesty, I am satisfied to have contributed in any way to this award. I participated in the creation of a culture for the organization, in the institution of its working methods, not only in the administrative realm but also in the political one. I created a code of conduct for the then 211 inspectors, in order to make them understand that

their loyalty should be towards the OPCW and not to their countries of origin. I have the impression that the bases left were taken up by my successors, although there have been subsequent developments. Since then there has been a significant reduction in the number of inspectors, a great proportion of them being outsourced, on the pretext of reducing costs; but actually what it seeks is to serve the interests of the great powers to interfere in the substantive work of the Organization. Such interference notwithstanding, I believe that the OPCW still can – fortunately – act independently. The Nobel Prize was a recognition of their work and, more importantly, that such an organization may be a relevant instrument in the process of seeking dialogue. The case of the Syrian crisis is exemplary and confirms that, if in 2010 Iraq had been admitted to the organization, the inspections could have clarified all doubts, legitimate or otherwise, that served as the pretext for the invasion of the country. Facts later confirmed that the claims were greatly exaggerated, if not untrue, and some of those responsible for the military operations in Iraq were politically condemned, both in their countries and internationally. From this point of view, I am convinced that there has been progress in multilateralism. Ten years ago, the resort to an international organization to solve a crisis was not admitted. Today, apparently this happened, which I consider very positive.

— JUCA: What role do you believe Brazil can play in the major contemporary international discussions on peace and security? Notwithstanding the engagement of P5+1 on the current negotiations with Iran, would a new agreement in Tehran brokered by Brazil be possible? To what extent do current conditions differ from the scenario that led to the signing of the Tehran Declaration (2010)? JMB: The quest for peace through dialogue is one of the pillars of Brazilian foreign policy, provided for even in the Constitution. This entitles us in the international community to act as consensus-builders, navigating the wide spectrum of existing political and ideological positions. It is therefore not surprising that in 2010 Iran had accepted the mediation of Brazil, together with Turkey, in order to deal with the complex nuclear dossier. The current roadmap is fundamentally the same as the solution provided for in the previous agreement. Three years would

not have been wasted if the United States and other countries had accepted, at that time, the intermediation of Brazil. The international community would have been spared of a lot of unpleasantness. Current conditions, however, differ from those of 2010: there was an evolution in the Democrat administration in the U.S.; the Iranian government does not seem to inspire so little trust and the country is in a more vulnerable situation, therefore more inclined to sit down at the negotiating table. It is also clearer for the U.S. the multifaceted and complex character of the conflicts and tensions in the Middle East, where the intensification of the SunniShia divide is central in the quest for regional power. Of course, the problem is not solved, even because other historical liabilities have been accumulated. I see there the beginning of a process in which Brazil will be able to play an important role, if not a vital one, be it in the context of Iran or Syria, be it in the Israeli-Palestinian conflict and the other sources of tension in the region.

— JUCA: Do you believe that nuclear disarmament, as one of the three pillars of the NonProliferation Treaty (NTP), will be fully implemented some day? Would there not be vital interests of the nuclear-armed countries to ensure their own security that undermine complete disarmament in the world? JMB: I do not believe that nuclear disarmament will be implemented in the near future, certainly not in my lifetime. The interests crystallized in Article 6 of the NPT are so strong that it would be dishonest to claim that nuclear powers will relinquish that power in the foreseeable future. Reality unfortunately points to the contrary. Some powers outside the NPT keep seeking nuclear breakout. More seriously, the treatment is different for each country that acquires that capability. There is an ideological problem, there is no coherent stance from the nuclear powers, and this does not create good prospects. It is possible to achieve agreements on the reduction of arsenals or the interruption of the development of new weapons. On the other hand, technology has spread in such a manner that the control of the development of these weapons has become a more difficult task. The lethal capacity of these weapons can now be tested through projections on supercomputers and the control that can be exerted is very relative.

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Nuclear powers find themselves in a comfort zone and there is not enough pressure to make them review their positions. On the other hand, there is a growing awareness in nuclear powers themselves that nuclear weapons represent a drain on human/ financial resources with environmental costs and risks, besides the low relevance to their main security challenges. The recent cases of proliferation are not great powers, but unstable and troublesome countries, while influential states such as Brazil, Germany and Japan have chosen not to develop the bomb, even though they have the industrial and technological capability to do so. If Iran’s case is settled, for the first time in history there will be no country “next in line” to get the bomb. Who knows if nuclear disarmament will then occur, if not totally, at least a movement towards reduced and more discreet nuclear arsenals, less through the weight of treaties than through the perception of the high costs, risks and doubtful benefits of the possession of large nuclear arsenals. What undermines the bomb is its cost and ridiculousness, not the law, unfortunately.

— JUCA: What does it mean for multilateralism to have a Brazilian at the head of a major international organization? What specific contributions can a Brazilian give to multilateralism? JMB: It is undeniably a matter of prestige and an asset for the country to have a Brazilian as Director-General of an international organization, but it took too long for Brazil to get interested in it. The first step forward was the election of Ambassador Baena Soares for the OAS. The following one was me in the OPCW. More recently, we went to the FAO and the WTO. Brazil deserves to have the leadership of these organizations. Brazilian Directors-General can embody all the characteristics of our vision of the world and it only contributes to the proper treatment of issues, because these institutions are primary actors in the resolution of international conflicts and disputes. Likewise, the personal trajectories and the experience accumulated throughout their careers allows Directors-General to contribute according to their field of expertise. Professor Graziano had an important history in the realm of the fight against hunger before reaching the FAO. Ambassador Roberto Azevêdo has extensive knowledge of trade negotiations, which certainly gives him weighty

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equipment to seek solutions to the barriers that currently obstruct multilateral trade negotiations. Notwithstanding the salutary interest in leading prestigious international institutions, the country still lacks the understanding that it is also necessary to fill the staff of these organizations with Brazilian diplomats and nationals in various positions. I remember not being able to count on any Brazilian diplomat when I worked as DirectorGeneral of the OPCW. I had to build a core only with foreigners and we needed some time to develop a relationship of trust between us. Brazilian law punished the diplomat who went to work in international organizations. I do not know if there has been a change in the rules, but I remember that the diplomat had to go on leave of absence, left the seniority list, had to pay his own social security contributions as an independent professional and there was no possibility of promotion during the assignment. I tried hard to get legislation altered. The absence of stimuli reveals a lack of awareness that the diplomat who is appointed to an international organization is also working for Brazil. In The Hague I was repeatedly visited by ambassadors who demanded nomination of their country nationals. I never received a single request from my government for the entry of a Brazilian into the organization during my five years as the Director-General of the OPCW, which has always dismayed me.

delegations. The Secretariat must be available and open to dialogue. I also knew the importance of creating a culture for the administrative secretariat, of being transparent in accountability. One of the main problems in an international organization is the suspicion of some countries that their contributions are not being used satisfactorily. Ultimately, it also contributed to my political work, which I had learned with the heads I mentioned earlier, in terms of ethics, commitment to multilateralism and the legal path that guided me at that moment. I sought to make the OPCW an exemplary organization. It has a feature that differentiates it from the NPT, which attracted me the most. The 1993 Convention does not constitute a discriminatory regime. On the contrary, it establishes that all countries should be treated equally, with the same respectful rigor: to disarm is as important a goal as not to proliferate. The challenge of implementing an agreement with these characteristics attracted me greatly. Unfortunately, there was an accident of course, but I cherish as a good memories of the certainty that I tried my best and that many of the fruits only came to appear a few years later, legitimizing a position that is not only mine, but that of Brazilian diplomacy: the equality of states under international law, the obligation to respect the rules and the preferential use of dialogue.

— JUCA: Considering your experience at the Department of International Organizations, at the Brazilian Mission to the United Nations, as well as postings in Moscow and Vienna, to what extent did your career at the Foreign Ministry contribute to the exercise of your functions as Director-General of the OPCW? JMB: My previous experience was of great importance. Particularly in New York, I gained an indepth understanding of the functioning of an international organization. I was able to see how the Secretariat and the delegations work, how negotiations are carried out and how important the work behind the scenes is. When I became DirectorGeneral of the OPCW, I knew what was happening, I had a notion of how organizations work, how delegations would perceive the work of the secretariat and what their expectations would be. This knowledge made me ​​ prioritize the raising of awareness of the Secretariat as to its attitude towards the

Professor José Graziano da Silva – Director-General of the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO)

Portuguese version page 42 JUCA: To what extent has your academic experience in agrarian issues contributed to the formulation of FAO policies, as well as to the achievement of the objectives of the Organization? How different is the reality of an international body in relation to the academic environment? JGS: The academic experience helps a lot! After all, FAO is a knowledge organization: the knowledge it possesses (its own knowledge but, most often, that of its Members) and can share with others is its most valuable asset. We also work a lot

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with partners from the academic world, especially with research institutions in the areas of agricultural sciences, forestry and fisheries. But there is one big difference: our knowledge is oriented to support proposals for action on the ground, which does not always happen in the academic area.

— JUCA: What does it mean for multilateralism to have a Brazilian in the composition of one of the oldest and most important international organizations such as FAO? What specific contributions can a Brazilian give to multilateralism? JGS: Brazil has a recognized tradition of being a country which promotes and defends multilateralism. A founding member of the UN, FAO, OAS, WTO and many other international and regional organizations and mechanisms, Brazil has always had a prominent role for its coherent and consistent positions, for its relentless search for consensus and promotion of political, ethical and legal principles which are important to the international system. My election as Director-General of FAO in 2011 (it’s the first time a Brazilian, and actually a Latin-American, occupies this position) and that of Ambassador Roberto Azevêdo at the WTO must be understood as a natural consequence of the role that Brazil has played in that context, the rise of the country on the world stage and the results it has achieved in terms of development. In the case of FAO – and also in the case of the WTO – we should remember that Brazil has been successfully applying domestic policies in agriculture and in the field of social protection, which seek to combine the agribusiness sphere which has high economic value and is geared primarily to foreign trade, with family farming, which aims to meet the domestic market needs and has a very important aspect in terms of social protection and food and nutritional security. These successful Brazilian experiences helped, no doubt, in my election and denote the expectation of the majority of the members of FAO about the new direction that they wish to give to the work of the Organization. But as I said in my speech in June 2011, when I was elected, I ran for the position as a Brazilian candidate, but I took office as Director-General of all Member States of FAO. As the Head of the administration of the organization, we should take into due consideration the common interest of the whole set of member countries.

The proposals for changes in FAO that I presented keep an important relationship with my own experience in Brazil as Special Minister of Food Security and the Fight against Hunger, and after this, as Regional Representative of FAO for Latin America and the Caribbean. And they have been receiving the support of Member States, as seen in the adoption of the work program and budget for the biennium 2014-2015 which I submitted to the Conference last June.

— JUCA: Is there any Brazilian or foreign personality who inspired you in this process of achieving your professional objectives? JGS: : My father, José Gomes da Silva, is my greatest inspiration. He was a man who knew, like few others, how to combine his technical and scientific knowledge with day-to-day practice, with action. But many other people have inspired me. It is a long list that starts, of course, with Josué de Castro, who was independent president of the FAO Council and put in evidence that hunger was not a natural but a political problem. I also want to remember the sociologist Betinho and, in particular, a statement of his: the one who is hungry cannot wait. This phrase translates with simplicity the urgency that our action must have.

— JUCA: The first Millennium Development Goal is the reduction of hunger and extreme poverty in the world. What initiatives have you sought to implement, since 2012, to allow FAO to contribute to achieving this goal? JGS: During my campaign for the post of DirectorGeneral, I presented to Member States my view of how I would like to change FAO. This view was based on strengthening the focus of the work of the organization, whose activities were under the process of a deep fragmentation; and listening more to the concrete demands from Members, answering them in a faster and more concentrated way. For this, the fundamental point was to strengthen the work of FAO with its key partners (the other sister agencies such as WFP ​​and IFAD, civil society and the private sector, among others), seeking to increase efficiency and to give Member States a clear notion of the “value for money” they provide to FAO. To carry this out, during 2012-2013 we developed a process of strategic thinking, by which we defined five strategic goals and a sixth technical

objective, which now provide with a clear focus the activities of the institution, targets going even beyond the first millennium development goal: at the 37th FAO Conference held in June 2013, Member States raised the first global goal from reducing to eradicating hunger in the world, as it was envisioned by the founders of FAO in 1945. I believe it is always important to remind people that FAO, while dealing with food and agriculture, also has expertise in topics such as fisheries and aquaculture, forestry, and natural resources management in general. Sustainable development is an element that constantly guides the work of FAO on issues of agricultural development, food production, food security policies and nutrition.

— JUCA: It is known that, nowadays, food production is sufficient to meet the needs of the world population and that the eradication of hunger faces other obstacles, such as price volatility and the granting of agricultural subsidies. Taking into account this multiplicity of factors, how is the coordination of FAO with other forums such as the WTO and G-20 to solve the problem? JGS: FAO, as a knowledge institution par excellence, has a key role as a provider of statistics, data and analysis, which to a great extent guide the discussions and decisions both of countries and of other international institutions such as the WTO, and the mechanisms of political coordination, such as the G-20. We know that food production is sufficient to meet the needs of the entire population, but production itself is not a sufficient condition for this. Millions of families cannot afford an adequate access to food: we have complex distribution problems – both income (capacity to purchase food) and physical (to make the product reach the consumer) – and there are family farmers with access only to degraded natural resources. There are also serious problems of waste and malnutrition. Moreover, considering the conflict reality in several countries, it is necessary to take into account the intrinsic relationship between peace and stability, on the one hand, and food security, on the other hand; between hunger and conflict. Without peace and stability, the potential of the food and agricultural sectors will not be reached, and with famine and with inadequate access to natural resources, there will be obstacles to peace and stability.

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On international prices of agricultural commodities, to avoid repeated episodes of high volatility of prices that can have serious consequences for food security, especially in poor and food-importing countries, the Group of 20 (G20) established the Agricultural Market Information System (AMIS). FAO leads the secretariat of this system, which also has the presence of other agencies such as the OECD, WTO, World Bank, WFP and IFAD. The AMIS is a political tool that aims to examine, discuss and take action, if and when necessary, to avoid the repetition of price crises like those of 2007-2008 and 2011. Moreover, we decided to create a space in FAO, taking advantage of the arrival of ministers for the organization Meetings, to promote an exchange of ideas and a more open discussion (since not all Member States of FAO participate in AMIS) on the issue of prices and supply of food commodities.

— JUCA: What is the feasibility of replication, worldwide, of Brazilian policies for combating poverty, such as the Fome Zero and Bolsa Família Programs? To what extent can the policies and social technologies developed by Brazil be transposed to other countries? JGS: One of the five core items of my campaign in 2011 was the proposal to encourage South-South Cooperation on the FAO agenda. This item has always been well received by my interlocutors. When I took charge of the FAO Secretariat, I tried to promote work in the area of ​​technical cooperation, especially South-South cooperation. In this field, most of countries have something to contribute in terms of knowledge of agricultural techniques that can be replicated or adapted in other countries. The success of the Brazilian experience in reducing poverty and food insecurity in the past decade have generated a global interest in the Brazilian model, particularly the social and inclusive development policies such as those under the scope of Fome Zero, and its legal, institutional (CONSEAs) and financial mechanisms. And Brazil got interested in sharing its experience with other countries, particularly in the design and implementation of school feeding programs and their linkage with the local production and the local market. This has been done successfully through linkages with ABC (Brazilian Cooperation Agency) and different ministries.

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In this context, initiatives such as the National School Feeding Programme, the Food Acquisition Program and Bolsa Família are among the programmes that most call the attention of other developing countries. The Brazilian model which links school feeding and family farming is being taken to about 10 countries in Latin America and the Caribbean and is coming soon to Africa thanks to the collaboration with Brazil’s National Fund for the Development of Education (FNDE). With Itamaraty’s General-Coordination for International Actions against Hunger (CGFOME), PAA is already present in five African countries through the PAA Africa and inspired the Let Agogo program in Haiti. FAO is also helping Brazil to share the experience of Bolsa Família in countries like Senegal. When I held the position of Regional Representative of FAO for Latin America and the Caribbean, in Chile, we also supported the “Latin America and the Caribbean without Hunger 2025” initiative, which contains principles and ideas based on the experience of the Brazilian Fome Zero and, since the first CALC (Latin American and Caribbean Summit) held in Brazil in 2008, has the firm support of the Heads of State and Government of the countries of the region. Subsequently, several countries in Africa and Asia became interested in this experience and have sought Brazilian cooperation, both bilaterally and through the FAO. The Community of Portuguese-Speaking Countries (CPLP), for example, adopted the Maputo Declaration in 2012, in which the challenges of food security were addressed and a strategy to face them was defined. In part, the management model chosen is similar to the Brazilian one, and FAO has concretely supported the work of CPLP and of African countries, individually, to carry out this strategy. This is not a mere replica, each country will make the necessary adjustments to its conditions. And, in the African Union Summit held in January 2014, African leaders adopted the goal of eradicating hunger in the region by 2025, which also reflects the success that countries like Brazil have had in combating hunger.

— JUCA: Considering the high demand for public policies to fight hunger and extreme poverty in

developing countries and the common budget constraints to governments and international organizations, how can priorities be selected in such sensitive and fundamental issues? JGS: As I have already pointed out, we have given a clearer and more concentrated definition for the focus of FAO, establishing five strategic objectives: 1. Contribute to the eradication of hunger, food insecurity and malnutrition; 2. Increase and improve the supply of goods and services for agriculture, forestry and fisheries in a sustainable manner; 3. Reduce rural poverty; 4. Provide more inclusive and efficient agricultural and food systems, on the local, national and international levels; 5. Increase the resilience of livelihoods against threats and crises. This has given new impetus to the work of the organization. Decentralization – the final step of FAO reform – which seeks to give greater autonomy to regional, sub-regional and national offices of FAO, was concluded and is beginning to bear fruits in terms of greater efficiency and faster responses to the needs of Member States. At the administrative level, new mechanisms and procedures have been implemented, for example, the global resource management system (GRMS), to streamline procedures and reduce the costs of financial administration of FAO. Recently a staff reform was concluded and a rotation of staff members between headquarters and its overseas posts was included as a natural characteristic of the staff of the organization. Strategic partnerships with civil society and the private sector, which aim to contribute to the work of the Organization and strengthen its ability to mobilize resources, were also approved. There is also an ongoing process to expand and deepen the partnership of FAO with academic and scientific research institutions.

— JUCA: You acted decisively in the internal reform of FAO. What were the major obstacles in this process? It is already possible to detect improvements in the organization’s work? Do you envisage anything in this process that could be transposed to other organs of the UN system?

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JGS: In a period of 36 years, FAO has only had two Directors-General, who held the position for 18 years each. Accordingly, there is a strong and apparently inescapable tendency of the bureaucracy to accommodate their routines and avoid updates and changes. There was a need for reform and renewal of the organization. The Member States promoted this reform, including reducing the term of office of its Directors-General from 6 to 4 years and limiting the possibility of reelection to only once. I believe it is already possible to see improvements in several aspects of the functioning of FAO, from the search for more efficiency to the clear focus on a limited number of strategic objectives (nowadays, there are 5, but before there were more than ten) and including a much greater commitment to listening to and meeting the needs of its member countries. These changes are seen and appreciated by many partners and members of FAO. In 2011, for example, the international cooperation agency of the United Kingdom (DFID) had described FAO as one of the worst performing organizations in its Multilateral Aid Review (MAR). In an intermediate revaluation (MAR Update), that was done, DFID pointed to a series of improvements in FAO which, according to them, shows that “change can happen.” Various internal reforms have been implemented, but their implementation in other international agencies should be analyzed with caution, due to the specificities of each. Perhaps the greatest learning experience that one can have from FAO is summarized in the conclusion that DFID reached last year: “change can happen.”

Ambassador Roberto Azevêdo – Director-General of the World Trade Organization

Portuguese version page 46 JUCA: How did your experience in the Rio Branco Institute contribute to your diplomatic training? RA: The Instituto Rio Branco contributed immensely to my training as a diplomat. Having a degree in electrical engineering, it was in Rio Branco

that I became familiar, for the first time, with elements that constitute the basis of a diplomat’s education. Unlike other colleagues, before Rio Branco, I had dedicated myself basically to projects of generation and distribution of electricity. It was in Rio Branco that I acquired the economic and legal basis that marked my career. There I had my first law class and, throughout my career as a diplomat, I have worked on Brazil’s big cases before the WTO’s Dispute Settlement System. I have no doubt that my training in IRBr is closely linked to what I am today. I understand that his can sound exaggerated to people who studied related areas or that had more contact with the career before entering Rio Branco. Having had my education in engineering, Rio Branco was, I repeat, extremely important.

— JUCA: A great part of your career was dedicated to economic and financial issues. Before working in Geneva, for instance, you were the General Coordinator of Disputes before the WTO, Head of the Economic Department and Undersecretary for Economic and Financial Issues. What led you to specialize in economic issues throughout your career? Given your trajectory, how do you see the discussion about generalists and specialists in the diplomatic career? RA: Working in the economic area happened to me naturally. My background in hard sciences may explain my inclination towards this area, in which, with time, I acquired greater ease. The work on economic issues led me to take on new responsibilities. The building of my career in this area was therefore a natural process, not something planned. It was the opportunities and challenges that arose in this field due to previous experiences. Regarding the discussion of generalists and specialists, I believe that it is natural to have diplomats with distinct profiles and that this strengthens the diplomatic corps. Specialists and generalists complement each other. Especially because the expert is not only a technical, and the generalist does not necessarily have only superficial knowledge. Both have the training tools necessary to work in new areas and to deepen their knowledge of a specific subject when this is called for. In several areas where the Ministry of External Relations wants to continue being relevant, specialization is absolutely necessary. From

my own experience, I can say that solving trade disputes is one such area. Either the Ministry of External Relations has specialized diplomats in this field, or, over time, it will be running the risk of failing to do this task. The system certainly benefits from both profiles. The career allows people to pursue their interests and build their own paths – this is good for diplomats as well as for Itamaraty. The diplomatic corps is strengthened by different and complementary profiles.

— JUCA: How do you evaluate the proliferation of preferential regional trade agreements? To what extent do they facilitate or hinder trade liberalization on a global scale? RA: This is an important issue and these kinds of questions are recurrent. I have been reminding my interlocutors that the multilateral system always coexisted with preferential trade agreements. At the origin of the GATT in 1947, the existence of preferential trade agreements, regional or otherwise, was already acknowledged. Back then, the British had a wide network of trade preferences and there was the customs union between Belgium, Holland and Luxembourg, which at the origin of the European integration process, when it was formed in 1944. This reality, however, was not ignored by the negotiators of the GATT 1947, who, established the parameters for the compatibility of regional agreements with multilateral norms. In this context, I have observed that preferential agreements in themselves are not a threat to the multilateral trading system. It is not the advancement of preferential agreements that is worrisome, but rather the paralysis of multilateral negotiations. Since the creation of the WTO in 1995, the multilateral trading system had hardly been able to enable the adoption of new trade rules. The positive outcome in Bali in December 2013 changed this scenario, with the conclusion of a new agreement (Agreement on Trade Facilitation) and the adoption of new disciplines in other areas. But it is still necessary for multilateral negotiations to advance faster and for the system to rely on rules that are current and that respond more adequately to the needs of today’s world. Again, it is the risk of having an excessive gap between multilateral rules and preferential arrangements that is of concern.

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With a good dose of realism, we must also recognize that the multilateral trading system has rarely been at the forefront of establishing new trade disciplines. New frontiers are more easily explored in smaller settings, where the convergence of interests between participants is often greater. In preferential agreements, rules on topics already covered by the multilateral system are deepened and rules and new topics are adopted – and this is only natural. This dynamic often even facilitates negotiations that occur at the multilateral level. Several disciplines that exist in the WTO agreements were inspired by experiences of regional agreements. The WTO, however, provides a common normative basis, shared by 160 countries, which is an invaluable asset to stimulate world trade. The almost universal membership of the WTO makes the dividends of multilateral negotiations always relevant, even if progress occurs gradually. I also would like to draw attention to the fact that even the countries most involved in preferential agreements recognize the importance of a strong multilateral system. There are good reasons for this. First, non-discriminatory trade liberalization is always preferable in economic terms. In addition, there are some issues which, by their very nature, can only be disciplined in a multilateral environment (as is the case of agricultural subsidies). All Members, regardless of their sizes or interests, recognize that the multilateral system is the only one that makes global gains ​​ possible and that the WTO is key to global economic governance.

— JUCA: The first trade agreement in the WTO in nearly twenty years was concluded during the ninth WTO Ministerial Conference. From the perspective of the Directorate-General, what were the major obstacles to concluding the Bali package? Which elements were essential to the success of the negotiations? RA: The initial difficulty in completing the Bali package was the disbelief – that reigned in Geneva – about the possibility of getting a positive outcome from the negotiations. Several previous attempts had failed and the WTO had never been able to conclude an agreement since its inception. I took up the position of Director-General of the WTO three months before the Ministerial Conference in Bali. The trade facilitation draft,

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for example, had at that time about 700 brackets. As for other issues, there was not even a first draft (like cotton, for instance). I would say that, perhaps more than the technical difficulties of the negotiations, the first hurdle was to change the environment in Geneva and make the negotiators really believe that this time it would be possible to reach an agreement. Naturally, once this barrier was overcome, several others appeared – and were surpassed – until a few hours before the Closing Ceremony of the Ministerial Conference in Bali. Several factors account for Bali’s success. The transparent and inclusive character of the negotiations is certainly one of them. All delegations had a voice. The process was slow and burdensome, but it certainly helped to make consensus possible. Moreover, all countries had gains, including the least developed. Flexibility and creativity also contributed to the success of Bali. The involvement of the Capitals during the negotiating process in Geneva and the direct involvement of Ministers in Bali were also essential to the result. In short, political engagement proved indispensable. Finally, I would like to highlight the central importance of realism for the success of Bali. Realistic expectations allowed an outcome which all Members could live with. Nobody got everything they would have liked to, but neither did anyone demand the impossible – and yet, we achieved significant results for world trade. All these elements are now part of an important set of lessons that we brought from Bali to the negotiations now taking place in Geneva, which have certainly gained new impetus.

— JUCA: Over the years, the perception that the dispute settlement system of the WTO had undergone a process of hypertrophy in relation to the organization’s role in the creation of new trade rules – or changing existing ones – has become strong. In this regard, it has been affirmed that one of the major threats to the WTO would be the risk of being reduced to little more than its dispute settlement system. In your opinion, which was the role of Bali in revitalizing the WTO as a negotiating body? What is the importance of multilateralism in trade? RA: Bali inaugurates a new stage in the WTO. With the positive results of the 9th Ministerial

Conference, the WTO trade negotiations are revitalized and new prospects for the upgrade of commercial disciplines are opened. Throughout the months of negotiation, I did not hesitate to express my opinion to Members on the disastrous consequences of a possible failure in Bali. Yes, the WTO would continue to exist, but trade negotiations would go through a long period of hibernation, which would make the rules become increasingly outdated. An excessively outdated regulatory framework would naturally jeopardize the importance of the rules themselves. Still, whatever the outcome of Bali, the dispute settlement system would remain extremely important. Incidentally, the dispute resolution mechanism of the WTO – which, besides having “teeth”, is compulsory and can be automatically activated – is the main gain from the Uruguay Round and gave enormous visibility to the Organization. The large and growing number of disputes brought to the mechanism is a sign of its credibility before Members as well as of the importance they attribute to him. Of course, with the new prospects for trading since Bali, this arm of the WTO also has gains, for in the future we will be judging disputes in light of more modern rules, and not those that were designed in the 1980s and 1990s. Besides this objective contribution of the negotiations to the disputes, the positive outcome in Bali contributes, in general, to strengthen trade multilateralism and, consequently, all the functions of the WTO are reinvigorated by the results of the Ministerial Conference.

— JUCA: What does it mean to multilateralism to have a Brazilian leading a major international organization? What specific contributions may a Brazilian give to multilateralism? RA: Brazil has a great tradition in multilateralism. Brazilian participation is usually highly respected in multilateral forums, for several reasons. Firstly, there is the technical competence of the Brazilian negotiators, coupled with the ability to bring different visions together and build consensus. Moreover, Brazil is known for its reasonable and constructive policy positions. This has allowed the country to have prominent names in the history of multilateralism – and I prefer not to mention any in particular in order not to run the risk of committing injustices. It

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seems natural that more Brazilians will come to occupy positions of leadership in multilateral organizations and, as a consequence, may contribute to the strengthening of multilateralism from another perspective other than that of a the delegate of a single country. Maybe WTO Members are in a better position that I am to speak of what it means to have a Brazilian at the head of the Organization. Flexibility and creativity are often attributed to Brazilians. I do not know how much of this I have in me, but it is certain that these are valuable skills to the WTO or any other multilateral organization. As a Brazilian, but especially as a diplomat, I have learned throughout my career to deal with differences and to build bridges of dialogue. These skills are important assets in the conduct of multilateral negotiations, be they trade negotiations or any others. Finally, and in particular in relation to the WTO, I would say that the fact of being Brazilian has contributed to inspire confidence in the developing world that new practices would be adopted in the Organization, especially in terms of transparency and openness, and that the development agenda would not abandoned.

— JUCA: At the time of your election to the post of Director-General of the WTO, the press ran criticisms of your ability to act independently as Director-General of the Organization, given your previous role as Head of the Brazilian Delegation to the WTO. How do you view the emergence of these criticisms? How did you choose to deal with these issues? RA: Considering my professional commitments at the time of the campaign, it is not surprising that this was a point raised by the press. Honestly, this criticism did not seem very relevant to me. In the selection process for the position of DirectorGeneral of the WTO, virtually all candidates had, either previously or at that time, had links with their governments. The fact of being Head of the Brazilian Delegation became more an asset than a liability to the candidacy. Firstly, my professional duties made ​​me known in Geneva. Negotiators from all countries were used to work with me. My career as a Brazilian diplomat to the WTO not only made ​​ me known in this field, but also strengthened my

credentials for the position of Director-General. Perhaps more clearly than other candidates, I was seen as someone who could contribute to the negotiating process, which at the time had been stalled for several years. In the end, the kind of bond I had with Brazil allowed me to be perceived by members as someone who was intimately familiar with the issues under negotiation, who helped to form consensus and who recognized the value of the WTO as well as of multilateralism.

Judge Sylvia Steiner – Member of the International Criminal Court (ICC)

meeting in Costa Rica when I was invited to do the interdisciplinary course on Human Rights. My colleagues at São Paulo’s Peace and Justice Commission: the former National Secretary of Human Rights, José Gregori; the lawyer and former Minister of Justice, José Carlos Dias; and the lawyer and São Paulo’s former Secretary of Justice, Belisário Junior dos Santos. I also would like to mention Mrs. Helena Pereira dos Santos, now deceased, a humble but energetic seamstress who founded and directed São Paulo’s Torture Never Again Group. The activist lawyer Alice Soares Ferreira, who introduced me to the practice of uncompromising defense of poor prisoners, deprived of justice. There are many other people, to whom I owe being the person I am today...

— Portuguese version page 50 JUCA: You graduated in law and, before taking up the post of chief judge at the Federal Regional Court of the 3rd Region, you worked as an attorney and as a prosecutor. How did you become interested in Public International Law? To what extent did your career in Brazil contribute to the performance of your duties at the ICC? SS: As stated in the question itself, in my professional career, I held functions as a lawyer, as a prosecutor and as a judge. This sum of experiences certainly had a major role in my training and also in the choice of my name as the Brazilian candidate to be a judge at the International Criminal Court. In addition to my professional experience, my persistent activism in the area of protection ​​ of fundamental rights was certainly important for my election. My professional experience, combined with my practice and activism in human rights, undoubtedly play an important role in the daily exercise of my judicial duties in the ICC. After all, I had thirty years of preparation...

— JUCA: Is there any Brazilian or foreign personality who inspired you in this process of achieving your professional objectives? SS: Many people have had great importance in my decisions and in the choice of my life projects. To mention just a few – and those not mentioned please forgive me -, I would cite Professor Cançado Trindade, currently Judge of the International Court of Justice, whom I had the pleasure of

JUCA: The election to the International Criminal Court was the recognition of a long career dedicated to the study of criminal law and human rights. After more than a decade at The Hague, which aspects of the work at the ICC do you consider most rewarding? Were there frustrations about what you expected to do there? After this period, what lessons have you learnt from this experience? SS: The most rewarding aspect was, without a doubt, being able to participate in the construction of this Court. Being able to act as a judge in its first cases. Being able to create the first precedent, giving primacy to the hybrid model intended by the creators, instead of letting the procedures simply follow the mood of one judge or another or of a particular legal system. The first contact with a unique and innovative system of participation of victims in the proceedings – something extremely important given the fact that we are dealing with crimes perpetrated against a huge number of victims – was also very rewarding. Frustrations? Some, certainly. Such as sometimes observing the lack of uniformity of understandings, the deconstruction of carefully crafted models, such as the participation of victims. Successive budget cuts have also had a negative impact on the fast-track procedures. Indeed, the biggest source of frustration is undoubtedly the difficulty in further accelerating the procedure. The joys and frustrations resulted in lessons learned. The first case that I conducted in the preliminary round took much longer than the second, and the third was even

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shorter. We learned to circumvent the logistical difficulties and lack of personnel, and to ensure a fair trial despite the difficulties. You begin to see yourself as a better judge, more prepared to face whatever comes your way...

— JUCA: What does it mean to multilateralism to have a Brazilian leading a major international organization? What specific contributions may a Brazilian make to multilateralism? SS: Brazil plays a significant role on the international scene. And, in all areas, we have professionals of exceptionally high standard. Based on the examples I have seen and on the comments I have heard, Brazilians are considered reliable, serious, extremely dedicated, capable, flexible and yet firm professionals. I believe that the presence of Brazilian professionals is welcome in all areas, and that the result of their actions is noticed. As regards my Court specifically, multilateralism is one of the bases of its legitimacy. A Court that is intended to be international, and that claims to represent the interests of the international community – rather, of humanity – has to be multilateral, must ensure diversity and must respect a balance of gender, geographical distribution and legal systems. I cannot imagine an institution that determines, in its composition, a Latin American presence, without ensuring a Brazilian presence. We are, geographically, Latin American, but distinct from Spanish Latin America. Our country has continental dimensions, its own culture and its own legal tradition. The Brazilian presence should add to the presence of other representatives of Latin America.

— JUCA: Do you believe that the presence of women in the composition of the ICC endows the Court with a different perspective, for example in cases of war crimes related to violence against women? In this regard, what should be the role of women in the contemporary world? SS: Since his first composition, the ICC has had a very significant gender representation. Women are the majority among the judges nowadays. The norms regarding staff recruitment require the preservation of gender balance. The Rome Statute requires gender balance, but also establishes that all candidates for the role of judge prove knowledge in issues relating, among others, to violence against women and

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children. In situations of armed conflict, nowadays, there is no doubt that women and children suffer doubly and are doubly victimized: by the conflict as well as by the specific violence which results, among other causes from the recruitment and use of child soldiers and their involvement in combat, and the victimization of women through rape and other acts of sexual violence as a way to dominate and humiliate the enemy. In a broader context, even in times of peace, we must recall that women are victimized daily in many different ways and in every corner of the world. Both in the family and at work. That is why, in my view, we should encourage the growing presence of women in the various institutions, national or international, but of women who are willing to contribute to the fight against violence and discrimination against other women.

— JUCA: To what extent do the discussions in Kampala and the inclusion of the crime of aggression in the jurisdiction of the ICC contribute to the development and promotion of international law? SS: We cannot forget that we live in a time of profound changes in International Law. The classical model of the last century no longer meets the needs of the international community. Even the Post-Second World War model is already showing signs of fatigue. The individual, the person became the holder of his or her own individual rights before international law, which was unthinkable before. The assertion of individual rights as well as of the international community – humanity – as a subject of International Law, causes a radical revision in the classical institutions of international law. Today, I would not waste time discussing monism or dualism. The challenges of the new International Law are others. The inclusion of the crime of aggression in the Rome Statute is just another example of this new International Law, one that legitimizes the international community and reaffirms individual responsibility under International Law. No State can have the monopoly of decisions on the existence of an international crime or on the punishment of those responsible.

— JUCA: What are the major obstacles to the universalization of the ICC? How could it gain greater acceptance by countries that have not yet signed or ratified the Rome Statute?

SS: Even though it was created ten years ago, the ICC only began operating legally, in fact, a little more than six years ago. It is still a newborn. It still faces distrust from certain states, who fear its politicization. Such mistrust is understandable, but I am sure it will be overcome if the ICC continues to perform its functions with the independence and impartiality it has worked with so far. I am among those who believe that the example is much more effective and convincing than discourse. The legitimacy of the ICC is now demonstrated by the more than 120 ratifications of the Statute. Gradually, and in so far as its work, its independence and impartiality become increasingly uncontroversial facts, more and more States will ratify the Statute and, more importantly, implement the rules of the Statute in their domestic law. The major purpose of the Statute, in my opinion, is to make States incorporate, in their domestic law, the provisions regarding the crimes under the Statute, and enable themselves to carry out their primary jurisdiction in the case of international crimes perpetrated in their territories or by their nationals.

— JUCA: Do you believe that the institution of amicus curiae could contribute to strengthening the ICC and to making it closer to civil society? How does the Court perceive the possibility of such external manifestations as regards the crimes under its jurisdiction? SS: I personally see the contribution of civil society organizations, public entities, and even individuals, such as teachers and experts, as highly positive in terms of contributing to a better handling of cases under judges’ consideration. I believe that most judges see the participation of an amicus curiae as something positive. On the other hand, the institution of amicus curiae, as the name implies, is designed to bring specialized information to judges, that is, those who will judge. Therefore, we must be careful that this institution does not deviate from its goal and is not used as an instrument of pressure and self-promotion or for political purposes. We must always examine, on a case-by-case basis, the adequacy and convenience of authorizing the participation of third parties in the proceedings.

— JUCA: What are the main challenges faced by the International Criminal Court today?

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SS: There are many, but mainly establishing itself as a Court of universal character. There is also the challenge of expanding the number of States Parties, and encouraging them and cooperating with them in the implementation of the Statute in their domestic law. Internally, streamlining procedures, increasing the number of judges and staff so that more cases can be tried simultaneously. Making efforts so that the rules of procedure, developed and approved over ten years ago, can be adapted to the already established case law – even though amendments are required to the existing rules, casuistic amendments that might break balance of the system designed by the creators should be avoided. Selecting new judges that demonstrate professional experience in dealing with criminal law and criminal procedure. Promoting programs to disseminate the activities of the Court, such as increasing the number of communities able to follow the hearings by audio-visual broadcasts. Increasing more and more the effective participation of victims in the proceedings. Expanding the number of States involved in the witness protection program. Strengthening a more direct and efficient communication system with representatives of the Assembly of States Parties. Well, there are so many challenges that I believe I have already given enough examples. I sincerely hope that each and everyone will do their part in the effort of strengthening the International Criminal Court.

— Below are excerpts from a decision of 13/05/2008 taken by Steiner acting as Single Judge in the case of Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, referent to the attacks that occurred in the Ituri district, in the Democratic Republic of Congo (DRC). In the case, an issue is raised concerning the procedural rights of victims before the International Criminal Court. In the decision, one can notice the effort of giving the victims a significant role in the proceedings before the ICC, given their rights to justice and to the truth, as well as the importance of achieving other important goals for the Court, such as dissemination of a culture of accountability for human rights violations. “The Single Judge notes that the Prosecution, as well as the Defences for Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, have pointed out that those

granted the procedural status of victim at the pre-trial stage of the present case should not be permitted to discuss evidence or to question a witness in relation to matters that pertain to the guilt or innocence of the suspects because, according to the Prosecution and both Defences, these matters are not directly relevant to the interests of the victims. At the outset, the Single Judge notes that the Prosecution and Defences’ proposition is contrary to the latest empirical studies conducted amongst victims of serious violations of human rights, which show that the main reason why victims decide to resort to those judicial mechanisms which are available to them against those who victimised them is to have a declaration of the truth by the competent body. In this regard, the Single Judge underlines that the victims’ core interest in the determination of the facts, the identification of those responsible and the declaration of their responsibility is at the root of the well-established right to the truth for the victims of serious violations of human rights. The Single Judge also notes that the above-mentioned empirical studies show that a large majority of victims wish to have those who victimised them prosecuted, tried and convicted, and subjected to a certain punishment. In other words, the interests of victims go beyond the determination of what happened and the identification of those responsible, and extend to securing a certain degree of punishment for those who are responsible for perpetrating the crimes for which they suffered harm. These interests – namely the identification, prosecution and punishment of those who have victimised them by preventing their impunity – are at the root of the well established right to justice for victims of serious violations of human rights, which international human rights bodies have differentiated from the victims’ right to reparations. (…) Moreover, the Single Judge considers that the participation of those granted the procedural status of victim at the evidentiary debate held at the confirmation hearing will also be material in achieving other important goals of the Court. (…) Firstly, in the view of the Single Judge, such participation will be an important tool to ensure that certain cultural features and perceptions that are specific to the DRC in general, and to the Ituri

region in particular, be taken into consideration by the Chamber when assessing the evidence. Secondly, the Single Judge also considers that such participation – coupled with the efforts taken by the Court to publicise the proceedings through a variety of technical means – will bring the proceedings conducted at the Seat of the Court, in The Hague, closer to the inhabitants of the Ituri region. This will strengthen the legitimacy of the court proceedings in such area and increase the effectiveness of the Court’s function to disseminate a culture of accountability for human rights violations.”

Paulo Vannucchi, Member of the InterAmerican Commission on Human Rights

Portuguese version page 54 You have a background in journalism and political science and, before working as head of Instituto Lula, you were Minister of the Presidency’s Human Rights Secretariat. How do you believe your career can contribute to your duties in the Inter-American Commission on Human Rights? PV: At the outset, I must say that my personal, professional and political career is somewhat peculiar in the sense that I never exercised, as is the broad rule in the profession, a path that leads to some particular place. My story is a story of political activism, which starts very young in the resistance to the dictatorship. When I left prison, I was already thinking of university education as a kind of job search, for survival. It was at the beginning of my third year of medical school that I was arrested and, later on, when I returned to college, I felt that it did not fit in that moment of my life. I had a sense of urgency and wanted to do something with more chance of an immediate return, because I was getting married and wanted to have children. And so I opted for journalism. I had been used to writing all the time, since childhood, and I chose journalism because I wanted to attend a course that was compatible with what was already a natural inclination and learn the method related to it. Political science came at a time when I wanted to review all my background in the field. The

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fall of the Berlin Wall had taken place and I had huge questions and anxieties about what would be left of socialism. Thus, I did a long Masters – six years to review all of the previous study of the time when I was 18. These new studies were very important to bring about a renewal in my life and stimulate an easier adaptation of the 1968 values​​ : on the one hand, at that time, the world was going through a revolution, Che Guevara had died in Bolivia in October 1967 calling on young people to play their part, Vietnam was expelling the Americans, and there was the Prague Spring; on the other, armed resistance was taking place in Brazil, I was 17 or 18 years old, I was part of [Carlos] Marighella’s organization and very aware of the difficulties of the time, of the mistakes of the underground action, of the armed resistance, and as Franklin Martins likes to say, we did not make the biggest mistake of all, which would have been not to fight. And free from this error, we made mistakes, but we also got some things right, because we helped build this new Brazil that is being reborn. So it all came to being able to distance myself – and many people were unable to do this – from the analytical frameworks of that past, of the Cold War world, and come to terms with the outcome of 1989 with the disintegration of the Soviet bloc and the end of a socialist experiment. As for human rights, in the process of candidacy to the Commission, my history in the area was summarized as a person who brings together three profiles: of victim, of activist and of Government agent (having been Minister for five years). I was also president of Instituto Cidadania, which is now Instituto Lula, where we developed important public policies, such as Fome Zero and Projeto Juventude (Youth Project). In this professional curriculum, I also have to recall the experience of Brasil Nunca Mais (Brazil: Never Again), a very peculiar job – it was a secret work, not even at home could I say what it was. I believe that it is indeed a background that helps me now at the Inter-American Commission on Human Rights – with this perception of the multiple sides of truth and the realization that, in the assertion of human rights, a role of supervision and accountability is not enough. When it comes to human rights, the instrument of fight is never the harpoon or the trident; one must take into account the other side: we also need to learn

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to listen. This is my background, and in the campaign, I believe that what was really helpful was saying that Brazil is the only country of the OAS that is able to dialogue with all its Member States. I feel I am starting a job that is a new beginning, one of language learning, of diving into America – which is an old passion. The experience that I am starting now is like that of Violeta Parra’s song, “Volver a los 17” (Being Seventeen Again).

— JUCA: What does it mean to multilateralism to have a Brazilian in one of the most important human rights bodies today? PV: The fact that three Brazilians have been elected to important posts after extremely difficult campaigns is a success for Brazilian diplomacy, of an unequivocal Ministry of External Relations. My election, of course, doesn’t have the same importance as the other two. Firstly, because it is a regional office, whilst the other two are global. Secondly, because human rights is still a kind of periphery of major public policies. In our regional context, Brazil is a country that boasts the ideal of reconciliation more than neighboring countries. Those who fight for human rights are also fighting for peace, and have to try to promote this reconciliation – with justice, of course. Reconciliation faces resistance even from human rights activists, who say: “I do not want reconciliation, I want justice”, without realizing that if they think only of justice, without reconciliation, there is the risk of following the line of the Law of Retaliation: an eye for an eye, a tooth for a tooth. I emphasize that this reconciliation must be brought about responsibly, with the corresponding proceedings, trials and convictions. And as regards what in Brazil we treat as the Brazilian disease and vice, the cordial Brazilian man (“Brasileiro cordial”) of Sérgio Buarque, I always call attention to the fact that it is not only a problem. In life things are like this: what constitutes a person’s virtue also constitutes their vice, and vice versa. The two go together. This Brazilian way also makes our country more inclined to have more chance of success in the quest for peace and reconciliation. There are features in the Brazilian historical process that makes it worth putting a Brazilian at the table in Washington, next, for example, to a Chilean and an Argentine, who have other stories, considering particularly the multiple sides of truth.

Nevertheless, Brazil needs to be a little more assertive: “It happened, I will not forget.” We note enemies of yesterday taking pictures together and holding hands, but no one discusses what happened. I can have a picture taken together with others, as long as we speak plainly. “We were enemies yesterday, we had conflicting positions, but we’ve changed our position,” Only in this way will new generations move towards recognition and improvement of politics, of democracy and, by extension, of human rights.

— JUCA: How do you think the Inter-American System has contributed to consolidate democracy and the expansion of human rights in the Americas? PV: In 1979, the Inter-American Commission paid a visit to Argentina, during the dictatorship, and the Government at the time allowed the visit with a view to managing it, manipulating it. The Commission, which was founded in 1959, was re-founded in 1979 with this visit to the country, because it did not accept the trap laid by the Argentine dictatorship. On the contrary, it denounced the authoritarian regime and the Argentine dictatorship began to lose strength, up to the point of the adventure of the Malvinas Islands in 1982, and subsequently the transition. The Commission, which existed from 59 to 79, was almost a “pre-Commission”; it had not yet found its true role. It should be recalled that when it was born in 1959, it had no constitutionality, which only came ten years later, when, in 1969, the American Convention on Human Rights was adopted by the OAS. In 1979 it discovered its role, and began to play an important role in confronting dictatorships. This cycle ended victoriously and it experienced the crisis of adapting to the new era that no longer corresponds to ongoing disputes with States. The actions of supervising and demanding accountability must continue; therefore, this litigant side cannot cease. Nevertheless, this has to be complemented with partnerships, cooperation and seminars – which it does not promote because it is in a financial stranglehold and has internal tensions, having been confined to the process of receiving petitions. Petitions reached the number of two thousand cases that take 20, 30 years. The justice that takes so long is not fulfilled, because the

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historical process has died. There is an awareness of these weaknesses, and we will work on that. There have been several improvements in human rights both in Brazil and in other countries. There are the examples of the Maria da Penha Law in Brazil, which resulted from a case before the Commission; the Ximenes Case and its effects on the anti-asylum struggle; the Ovelario Tamis Case and its repercussions on the protection of indigenous rights. In short, the Commission is working continuously to promote this change in internal policies. Sometimes, as has happened recently, just like any public body, the OAS also makes mistakes. It made a decision that generated a conflict for Brazil concerning the Belo Monte Dam on the Xingu, which led to President Dilma’s very stringent response. The process is now being entirely resolved, only lacking the appointment of an Ambassador to complete the cycle of reconciliation,. In any case, payments and contributions to the OAS were resumed long ago. In addition, the Brazilian government presented the candidacy of Roberto Caldas and he was elected to the Court. We have also worked a lot on the importance of equality between the various rapporteurships. The rapporteurship for freedom of expression, which is a key theme, has become almost the only theme, as if other human rights were secondary. The right to food, the right to indigenous land, the land rights of rural workers, the prison system: all this cannot have any activism; in practice, the Commission saw and agreed to the fact that the rapporteurship of freedoms has financial resources, whilst the others do not. This is not good, because of the fact that having resources means that someone contributed to them, taking into consideration special interests in that theme. It doesn’t matter who made the donation, it is bad not having equality of resources in the Commission, because the result is the creation of a hierarchy in human rights, as if one of them were more important than the others. Children, adolescents, racial, gender equality, LGBT rights: they all have the same importance as freedom of expression has.

— JUCA: You were a political prisoner and played a fundamental role in the creation of the National Truth Commission (CNV). In your opinion, what is the importance of CNV

to investigate serious human rights violations that occurred during the dictatorship period and to encourage the recognition of the right to memory and truth? PV: I think the importance of the [National Truth] Commission is much higher than the awareness that people have about it. We now have a little bit more “nation building”. It is the first time in 500 years that the Brazilian State has promoted an exercise about itself. If Brazil had promoted an exercise of reflection, a truth commission on slavery, the situation of racism and the very discussion of quotas in Brazil would be different. The country had a type of slavery different from any other in the world. Unlike the United States, for example, in Brazil, slavery spun the wheel of the economy and there was only one small non-slaveholding area of economic production. One can also remember that the country promoted an indigenous genocide. If Brazil had promoted a discussion, a truth commission, there would not be so many highways named after “bandeirantes” [colonial expeditionary men]. This discussion goes beyond the fields of human rights and justice and enters the areas of psychoanalysis and anthropology. The nation is built. Having been a scholar of the subject for over 40 years, I am discovering new things about the dictatorship now. Reparation must also have a psychological support. My wife, a psychoanalyst, works with a Paulo Abraão’s program called “Witness Clinic”. We started to monitor the cases I felt alarmed about, like people who were arrested for a day, were not physically tortured, but hooded, threatened and did not know where they were. This is also torture, it is a brutal stigmatizing torture. Dilma has already said: we do not get over torture, it stays somewhere inside us. And what did these people do? They decided not to tell anyone anything: neither their husband, nor their wife, nor their children. Forty years later, they ended up on the divan. In some cases, children are the ones who bring their parents and force them, due to the consequences of this in their lives. This subject has an association with the universal theme of the Holocaust, in which there is a psychoanalytic discussion called generational transfer of trauma. In this clinic, it has been clearly shown that it is impossible to give a basic solution without accountability.

In Brazil, people’s feeling that no one has been held accountable for anything is intolerable, which leads us to the issue of punishment and judicial accountability. My opinion on the necessary punishment is not the same as that of many victims of the dictatorship and torture in Brazil. Mandela inspires me. I think that, after Mandela, it has become complicated to submit torturers and tormentors to a punitive lawsuit, which ends up happening. I do not criticize that. There are condemned dictatorship leaders in Argentina, Chile and even Uruguay and I have no criticism of this. But I wonder: in Brazil does it have to be like this? In what way is Brazil different? The first answer is: in what way is South Africa different? Mandela had the perception to note that the country could move towards an endless bloodbath. People who campaign for human rights as I do, a former minister, a political formulator, a political analyst, a Member of the OAS Commission from January on, may have a reference in the past, but it is the future that matters. And when we play a lot with the phrase “do not forget the past”, we can add “do not forget the future.” So it is the future that matters. For me it is not essential that Ulstra should go to jail. They are already defeated in the most important issue which is the construction of truth. The State has to take over and complete this process, and Brazil is halfway. When the Commission was created, it was the Brazilian State talking. Its seven members are people of the highest quality. The differences among them are natural, they exist in life. These people know very well that the mission they have is more important than any internal disagreement. I have no doubt that the Truth Commission will produce a report that will mark a change. And there is a Brazilian novelty: the Commission has become 100. We have almost 100 truth commissions, which no other country have ever had. It was an expression of the will of society: universities have theirs, as well as OAB (National Lawyers Union), psychologists, CUT (Unified Workers’ Union), etc. So, this work will be completed and Brazil will ask: and now? What is the next step? I will argue that the next step involves individual accountability, with the idea that the dictatorial state has already been judged, in the political process, in the Diretas Já, in the Constituent

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Assembly. I do not think the path is the revision of the Amnesty Act of 1979, for reviewing a law is always a danger on the issue of retroactivity and legal uncertainty. I believe that the judiciary committed the most serious and inexcusable mistake of judging, in April 2012, that the Brazilian amnesty law protected torturers. It does not: the reference to the so called “related crimes” does not mean that both sides will be protected, as is was conventionally said. The legislative technique does not protect what was an oral agreement at the time of drafting the law. In the Araguaia case, the Commission says that the Amnesty Law should not represent an obstacle. It could have said “may the amnesty law be repealed.” But it did not, stating that “it is not for me to invade the constitutionality of a national State and say that, in the light of Brazil’s accession to the American Convention, it is essential that the Amnesty Act does not remain”. I do not believe that the right way is to pass a law in the Parliament annulling the amnesty of 79. I believe that the way is the Judiciary. If we turn to the question of negotiating the kind of punishment, I can commit myself to saying: punishment should be a civilian declaratory sentence, in which the Supreme Court transcribes pages and pages of the National Commission of Truth and states that, with respect to certain people, clear evidence that they practiced torture was presented, declaring them unworthy of all rights of a military officer, a public employee, etc. The punishment already exists, like the example of torturers being put face-to-face with noisy altercations on the streets. In this sense, the certainty of impunity is over, but not impunity itself. We must complete this cycle, and I think Brazil will complete it with absolute certainty. There isn’t the slightest chance that Brazil will not complete it. The only question that remains is whether it will happen in two years, in ten or twenty. It can be in twenty, because, indeed, the way how we discuss the dictatorship today is completely different from the way we discussed it twenty years ago. This historical process exists. They won militarily, but they were politically cornered. Brazil found democracy, and we do need to put an end to this process. One cannot discuss it for a lifetime, and my proposal is: let us have a convicting sentence; it does not need to be

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a sentence with prison punishment. Let us have moral accountability; let people know.

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— JUCA: And what about the future Brazil? PV: The future of Brazil is the Brazil where human rights are fully respected – which is not technically correct, perhaps I should say respected to the highest degree possible. The violation of human rights has to be tackled in Brazil with actions and with education in human rights. We have the example of the gay issue: Brazil has not changed its view in the last thirty years, it was I who changed mine. A human rights activist, thirty years ago, made ​​racist jokes, but that is changing. Perceptions are new. This education should enter the school system. Teachers should now treat fights between children – issues of bullying, racism and sexism – with the same importance as learning how to count. I want a future Brazil where the highest ideals of freedom, equality and solidarity, which are the key synthesis of human rights, are respected to the highest possible degree. And what I want from the future is that it arrives as quickly as possible.  — J

One formula, several ideas: 50 years of Araújo Castro’s 3Ds Portuguese version page 58

— Leandro Pignatari e Matheus Hardt6 “Ideas are important, but no idea survives without its inspiring spirit”, Araújo Castro, opening speech of the XVIII United Nations General Assembly, 1963 Fifty years after his famous 3Ds speech to the United Nations General Assembly (UNGA), Araújo Castro remains present in the formulation and in the practice of Brazilian diplomacy. The permanence of such themes as Development, Disarmament and Human Rights (Direitos Humanos) – this latter firstly through the defense of decolonization and then by the promotion of democracy -, reveals that the option for universal-developmentalism is still a preference in Itamaraty. These concepts are more than timely claims; they are, actually, compositions that relate

6 Matheus Hardt is a candidate in International Relations, Universidade de São Paulo

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to each other and that evolve with time as well as with the changes undergone by the international ambience: “The struggle for Disarmament is in fact a struggle for Peace and for the juridical equality of States that want to be safe from fear and intimidation. The struggle for Development is in fact the struggle for economic emancipation and for social justice. The struggle for Decolonization, in its widest concept, is in fact the struggle for political emancipation, for freedom and for human rights.” (Araújo Castro, opening speech of the XVIII UNGA, 1963). In this article, we will analyze the historical evolution of the 3Ds as a central axis of Brazilian Foreign Policy (Política Externa Brasileira - PEB) in the past fifty years. Despite the existence of movements backward and forward in the period, Araújo Castro’s formulation has remained pertinent in the orientation of several generations of Brazilian diplomats regarding the international role of the country.  In the 1990s, former Minister of State for External Relations Celso Amorim re-used the 3Ds formula, updating it to Disarmament, Development and Democracy, marking the evolution of the Decolonization concept within the idea of Human Rights. Nowadays, a possible reading of these concepts and of the formula could include the following pillars: Disarmament, Sustainable Development and Human Rights. From these observations, we will demonstrate that the concepts brought about by Araújo Castro not only still guide, today, the formulation of the PEB, but they also involve the minds of Brazilian diplomats. With this in mind, we will explore contemporary approaches to the original formula as well.  Diplomatic Thought The use of the 3Ds formula in Brazilian diplomacy during all these decades takes us, firstly, to a reflection on how the national diplomatic thought is formed. According to João Vargas (2009), the two main theoretical attempts to establish a connection between foreign policy formulation and the ideas that circulate in the Brazilian Foreign Ministry were made by Celso Lafer – who underscores the existence of a Brazilian international identity –, and by Amado Cervo – who focuses on

behavioral patterns in Brazilian diplomacy and their oscillation throughout different paradigms.  Besides the conclusion that we lack a methodological basis to examine the relation between ideas and the formulation of Brazilian Foreign Policy, Vargas (2009) notes that studies in the area could be performed through the observation of the substantive content of the debates within Brazilian diplomatic thought and the use of this diplomatic thought as a bridge between institutional culture and foreign policy. In this paper, we use this theoretical methodology as explanative tool in the reflection about the evolution of the 3Ds in the PEB, as we try to understand how the concepts of disarmament, development and decolonization were transformed, for the policy-makers, into what Villa (2006) defines as “the regulatory coordinates in the map for Brazilian position in a world of undefined polarities which began in the end of the Cold War” (free translation).  We must underline, initially, that in order to achieve these results, the transmission channels for diplomatic thought inside Itamaraty and the substantive content present in the 3D concept, flexible enough to remain pertinent with the decades, were integral (Vargas, 2009). Reinforcing this transmission, we must highlight the fact that Araújo Castro was a career diplomat, an unusual characteristic for the Foreign Ministers at the time, helping, thus, in the insulation of Itamaraty, as the highest command posts in the Ministry were from the institution itself. Additionally, the close relations with the younger generations of diplomats cultivated by the Foreign Minister facilitated the perpetuation of Castro’s ideas in the Ministry. This insulation, however, was neither absolute nor the sole reason for the observed Brazilian diplomatic action. As Vargas (2009) asserts, the Independent Foreign Policy, for instance, got many of its ideas and influences from outside Itamaraty, which, in its turn, absorbed and modeled them. There exists, thus, is an interaction chain, formed by academia, the Chancery, the press and the political sector, the individual elements being more or less influential at different moments in time. The continued influence of the discourse of the 3Ds in Brazilian diplomatic thought is also indebted to the capacity of Itamaraty to form an ideologically coherent diplomatic body with a strong esprit de corps, as underlined by former

Minister of State for External Relations Antonio Patriota in his speech at the graduation ceremony of the Oscar Niemeyer Class, in June 2013 – a moment when he also highlights the importance of Araújo Castro’s legacy. This capacity allows for a continuity in the ideas permeating Itamaraty and, consequently, in the practices adopted by the Ministry, in which we can analyze the evolution of the concept central to this paper.  The evolution of the 3Ds The 3Ds formula evolves as a unit and through the separate movements of its components. Applied as a criticism to the freezing of world power, in 1963, the concept did not refer to one specific dimension of this phenomenon, but quite the opposite. Conceived strategically, the 3Ds include the multiplicity of means through which hegemonic bonds in the international arena are reinforced, allowing the emergence of shades as this reality unveils. In the following sections, we will briefly present the evolution of the individual concepts.   Disarmament “Disarmament is a matter of power and, traditionally, matters of power have been solved by the operations of power politics itself.” (Araújo Castro, opening speech of the XVIII UNGA, 1963)   In the 1960s, the theme of Disarmament was adopted by Brazilian foreign policy as a tool to fight against the freezing of power in the international order. Refractory to initiatives of this kind, Brazil progressively adhered to international regimes such as the NPT, always defending the facet of disarmament in parallel with the question of non-proliferation. As for arms reductions, Brazil argued for the joint and sovereign construction of such regimes as the creation of nuclear-free zones, in Latin America and in the South Atlantic. In spite of some successful experiences, and beyond the matter of how feasible the continued reduction of armaments is, we are currently faced by the diffusion and multiplication of the security agenda. The growing links of the theme with technological development, especially given the sophistication of conflicts, brings a new challenge for the coming years, namely, to reconcile peace and development in a context of growingly dual technologies.

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As for the use of force, Brazil, known for its engagement in the peaceful solution of controversies and for privileging diplomacy, views with concern the growing tendency to resort to Chapter VII of the UN Charter in Security Council resolutions. Linking the use of force to the promotion of human rights, for instance, in the so-called Responsibility to Protect, has the nefarious potential of causing more harm than that it intends to fight, being easily manipulated for political ends. Responsibility while Protecting, on the other hand, is in accordance with the historical Brazilian position, defending the principles of non-intervention in internal affairs and of non-indifference. Development “It is obvious (…) that the social and economic security attained by some is in risk if this social and economic security is not attained by all.” (Araújo Castro, opening speech of the XVIII UNGA, 1963) The plea for development of the whole international community is linked to the concept of collective economic security through a multifaceted approach that considers not only the military dimension, but also the economic one. It is a way of recognizing the indivisibility of peace and development, which had already been advanced in the Pan-American Operation of President Juscelino Kubitschek. Araújo Castro’s speech gave a universal reach to this continental initiative, clearly regarding the North-South dichotomy as equally important as the East-West one. More than  that, it showed up how the former may hinder or further the latter. In this regard, in its search for peace, the international community has the duty to promote the development of the poorer nations. Recently, this vision is demonstrated, in the PEB, in its conception of peacekeeping missions, where the connection between peace and development is emphasized. If half a century ago the stress was on the economic dimension, associated to power, nowadays the social and environmental dimensions are also present. If we cannot build peace without development, the latter cannot be achieved without social integration and sustainability. Such an approach underscores the need for a tripartite approach to the question of development; it does not intend, however, to hinder the growth of less developed

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countries. In fact, this comprehensive vision guided the Brazilian arguments for the establishment of the Sustainable Development Goals at Rio+20. Decolonization, Democracy and Human Rights “For Brazil, the struggle for decolonization comprehends all aspects of the secular fight for freedom and for human rights.” (Araújo Castro, opening speech of the XVIII UNGA, 1963) The third strong line in Brazilian foreign policy in the last 50 years is the fight for Human Rights. Like many other objectives and approaches of Foreign Policy, this dimension as well has had its moments of greater or lesser presence on the Brazilian agenda, clearly outlining the greater importance the subject has taken on with the democratization process. In this regard, we moved from decolonization, already understood by Araújo Castro as an element of human rights, to democracy, as the country was democratizing. According to Villa (2006), the incorporation of democracy in the discourse of Brazilian foreign policy generated several gains in positive social capital for the country, even in situations where there was a history of negative social capital, as was the case of the relationship of Brazil with Venezuela and Argentina. For Villa, the discourse of democracy in Brazilian Foreign Policy was fundamental to the creation of trust among the South American countries. Itamaraty has managed to bypass the fear of the region’s countries regarding a possible Brazilian expansionism and to build a base for the promotion of democratic stability, without being perceived as a country that exports its democratic values. The crises of the first decades of the 2000s have shown that formal democracy is not a guarantee of human rights, since it is necessary to add social inclusion and effective popular participation in the State decision-making process. In this sense, the holistic approach allowed by the general category “human rights” can be more appropriate than the specification of one or dimension or another. Cases such as the Maria da Penha Law, created from a recommendation of the InterAmerican Commission of Human Rights, and the determination, by the Inter-American Court of Human Rights, for Brazil to change its interpretation of the Amnesty Law, show how the theme

of Human Rights has become one of the central axis of the PEB. It is also worth mentioning the speech by President Dilma Rousseff at the opening of the LXVIII UNGA, in which she classified the United States intelligence programs as a “grave case of human rights and civil liberties violation”. Beyond the greater relevance of human rights in Brazilian foreign policy, this general category allows for a dynamic analysis of the diplomacy, since, up to the end of the 1980s, Brazil had a Foreign Policy that was very defensive regarding national sovereignty but has moved to a more committed and cooperative stance regarding the subject. ---------In these past fifty years, the concept of universaldevelopmentalism has not been always present, but it has always been available, evolving (Vargas, 2008). This is the case, as well, of the reflections of Araújo Castro, especially in the way they were structured around the 3Ds. Articulated in a strategic and flexible way, the concept has kept its topicality as the international system has gone through changes. Having been adapted by multiple generations of diplomats, Araújo Castro’s formula has been reinvented while keeping its identity, in which a major part was played by the diplomatic tradition of Itamaraty and its role as protagonist in the elaboration and execution of Brazilian foreign policy, but also the pertinence of the analysis of João Goulart’s Foreign Minister. “Castro’s thought (…) was a true lens through which the policy-makers of Brazilian foreign policy started to see the world and interpret international facts.” (João Vargas: Uma Esplêndida Tradição).  — J Further reading VARGAS, João Augusto Costa. Uma Esplêndida Tradição: João Augusto de Araújo Castro e a Política Exterior do Brasil. Dissertação. Ministério das Relações Exteriores, Instituto Rio Branco. Brasília, 2008. VARGAS, João Augusto Costa. Individuals and Ideas in Itamaraty: the role of diplomatic thought in Brazilian Foreign Policy. Artigo apresentado na ABRI/ISA Joint Conference, Rio de Janeiro, 2009. VILLA, Rafael Duarte. Política Externa Brasileira: capital social e discurso democrático na América do Sul. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.21, n.61, June 2006.

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The Rio Branco Institute: portraits of diplomats along 60 years Bruno Quadros e Quadros and Felipe Pinchemel Portuguese version page 62

— In 2015, it will be 70 years since the Rio Branco Institute (IRBr) was created. Its first class began the two-year training course in 1946. Thus, we have decided to try to recover the memory of classes of diplomats that were 20 years apart one from each other – the time of a generation, of deep changes in the Ministry of External Relations, in Brazilian society and politics, as well as in international relations. We have interviewed diplomats from the classes of 1946-1947, 1966-1967, 1986-1987 and 2006-2008. We have considered the year in which the training course began, not necessarily the year of the entrance exam. In 1946, a little after the end of the Estado Novo (the Vargas’ dictatorship), the Institute opened its doors. In 1966, after two years, the military rule over national politics continued. In 1986, the Sarney Administration faced the challenge of the transition of a dictatorship to democracy. In 2006, a cycle of classes with 100 students started. We have hoped that by choosing four classes of diplomats which are separated by 20 years one from the other we will show how the Rio Branco Institute plays a pivotal role in the training of new Brazilian diplomats and how it has changed over 60 years. We aim at investigating the way diplomats prepared themselves for the entrance exams, how their expectations were shaped before and during the training course at the IRBr, and how the time at the Institute led to their positioning within the Ministry of External Relations (MRE). We try to establish a partial portrait (fixed moments in time and memory) of four classes, in four different contexts.

What does the Rio Branco Institute mean for a Brazilian diplomat? That is the question that guided us through our paper. The candidates for one of the most competitive public service examinations in Brazil grasp their success in the examination as the end of a long path; however, the IRBr is, chiefly, the beginning of a long haul career. The period of the training course is the beginning of a process of initiation in and internalization of the ethos of Brazilian diplomacy, which emphasizes the resocialization feature of the Institute as the first step to a “totalizing” career. History of the Rio Branco Institute The Rio Branco Institute was established by the Decree-Law 7473, of April 18, 1945. Its creation was one of the events in the celebration of the centennial of the birth of the Baron of Rio Branco, the “father of Brazilian diplomacy”. The Institute received its first class of the “Preparation Course for the Diplomatic Career” (CPCD) in May, 1946. Until then, the recruitment of Brazilian diplomats was made by the Department of Administration of the Public Service (DASP), through the socalled “Direct Public Service Examinations”. Ambassador Oscar Soto Lorenzo Fernandes, of the 1946-47 class, states that older diplomats would kindly joke with the students who had recently passed that “It was the Direct Public Service Examinations that were harsh”. Similar provocations can be found today, when older diplomats annoy younger classes, stressing that “it was the oral tests that were harsh”. The first class of the Rio Branco Institute had its entrance examinations in late 1945. Thirty candidates were accepted, and five more were called as supplementary candidates. After two years of eliminatory tests, only 27 Consuls of Third Class – as today’s Third Secretaries were called – were hired. There were rumors that no one would be hired at the end of the training course, that all the students of the Institute would be awarded only a diploma and that the direct public service examinations would be resumed. Happily, these were only rumors, and, since 1946, as the Institute has become a solid institution of the Brazilian diplomatic service, a tradition of excellence has been brought about in the Brazilian civil service bureaucracy. Since then, the access to the diplomatic career has mandatorily been via the entrance examination of the Rio

Branco Institute, apart from a few direct public service examinations (only five since 1946!). “Studying at Rio Branco Institute” is now part of the career of a Brazilian diplomat. The recurrence of the entrance examination has built a tradition that is unique in the Brazilian civil service, because it is the only entrance examination that has been held, with no interruption, for over 68 years. In 1946, the requirements for the Rio Branco Institute included Brazilian nationality by birth, a high school degree and minimum age of 21. From 1967, it was mandatory to have completed a first year in college; that was upgraded to a second year in college from 1968 onwards. In 1985, the requirement was to have, at least, completed the third year of a university course. From 1994 onwards, it has been mandatory to have a university degree in a course recognized by the Ministry of Education (MEC). In 1995, the “Program of Training and Improvement – First Phase” (Profa-I) was established. Beginning in 1996, all the candidates who passed the examinations would be immediately hired as Third Secretaries of the Brazilian Diplomatic Service, and would receive the corresponding salary. Before, it was very different, because candidates who passed the exams would only become students in the IRBr and receive a meager scholarship during the training course. For the first class, and for a long time, not even the scholarship was granted, for, as Ambassador Oscar remembers, the then Director-General of the IRBr, Ambassador Hildebrando Accioly “considered that the career was too expensive. The students should demonstrate that they had enough resources to maintain themselves”. This mentality was perpetuated over the years, as Ambassador Sérgio Tutikian recalls: in the 1960, an older diplomat declared that “unfortunately, Itamaraty has opened up for the middle class”. Preparation The decision to become a diplomat is unique and varies from person to person. Everything can count in this important decision, ranging from personal background to previous careers. The experience as a student of the Rio Branco Institute is profoundly marked by the entrance examination. The preparation period is important for the diplomat, professionally and personally. This period can be a long one, with countless stories of diplomats who have tried the entrance exam more

diplomatic memory

than once. Stories of preparation also vary in time. For the classes of 1946-47 and of 1966-67, Rio de Janeiro was the main city, where the few preparatory schools and specialized teachers were available. For the class of 1986-87, Brasília was already another viable option for preparation. Finally, in the 2000s, many big capitals had adequate preparatory schools. Stories of passing are manifold. The case of the first class is unusual, because there were no previous entrance exams. Ambassador Oscar Soto Lorenzo Fernandes states that he had no previous interest in the career, but his mother filled in the application for him. He graduated in Law, had a lively interest in different subjects, could easily speak many languages, and had enough tenacious discipline to study hard, so he passed the exam at his first attempt. Ambassador Osmar Vladimir Chohfi, from the class of 1966, is a former Secretary-General of the Ministry and originally from São Paulo. He remembers: “I moved to Rio de Janeiro and enrolled in a couple of preparatory courses. Those in Rio were almost the only ones for the candidates”. He passed at his second attempt, in late 1965. Ambassador Sérgio Tutikian, also from the Class of 1966, made a longer trip: he came all the way from Porto Alegre (Rio Grande do Sul) to Rio de Janeiro, with two other candidates, in February, 1964. There, he chose the best teachers and got a job at the National Coal Plan Commission in the morning shift, “so, with the monthly allowance my family would send me, I could pay for my studies”. He also passed at his second attempt. Ambassador Benedicto Fonseca Filho, of the Class of 1986-87 recalls that his preparation was carried out especially during his studies, at Universidade de Brasília (UnB). He chose the course of International Relations “thinking of the Rio Branco Institute entrance examination”. He went to a preparatory school in Brasília, and had teachers who were also diplomats, such as the late Ambassador Nuno de Oliveira and now Ambassador Igor Kipman. He got in at the first attempt, in 1985, an exam he did “only for experience”. A similar case occurred with First Secretary André Tenório Mourão, Class of 2006-08, who had always thought about becoming a diplomat. He chose the same International Relations course at the UnB. In his last year at college he enrolled in a

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preparatory school. By this means, he passed at his first attempt, right after graduating from university. Second Secretary Valeria Mendes Costa Paranhos, also from the 2006-08 class, did her preparatory studies in the city of São Paulo. She alternated her courses with a full-time job, in order to save money to pay for her studies. Thus, for six months she would work in the organization of the Formula 1 Brazil Grand Prix, and the following six months she would study really hard. She did that for two years, and she finally passed at her second attempt. Training Course The training course at the Rio Branco Institute prepares Brazilian diplomats to confront the deep changes the international system is undergoing and gives them the necessary tools to analyze the complex dynamics of international relations. Nevertheless, more than a theoretical training, the Rio Branco Institute course must be seen as a long rite of passage that encompasses many stages. It is the insertion in the ethos of the “House of Rio Branco”, when Third Secretaries are recognized by higher ranked diplomats as “young colleagues”. For the first classes, the divide between the training period and the working period, when already at the Ministry, was very clear: the IRBr “had mostly an educational environment”, remembers Ambassador Chohfi. To Ambassador Oscar Lorenzo Fernandes, his colleagues and he were “inaugurating a new institution, everything was done together”. Currently, there are still clear differences between a Third Secretary who is a student at the Rio Branco Institute and a Third Secretary who is working at the Ministry. Despite the fact that, since 1996, any candidate who passed the CACD is already hired as a public servant of the Brazilian Diplomatic Service, his/her situation at the Ministry still is, as long as the training course lasts, undefined. When they are accepted, the Third Secretaries are already diplomats, but they are still “students of the Rio Branco Institute”, in a truly undefined identity. Older diplomats see the entrance examinations and the training course as means to select people who will, in due time, become Brazilian diplomats. They find themselves in an extremely dubious situation: “for ‘outsiders’, they are diplomats, but for the ‘insiders’, they are just ‘students of the Rio Branco Institute’. They cannot, however, be assigned duties at the

Ministry, until they receive a post there (…). This reflects a generalized feeling that they are wasting time at the Rio Branco Institute and that they should get to work as soon as possible”. That state of incertitude is expressed in the words of First Secretary André Tenório Mourão: “when I was assigned an office at Itamaraty all of us felt as if we were peers. At the Rio Branco Institute, I still saw myself as a ‘student’. At the divisions [of the Ministry], everyone expected that I would be a diplomat, nothing more, nothing less”. The training course inevitably went through many changes from 1946 to 2006. In 1946, there were classes in the morning, while the afternoon was left for study, or also for part-time jobs. Ambassador Oscar, for instance, became Inspector of Higher Education at the Ministry of Education, so he could pay his bills. In the 1960s, the classes were in the afternoon, from 13h to 17h30. Twenty years later, the whole day was filled with classes at the IRBr. “Our main concern was to finish the Rio Branco”, reveals Ambassador Oscar. This feeling is shared by many generations who studied at the Institute. For Ambassador Marcus Camacho de Vincenzi, from the class of 1966-67, “the time at the Rio Branco Institute represented, in a general way, a big waste of time. The preparation for the entrance examination had intellectually stimulated me with demands that the Institute was not prepared to address”. As a moment, as a rite of passage, as a transitional process, students at the Rio Branco have always wished and continue to wish to finish it as soon as possible, so duties can be assigned to them, in order to completely take on their role as Brazilian diplomats. Sometimes, the students may relinquish their commitment to the training course, as described by Cristina de Patriota Moura (2007): “Many of the students begin the training course believing that the classes will demand a huge effort from them, but they come to realize that most of the subjects are a mere repetition of what they have studied hard for the entrance examinations”. Ambassador Benedicto Fonseca Filho admits that his remembrances of the Rio Branco Institute may be an exception: “Unlike some of my colleagues that complained about the time at the Rio Branco, to me, it was a time of learning, of observation of the Ministry from a superior observation post”.

diplomatic memory

Expectations and Learning The time at the Rio Branco Institute is a time of training, of initiation into a professional environment and of resocialization in a totalizing career, with its own ethos. Notwithstanding, it is also a time of meeting new people, of establishing personal relationships, or, at least, professional relationships. Second Secretary Valeria Mendes acknowledges: “My relationship with my colleagues was great, and to have a network of at least 100 people at the Ministry has helped and still helps a lot”. For the class of 1986, it is difficult to maintain contact with each other, because of the inevitable career post assignments. However, class reunions are set up from time to time with the diplomats who are in Brasília. For the class of 1966, “as the beginning of our career coincided with the transfer of the Ministry to Brasília in 1970, the colleagues were not very united in the period before our first post assignment, because many of them chose to bring it forward to avoid Brasília”, says Ambassador Vincenzi. Expectations regarding the training course and the career, with its events – duties assignments, promotions, post assignments, functions –, are legitimate and important in one’s career, asserts Ambassador Chohfi. It can bring anxiety, but reality can turn out to be very different from projections of the future. For instance, the class of 1986-87 believed that the highest rank they would reach would be that of Counsellor. Conversely, today, a considerable number of them are Minister of Second Class, and two classmates are already Ministers of First Class (Ambassadors). Expectations can also become disillusionment. Ambassador Marcus de Vincenzi says: “I have no doubt that after we passed an extremely rigorous entrance examination, we were prepared and intellectually stimulated to deepen our academic knowledge. Unfortunately, it did not happen. We could only study English and French, no other languages. The teaching of History was restricted to Colonial History, due to ideological small-mindedness”. The military regime had a great influence on the environment of the Rio Branco Institute. Ambassador Alexandre Addor Neto passed in fourth place in the entrance exam, but he had his enrollment at the Institute denied by the then

Director-General, under the allegation of “ideological background”. Minister of Second Class Mario da Graça Roiter, also from the class of 1966, was retired in 1970, under Institutional Act Number Five (AI-5). In the 1980s, both of them were reintegrated into the diplomatic service. Arbitrary, authoritarian acts did not target only students, for, as Ambassador Vincenzi remembers, two excellent teachers, Manoel Mauricio de Albuquerque, who taught Brazilian History, and Antonio Barros Castro, who taught Economics, were fired and replaced. Ambassador Vincenzi also states that “the time at the Rio Branco Institute (1966-67) did not coincide with the most radical phase of the military government; we were already working when the AI-5 was signed into law. The military regime influenced a great deal of our professional and personal lives”. The most important lesson at the Institute, to Ambassador Oscar Soto Lorenzo, were “the hallways”, the social interaction with older diplomats, which was of inestimable value for his whole career. For some people, the training at the Rio Branco Institute adequately contributed with general and specialized knowledge, useful for the first steps at the Ministry. For other people, there are curious memories left, such as the fight Ambassador Tutikian helped to stop between a first-year and a second-year students. The feeling of missing what one did not have is shared by some of the students of the Rio Branco. They have unfulfilled expectations towards more practical lessons, for instance, classes explaining the Brazilian stance in international fora. Nevertheless, for everyone, the training course is a time of transition, of induction into the Ministry. Ambassador Benedicto says that the Rio Branco prepared him for a “soft landing in the career”. Whether there is praise or criticism, whether there are good or bad memories, if diplomats miss their time at the IRBr or not, if everyone just wanted to finish the training course; with the benefit of hindsight, the period at the Rio Branco Institute reveals itself as a time of hope, a time of introduction to the professional (and personal) life at Itamaraty, where tradition renews itself with each class.  — J

Further reading BRASIL. Instituto Rio Branco 50 anos: edição comemorativa 1946-1996. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1996. 81 p. MOURA, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007. RIBEIRO, Guilherme Luiz Leite. Os bastidores da diplomacia: o bife de zinco e outras histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 414 p

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Book review

The end of power, by Moisés Naím Portuguese version page 67

— Luiz de Andrade Filho The End of Power, by Moisés Naím, deals with a phenomenon on which internationalists, sociologists and political scientists have put greater emphasis in recent years: power dispersion. Naím innovates by analyzing it not only from the standpoint of politics, but also of the business world, military-strategic affairs and society, as indicated in the subtitle: “from boardrooms to battlefields and churches to states, why being in power isn’t what it used to be. The alarming title of the book does not imply the author’s belief in the absolute end of power. Naím – an economist formerly Minister for Trade and Industry of Venezuela and Editor-in-chief of Foreign Policy magazine – sets two objectives: explaining why, nowadays, the ability to acquire, retain and exercise power is declining and alerting to the need for governments, businesses and organizations to adapt to those changes. The transformations that impact power are framed under what the author calls the more, mobility and mentality revolutions. The first states that along with a growing population, with higher incomes and more access to information, comes widespread impatience and hence the inability of governments to effectively recruit individuals for the effective use of power. The mobility revolution, in its turn, is associated with the expansion of the possibility of displacement by individuals, financial resources and information, and consequently a loss of captive audience, which is essential to the exercise of power. Finally, the mentality revolution –partly an outcome of the first two – is the change in patterns of individual expectations and traditions, which exacerbates the questioning of authority and dissatisfaction with the prevailing

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political systems and establishments, especially among young people. This triple revolution generates greater possibilities for the action of micropowers: local authorities, new churches, micro and small enterprises and NGOs, but also global terrorist networks, guerrillas and hackers occupy spaces left by traditional forms of power, both nationally and internationally. Naím highlights political parties’ inability to intermediate complex demands of society nowadays, making room, for example, for the emergence of intraparty factions and alternative forms of political organization. Naím is aware of the problem – his own and others’ – to provide full answers to the implications of the power decline process. For the author, it is more important, however, to reflect on how to recover individuals’ trust, especially in relation to governments. Social movements and NGOs, which in recent decades have increased their projection and ability to influence, would have much to tell, especially on the ability to mobilize youth activists and the establishment of clear and focused agendas. Naím’s work brings simple examples that are accessible even to non-experts. It provides an innovative reasoning and certainly stimulates a lasting reflection among those individuals interested in political and diplomatic events and in social action through networks.  — J

Beyond orientalism: taking the Western lenses off to see Russia Portuguese version page 68

— Bruno Quadros e Quadros To overcome the uncritical absorption of the images about Russia produced in the West, it is necessary to promote a post-Western perspective on the country, which takes into account the analysis without the mediation of the historical background of Russian identity and nationality. Ah, troika, troika, swift as a bird, who was it first invented you? Only among a hardy race of folk can you have come to birth—only in a land which, though poor and rough, lies spread over half the world. [...] And you, Russia of mine—are not you also speeding like a troika which nought can overtake? Is not the road smoking beneath your wheels, and the bridges thundering as you cross them, and everything being left in the rear. [...] Whither, then, are you speeding, O Russia of mine? Whither? Answer me! But no answer comes—only the weird sound of your collar-bells. Rent into a thousand shreds, the air roars past you, for you are overtaking the whole world, and shall one day force all nations, all empires to stand aside, to give you way! (Nikolai Gogol, Dead Souls)

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An “orientalism” for Russia Russia is part of the select group of countries that have a guaranteed place in the collective imagination. Features like the cold, the snow, the taste for heavy drinking and militarism are frequently associated with the country. Many of these stereotypes and images have been unceasingly strengthened through Anglo-Saxon and European vehicles (movies, travelogues, books, news), not necessarily consisting in visions constructed by a direct contact between Brazilians and Russians. Keeping this in mind, we approach some of the historical foundations of Russian identity in order to provide support for a post-Western perspective on Russia that overcomes the Western views uncritically reproduced in Brazil. First, however, it should be emphasized that the West developed a kind of “orientalism” for Russia. Indeed, one of the definitions that Edward Said gives to the concept in the introduction to Orientalism is “a way of coming to terms with the Orient that is based on the Orient’s special place in European Western experience”. It is possible to adopt similar terms in the Western approach towards Russia, which emphasizes the alleged exoticism of the country and merges elements of admiration – such as the exaltation of Russian cultural manifestations in literature, dance and classical music – and fear – such as the interpretation of the international initiatives of the country as “expansionist” and “imperialist” in the last few centuries. During most of the 19th and 20th centuries, Russia was the “other” to be fought by the West, in episodes such as the Crimean War (1853-1856), the “Great Game” in Central Asia and the bipolar conflict of the Cold War. The representation of Russia as a huge, threatening and merciless bear dates back to the British caricatures of the nineteenth century. The association of the alleged authoritarianism of Russian rulers to an “oriental despotism”, in turn, has been frequent in the West since the Enlightenment. As outlined below, the geographical factor (the Eurasian condition of the country) caused an identity debate whose complexity is often overlooked by Western analysts. Between Europe and Asia The gigantic size of Russia and its location on two continents brought indelible consequences for the formation of Russian nationality. Being a

crossroads between Asia and Europe, Russia was the target of invasions and influences coming from both sides, and this meant that the Russian identity was an amalgam of all these trends. From Europe, Russia received the Christian religion and the Cyrillic alphabet, derived from the Greek. From Asia, it inherited a model of political centralization that would be adopted in various forms, throughout the country’s history, after the Mongol invasions of the 13th century. It is interesting to note that this duality is expressed also in the characteristics of the “two capitals” of Russia. Moscow would represent the Asian dimension, due to the legacy of the TatarMongol yoke, which made ​​the city the capital of the country. Saint Petersburg, in turn, would be, in the words of its founder – Tsar Peter the Great –, the “window to Europe”, resembling Venice in its urban design. There are artistic, political and social currents in the West whose reaction to the hybrid nature of Russian identity (half European, half Asian) has historically been to associate all elements of the country considered “negative” to its Asian heritage (deemed as “barbaric”): political authoritarianism, servitude and social and economic backwardness compared to Western Europe. In specific political circumstances, this “orientalist” discourse that highlights the Asian characteristics of Russia is used to alienate the country from the “European family”. The Eurasian condition of Russia resulted in the split between the Westerners (zapadniki) and the Slavophiles (slavyanofily), which permeated the cultural, social and political debate over the fate of the country after the reign of Peter the Great (16821725), with consequences observed to date. The Westerners defended socioeconomic reforms in Western style (land reform, for instance) as a path to the modernization and international positioning of Russia. This group favored the historical and cultural features in common between Russia and the West, instead of the points of disagreement. The zapadniki valued the measures implemented by Peter the Great as the model of modernization that they intended to implement in Russia. In the arts, exponents of this group were Ivan Turgenev and Aleksander Herzen. In diplomacy, the Westerners are associated with the group of “atlanticists”, who dominated the formulation of

Russian foreign policy in the first half of the 1990s, with Foreign Minister Andrey Kozyrev. The Slavophiles, in turn, highlighted the exceptionalism of Russia in relation to the West. For them, the economic, social and political development of the country should be in accordance with Russian values​, such as the notion of community (sobornost’) and orthodoxy (pravoslavie). The slavyanofily rejected Western ideas such as liberalism, materialism and individualism, for they considered them harmful to the essence of the “Russian soul”. The reigns of Tsars Alexander III (1881-1894) and Nicholas II (1894-1917), as well as prominent figures from literature such as Fyodor Dostoyevsky, are associated with the ideology advocated by the Slavophiles. One of the major points of disagreement between the Westerners and the Slavophiles has been about the character of the political system, and especially the role of the ruler in this system. While the Westerners tend to historically focus on the adoption of more representative systems, the Slavophiles, based on the principle of autocracy (samoderzhaviye), argue for a greater concentration of power in the hands of an individual. Does Russia need a Tsar? The concentration of power of Russian governments over the centuries is associated with the importance of the concept of gosudarstvennost’ in Russian political culture. The term has no direct translation, but it conveys the idea of the centrality of the State (gosudarstvo) in Russian life. Unlike the West, where the liberal political theory opposes the State to society and the individual, in Russia the State is seen as the organizer of social life and the guarantor of stability. In Russian historical memory, periods of chaos are linked to the existence of a weak State, as happened recently in the 1990s. By contrast, periods with the presence of a strong political power are considered the most stable. Stability, by the way, is another concept dear to Russian political culture. It is associated with the absence of patterns of competition between political leaders; in fact, competition has historically led to instability and, most often, to the annihilation of one of the opponents. The most notorious case in this regard was the dispute over the succession of Lenin, which culminated in the

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assassination of Leon Trotsky, on the orders of Joseph Stalin in the 1940s. Western criticism over the alleged lack of freedom in Russia is ideologically biased, since the concept of freedom lacks an unambiguous meaning. As noted by Konstantin Khudoley, a member of the United Nations University, in a lecture given in Brazil in 2009, most adult Russians tend to compare the level of freedom of current Russia with that of the Soviet Union and not with that of Western governments. In this comparison, Russians enjoy individual freedoms unprecedented in historical perspective. ---------Brazil needs to build its own understanding of Russia without mediation. For this to happen it is essential to move away from the uncritical absorption of Western discourse (that is, American and European), which is supported by a broad media and epistemic apparatus and answers the specific political imperatives of these countries. To escape the “orientalist” lens through which the West often sees Russia, it is necessary to resort to the historical foundations of Russian identity and nationality, among which are the Asian-European duality and the particularities of Russian political culture. Another step in the building of a post-Western perspective on Russia is to avoid normative approaches about the country, which might engender difficulties in understanding. The prescription of solutions and the elaboration of criticisms, far from promoting an understanding of the country, redound on alienation and irritation of the “other”. Finally, the promotion of direct contacts with agents of Russian society (government, civil society and business) tends to help in the creation of a post-Western perspective on Russia. Initiatives such as the publication of works by Brazilian experts on the Slavic country, as well as the placement of Brazilian newspaper correspondents in Russia and the promotion of a common agenda for scientific research, respond to this goal.  — J

Politics of Indiscretion Portuguese version page 71

— Rui Camargo The uproar caused by Manning and Snowden is not caused solely by the need to condemn the unacceptable and cynical actions of somebody else. It is also caused by the revelation that such actions benefit from our complicity. We too believe the Party is the madness of many, for the gain of a few. The revelations brought about by Assange and Snowden illustrate this. Disbelief in the institution of the Party is a symptom of cynicism that is pervasive in contemporary political practice. It is this cynicism that allows us to evaluate the recent leaks of classified information. The contradiction between the official discourse of old democracies on individual freedoms and their “true” discourse – contained in classified documents and unknown to the public until recently – testifies to the disregard of values ​​such as the right to privacy and to freedom of expression, which have been the basis of political liberalism since the American Revolution in 1776. Cynicism not only destroys liberalism; since the whole of the modern political spectrum is heir to the Liberalism of the Enlightenment, cynicism erodes the modern concept of Politics itself. The latter has as its fundamental premise the idea of ​Future. As the German historian Reinhardt Koselleck pointed out (Futures Past), not the future of Hesiod, which is the mere cyclical repetition of the past, but the future of the American and French

Revolutions. The Future that claims something genuinely new. In Modernity, the Future is the field of human Freedom. Citizens decide together what the future will be like. The clash between liberal democracy and socialism disputed which was the most efficient way to implement this concept of Freedom, but did not call into question the concept itself. Cynicism, in contrast, asserts that citizens need only believe – or pretend to believe – in their own freedom, because real politics continues to be job for a small and exclusive group. In a way, cynics just want to keep up appearances. In this sense, it is ok to say that the classification of information is a matter of national security. The problem is to assume that we have something to hide from the enemy only. The discomfort caused by the documents published on Wikileaks is not caused by the surrender of crucial information to Islamic radical groups, but by the revelation of something we already knew. The expression of this finding can be credited to the former deputy chief of MI6, Nigel Inkster, in an interview with the British newspaper “The Guardian”. According to Inkster, nothing that was published was unknown or could not be easily inferred, either by us or by members of Al Qaeda or the Taliban. If this is the case, then why was the same British newspaper ordered by the cabinet of David Cameron to destroy the documents leaked by Snowden? In the US, “The New York Times” would receive a similar command a few days later. Given the damage these attempts to prevent the circulation of the leaked documents impose on the image of both governments, who are forced to attack freedom of the press, there must be something in these documents that cannot be revealed to the public. The official argument is that Snowden is alleged to have have leaked documents containing information vital to national security. However, since intelligence services are the only ones who know the documents, the public has no way to verify the veracity of the argument. In the case of The Guardian it is far more bizarre, because the destruction of files is a purely symbolic gesture. There are copies of the files leaked in various parts of the world, including, probably, with Glenn Greenwald, correspondent of the British newspaper who lives in Rio de Janeiro. The description of how the HD containing the documents published in August 20, 2013, was

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destroyed, gives every sign that the problem was to keeping up appearances. It is deeply embarrassing to admit that the belief in modern Politics was abandoned long ago and that what matters now is the simple maintenance of power. It is like a little boy who, having broken the vase, seeks to hide the shards. Although he thinks he is hiding the disaster from his mother, what really matters is to hide it from himself. In this simple – but very common – example, the boy does not stand for Machiavellian power-hungry politicians, but society as a whole. It was not just the politicians who lost the belief in the values that ​​ should justify their very existence, but also those who elected them in an active or silent way. This is serious because it means they no longer expect Politics to be a means of transforming the future. If the Future is not changed, it will repeat the present. If it repeats the present it is not real Future, but merely a continuous present. Since it would be too painful to live in the world that cannot be changed, we continue to act as if we believed in the fundamental values of ​​ Freedom, Privacy, and Political Representation. By acting at odds with what we believe in, we become a cynical society. It is curious that the malaise caused by the indiscretion of Snowden and Assange is to be particularly felt in diplomacy, associated by common sense with the realm of lies and falsehood. If international politics is supposedly the domain of untruth, why have the leaks caused particularly energetic reactions in it? It is expected that states will try to fool each other, hence, what is the surprise in recent news? The definition of a “diplomat” forwarded by Henry Wotton is widely known: “the diplomat is an honest man who is sent to lie abroad for the good of his country.” The archetypal figure of this definition is the work “The Ambassadors” by Holbein, the Younger, in which the most important element – a skull painted right in the middle of the scene – may only be seen from a certain angle, because it was encoded with a technique of distorted perspective, known as anamorphosis. The painting reinforces the idea that, in diplomacy, the truth is hidden from the ordinary eye. The only detail is that both Holbein and Wotton predate the Enlightenment. Their conception of diplomacy is incompatible with the Rule of Law. A fundamental assumption of the latter is that laws are public knowledge. Secret laws are a remnant of the Ancient Regime, shamefully

preserved in dictatorships, but not suited – at least in theory – to truly democratic States. If the conduct of foreign policy involves the development and application of laws, it is as “political” as the conduct of domestic affairs, which leads to the publication of law, and cannot be secret. Diplomacy should be conducted under public scrutiny, within the reach of the ordinary look. In a democratic State, to lie on behalf of your country and to lie to your country are the same thing. In a sense, everyone knows that things do not work this way, even before Wikileaks, as underlined by Mr. Inkster. Examples abound. Think of the alleged weapons of mass destruction from Saddam Hussein – forged evidence that justified a long running war – or the outlaw regime in Guantanamo. What should belong to the public, the information on which the conduct of foreign policy was based, was denied. In both cases it was known that policy was designed by intelligence services employing under-the-counter methods. Knowing how things work does not explain the diplomatic imbroglio produced by the leakage. If we knew we were being watched before, why only complain now? Of course, at first, the exact dimensions of metadata harvesting programs were not known. Besides, the leaks provide evidence to prevent the claims from being discredited as mere speculation. However, this is not enough to explain the discomfort with the situation. As the Slovenian philosopher Slavoj Žižek highlighted, in a column for for «The Guardian» (September 9th, 2013), the episode embarrassed those responsible for spying practices. It is this feeling of shame that we try to hide at all costs, for it makes the confrontation with repressed awareness inevitable. If someone knows that things are not as they should be, but acts as if they were, that someone is a cynic. This cynicism is the substrate of metadata harvesting programs that violate a considerable array of fundamental rights and of international regulations. Cynicism seeks to neutralize the contradiction between knowledge and action. When the contradiction is revealed, the cynic becomes ashamed. He is forced to acknowledge his own hypocrisy. Žižek argued that as the contradiction between democratic discourse and the conduct of foreign policy became exposed, the representatives of power were ashamed. Thus, shame becomes a tool in political struggle. It is the effect of

a complaint that reveals the indecency of the contradiction. It is fundamental, in this case, that people say no, it is not permissible for the State to do this or that. More than that, shame is a way to force the other – and ourselves, as we shall see – to confront the inadmissibility of the situation. Orders to destruct hard drives containing documents leaked by Assange are a defensive reaction to the return of the repressed in society as a whole, as if their disappearance could make the shame go away. They are not that different from the boy who hides the shards of a broken vase. It would be interesting however to extend the scope of Žižek›s analysis. The leaks are not a matter of knowledge pure and simple, but of confrontation and recognition. Through leakage Governments of Great Powers are forced to admit that they violate their own fundamental values​​, indeed, but we are also forced to acknowledge what we know that. Are we not cynical as well? Is it reasonable to suppose that cynicism is a pathological deviation of a few intelligence agents around the world? No, we know it is not, especially after people like Assange, Snowden and others. The diplomatic uproar is not merely caused by the political and moral necessity of condemning cynical and unacceptable practices from somebody else, but also by the inability to admit that they benefit from our connivance. Among our cries of protest, we must not forget that we already knew, or at least suspected what was going on. This does not compromise the righteousness of our cause. After all, as shock troops around the world have demonstrated, intelligence services are not the only ones that violate freedom of expression. They are not the only ones cynical towards the classic values of Liberalism. There is a hidden meaning in the defining of leaks as indiscreet. They do not teach us anything. They create a structure in which “I know he knows I know”. Hence, there is a reflexive movement. Now, everyone knows that I’m well aware of the hypocrisy of others and of myself. This reflexive knowledge undermines cynicism through shame, revealing the unsustainability of the cynical stance. It forces me to look at myself through the eyes of others. It is through this foreign gaze that I revisit my secret. We find out that our cynicism is not a State of Nature,that we do not have to accept surveillance as the perpetual modus operandi of our society. We find out that we can fight cynicism and that Politics

essays and reviews

is indeed able to change reality. Shame reminds us, finally, that we are free and that the future need not be the repetition of our heavily guarded present.  — J

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is universal about them. The images reveal that the inhabitants of this remote piece of land are as human as we are. Freed from the demonic fantasy in which they have been wickedly dressed, they are just men playing with children on the beach. It is, to say the least, cruel that this insight, brought about by the photos, astonishes us. How could we forget that they too are human? Who convinced us that they were something else? These are the questions that arise, once the charm of such rare images is over.  — J

Book review

Cidades rebeldes Portuguese version page 79 Photographic Essay



North Korea

Rui Camargo

Portuguese version page 74

— Photography: Thomaz Napoleão Comments: Rui Camargo There are not many opportunities to look at North Korea from the inside. The country is an outsider in international tourism and suffers from the stereotypes of biased media coverage. Prejudice –justified or not – has produced a veil of fear and mystery surrounding the country. Few are the moments in which the everyday life of a notoriously inaccessible country can be exposed. In all photos by Thomaz Napoleão we feel as if we were peeking through the keyhole. There is something indiscreet in the way he looks underneath both common journalistic coverage and official censorship. Of course, it has nothing to do with idealizing North Korean society, which is certainly far away from Paradise. However, one should also notice that the rest of the world has not succeeded in recreating the Garden of Eden-style landscape. It is about applying the same standards. Having abandoned the clichés, the shutter records the particularities of local culture. One should not forget, nevertheless, that by recognizing the specificities, we also recognize what

The book “Cidades Rebeldes” (Boitempo and Carta Maior, R$ 10,00, 110 pages ) brings together short essays about the recent urban riots, from Ankara to Athens, not to mention São Paulo, New York and Barcelona. Although most essays are clearly focused on the Brazilian demonstrations of June 2013, the editorial line aims to stress the connection between the Brazilian phenomenon and what has been witnessed throughout the world over the past few years. On the whole, the book confronts what is specific about the Brazilian urban protests with what is universal about all the recent urban riots. From the perspective of the authors – many of whom widely known, such as Slavoj Zizek, David Harvey, Mike Davis and Free Pass Movement (MPL) – the fight against rising rates of public transport is a particular expression of a wider problem. In the end, the chronic inability of the Welfare State to fulfill its promises underlies the protests. Symptoms may vary in time and space, but they originate in the same disease. The authors do address the objective aspects of Brazilian social reality that contextualize the protests. A brief retrospect of the increase in time spent commuting in São Paulo over the past three decades, and the exponential increase in the homicide rate – that victimizes black youths disproportionately – could already indicate the

apparent reasons. However, the analytical effort endeavors to go beyond everyday life and indicate the social relations that produce it. The Demonstrations of June denounce the violence of everyday life in big cities like Sao Paulo or Rio de Janeiro, but it is not everyday life by itself that produces the general malaise among those who took to the streets. The authors agree, to a greater or lesser extent, that this is not clear for most of the demonstrators, who have been unable so far to propose an alternative way of life. The widespread and violent rejection of parties illustrates well the aversion to well defined political agendas and goals. That is why it caught the attention of many essayists. The masses oppose the social structure of everyday life, but cannot come up with ways of concrete social transformation. In this diagnosis it is quite easy to identify the Marxist perspective adopted by most of the essayists. The lack of alternatives ensues from the fact that protesters have not been able to carry out a mediation between the particular circumstances of their immediate surroundings and the general crisis of capitalism. This crisis has broken out under different guises: in Europe, there is the fight against fiscal austerity; in North Africa and the Middle East, the Arab Spring; in the United States, the Occupy Wall Street movement. The essays seek to unveil the dialectical connection between universal and particular. The link between local problems and the inherent logic of the capitalist system, according to most texts, remains unnoticed by the protesters. This failure, in turn, prevents the riots from establishing an alternative everyday life and from overcoming the contradictions and inadequacies of the Welfare State. The book requires the reader to take a stand: be it against capitalism or against the authors themselves. This is enough reason to read it, since it is not a purely descriptive presentation of public debate in contemporary Brazil. In a sense, the book forces the reader to engage in a defined political orientation, to commit him/herself, something most protesters have been unable to do. It displays a political program and a conception of social transformation as an answer to the general social unrest. As readers position themselves either for or against this political program, conflicts that were long ignored in Brazilian society have now become conspicuous.  — J

culture and art

culture and art

Architecture, gardens and mosaics: The Modernist Triad and Itamaraty Portuguese version page 80

— Carlota de Azevedo Bezerra Vitor Ramos and Pedro Tiê Candido Souza On April 20th 1970, the Palace of the Arches was officially unveiled in Brasilia. However, the force of tradition would soon make the new seat of Brazilian diplomacy known simply as Itamaraty Palace, in reference to the original pink-walled building from the 1800s located in historic Rio de Janeiro. Imbued with the spirit that permeated the construction of the new capital and the outlines of its public buildings, Itamaraty Palace represents the synthesis of the principles and the singularity of Brazilian modernist art. Almost forty-two years later, in September 2012, 30 young diplomats-to-be wandered through the corridors of Itamaraty Palace and its Annexes, in search of the Medical and Social Assistance Service (SAMS). Upon entering the room, they immediately came face to face with an angular blue and green laminated panel. Anxious to turn in their pre-admissions medical exams, at that

moment the future Third Secretaries did not realize that the panel, at first glance inconspicuous, was, in reality, a hidden piece of art by artist and architect Athos Bulcão. Together, Burle Marx, Oscar Niemeyer and Athos form what we classify here as the “Modernist Triad”. Inspired by the image of the “free and sensual curve”, Oscar Niemeyer used his pencil to project a façade of arches that is at the same time imposing and ethereal, floating with lightness over the body of water that surrounds the Palace. Niemeyer’s preference for abstract shapes and curves is present in various aspects of Itamaraty Palace’s architectural project. As one walks through the building’s open spaces, there is a feeling of spaciousness and infinite vastness. In the middle of a free span of over 2.000 m2, a sinuous spiral staircase emerges, connecting the auditorium, the ground floor and the Palace’s mezzanine. The trademark simplicity of Niemeyer’s lines conveys elegance and grace to those who visit or work at Itamaraty. Le Corbusier, one of Niemeyer’s influences, conceived guidelines known as “The Five Points of a New Architecture”, namely: free design of the ground plan (the walls do not have a structural role), free façade (non-supporting walls), ribbon windows or fênetre en longueur (strips of elongated windows surrounding the building), pilotis (reinforced concrete stilts) and rooftop gardens (placement of green areas on the roof, transforming the top floor into a space for social interaction). In his projects, Niemeyer partially or fully applied these five principles. The free ground floor and façade, as well as the ribbon windows, are fundamental components of the Palace’s structure. Roberto Burle Marx would be responsible for giving life to the rooftop garden which overlooks the Esplanada dos Ministérios (Esplanade of Ministries), a focal point in Niemeyer’s architectural project. The exponent of modern Brazilian landscaping also designed gardens on the Palace’s ground-floor and for its body of water, combining the diversity of native plant species with the juxtaposition of forms, textures and volumes. The innovative composition of the gardens conceived by Burle Marx completes the modernist aesthetic of Itamaraty Palace, revealing an unusual harmony between concrete and nature. The artist’s fascination for native vegetation is also evident in a tapestry of his, displayed in the Sala Brasília (Brasília

Room) which opens onto the Palace’s rooftop garden. Created by the Douchez-Nicola Atelier, the wool tapestry is composed of five different parts. Named “Vegetation of the Central Plateau”, the work represents the native plants of Brazilian savannah (cerrado). The last member of the Modernist Triad, Athos Bulcão, is considered “the artist of Brasilia”. His work is dedicated to promoting society’s daily interaction with art; more often than not, the population ends up bumping into his works almost by accident. That was the case with the ThirdSecretaries of 2012, who, without realizing, were surrounded by a panel of the artist’s when turning in their pre-admission exams. This fortuitous contact with art, even in the course of bureaucratic activities, is somewhat of a routine to those who work at Itamaraty. There are works of Athos Bulcão throughout the Palace’s free span, at the Brazilian diplomatic academy (Instituto Rio Branco), the Medical and Social Assistance Service (SAMS) and the footbridge between Annexes I and II, not to mention the Brazilian Embassies in Lagos, New Delhi, Buenos Aires and Praia. By mixing colors and geometric forms, Athos Bulcão creates unusual mosaics and panels without preestablished patterns. The works of Oscar Niemeyer, Burle Marx and Athos Bulcão at Itamaraty Palace are complementary in an organic way, resulting in a naturally harmonious whole. This harmony derives from the aesthetic convergence between the visions of these three artists, who left their marks at a moment of renewing art and architecture in Brazil. In this sense, Itamaraty Palace combines several modernist precepts, which give it a unique and innovative visual identity that, in its turn, influences the identity of the Brazilian diplomat. Itamaraty Palace is not only a physical structure, but also a space of re-socialization. Itamaraty’s institutional culture is imbued with the principles of the aesthetic manifestations of the Modernist Triad, which make the Palace a second “Home” for its employees. When posted abroad, the Third-Secretaries of 2012 will certainly take with them the free and sensual curve of Niemeyer, the contemplative gardens of Burle Marx and the thought-provoking creations of Athos Bulcão.  — J

culture and art

exhibition review

Resistir é Preciso… Portuguese version page 84

— Rui Camargo The title of the exhibition designed by Instituto Vladimir Herzog alludes to a well known Portuguese dictum “Navegar é preciso, viver não é preciso”, opening a wide semantic field, ranging from verses of Fernando Pessoa to the song of Caetano Veloso. In order to catch the spirit of the sentence, one must keep in mind that “ser preciso” can mean both “to be accurate” and as “to be a necessity”: therefore, it can either mean “navigating is a necessity, living is not” or “navigating is precise, living is not”. To Resist – and to navigate – is a necessity, to live is not. That seems to be the title of the exhibition. Hence, it takes place under the sign of death. It is a funeral rite. The work of Hélio Oiticica that confronts the visitor at the entrance, though not one of his most challenging works, is enough to convey this message: a body lying on the ground. In Portuguese, the verb “resistir” displays a range of meanings that qualify memory. Not to capitulate, to oppose, to last. It is not about not succumbing to, coping with or surviving under the rule of the Military only, but also under that of Time. The exhibition tries to remind the visitor of an event that endures in Time. It constitutes memory. The casualties from both Dictatorships lie unburied. It is necessary to protect them. It is important to remember that the dead – victims of the dictatorship – are not safe. Maybe that is the implicit message under the picture by Ivan Serpa (Figura, 1964). Part of what became known as his “black” phase, when he abandoned the abstract and geometric austerity of concrete art in favor of a reassessment of expressionism, the work presents the deformation of the white line as a basic element of composition. The thick brush strokes create a circular force field, the center of the screen. The figure evokes elements of the human body, especially bones, whose shape is twisted in the field. In this way, the fundamental oppositions of pictorial

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art – light / shadow, line / plane, figure / ground – are brought before the viewer. The rawness of the procedure, to abandon centuries of sophistication – designed precisely to envelop contrast in a naturalistic illusion -, gives birth to a ghostly image of a being that is not alive. The horror of the image is that of a restless past. The morbid aspect of the curatorship is also present in the ready-mades produced by Meireles. The artist revisits Duchamp’s famous idea in far more politicized approach, following the trend of American and European Pop Art. Bottles and banknotes engraved with political messages that are part of the project “Inserções Ideológicas” were not discarded after their use, but preserved, as if parodying the Egyptian habit of burying objects beside the bodies for the afterlife of their owners. Again, bodies and objects remain unburied. It should be remembered, however, that, unlike the pictorial images in the exhibition, the objects, as well as the posters, display written messages. Ready-made objects and posters pose unanswered questions, concerning both the whereabouts of missing relatives and political activists and the lack of justice in Brazilian society. These demands remain unanswered, as can been seen in the recent demonstrations. In the absence of answers, the dead cannot rest in peace. The Adagio for Strings, by Samuel Barber, is a good soundtrack for this incomplete mourning. The piece is played in a simplistic installation, which projects onto the wall the names of victims of the dictatorship. The melancholy caused by the progression of the melody – circular and uncertain – hints at the blockage of History. Neither Music nor History are able to solve their tensions or to move forward. However lacking in aesthetical innovation the soundtrack might be, it is still a standard to define the whole exhibition: simple but extremely didactic. Individually, the works are not the best of their authors. However, when added to the testimonials and posters, they fulfill their function of mourning. The didactic aspect of the curatorship is of the utmost importance to remind visitors of the traumas in Brazilian History.  — J

Universal exposition Portuguese version page 92

— José Carlos Silvestre “You know, in Afghanistan, when you smoke from the corner of your mouth, we say it means you are missing someone.” “I suppose I must be a romantic, then”, I smile. “I always smoke sideways.” — We are very few, the smokers in the hotel, and we end up meeting each other pretty quickly, gathered around the ashtrays by the entrance of the lobby, sharing a few minutes with no other purpose in mind. I was supposed to be introducing São Paulo, to him and to various other diplomats, as a good choice to host a major event; but Afghanistan’s vote has already been decided, and insisting on the topic would just be bothersome. There is a small complicity, or a sincere cordiality, among the smokers of our time. Our conversations are mild, unhurried, punctuated by long silences. There is no vista, and our gaze wanders around the parking lot, in a listless pursuit of something to fixate upon. Every time we meet, he offers me cigarettes he brought from Afghanistan, cigarettes much stronger than ours, that I find it hard to inhale. — I go downtown with colleagues for dinner. We are very tired, I am too tired not to want to drink. We stroll through the streets afterwards, and I decide to present to them some of the city as I knew it, show places I used to visit. How quickly the city changes; so many of my favourite places have closed down, and it’s been, what?, a handful of years. We walk by two buildings where I lived for some time, and I tell them stories about eccentric neighbours, about nightclubs and bars of unconventional charm. As we arrive in the theaters at Roosevelt Plaza, I chance upon a series of photographs of old friends, wearing costumes and make-up, acting in stage productions I might have

culture and art

watched. I wonder where they are now. Now that we are no longer twentyish, could it be that they are still out and about, nocturnal and bohemians, squeezing a living out of the theatre? — The Afghan diplomat tells me his ministry has five thousand bulletproof vests at its disposal. This piece of information is blurted out almost out of the blue, as though it were something he felt pressured to say. He tells me very little about Afghanistan, in spite of my evident curiosity. Instead, our conversation is always drawn somehow to his happy years in Dubai, the city of the luminous towers amidst a desert, with its immigrants from all of Asia and its astounding financial figures. He looks somewhat westernized to me, with his stubbly beard, his shirt with two buttons unbuttoned, the growing bald spot on top of his head quite uncovered. When I ask him how long he has lived in Dubai, I confirm that he has spent most of his life away from his homeland, taking refuge from the conflicts and the Taliban. He doesn’t say much about the war and the occupation, either, except through such elliptic, awkward asides, on which we prefer not to dwell for long. — My cab driver, it turns out, lives in the neighborhood where the park for the exposition is to be built. I tell him about the project and cite a few rounded large figures. I mention that hotels will have to be built to accommodate the visitors (“hotels!,” he can’t help exclaiming), talk about projects of large convention centers. When we arrive, he pulls out his cell phone and shows me pictures he took from atop the peak where, I told him, a tower with large solar panels will be erected, from which visitors will be able to survey the entire exposition space. He apologizes that the pictures are actually all pictures of himself, selfies he posts on Facebook, but points out that you can see some of the landscape behind him. By now he speaks with some restraint, perhaps prematurely grateful, perhaps assuming he might be talking with someone of importance. I remind him there’s still an ongoing competition and nothing is yet certain. I actually have serious doubts about the city’s real chances, at this point, but I’d rather not spoil his optimism, even as I speak very cautiously, a caveat at the end of every other sentence. As I leave

the car, I look back and notice I left him thoughtful, and smiling. I check the clock as I enter the hotel and count the hours I’ll still have to sleep. Breakfast is served early, and there is much work to be done. — Chicago’s 1893 world fair earned the moniker of “White City.” Due to the marble architecture of the installations, but also due to the prodigy of electric light – 10,000 incandescent light bulbs illuminating the exposition park full-time, perpetually turned on, making the White City shimmer as night fell. A touchstone in the history of engineering, the decisive showdown between alternate and direct current. Aviation was still to be conquered – it would be, at any moment, one could – but from anywhere in the city one could catch sight of Goodyear’s blimp, assembled in front of the visitors, wafting slowly among the clouds. Light and the sky were the next borders that would cave in, the new, ethereal continents we would soon colonize. What is our futurism, what do we expect that is novel and wonderful, still in our lifetime? The order of the day is sustainability, all that is modern is ecological, durable, renewable. A disconcerting thought occurs to me: the idea that humanity has realized the halcyon, innocent days of youth have passed, and now knows that it will die one day – no longer in the abstract, but as a quite material notion, now that we calculate the time in years until resources are exhausted, predict catastrophes in meters and Celsius degrees. Humanity realizes that the excesses of the past have left their dents and aftereffects, and that the fantasy of dying young is no longer comforting, because it has become too late to die young. Not that humanity is old, either, obviously; but at this point in life, it dawns on us, one ought to look after oneself. — My Afghanistan friend bids farewell. He tells me I will soon realize that the world is small, very small, recites an Afghan proverb about friendship and the peaks of mountains. He speaks in a quiet, slurred tone of voice, and I don’t fully make out what he said, but this is a beautiful moment I’d rather not spoil asking for a repetition. The caipirinhas at lunch were stronger than usual. He asks me to take a picture of him with one of the waitresses, who, he tells me, looks just like a

friend of his, and he wants to show her the coincidence when he’s back in Afghanistan. We go out for a smoke, and he offers me a cigarette one last time. I notice he’s smoking from the corner of his mouth.  — J — This is a work of fiction.

short story

The Hovel Portuguese version page 94

— Rafael Santos Gorla Inside a hovel a man lies on a mattress stuffed with bundles of dry straw and black feathers. He has the look of one who slumbers but he is awake – although his vigil hangs by a thread. He feels his eyes getting wet behind the eyelids and he massages the sensitive heart of his temples with the tips of his fingers. He lies down on the dried straw of the mattress and whistles of wind penetrate through the cracks of the hovel chilling his exposed ears. It is but an old dwelling place: a simple hut of wood and thatched roof, a single rectangular room lit by a flickering table lamp, rustic kitchen paraphernalia in one of the corners and – the rest are shadows whose shapes we can barely discern. Here lies the man, covered with shredded blankets, massaging his temples, breathing heavily. Looking more closely, one realizes that the man’s repose is not healthy. All sorts of tremors run through him, like wicked spirits hacking their painful ways through his body: the man is seriously ill. His name is Barnabas de Silentio, a native of Cyprus, a pious and good man, full of trembling and faith, but overflowing with tenderness along his margins. At the height of maturity and sober bonhomie, he had outbursts of sensuality and left wife and children and has wandered across the fringes of the world for many years now, engaging in exotic trajectories like a trickling creek, imbibing libations made by young girls he would meet at crossroads, more and more towards a distant retreat, sometimes in the company of other travelers, most often solitary, as if guided by inner constellations illuminating

culture and art

the horizons of his thoughts. He trod dirt roads, brushed his body against bushes and prickling briers, plowed both fertile and barren lands and came to rest in a secluded hut, inside of which a 19 yearold girl cooks him a broth. Ariela never ventured more than a few miles beyond the limits of the village where she was born – a land of old ladies and men who died prematurely due to unknown conditions. Being still young, she was not gloomy like the others, but she was not exactly jovial either – for actual joyfulness would’ve been an unthinkable luxury in a land where one felt the heat of putrefaction consuming the hours of the day as if they were made ​​ of a perishable substance. Nonetheless, encouraged by her philosophy, she lived in anticipation of major events. When Barnabas arrived, he came to light as a rare spirit. Finally, someone worthy of Ariela’s pent up love, someone with whom she could cohabit in a modest cottage situated beyond the remote edges of the hamlet, at the end of a path cut long ago and now covered with the lush foliage and the curly thickets of the Woods of D. Thus it came to be, and Barnabas loved her so much that it mattered little to Ariela that the man had already abandoned wife and children at another site. It mattered little that he would stay with his eyes closed all day long, sprawled lazily on the mattress, and only when burning with passion would he call her and possess her unceremoniously. But that had been before. Lately, the situation had started to deteriorate. Barnabas’s health had worsened since the dead of the winter. The illness began to creep out of his body, becoming almost a physical presence in the cottage. The relaxed mood of the traveler who finally finds shelter was gradually being replaced by his frequent morbid insinuations. At first, Ariela wanted to ignore them, taking refuge in the hummingbird-like flapping of her distracted mind, and so she would try to live within the limits of tolerance, but it was useless – and their life together as lovers darkened. Contrary to what she expected, however, darkness was not oppressive: it nourished her and made her stronger. Sinking in the discipline of pain and only then emerging serenely on the other side, she could reflect calmly on the pegs of her love for Barnabas, even though the strings might break one by one till it was useless.

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“There are many changes I know will catch me by surprise when I wake up by your side one morning after the other. It is only natural that I feel a bit intoxicated before you, but my feelings are also radiant, flaring inwardly as much as outwardly, and they may end up spreading around you when you least expect. Yes, radiant! For I will not withdraw my hands in front of anything I can reach out to and touch and press against my chest. I feel as if nothing could hurt me that should not be endured, nothing could satisfy me that should not be eaten to the bone. Can you feel it? I want you to know that I do not see in front of me a respectable old man who suddenly proved to be an incorrigible libertine. Nor do I see a man who reluctantly surrendered to lust when he deemed himself incapable of resisting it. This is not the Barnabas whom I grew fond of. You are the revolutions of the maelstrom, the many rotations around a movable axis. The wise man and the lustful barbarian have the same irresistible face, the same inexplicable smile: you are the old riverbed in which flow many waters from different tributaries, muddy or crystalline. “You were wise and devout, but you became a blasphemer. Once carnal, you can go back to being divine, and so on. The contradiction is nested in your heart and, if you want to know, that inspires me and allows me to embrace life more tranquilly; it is as if mists of hope had suddenly shrouded me when I saw you coming down to our village. Perhaps, the mists may never lift, but honestly, I do not worry about it, they will not confuse me either – and I sense they even ease my movements, softening them, cooling my forehead and filtering the powerful sunrays which would have burned me by this time, had I been naked in the open. I give you up the truth, I am ready to resign myself infinitely if misfortune befalls us. You were in fine fettle, now you lie sick of a fever. Maybe you will recover, and that would greatly please me, but if you perish, then it will be as if the innermost windings of my muscles and nerves had frozen. However, it would not be the end of me, for the strength of my resignation would sustain me for the rest of my days.” Barnabas had been listening in silence until now, lying in bed with eyes closed, as usual, but something in the words of Ariela kindled in him the desire to confront her. It could be that the

indulgent effusions of the lover exasperated him. He may have felt vulnerable or perhaps his patience was left unguarded, and a speck of irritation crept in. Slipping beneath barbed wire fences, nothing restricted it. Ariela was still talking when he stood up and began to rant. “No, you’re wrong. Bear with me and I will let you in on a secret, something I´ve felt in your presence since our first days together: if I died, you would be rather sad, but your unhappiness would not last as much as you think. It is true that you came near unto me quite dashingly, which filled me with happiness for a while, but to fall in love with me was something absurd in light of current circumstances. Perhaps you do not understand it, but the fact that you moved toward the absurd was like approaching the edge of a cliff, and you flirted courageously with the jump, but your resolve was precocious. Fear got hold of you again without you noticing it. In your head, you’re still withstanding, with open arms and eyes closed, feeling gusts of wind agitate your blond hair, but the truth is that you withdrew in your courage and now you’re far away from the edge of the abyss from where you would let yourself fall when the time came. The vertigo you endure with pride is that of a child playing on the swing, not the suicide’s. Ariela, you retreated and made way for me. At your cue, I do fall precipitously with wide open wind-bitten eyes – no return.” Standing up, Barnabas held up his arms and gesticulated strangely, as if the disease had deprived him of a sense of rhythm. “Know also that I dispatched a messenger carrying a letter to my old lady. She may react by sending me Dr. L. This, however, was not my intention.” Ariela was taken by surprise. She wanted to demand an apology. She, more than anyone else, would not vacillate. She would stay by his side till the end! Barnabas’s distrust hurt her. She sat at the table silently, breathing deeply, her gaze fixed on her bare feet. She pulled herself together and returned to the boiler where her broth bubbled. On second thoughts, the coming of a doctor would not be a bad thing, even if it might serve as an excuse for Mrs. de Silentio to come along. And if Mr. de Silentio decided to play contrite and beseech his wife for forgiveness, Ariela would not take offense. Thus dictated the intimate despair that linked her to her lover. It was necessary that the most impulsive among fornicators, the most shameless among

culture and art

scoundrels were also capable, with all the sincerity of his stormy heart, of a most sublime conduct! It was still necessary that, after his honest repentance, Barnabas changed his mind and dived into the whirlpools of voluptuousness whose currents would drag him back again to Ariela’s ardent lap, and let the motif of that pendulous grace never cease, since neither Ariela nor Barnabas existed independently, for they were nothing but two bundles of fiber extremely sensitive to the touch scraping one another in the thrilling darkness of an incurable blindness. They were mere waves tuned to the unconscious whims of an unknown, impersonal and nocturnal clef on which everyone ignorantly resounds, no one being able to honestly say I am – or another such arrogant remark – but all only being like unmanned vessels adrift in the blue depths of the world. In that case, however, what would explain the firmness of her resignation? Even being confused by unexpected transshipments of ideas, she turned to her lover and exclaimed: “My love, you fear! The man who stood at the edge of the cliff and then turned back, covered with shame, is none other than you! I, in my turn, am infinitely resigned in my love for you.” These last words incensed Barnabas even more. His irritation jumped onto Ariela like a tiger. His offenses became random and unpredictable, making it impossible to dodge. “If you insist on this point, I shall reveal you another secret. Your resignation faltered. Actually, you resigned yourself for the wrong reasons. I see clearly now: you know next to nothing about your own existence, which you very stupidly suspect not to exist independently. Bundles of fiber!? You’re wrong from head to toe and you insult me with so much hogwash. You live an imaginary and inauthentic life and maybe in your case it would be reasonable to assume that most of what you do does not stem from you, does not have any link with the loose elastic of your neglected soul. It may be that you aren’t even a child of God – so you say – only a vulgar agglomeration of a few dozen worldly qualities shared by thousands of other women at the fancy of any given genetic combination – as, indeed, you shamelessly insist on trumpeting. I know you will find it painful to hear, but you would have a lot to learn from Mrs. de Silentio if you could sit at the table with her for a little chatting, if only for a few minutes. And if what I said hurts your pride,

nothing can be done about that, it is the truth. In the glow of sapphires, amethysts and emeralds of truth, there’s no point in staling the air with untruthful declarations of love. Do you really want to go? Do it, but mind your step. You look awfully stupid dashing off like a breathless crazy brat.” Ariela went away – but it’s certain that she should come back. That did not matter to Barnabas though. His thought drifted away from the hut, conjuring up the image of Joana de Silentio, who in a while would hold in her hands the letter sent by him. “He’s sick... sick...” she would sigh. She would hear from him after so many years... his sudden materialization in words scrawled on beige paper, the thumb-shaped ink stain pressed on a corner of the page, the vaguely humbled tone of the letter written in a fake monologue (he lacks spirit to speak to her directly), the Byzantine riddles forcibly extracted from the twisted braids of his brains... She reads aloud an excerpt from the letter so that the children may listen to it: “Nostalgia for the days that never existed – but then how come we remember them? – or things that occupied me when I was a kid and later on were left behind. I must retrieve them while I still have the courage to do so. Thus will I know that my pains are the opposite of what I think. They aren’t an insurmountable wall against which I violently hit my forehead until I fall unconscious and unprotected in plain sight. My pains are the opposite of that solidity, they are the lacunae of abandonment, the feeling of no support, the thought that no one else is around while I wander restlessly across the sandy vastness of the cosmos, until one day I find a shortcut to infirmity and therein a shortcut to the real deadly disease – that is despair. Should I overcome it, then I’ll have seen at a distance the open doors of my house and I may peacefully walk inside and repose in the coziness of my room one last time. But God forbid I say to myself I have no more vigor to go through all the stages of this severe deduction. I´m not an utter fool that I should need to focus so hard in order to understand something so simple. I don´t need to invest at once all the energy of my intellect. Just a little, and for short periods of time, and the conclusion which I’ll arrive at will have a familiar name...”. Joana de Silentio stopped reading at that point. She folded his letter and put it in the drawer of the dresser. It’s quite sad, but the man is brainsick. His

ill mind sweeps around and the result is this poorly, unbelievable melodrama. She regretted having read the letter to the boys, who now looked at her with cloudy round eyes of disorientation. At least he did not discourse upon the new wine. It would have been too much for her. She knows reconciliation is impossible. An absurd, impossible! To relive the years never lived but which we remember nostalgically?! Was that infamous letter nothing but a crude mockery? Was he comfortably resting his head on Ariela’s oiled girly lap while he wrote that verbose fustian which he would then shamelessly address to Joana? Or was he seriously crazy and the alleged outrage was but a symptom of a really miserable situation? Perhaps he could only stand in silence before her, living up to his name, and that this silence was all the more remarkable as more calibrated by the musings scribbled on the beige paper of the letter. In the wake of this restlessness Joana would order her luggage to be packed. Dr. L., the family doctor, would be warned of the preparations for the trip. In the morning they would set off for that small village, that humble hamlet that borders the Woods of D. where a hovel is immersed in dense fog. The convalescent husband finally waved. But how presumptuous of him to believe himself worthy of forgiveness! She knew what to do: to lead Dr. L to him, to apply ointments, to appease his deteriorated consciousness and to prepare him for the end – and nothing else. There would be no sincere forgiveness, no reparation or new wine served unexpectedly… Still, she had read the letter to the boys. Strange impulse. Long ago the father had already evaporated from the memory of the children, leaving only a trail of plaster, imperceptible sediment on the desert panorama the two boys were to cross throughout their lives. Why dig out buried feelings with that stunning letter? Has she done that perhaps because she knew her husband obeyed laws that were prevailing in his heart and not injunctions alien to his existence and that he remained the same as ever – and not the self-contradictory and preposterous fatuous fire the perfidious Ariela wanted him to be – and therefore he still deserved even a minimum of attention from the family? Has she read the letter aloud and with a sinking heart perchance due to her knowing that her husband had always been guided by the inner constellations of his thoughts,

culture and art

stars that would never be consumed, that would never crush him under the black weight of a thousand moribund suns – although they might move in the sky, in a disorienting way – stars that would continue to burn eternally, just as he would remain forever in his desperate and wandering existence, flickering amid distant and sable wonders, no matter how destructive was the disease, how imminent was death? Has she packed her bags and summoned the doctor perhaps because she knew her husband was a good and pious man who would overcome despair – as she did – and who, like her, would be sure that, precisely because it is impossible and absurd, they would be reconciled?  — J

Poem Portuguese version page 99

— Bruno Quadros e Quadros Postmodern calvinism Thou wast right, oh Calvino! The hell of the living is now Rubberized quadrupeds And automaton bipeds Oh Calvino, how to open space in hell? If self-importance deafens the soul? If sufferophobia repels the new? If dogma ossifies experience? Oh Calvino, how to be Marco Polo today? If in town the invisible is me? If in life hell are the others? If in things one is not oneself?  — J

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Echecrates or on foreign representation Portuguese version page 100

— Pedro Ivo Ferraz da Silva In the winter of 2013, while wandering in the streets of Pinheiros, in São Paulo, I came upon a small clustered hovel, which bore the following inscription above the entrance door: “Syrian Antique Books”. From outside, one could see shelves filled with dusty books, the covers of which could not be easily identified due to the lack of light inside. I entered without much ceremony and was greeted by a smiling old man, who, taken by surprise to receive a visitor, perhaps the first one that day, immediately started to advertise his “simple but significant” collection of books. He said he was an immigrant from Damascus and that he had inherited from his father the office of Antiquarian. Among the treasures of his shop, there were editions of the Quran from the 19th and 20th centuries, as well as reports of Moorish travelers from the 12th and 13th centuries. Without giving much attention to the elderly Antiquarian, I looked at one of the shelves and noticed a beautiful colored box, with artistic Arabic inscriptions on the top. I asked the old man about the content and he replied nonchalantly: “Just some yellowed papers without much value. According to my father, a peddler from Baghdad had offered these papers to my great-grandfather in exchange for a Persian copy of the Hazar Afsana. I still do not understand what led him to discard that relic”. My usual curiosity for despised objects made me open the wooden box. I found five folded sheets in it, all of them indeed much damaged by time. However, my scarce knowledge of Arabic allowed me to suspect that those papers carried an invaluable literary jewel…

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“In the Name of God the Merciful and Almighty, I copy, in these pages, the text that I found at the ruins of Bayt Al-Hikma, soon after the invasion of Baghdad by the army of the Mongol Emperor Hulagu Khan. It seems to be a writing of Plato of Athens, disciple of Socrates, that the translators of the Abbasid dynasty, revealing extreme erudition, sought to leave for eternity. Blessed be the Prophet Muhammad for guiding me to this treasure and for providing that such illustrated words be immune to the bitterness of time.” Fadih Ibn-Rihla, Maragheh — Echecrates or on foreign representation Socrates: I see you are tired, dear Echecrates. Your sandals are falling to pieces and the tunic you are wearing is bathed in sweat. Echecrates: You are right, oh Socrates. I have walked here from Piraeus; that port is sixty stadiums away from this agora. But the corruption of my appearance contrasts with the disposition of my soul. S: Now I am confused, esteemed friend. What is it that enlivens your spirit, that even such a long distance is not able to deter it? E: Exhaustion and excitement do not match and you, oh Socrates, would not be the only Athenian to be perplexed at this unusual combination. I shall present the cause of my feelings so you can evaluate if there is consistency in my spirit. S: I will hear your words attentively. E: I was in Piraeus with my father, Thrasymachus. We said farewell to a visitor from Chalcis, who stayed in Athens for two days to conduct some business on behalf of his city. S: I remember seeing Thrasymachus accompanied by a foreigner yesterday morning, close to the temple of Ares. Did you lodge that citizen of Chalcis in your residence? E: It is my father’s duty, dear Socrates. He shelters all those who come to Athens to represent the city of Chalcis. He offers them the best rooms in our house, gives them dainties to eat and drink, arranges meetings for them in the city. And, as he did in Piraeus, he ensures that they return to Chalcis by the best and most peaceful route.

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S: If Zeus still allows me to preserve good memory about the positions and functions men can occupy in a State, I would say that the foreigner came as an ambassador of Chalcis and that your father, while supporting Chalcian affairs in Athens, plays the role of proxenus of that city. E: By Mnemosyne, Socrates! Your wisdom would be the envy of the most knowledgeable of the “Seven Sages” and one commits great injustice in not including you in that distinct group. One day the Oracle will reveal that you are the wisest among all Greeks. S: I do not possess wisdom, Echecrates; neither do I believe that those regarded as the wisest of all wise men have all the wisdom they think. But you have not yet explained the reason of your enthusiasm. E: For sure I will not keep secret what excites my sentiments so much. You know, oh Socrates, that my father is an old man and that his body no longer supports the burden of work. Old Thrasymachus has confessed to me that he is no longer able to perform the role of host satisfactorily, as it requires organization, guile and agility. S: It is true that a proxenus does not need the dexterity of an athlete to throw a disk a long distance or the cleverness of a man to drive a chariot, but I do not disagree when you say that great virtue is needed for one to receive his visitors well. E: Indeed, dear friend. But my glorious father, as you know, is a man of great responsibility and does not normally abandon his duties; he is worried about not being able to host the citizens of Chalcis, who have been visiting our city with great assiduity. Afraid of this situation, Thrasymachus has proposed that I take over the position of proxenus of Chalcis. S: I admit to not being surprised by the proposal of old Thrasymachus. A father who has confidence in his firstborn and knows the vigor of his youth can hardly appoint another man to carry on his business and duties. But are you sure, Echecrates, that the destiny that your father now offers to you matches your own desire? Have you not been affected by a sudden elation so that you did not reflect on the real implication of this new responsibility? E: I do not understand your discourse, wise Socrates, and the questions you pose to me seem to belittle the value of such a noble office. A proxenus enjoys great prestige in the city

he lives in, as he attends the residences of the wealthiest lords and merchants, aside from having fluid dialogue with local public officials. I’ve accompanied my father since the first years of my childhood and on various occasions I was able to attest that he is a man of great honor in Athens. I consider that Moros gave me one of the most glorious destinies a man can experience. S: I am not referring to the renown you associate with the activity of a proxenus. But even if this were the only implication of this office, I think it would not justify your excitement. I had a long dialogue with Alcibiades about this matter the other day, and he was not able to tell me what he considered “prestige” to be. For sure, if you ask me, I would not know either, and for that reason I consider it a purpose not to be pursued. E: If you do not refer to prestige, to what aspect do you allude in order to belittle this office? S: The activity of a proxenus, my dear Echecrates, is not compatible with citizenship. Although Thrasymachus is an Athenian citizen, his responsibility to the city of Chalcis corrupts his link to Athens. E: By Zeus, Socrates! Your words sound like a verdict and your statement is as grave as a sentence to ostracism! I do not understand why you make such serious accusations against such an honorable assignment. S: There cannot be honor where truth is not absolute, Echecrates. In undertaking certain duties with respect to Chalcis, your father has given up being a full citizen of Athens; and there is nothing Thrasymachus can do to alter this situation; not even the most beautiful declaration of loyalty to this city would be enough to restore the entirety of his citizenship, unless he abdicates from his obligations to the Chalcians. E: I note that you defend your position strongly, Socrates, and I would not dare say your discourse is devoid of sense. However, I do not follow your ideas and I would be highly interested in knowing the reason behind your arguments. S: If you are willing to assess the consistency of my words, Echecrates, I ask you before to set your excitement aside, as such emotions will not allow you to judge adequately the correctness of my words. If after all you conclude that I am not right, you can defend your destiny with the truth of the words and not with the enthusiasm of the soul anymore.

E: I will do that, Socrates. S: Your father is considered an Athenian citizen, isn’t it correct, Echecrates? You also carry this attribution with pride, don’t you? E: What you say is true. S: And as citizens of Athens, you have certain rights and responsibilities, isn’t that so? Or do you think that citizenship is simply a mere designation, devoid of consequences to its owner? E: By no means, dear Socrates. Both my father and I are aware of our obligations and our rights. As citizens of Athens, we are potential speakers in the meetings at the Pnyx, we can vote in the Ekklesia and therefore we are able to decide the future of this city. Athens also allows us to have land, as it is the case of our small field of olive trees, at the other side of the Eridanus. S: You have talked about rights and responsibilities, but you have just given examples of your privileges as a citizen. Don’t you also have obligations to this city? E: You are right. As citizens, we must obey the laws of Athens, even if they are in discord with our will. S: And, in the case of war, you must also fight in favor of Athens, regardless of the enemy that is on the opposite side? E: It is true what you state. S: So you agree, Echecrates, that the citizenship of Athens, although it is one attribution, it is composed of many attributes? And that a simple opposition to one of these attributes is enough to call the legitimacy of citizenship into question? That even if you heroically defend the territory of this city against foreign invaders, a mere act of breaching one of the laws of this city will deny your right to the citizenship of Athens? E: I cannot disagree with what you say, dear Socrates. S: Alternatively, if you are an exemplary Athenian citizen, if you follow faithfully the laws of this city and if you happen to be acclaimed the “most correct” among men; wouldn’t the denunciation that you favored a rival city be sufficient to destroy your fame? E: Indeed, dear Socrates, I would be considered a traitor and would not be worthy of Athenian citizenship. S: We have done well so far, Echecrates, and as I see, there is agreement between your ideas and my propositions. However, let us proceed. To perform

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the function of proxenus, you will act in accordance to the interests of the city that gave you that title, isn’t it so? E: I will certainly not oppose the intentions of Chalcis towards Athens, which always seek to deepen their fraternal ties. S: I want to believe, Echecrates, that the government of Chalcis always seeks to preserve a good relationship with Athens. But let us recall that they are distinct poleis and that the main purpose of each government is to guarantee the integrity of its people and its territory, isn’t that so? E: Yes, that is the goal of each and every government. S: So you have to admit, Echecrates, that in the case of war between the two cities, the objective of one will be the opposite of the objective of the other. Or do you think that in this situation their objectives will coincide? E: Although very unlikely, a war would mean that Athens and Chalcis have opposite objectives. Athens would seek the destruction of Chalcis, while Chalcis would seek to keep itself intact.. Chalcis would try to annihilate Athens and we, Athenians, would fight to preserve it. I shall note, dear Socrates, that, in this context, the citizenship of Athens would precede the office of proxenus of Chalcis, and I would not refuse to defend the polis which I am citizen of. S: I do not doubt it, my dear friend. But events and our inclination towards them are not always so obvious and direct. Suppose that, in times of peace, you would host in Athens a Chalcian ambassador who would like to acquire a large amount of cereals planted in our fields. You would not hesitate to offer your assistance to this visitor; you would arrange a meeting with local farmers and would remove potential obstacles for the deal to be completed. Wouldn’t it be so? E: For sure, Socrates, but my efforts would benefit both Athens, which would profit from the extra production of grains, and Chalcis, which would overcome its food shortage. S: Imagine, however, that there is no shortage of grains in Chalcis and that the purchase would aim to feed its army during a war effort that was being planned against Athens. Would your endeavor to facilitate business not have been contrary to the interest of Athens? E: You are right, Socrates. However, in this case, like the farmer who cultivated and supplied the

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grains, I would have been misled by the discourse of the ambassador of Chalcis. If I knew Chalcian intentions beforehand, I would never have agreed to mediate the sales of cereals. S: There would be, however, my dear Echecrates, a fundamental distinction between you and the farmer, which concerns the relationship between the essence and the result of the work that each one executes. The farmer, when plowing and sowing the land, when harvesting the grain and preparing it for sale, does it for the sole purpose of generating benefit for himself. With the drachmas earned with the periodic harvests, he can acquire goods and land. His labor ends when he transfers the crop to the one who bought it. But you, Echecrates, will have the objective to generate benefits for the polis that engaged you as proxenus. Your activity will not be limited to mediating in this or that business, to make this or that cooperation proposal prosper. Above all, you will be at the service of Chalcis and you will have the duty to guarantee that the interest of that city towards Athens will always be satisfied. When that interest coincides with the aspirations of Athens, the children of this city may not accuse you of anything. But when the intentions of Chalcis, albeit hidden by deception or by casual lie, oppose to those of Athens, the Athenians will not hesitate to raise their finger towards you and they will accuse you of not honoring your citizenship. And in front of the judges, words will be of no use to you, the flowery oratory of a sophist will not serve your needs when confronted with the truth that will lie above any attempt at defense: you served the interests of Chalcis, as this is the purpose of your office. Are you now convinced that being proxenus of Chalcis cannot coexist with being a citizen of Athens? If you still want to declare something, I will listen carefully. E: I have nothing to declare, Socrates. S: May each one of us follow his own way, esteemed Echecrates; and may Zeus guide our steps.  — J

Diplomats break paradigms and records Brazilian diplomats take up extreme sports, collect extraordinary stories and challenge career stereotypes.

Portuguese version page 104

— Geórgenes Marçal, Leandro Pignatari and Thiago Oliveira Poets. Novelists. Musicians. Sculptors, painters, art collectors. Experts in cinema. In all these areas, Brazilian diplomats have acquired prestige and helped to associate diplomacy to culture and to academia. Beside them, an equally skillful group is gaining ground: diplomats who practice extreme sports. Diving, mountaineering, gliding, snowboarding, water sports, climbing and equestrian polo are some of the specialties of those who combine the expertise typical of the career with an audacity that is peculiar to the “radical diplomats”. This is the case of Pedro Cunha and Menezes, who practices mountaineering. Fleeing the urban bustle and searching for exotic landscapes, Pedro walks along trails, some of which have lasted for seven days. During these expeditions, he remains in contact with nature and oblivious to the noise of civilization. “I have no fetish for achieving tops

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of mountains or inhospitable places”, he says, “I am, above all, a ‘hunter of landscapes’ ”. Another colleague who cannot be easily found in his free time is Felipe Krause, who grasps every opportunity of practicing climbing – the main but not the only extreme sport that he practices. Since the age of sixteen, Felipe has been scaling vertical rocks in America, Europe, Africa and Asia. A moderate climb means mounting a 50 meter tall rock. In his boldest projects, Felipe gets to stay 300 meters above the ground – three times the height of the statue of Christ the Redeemer in Rio. “Only birds have that view”, says the diplomat, who disputes the classification of climbing as radical: “it is a sport that requires concentration and technique. It is extremely relaxing”. More than an occasional practitioner, Olympio Faissol holds the world record in free paragliding flight from a mountain without the aid of lathe. The diplomat took off in Quixadá, in the state of Ceará, crossed the entire state of Piauí and landed 11 hours later in Caxias, in the state of Maranhão. Olympio flew 463 km in his nonmotorized paraglider based solely on vertical air currents (called thermals) and on the wind. “The circular motion that vultures usually do in their flight is the same that we use to climb the thermal currents”, he explains. “Finding the thermal currents requires analyzing the clouds, the wind and the land from which they originate. Like chess or diplomacy, paragliding is much more mental than physical”, affirms Olympio, who points out that this sport demands meteorological knowledge, as well as the ability to concentrate and follow an effective strategy. Finally, the diplomat admits: “at times, it does take courage”. These are some of the “radical diplomats”, who share the title with colleagues who are less experienced in these and other activities. All of them derive advantages from the recognized benefits of adventure sports, such as the boost to self-confidence after each challenge overcome, the frequent contact with pristine environments and the benefits of an active, well-conditioned body, like the proper functioning of the mind – especially memory – and the reduced risk of diseases associated with physical inactivity. Career and sport The question “where am I going to?” cannot have a more suitable protagonist than a diplomat. The

cosmopolitanism and nomadism that characterize the career prevent diplomats from formulating too rigid plans, which are often broken, and add an element of uncertainty to personal and professional life. Reconciling normal routines with the diplomatic life may be challenging. What can we say, then, of those who decide to adopt lifestyles with unusual aspects?  Olympio tells us that moving to Brasilia was positive to the practice of free flight, which began before he became a diplomat. The topography of the Planalto Central and its climatic conditions offer a proper ambience for free flight, including a natural ramp in Vale do Paranã and strong and abundant thermals in the drought period. The need of frequent flights to assure a good position in paragliding rankings forced Olympio to stop competing in 2009. “Working is incompatible with competing, because the vacations depend on professional commitments”, he affirms. It is on weekends that Olympio, literally, flies. With paragliding, the diplomat has found satisfaction that is unrivaled by sports such as soccer, surf and sailing, which he practiced. “Unfortunately, the practice of radical sports still faces prejudice”, he asserts. With no major role for socialization in the diplomatic life, for instance, free flight is considered “crazy” by those who do not know it, even if it is “less dangerous than riding a motorcycle or driving a car without airbag.” Pedro, differently, believes that the career contributes to the sport, given that it allows the mountaineering-diplomat to find new places and landscapes at reasonable intervals because of post changes. In this modality, the availability of places for practicing is abundant. In Nairobi, recalls Pedro, the Kenya Mountaineering Club has many foreign diplomats as members. The sport is, in this case, a facilitating element for diplomatic socialization. “The social life with colleagues from other countries, besides UN employees, was much facilitated by the shared passion for mountaineering”, states Pedro, who has also played water polo for three decades. Nowadays, the sport helps him to “relax and settle his thoughts”, besides allowing for a reconnection with nature. For Felipe, the career may pose some difficulties to the practice of climbing, but in a peculiar manner, opposite to common sense. It is not the constant traveling, but the possibility of living in

a flat landscape that may be a negative point. One example is the Brazilian capital, where the terrain is not suitable for climbing. “Brasilia is the moment of rest for climbing”, says Felipe. What this diplomat looks for in his climbing practices is a feeling of plenitude and personal realization that a more traditional sport, such as soccer or tennis, is not capable of providing. “Besides, radical sports give you life experience, stories to tell”, he underscores. In some posts, such as Nairobi, where Felipe lived as child and where he visits whenever possible, climbing allows for participating in other social circles, besides that of expatriates. “In Kenya, the interest for a radical sport may be an excellent opportunity to leave the clubs and keep a broader contact with the country, its geography and its people”, recalls Felipe. A new image for the successors of the Baron? The image of the Brazilian diplomat is closely related, firstly, to the image of the Baron of Rio Branco, and, secondly, to artists and intellectuals who went through Itamaraty. In this context, there are the “radical diplomats” with dissonant features from the established reputation. The interviewees agree that they are contributing, to some extent, to form a new image of diplomats. However, they do not see a dichotomy between these two lifestyles. After all, intellectual and physical activities are not mutually exclusive, even though the emphasis on one of them has an opportunity cost to the practice of the other. “It is natural for the diplomat to enjoy studying,” says Felipe Krause, “every diplomat is an intellectual”. For Felipe, the real dichotomy is between sedentary and sportsman. It is the stereotype of the office worker who spends all his life sitting behind his desk that is being deconstructed: the civil servant works hard, but after his work hours, he seeks challenging activities, such as extreme sports. “It is up to each diplomat to cultivate the intellect, to be well informed, to analyze, to discuss, to write. It is a fundamental part of our work and of our life”, says Olympio Faissol. But he adds that “there will always be varying degrees of commitment to that objective”. Therefore, those who opt for adventure – without giving up the interest in intellectual activities – focus on another angle and contribute to create a heterogeneous institution, in which each one adds their own characteristics and abilities.

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The interviewees pointed that, currently, it is not possible for a diplomat to satisfactorily master the whole range of issues related to diplomacy. Hence, the debate could be situated in the dichotomy between generalists and specialists. By focusing on areas of their special interest, the radical diplomats move away from the traditional image of the career. In any case, he summarizes, it is not possible to reduce the diplomat – or Brazilians – to a single profile. Knowledge, concentration and boldness are essential ingredients for the successful practice of extreme sports. Those are features that diplomats who became distinguished artists and intellectuals also employed in their activities. Deep down, they are all similar skills, but serving new purposes. And they produce so many inspiring or unusual experiences that it may become material for poems, books, songs, pictures and movies. experiences Pedro Menezes – Mountaineering In 2009, Pedro was sent by Itamaraty to Malawi to assist in the search for a young Brazilian who got lost on Mount Mulanje. Brazilian firefighters and a Canadian rescue team scoured the mountain, but the young man was found by locals after having succumbed to hypothermia. By his side was the camera with the photos he had taken when he reached the top of the mount, registering his last trip. “He paid dearly for a mistake that many experienced climbers have committed. It could have been me or many of my friends... [At the end of the mission,] I was struck by sadness and reassured of the conviction that we should never underestimate the basic safety rules”. Felipe Krause – Climbing For Felipe, Thailand is an amazing place to climb, due to the characteristics of the country’s mountains, which have large stalactites and many climbing routes with negative slope, often close to the beaches. While climbing one of these Thai mountains, his rope got stuck. As he tried to fix the situation, it quickly became night. Exhausted, he finally decided that he would have to wait until dawn to try to loosen the rope again or to start looking for help. As a result, he spent the night in a cave without food and water. At dawn, he finally managed to release the rope and end his descent.

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Olympio Faissol – Paragliding Olympio has flown for twenty years and he claims to have gone through just one potentially serious incident: in 2011, he faced a turbulence that made ​​ it impossible for the equipment to continue flying. Thus, Olympio had to resort to the emergency parachute. But the parachute balled up and the diplomat fell hundreds of meters in successive turns, at more than 50km/h! Luckily, he had taken two parachutes for that time. After a few minutes of despair, the diplomat managed to release the second one and land safely. The experience, however, did not shaken his confidence: Olympio continued flying and, as mentioned, set the record for paragliding flight made from ​​ a mountain without the aid of a lathe.  — J

The Portuguese language in the “Century of the South” Portuguese version page 108

— Bruno Quadros e Quadros In the context of the global power shift in favor of the global South (the “Century of the South”), political multipolarity has promoted a linguistic multipolarity. Sixth largest language in the world, with over 250 million native speakers (according to Ethnologue, a renowned language portal), Portuguese has benefited from this process. Factors such as the strengthening of diplomatic ties between Portuguese-speaking African countries, the economic rise of Brazil and African Portuguese-speaking countries, a more active participation of Brazil in international organizations and the penetration of Brazilian cultural industry have increased global interest in learning Portuguese. With this in mind, this article discusses the Brazilian policy for the promotion of the Portuguese language, making comparative remarks with the policies implemented by

China and Russia regarding Mandarin Chinese and Russian, respectively. The Brazil Cultural Network The creation of the Brazil Cultural Network (Rede Brasil Cultural) achieved the goal of creating synergy among the initiatives to promote the Portuguese language developed by the Foreign Ministry. Form part of the Network twenty four Brazilian Cultural Centers (CCBs), five Brazilian Studies Centers (NEBs) and about forty lectureships at foreign universities. But what does each of these initiatives consist of? The CCBs, whose origin dates back to the cultural missions of the Ministry of External Relations sent to postings abroad between the 1940s and 1960s, are extensions of the Brazilian embassies, where Portuguese language courses are offered, as well as other activities that are representative of the culture of the country (music, dance, gastronomy and fine arts). Recently, CCBs were upgraded, which involved the purchase of projectors and computers integrated to the Internet, providing a richer educational experience for students. Within the CCBs, the Division for the Pro­ motion of the Portuguese Language of the Ministry of External Relations (DPLP) promotes training courses for teachers in Portuguese as a foreign language – as well as being free, these courses are open to teachers outside the CCBs –, the modernization of the inventory of libraries, through a partnership with the National Library (Biblioteca Nacional), and the production of teaching material for the website of Brazil Cultural Network on the Internet (http://redebrasilcultural.itamaraty.gov.br/br/). There are thirteen units of CCBs in the Americas, six in Africa, three in Europe and one in the Middle East. In South American countries, the demand is so great that there are not enough places available. There are reports that at the CCB in Lima all the places on courses are filled in just one day. According to Jorge Tavares, head of DPLP, this is due to the interest of local employees working in Brazilian companies in these countries to have a good command of Portuguese (especially legal Portuguese) as a competitive differentiator in their curricula. The NEBs have a more modest structure, usually occupying a room at the host Embassy. As hey

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have leaner design and cheaper maintenance, NEBs are suitable for locations where demand for Portuguese and Brazilian culture is less intense. If demand expands NEBs can eventually turn into a CCB. Currently, NEBs are in Equatorial Guinea, Guatemala, Pakistan and Uruguay, where there is a unit in Artigas and another in Rio Branco. Lectureships comprise university professors (lectors) who work in foreign universities, where they promote the Portuguese language and Brazilian culture. Teachers are recruited by a notice published by the Ministry of External Relations and CAPES. A pre-selection of candidates, taken by CAPES, is presented to foreign universities, which choose the lector. Teachers are paid by the Ministry of External Relations and usually receive a stipend from the university in which they teach. The priority targets are for the creation of lectureships in internationally renowned universities (such as Harvard and the Sorbonne), and in those located in Portuguese-speaking African countries (PALOPs), in the BRICS and in universities receiving large contingents of Brazilian fellows under the Program Science without Borders (Programa Ciência sem Fronteiras). The work developed with the Brazilian communities living abroad complements the activities of Brazil Cultural Network. In 2013, about twenty courses of Portuguese as a language of heritage were promoted to people of Brazilian descent who lost touch with the language of their ancestors due to the contingencies of living abroad. In this myriad of initiatives to promote Portuguese the issue of the choice of the teaching material is highlighted. The standardization of the material is avoided due to the linguistic peculiarities of each place: the difficulties of a Spanish speaker to learn Portuguese are different from the challenges faced by an Arab, for instance. Thus, each embassy chooses the material that is more suitable to local characteristics. Although the standardization of the content is avoided, the adaptation of the educational material to the nomenclature used by Celpe-Bras (Intermediate, Upper Intermediate, Advanced and Upper Advanced) has been implemented. Developed and recognized by the Ministry of Education and internationally applied by the Ministry of External Relations, Celpe-Bras is the only certificate of proficiency in Portuguese as a

foreign language that is officially recognized by the Brazilian government. Outside Brazil, the test is applied at several CCBs and foreign universities, the logistical support of the Ministry being critical in this process: the transportation of the exams is done through diplomatic pouch, due to security matters, and the oral test is performed and corrected at Brazilian embassies and consulates. For the examinations of October 2013, more than 5,700 candidates applied. The promotion of Portuguese in partnership with other Lusophone countries As important as the diffusion of Portuguese to a larger universe of speakers is the diplomatic projection of the language of Camões and Machado de Assis. A fundamental part of this process is the multilateral coordination among Lusophone countries held within the Community of Portuguese Language Countries (CPLP). The promotion of the common language is one of the pillars of the organization, along with political coordination and cooperation. For this purpose, two editions of the International Conference on the Future of the Portuguese Language in the World System were held – the first one in Brasilia (2010) and the second in Lisbon (2013). After days of debate over the course of the international promotion of the Portuguese language, the second Conference adopted the Lisbon Action Plan, which joined the Brasília Action Plan (adopted at the first Conference in 2010) as the basis for the CPLP’s strategy of global dissemination of Portuguese. The Action Plan adopted in the Portuguese capital, among other things, approaches Portuguese as a language of science and innovation and its use by diaspora communities. Another important initiative is the inclusion of Portuguese as working language in international organizations. In addition to the organizations in which Lusophone countries play a decisive role, such as Mercosur and Unasur, Portuguese has been gradually promoted as a working language in institutions such as UNESCO and the ILO, not to mention some commissions of the OAS. As an example, events of the series “Let’s Talk Portuguese” (Vamos Falar Português) are promoted within UNESCO, in which Lusophone delegations meet other diplomats and officials of the organization, in moments that celebrate the Portuguese

language and the culture of Portuguese-speaking countries. These events help build a political identity guided by the language factor. However, the promotion of the language in international organizations requires, according to Tavares, a large amount of resources for the maintenance of a permanent staff of translators in each organization to translate documents and to engage as interpreters. It is also necessary to mention that, besides the efforts of the Brazil Cultural Network, organizations such as the Camões Institute, managed by the Portuguese government, and the International Institute of the Portuguese Language, linked to the CPLP, work to promote the Portuguese language. The Camões Institute, which has existed since 1929, organizes important initiatives for the training of teachers of Portuguese as a foreign language and the development of teaching material. The Institute benefits from the Portuguese presence around the world, as is the case in Macau, where it was one of the founders of the Portuguese Institute of the East (Instituto Português do Oriente), which promotes the language in that region. The IILP has been developing its activities since 1999 and has a special focus on joint projects of the countries of the CPLP for the promotion of the language. The policy of language promotion in other countries of the global South The promotion of the Portuguese language by Brazil differs in several aspects from the policies implemented by China and Russia, the other BRICS countries who do not have English as their official language. In China, the policy of promoting Mandarin Chinese is centered on the Confucius Institute, founded in 2004 and whose official goal is to promote and teach Chinese culture and language abroad and to foster educational cooperation and international understanding about China. The Chinese Ministry of Education estimates that 100 million people are currently learning Chinese. Unlike institutions such as the Alliance Française and the British Council, the Confucius Institute is linked to the Chinese government and operates within educational establishments of foreign countries, promoting Chinese language courses, teacher training and application of exams that

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certify proficiency (HSK). There are more than 300 units of the Institute in about 90 countries and plans to expand to a thousand units by 2020. The Chinese example inspired Russia to adopt similar measures to promote the Russian language internationally. In 2007 the Russkiy Mir Foundation (“World” or “Russian Community” in Russian) was created, a joint project of the Ministry of Foreign Affairs and the Ministry of Education of Russia that includes public and private funds for its operation. The goal of the Foundation is to promote the Russian language and to support teaching programs of Russian abroad. Unlike the global reach of the Confucius Institute, the “Russian Centers”, as the almost seventy units of Russkiy Mir abroad are called, are mainly concentrated in countries that belonged to the former Soviet Union and the Soviet bloc. The Chinese and Russian strategies of language promotion receive more financial resources than the Brazilian one and are favored by languages ​​of wider international recognition. Brazil, however, is the only non-English speaker of the BRICS that benefits from a network of countries committed to promoting the common language. Increased coordination among the Lusophone countries tends to boost the promotion of Portuguese, despite its lower budget compared to China and Russia. The projection of a language and world power are closely intertwined: Mandarin Chinese is favored by the presence of the Chinese diaspora in East Asia; Russian is related to the historical Russian influence in Eastern Europe, Caucasus and Central Asia; finally, Portuguese is the heir of the Portuguese colonial empire in Africa, Asia and America. ---------The challenges to the expansion of Portuguese are many and range from the structure of the Brazil Cultural Network to the political characteristics of the Lusophonia. The number of teachers of Portuguese as a foreign language is small and the supply of teaching material is insufficient, which represents a formidable obstacle to the global expansion of the Portuguese language. That is why the promotion of courses for teachers of Portuguese within the CCBs and the development of online teaching material on the portal of the Brazil Cultural Network are of fundamental importance.

A greater synergy within the Portuguesespeaking world is another crucial point, which involves coordination between the individual policies to promote Portuguese (such as the cooperation between the CCBs and the Camões Institute) and the acceleration of spelling convergence, in which the elaboration by the IILP of handbooks of technical vocabulary in the new orthography is an important initiative. Although the beginning of the “Century of the South” promotes linguistic multipolarity, the countries that intend to raise their languages ​​to a more prominent place should actively pursue this level of ​​prominence. The context of the rise of emerging countries offers opportunities and challenges for the international promotion of Portuguese. On the one hand, the greater economic, political and cultural projection of Brazil and other Portuguese-speaking countries has aroused interest in learning Portuguese as a foreign language. On the other, the coordination within the Lusophone countries and the budget for the promotion of Portuguese must be increased so as to take advantage of this positive momentum. What will really determine the strength of Portuguese is the ability of the Lusophone countries – notably Brazil – to prove to foreigners that the knowledge of their language will be key to seizing the opportunities of the “Century of the South”: access to economic benefits, to a rich and dynamic culture and to a relevant scientific literature. The next moves on the linguistic chessboard of the geopolitics of the “Century of the South” are to be awaited.  — J

Itamaraty and the role of other governmental actors in Brazil’s international relations Portuguese version page 112

— Igor Carneiro and Thiago Oliveira Background to the decentralization of international relations In recent years, technological progress has made communication between governments and societies significantly less costly and therefore more frequent. The new era of instantaneity has allowed the international agenda, and its outcomes, to impact the daily lives of a great number of people. It has reinforced a bidirectional dynamics, albeit in varying degrees, between local interests and international events. The ability of each pole to exert influence depends on the degree of its relevance and on the strength of its connections within the global political-economic system. There are actors with greater potential to influence the international dynamics, while others tend to cope passively with its circumstances. In this new context, political, social and economic organizations traditionally tasked to work on a local basis are developing awareness of the importance and of the possibilities brought about by the establishment of closer ties with external counterparts. In analyzing the effects of this phenomenon within the government, it can be seen that traditional forms of organization and management of international relations, based on a centralized framework, are limited by new standards set for the implementation of foreign policy, which now tends to be carried out more diffusely throughout the State structure. Such a reality enables direct and frequent contact between senior Brazilian officials and their foreign

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counterparts without the traditional mediation – and information processing – by the diplomatic channels. This situation poses major challenges to the work of diplomats in their role as advocates and spokespersons on behalf of national interests, especially in areas which require technical expertise or when local governments have lively interests in the benefits arising from fostering bonds with international partners. Within the State structure, a growing number of actors and a widening range of topics surpass local and national realities. This article classifies the actions of these State-actors according to two axes: the horizontal axis and the vertical axis. The first one refers to the international activities of entities within the federal administration (ministries, agencies and state-owned enterprises). The second draws attention to the growing participation of subnational units (states and municipalities) in the quest for a privileged position in the global economic and business environment. The process of horizontal decentralization – participation of other federal agencies in foreign policy Given the three-branch structure of government, the Executive branch is the one constitutionally mandated to maintain relations with foreign entities. Within this branch, international activities of government agencies, once focused only on issues of domestic affairs, has been increasing. The existence of the foreign policy horizontal process of decentralization is evinced by the intense activity of international advisory offices in ministries, the increasing number of government trips led by officials from various State agencies and the large number of international agreements negotiated with the participation of other ministries. The International Advisory Department of the Ministry of Health, for instance, has dozens of employees, who follow several forums in their areas, and actively participate in a great number of technical cooperation projects (116 such projects in 2013, according to the International Affairs Office of the Ministry of Health). The role of the Ministers themselves is also noteworthy: the Ministers of Environment, of Finance, of Education and of Health led a total of 30 government trips abroad in 20127. 7 Data obtained from the International Affairs Offices of those ministries.

It should be highlighted that the horizontal (bureaucratic) decentralization is the result of unequivocal changes in international relations after the Cold War. Since then, the international agenda has expanded, which caused intergovernmental discussions to venture into issues that require highly specialized know-how. In environmental discussions, for example, the participating government bodies are expected to fully understand the technical aspects of the negotiations and be capable of implementing decisions in their respective countries. Another important feature has been the intertwining of domestic and external policies, which means that domestic policies become the object of careful analysis by foreign actors and that international concerns have implications for domestic policies. As an example, the creation of the WTO and its dispute settlement body has engendered open discussions on domestic commercial and industrial policies in a multilateral forum. The priorities on the international agenda were also revisited, given the collective perception that the international community would benefit significantly from expanding the scope of interstate relations to areas beyond politics and economics. Accordingly, new international groups have emerged not only as mechanisms for political coordination, but also as initiatives for dialogue in several other areas. For instance, the Forum of East Asia-Latin America Cooperation (FEALAC) encompasses, in parallel with the diplomatic dialogue, working groups on sustainable development, tourism, culture, youth, gender, sports, science and technology and education. The IBSA (India-Brazil-South Africa Dialogue Forum), Mercosur and Unasul have, each, ten or more groups that rely on responsibility shared with specific government agencies. The process of horizontal decentralization can convey significant gains to Brazil’s international relations. An image from chemistry illustrates such opportunities: when a solid substance is immersed in a reagent, chemical reactions occur gradually in the surface layers. When the same material is ground and immersed in the reagent, more reactions occur simultaneously. Similarly, the process of bureaucratic decentralization increases the interface area between the Brazilian state actors and their foreign counterparts. This process allows Brazil (and other countries) to exert influence in a greater number of areas – not

only in the domain of political dialogue, but also in all other areas where there are forums for the exchange of experiences and cooperation. The decentralization process also entails an increase in human and financial resources allocated for international relations. Besides the diplomatic staff, personnel from other ministries join the effort and deploy resources for conducting bilateral and multilateral meetings, as well as for implementing projects with an international scope. Moreover, areas whose interactions are mutually beneficial to the parties involved gain ground, as opposed to areas where gains for one side entail losses to the other. Alongside political and commercial bargains, cultural, educational and scientific initiatives are gaining importance, which renders a friendly tone to bilateral relations even in times of political and economic disputes. Despite the aforementioned benefits, there may be negative effects of the horizontal decentralization. A large number of government bodies start taking part in foreign policy. Each one of them develops a particular interpretation of the guidelines of Brazilian foreign policy, applying its specific view of the country’s external endeavors. This panoply of actors may generate uncoordinated or inconsistent actions. Another negative aspect is that most federal agencies were created to meet domestic demands and therefore tend to give priority to the domestic agenda. In this context, international efforts could easily wane if considered as low priority on the entity’s agenda, and this usually reflects in agreements and meetings with meager results. In other cases, countries may expect Brazil to make financial contributions to their projects, which is not always possible due to legal and budgetary constraints or even due to a lack of interest from a specific Brazilian agency with a strong domestic focus. As the horizontal decentralization process intensifies, a network of actors in international relations is established. Its potential can be strategically developed by the Ministry of External Relations, on behalf of Brazilian interests. This requires Itamaraty to think about its role in areas where it shares responsibilities with other agencies and to make a renewed effort to coordinate the aforementioned network. The difficulties are significant, but the opportunities open to Brazilian foreign policy are of equal importance.

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The increase in subnational entities’ external activities The international activities of subnational units have been reported in academic discussions by means of the concept of “paradiplomacy”. This concept, which evokes the idea of ​​a parallel diplomacy, startles constitutional law experts and seems ill-fitting to the bureaucracy traditionally in charge of implementing foreign policy – the diplomats. Currently, with a view of defining a better conceptual framework, State actors have sought to refer to this phenomenon as “federative diplomacy” or “decentralized international cooperation”. Regardless of the chosen terminology, the international activities of these entities has gained relevance, which prompted the Ministry of External Relations to enhance the means to deal with this new situation by creating its Special Advisory Body for Federative and Parliamentary Affairs (AFEPA), in 2003, through the Decree 7.759, and by strengthening the role of its eight representation offices in Brazilian State capitals. Federated entities benefit from the possibility of establishing contacts abroad by their own means, which enables them to further promote their trade, and investments and foster cooperation in various fields. The landmark of the structured activities of subnational governments in international relations occurred in 1983, during the Leonel Brizola administration, in Rio de Janeiro, when he created the Coordination for International Affairs. In 1987, during Pedro Simon’s administration in Rio Grande do Sul, the first State Secretariat for International Affairs was established. Currently, about half of the Federated Units have bodies specializing in the promotion of their international relations. As evidence of the outstanding participation of Brazilian states in the international arena, it is worth stressing that, each year, the State of São Paulo signs over fifty agreements with foreign Governments and International Organizations and receives more than four hundred foreign delegations. Currently, there are 25 offices of foreign subnational entities operating in the state capital. The international activity of municipalities is another increasingly important phenomenon. Since 2007, the National Confederation of Municipalities (CNM), through a project called the Observatory for Decentralized Cooperation in

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Brazil, has been working out strategies to identify and assess the international efforts of those entities. A CNM study found that only thirty, out of over 5,500 Brazilian municipalities, are endowed with a unit specialized in the international area. However, the trend of intensification of this activity is evident, since more than half of the units have been created in the recent 2005-2008 period. The actions of municipalities tend to be structured in four macrodimensions: 1) political initiatives (forums, establishing Twin City agreements and participation in public policy networks), 2) cooperation (technical and fundraising), 3) economic promotion (foreign trade, foreign investment and tourism), and 4) city marketing. However, it should be emphasized that there are limits to subnational entities’ potential role in international relations and sometimes negative aspects related to the simultaneous action of the Brazilian federated entities. Among the limitations, it should be noted that international agreements are legally valid only if signed or guaranteed by the Federative Republic of Brazil, the entity to which is attributed the legal personality of international law. With regard to international financial transactions, there is the constitutional requirement of approval by the Federal Legislature. In the case of simultaneous international activities of federated entities, there could be negative results if there is fierce competition for opportunities. It is likely that governments with more financial and human resources develop more active international units and thus reap greater benefits from their operations. Thus, competitive and wayward activity of various subnational entities tends to favor the stronger ones and deepen inequalities, instead of being a tool to achieve the constitutional objective of mitigating regional disparities. ---------Despite the co-participation of several federal agencies and several federated entities in international relations, it is reasonable to assume that the competencies of the Ministry of External Relations will remain essentially unchanged for decades. What cannot be ignored, however, is that the context of horizontal and vertical decentralization demands an adjustment of the Ministry’s scope of action. Its role of overseeing and coordinating Brazil’s

international position should be strengthened in face of the greater involvement of specialized technical personnel from other government agencies in actions that have an impact on foreign policy. Itamaraty is therefore expected to function as the pivot of a bureaucratic network with multiple and strong international connections. The Ministry of External Relations will maintain its attribution of setting guidelines for international courses of action that are consistent with Brazilian interests, nevertheless, henceforth as the central node in the logic of an intricate network. The development of activities by other bureaucratic entities in different spheres of power does not threaten the existence of a competent and efficient Ministry of External Relations. Rather, it creates strong demand for the harmonization of external actions and the establishment of clear and consistent guidelines for the country’s foreign policy. What must be avoided at all costs is the emergence of bureaucratic competition within the State, which would result in serious damage to Brazil’s international position and severe erosion of its prestige. It would behoove Itamaraty to rethink its operational model and to prepare for new demands arising from the process of decentralization of international relations.  — J Further reading TAVARES, Rodrigo. Foreign Policy Goes Local: How Globalization Made São Paulo into a Diplomatic Power. In: Foreign Affairs, October 9, 2013 As Áreas Internacionais dos Municípios Brasileiros: Observatório da Cooperacão Descentralizada – Etapa 1. Confederação Nacional dos Municípios – Brasília: CNM, 2011.

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What relationship do diplomacy and a simple fifty-cent coin have? How does numismatics aid the work of the diplomat? How many diplomatic considerations are involved in an export contract of banknotes from the Brazilian Mint? In this context, this article discusses the relationship between diplomacy and numismatics in several dimensions: iconographic (diplomats and diplomatic events portrayed in the Brazilian money), professional (the functionality of numismatics in the diplomatic work) and commercial and cooperation (the export of money by the Brazilian Mint).

The other side of the coin: diplomacy and numismatics Much more than a hobby, numismatics is a science with multifarious implications for diplomacy. The knowledge of banknotes and coins can help diplomats in their daily work and often serve as an instrument of foreign policy. Portuguese version page 116

— Bruno Quadros e Quadros The most widely known dimension of numismatics – the collecting of coins and banknotes – is, for some, an aristocratic eccentricity, while for others, it is an educational and recreational activity. Numismatics nonetheless involves many other aspects: it serves as an adjunct science to History and brings with it the knowledge of the technology for the manufacturing of money and counterfeit prevention. Regardless of these different perspectives, the study of banknotes and coins allows one to see how the history of a country is treated and which individuals and events are privileged over others. Thus it is the singular field to observe the hierarchization of national history and iconography by the political power at a given time.

Diplomacy in Brazilian banknotes and coins The representation of diplomats and diplomatic events abounds in Brazilian numismatics, starting with the Baron of Rio Branco (Barão do Rio Branco). The Patron of Brazilian diplomacy has been present on coins and paper money of Brazil for more than a hundred years and followed the various changes of currency undergone in the country during the 20th century. The first appearance of José Maria da Silva Junior Paranhos on the obverse of Brazilian banknotes was in 1913, one year after his death. It was on the 14th print of the banknote of 5,000 réis, produced by the American Bank Note Company, headquartered in New York. The reverse makes reference to the industry and trade of the country. When it was realized that the “myth” of the Baron would be long-lasting, the diplomat was portrayed on the 19th print of 5,000 réis banknotes that were issued in 1924, 1936 and 1942, also by the American Bank Note Company. Banknotes of this print that are in perfect condition (called “uncirculated” by numismatists) are valued at almost 500 reais in the market. With the monetary reform that introduced the Cruzeiro in 1942, the banknote of 5,000 réis with the Baron was over-stamped for 5 cruzeiros, eliminating three zeros. Also printed in the United States, the first print of the original banknote of 5 cruzeiros circulated between 1944 and 1967. While Rio Branco remained on the obverse, the note brought innovation to the reverse, which portrayed the painting “The Conquest of the Amazon “ by Antonio da Silva Parreiras. The banknote circulated with the second print from 1950 on, now issued by the British company Thomas de La Rue

& Company, with the same illustrations, but with a new color scheme, closer to brown. In the second “family” of Cruzeiro banknotes, reintroduced as the national currency in 1970, the Baron was transferred to the banknote of 1,000 cruzeiros, which was printed by the Brazilian Mint (Casa da Moeda do Brasil or CMB) and circulated between 1978 and 1989. Having on the reverse the theme of border demarcation with a reproduction of the tachometer used in the dispute over Palmas/Misiones, this banknote was inspired by playing cards, enabling the same reading regardless of how the note is turned. It was from this banknote that the expression barão (“baron”) came into popular language to designate the number thousand in monetary values. In numismatic circles, it is known as cabeção (“Big Head”), due to the prominence of the forehead of the Baron.

“The Palmas Dispute, also known as Misiones Dispute, was a dispute between Argentina and Brazil from 1890 to 1895. Both countries disputed the territory between the west of the state of Santa Catarina and the southwest of the state of Paraná. Baron of Rio Branco, who was the Brazilian delegate, was crucial in making the arbitral award by American president Grover Cleveland favorable to Brazil.”

After nearly a decade “out of circulation”, the Baron returned to the Brazilian currency in the second “family” of coins of the Real, introduced in 1998. While the banknotes started to portray the fauna, the coins paid homage to Brazilian national heroes. Those honored include Álvares Cabral, Tiradentes, D. Pedro I, Deodoro da Fonseca and the Baron, who appears on the obverse of the coin of 50 cents, flanked by the map of Brazil, in allusion to the Baron’s contribution to the consolidation of national borders. From 1998 to 2001, it was minted in cupro-nickel. From 2002 onwards, it was manufactured in stainless steel. More than 2 billion of these coins were produced. Besides the Baron, Rui Barbosa is another Brazilian honored in the Brazilian money for his diplomatic performance. The jurist from the State of Bahia is on the coin of 20 cents of cruzeiro, which was minted between 1948 and 1956. Rui and

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the Second Hague Peace Conference (1907) are present on the Brazilian banknotes of 10,000 cruzeiros, which circulated between 1984 and 1990, and of 10 cruzados, which circulated between 1986 and 1990, both printed by the CMB. On the obverse, Rui Barbosa is on the right of his work desk; on the reverse, the “Eagle of the Hague” appears speaking in the plenary of the Conference. In 1992, the 2,000 cruzeiros commemorative coin was launched to mark the United Nations Conference on Environment and Development (UNCED or Eco-1992) held in Rio de Janeiro that year. Minted in silver, it has a hummingbird pictured on the reverse. This is another example in which numismatics accompanied the changes in Brazilian foreign policy, precisely at the conference that marked the strengthening of Brazil’s engagement in multilateralism and environmental protection. Numismatist diplomats Besides portraying diplomats, numismatics is related to the daily life of these professionals. But to what extent does the numismatic activity assist the work of a diplomat? According to Ambassador Paulo Cordeiro de Andrade Pinto, numismatist with special interest in Portuguese colonial coins, it provides knowledge, on the one hand, of the reality and history of the countries and, on the other hand, of the artistic aesthetics of a given time. The understanding of the history of Puerto Rico, for instance, can be perceived through the relationship of the locals with their currency. Foreign service officer (Oficial de Chancelaria) Luis Augusto Galante, who has a PhD in History and is a numismatic consultant, noted the preservation of the Spanish monetary memory during his stay in San Juan, due to the fact that Puerto Ricans still refer to the US dollar as peso and to the coin of 25 cents (“quarter”) as peseta. With regard to artistic aesthetics, the dobras and dobrões minted during the reign of King John V, in the first half of the 18th century, are formidable examples of the baroque style that predominated in Portugal at that time. According to Ambassador Paulo Cordeiro, the attentive numismatic eye allows the understanding of the codes of each society, which are often not evident in the traditional sources of information (speeches and the press). The policy for minorities in China, for example, can be

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perceived by the presence of translations into Mongolian, Tibetan, Uighur and Zhuang on all banknotes of the Chinese renminbi (RMB). Through these banknotes, the Chinese government transmits the official policy of respect of ethnic, linguistic and religious diversity in the country. Furthermore, numismatics serves as a mechanism to facilitate dialogue. Ambassador Cordeiro recounts the occasion which an Iranian official assumed his Brazilian counterpart knew little about the Persian country and its society. Realizing the climate of suspicion, Cordeiro presented to his interlocutor one toman, a golden coin minted during the reign of Fath-Ali Shah, Shah of the Qajar dynasty that ruled Persia between the late 18th and mid-19th century. The act contributed to dispel any distrust, and the Iranian authority embarked on a fruitful dialogue. Diplomacy also has the role of recovering national numismatic treasures. In 1986, while working in the Delegation of Brazil in Geneva, Ambassador Cordeiro witnessed the work of then-Ambassador Paulo Nogueira Batista, who, instructed by a dispatch from Brasília, participated in an auction of Portuguese colonial coins organized by Sotheby’s. The specific instructions from the Foreign Ministry, at the request of the Central Bank of Brazil, concerned the purchase of five coins minted in Bahia between 1715 and 1816, which were missing in the numismatic collection of the Central Bank. The Bank of Portugal also was in contention, interested in the same coins. In the end, it was possible to purchase two pieces: a coin of 6,400 réis, minted in gold in 1734, at a cost of 130,000 Swiss francs (about 300,000 reais), which was the priority of the Central Bank; and a coin of 4,000 réis, minted in gold in 1816, at a cost of 1,400 Swiss francs. The export of money by the Brazilian Mint The export of money is another dimension of the relationship between diplomacy and numismatics. When performed on a commercial basis, the export reveals a strong bond of trust of the buying countries towards the exporting country. When the money is manufactured without cost to countries with temporary problems in producing it, the export becomes an important instrument of bilateral cooperation.

Founded in 1694, the Brazilian Mint (CMB) has a long record of export of coins and banknotes, dating back to the colonial period, when it coined macutas for Portuguese colonies in Africa, from 1813 onwards. In the 20th century, the CMB exported banknotes to many countries, such as Bolivia, Venezuela, Peru, Costa Rica and Ecuador, and has become an international reference in making money. This process was interrupted, however, in the late 1980s, due to the excessive demand for circulating currency in Brazil and the technological obsolescence of the equipment of the CMB at that time. After receiving significant investment in the modernization of the machinery and the expansion of production, the Brazilian Mint returned recently to the international market. In recent years, CMB signed supply contracts with monetary authorities in countries such as Paraguay, Venezuela, Argentina and Haiti. For Paraguay, the CMB printed more than 40 million banknotes of 5,000 and 10,000 guaraníes. Signed in 2010, the contract with Argentina concerned the printing of 140 million banknotes of 100 pesos, in order to assist in the supply of paper money to the Argentinean market. Aircraft of the Argentinean Air Force were sent to Rio de Janeiro in January 2011 to transport the banknotes back to the neighboring country. In the case of Haiti, the export was not a contract of sale, but a donation, in the context of the Brazilian humanitarian aid to the Caribbean nation after the 2010 earthquake. Brazilian Law no. 12,409 authorized the CMB to donate 100 million banknotes to Haiti, which represents an aid of nearly 5 million reais to that country. The transport of the money also fell to the CMB: in November 2013, a chartered ship arrived in Portau-Prince with 47.4 million banknotes of 20 gourdes, packed in a special security packaging. These notes already have the security features present in the second “family” of Real banknotes, such as the holographic band. ---------To think of numismatics as a mere hobby divorced from reality is to overlook the wealth of its relations with diplomacy. The details contained in coins and banknotes are the result of political decisions, devised with the aim of transmitting to the

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population the historical narrative and/or the perception of reality preferred by the political power. In this sense, the pervasiveness of the Baron in the Brazilian money in the last hundred years demonstrates the prestige that he and his legacy have in Brazilian society, mainly because of the consolidation of national borders. Numismatics is also a valuable tool that assists diplomats in understanding other realities and facilitating dialogue. It allows diplomats to analyze the relationship of foreign societies with their past, as well as the messages of the local political power in areas such as development, environment and culture. Finally, the manufacture of money can serve as a mechanism of foreign policy and cooperation, the most prominent example being the free printing of the Haitian currency in order to supply the market of the Caribbean country. In this sense, the numismatic expertise of the CMB is one of the resources available to the Brazilian diplomacy to deepen relations with other developing countries.  — J

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