DOT – NITERÓI/RJ: REPLICAÇÃO DO MODELO \" PORTO MARAVILHA \" PARA PROMOÇÃO DE SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

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Nos exemplos das OUC paulistanas, SALES, 2005, demonstra ser pouco factível o cumprimento de metas rígidas de proporção entre usos, vez que é o mercado secundário que define o produto imobiliário final. De fato, até o momento, no Porto Maravilha 80% do total da área construída são de uso não-residencial.
MARTINS, CHACUR e NUNES (2016) apresentam no XIX CLATPU o caso do viciado processo de licenciamento ambiental do Porto Maravilha.
O Porto Maravilha está sendo investigado pela operação Lava-Jato da Polícia Federal em razão de denúncias de tráfico de influência para liberação de verbas públicas para empreiteiras que financiaram as últimas campanhas dos governos municipal, estadual e federal. De fato, a OUC carioca só foi possível porque a Caixa Econômica Federal comprou, com recursos do FAT, o total de 6 milhões de Cepacs, injetando nos cofres municipais os investimentos necessários para as obras, mas um ano depois ofereceu em leilão lote de 100 mil Cepacs (1,6%), tendo sido vendidos efetivamente apenas 26 mil títulos (0,4%), o que serviu apenas para legitimar uma valorização do ativo em quase 120%. Não por coincidência, as mesmas empresas que financiaram a campanha do governo eleito para a cidade do Rio, também foram beneficiadas na PPP para execução das obras, e são também as mesmas empresas que também investiram na campanha do governo eleito da cidade vizinha, Niterói, tendo no primeiro dia protocolado projeto de OUC para área central daquele município, com fundamento nos mesmos elementos de projeto do Porto Maravilha (até a linha de VLT).

Esse argumento revela tratar-se de um empreendimento que interessava inicialmente ao grande capital construtor das empresas financiadoras das campanhas, mas não às empresas locais e estas acabariam, no futuro, a reclamar tal potencial adicional remanescente, como, de fato, está ocorrendo atualmente, visto não ter-se conseguido oferecer Cepac depois de 3 anos, evidenciando-se tão somente a confusão causada pela açodada proposta do governo para cumprir acordos com seus investidores, como denunciam diversas instituições.
DOT – NITERÓI/RJ: REPLICAÇÃO DO MODELO "PORTO MARAVILHA" PARA PROMOÇÃO DE SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

Jorge Antônio Martins
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Roman Bertoldo Coutinho
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Felipe Camargo Raitano
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]


RESUMEN

Trata-se de um estudo de caso: a Operação Urbana Consorciada (OUC) da Área Central de Niterói, replicação do "Porto Maravilha"/RJ. Enfoca-se a análise de viabilidade do empreendimento a partir da verificação de lastro, conforme art. 28, §3o do Estatuto da Cidade, que requer a demonstração de proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o adensamento proposto como requisito legal para disponibilização de potencial adicional construtivo. Mas esse requisito não foi cumprido nem por ocasião da revisão do Plano Diretor, nem quando da execução do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do empreendimento. O governo municipal justifica a pretensão, abrindo mão de 40% do potencial construtivo total disposto no Plano Diretor para induzir a sociedade a aceitar sua iniciativa como viável ambientalmente, mas nem demonstra se o impacto do potencial remanescente seria mitigável, nem consegue responder por que abre mão do potencial construtivo máximo se este corresponde, em tese, ao custo mínimo per capita de implantação da infraestrutura. Analisou-se, então, qual tenderia a ser a proporção entre os investimentos necessários para adequar a infraestrutura ao adensamento em três cenários, a saber: (i) o existente, (ii) o total disposto no Plano Diretor e (iii) o do projeto de lei da OUC (com potencial adicional construtivo de apenas 60% do potencial total disposto no plano). Conclui-se que comparada ao Plano Diretor, a decisão do governo acaba por promover insegurança juridica e induzir ao dobro o custo de implantação de infraestrutura a ser suportado pelos moradores, sobretudo famílias com renda mensal de até 2 salários mínimos, o que chega a ser 40% da população atual da área.

Palavras-chaves: DOT; Operação Urbana Consorciada; Porto Maravilha; Niterói; Lastro; Densidade; Infraestrutura; Viabilidade; Impacto de Vizinhança; Segregação.


O PROJETO "PORTO MARAVILHA" COMO MODELO PARA O CASO DE NITERÓI/RJ

O conceito de "Desenvolvimento Orientado ao Transporte" tomou conta das políticas públicas. Vincula-se à noção geral de uma ocupação compacta, de alta densidade, com uso do solo misto em torno de estações de transporte de alta capacidade para induzir maior participação de modos não motorizados (a pé e bicicleta) e deslocamentos motorizados de longa distância. Projetos que promovem maior densidade e tenha uma linha de transporte público têm sido anunciados, sem maiores análises, como casos de DOT por seus autores e parceiros (notadamente ONGs que prestam serviços de consultoria sem se submeterem a concorrência). No Brasil, o instituto da Operação Urbana Consorciada (OUC), associado à modelagem financeira das Parcerias Público-Privadas, tem sido adotado cada vez mais frequentemente para viabilizar tais projetos, até mesmo pela possibilidade que o administrador público encontra para antecipação de receita, através da venda de potencial adicional construtivo. São Paulo, por exemplo, foi o primeiro município a usar o instituto antes mesmo de positivado na legislação. No caso do Rio de Janeiro, a primeira vez em que se aplicou o instituto foi no "Porto Maravilha", em 2009, por ocasião das transformações urbanísticas para recepção dos Jogos Olímpicos de 2016. A despeito das alterações viárias, a OUC Porto Maravilha ancora-se em duas premissas: (i) uma renovação urbana, com maior adensamento e melhor distribuição de usos residencial (53%) e comércio/serviços (47%); e (ii) novos hábitos de viagens (a partir do VLT). No entanto, no que tange à primeira, o projeto não estabelece meios para o efetivo controle do uso do solo. E, quanto à segunda premissa, a própria consultoria do Munícipio estimou em apenas 8% a taxa de transferência de viagens do carro para o VLT esperada – além do desrespeito à legislação brasileira no que concerne à injusta distribuição de ônus e benefícios, transferindo-se o subsídio do VLT do capital imobiliário para o contribuinte (MARTINS, CHACUR e ABREU, 2016).

A "OUC Área Central de Niterói", inspirada no Porto Maravilha, foi instituída pela lei ordinária nº 3061, de 03/12/2013 e pretende promover a "revitalização" da área central da cidade e estabelece que, o projeto terá duração de 20 anos. A crítica geral das instituições (Ministério Público, universidades, sindicado das empresas da construção civil, etc.) em relação à OUC de Niterói tem-se dado no sentido de que o "projeto de lei caracteriza-se por um conjunto de propostas elaboradas fora do governo pelos parceiros privados como um pacote fechado, insensível às críticas, mas também contraditório, incoerente, mal fundamentado, não disponibilizando sequer todos os indicadores objetivos necessários que pudessem caracterizar cumprimento das exigências legais" (MARTINS, 2013, p.5).

Demonstra-se um projeto contraditório, pois aumenta a participação relativa da área central no espaço urbano, com a concentração de investimentos e empregos, quando, por outro lado, propõe diminuir as viagens motorizadas para o centro. Também desconsidera o fato da área ser uma das principais centralidades da metrópole, contrariando o princípio da OUC de investir em áreas degradadas economicamente. Demonstra ser um projeto incoerente porque apresenta total desconexão com projetos de mobilidade elaborados recentemente para a cidade. Apresenta-se como um projeto mal fundamentado e sem indicadores precisos e objetivos, devido ao distanciamento entre a realidade e o que foi proposto, tendo desconsiderado impactos urbanos, ambientais e econômicos, carecendo de requisitos técnicos para sua aprovação, como a demonstração de proporcionalidade entre o adensamento e a infraestrutura, capaz de conferir lastro à proposta, como determina o art. 28, § 3º do Estatuto da Cidade e a Comissão de Valores Mobiliários. Mas a principal crítica vem dos incorporadores locais, que argumentam não haver para eles interesse nos Cepacs quando se tem no município a possibilidade de uso da outorga onerosa com melhores indicadores de rentabilidade, o que denota insegurança jurídica para a sociedade e o mercado em razão do potencial adicional construtivo estar sendo reduzido em 40% como estratégia política para fazer parecer zelo do governo com a qualidade ambiental, no entanto, ainda restaria o potencial construtivo remanescente na área central a ser reivindicado pelas empresas locais.


A FALÁCIA DO GOVERNO AO REDUZIR 40% DO POTENCIAL CONSTRUTIVO TOTAL PREVISTO NO PLANO DIRETOR

Para minimizar críticas e oposição ao projeto, o governo municipal propôs a redução de 40% do total do potencial adicional construtivo previsto no Plano Diretor de Niterói, isto é, de 2.000.000 m² para 1.200.000 m². Essa estratégia mostra-se ilegítima, visto não terem sido efetivamente estudados os limites de capacidade de suporte ambiental da infraestrutura existente. Há falta de transparência, por parte do governo, ao não demonstrar os dados que teriam servido para o suposto cálculo do potencial construtivo que está sendo oferecido, impedindo a verificação por parte da sociedade.

A Figura 1 demonstra a relação custo/utilidade em face do coeficiente de aproveitamento do solo. A curva tracejada azul ("U" invertido) representa a utilidade social da urbanização e a curva em linha contínua vermelha (em forma de "U"), o custo social da urbanização. No eixo vertical, o custo per capita de construção e manutenção da infraestrutura; no eixo horizontal, a densidade urbana retratada pelo coeficiente de aproveitamento do solo urbano. Esta tem seu ponto ótimo para uma ocupação sustentável quando o ponto A (coeficiente de aproveitamento máximo sustentável) corresponde ou projeta-se sobre o ponto B (custo/utilidade mínimo). Tem-se aí a eficiência máxima na cidade, obrigação para o administrador público. Quanto menor a densidade em relação ao ótimo, maior tende a ser o custo da infraestrutura per capita; e quanto maior, maiores os custos de mitigação de seus impactos negativos.


Figura 1: A eficiência máxima na ocupação do solo urbano.
Fonte: Martins, 2013, p. 46.

No caso da OUC de Niterói, o Plano Diretor define um potencial construtivo máximo de 2 milhões de m², que, em tese, seria o ponto ótimo em relação ao qual o governo abre mão de 40%, isto é, afastando-se significativamente do ponto de eficiência máxima de ocupação, correspondente ao custo mínimo por habitante, com a maximização da cidade enquanto espaço democrático, visando o critério "modicidade" da oferta de serviços públicos.

Para verificar o impacto da decisão, 3 cenários foram considerados: a situação atual da área (sem a OUC), a proposta da prefeitura com a OUC (com 1,2 milhões de m² de potencial construtivo adicional) e a hipótese de aproveitamento máximo do disposto no Plano Diretor (2 milhões de m² de potencial adicional). Verificou-se notável redução de acesso às oportunidades urbanas promovida pelo projeto de lei da OUC em relação Plano Diretor. Atualmente, aproximadamente 40.049 pessoas habitam a área. Com a OUC, a população total passaria a ser de 75.908 hab. (17.323 hab. saindo e 58.585 hab. entrando). Se considerado o potencial máximo construtivo previsto no Plano Diretor, estima-se que esse número chegasse a 103.361 hab. Tem-se como resultado líquido final da estimativa de densidade urbana: (i) 170hab./ha. na situação atual; (ii) 330 hab./ha. com o projeto da OUC e (iii) 440 hab./ha. no Plano Diretor. Pelo modelo de Mascaró (1979), que correlaciona custo da infraestrutura e densidade, tem-se, em relação à situação urbana atual, que o projeto da OUC tende a reduzir o custo por habitante em torno de 40%, mas o Plano Diretor reduz ainda mais (70%), aproximando-se da eficiência ótima, como demonstrado no gráfico a seguir (Figura 2).


Figura 2: Custo de infraestrutura/habitante para os 3 cenários analisados.
Fonte: Martins, 2013, p. 47, com fundamento em Mascaró (1979).

Conclui-se, pois, que ao desconsiderar 40% do potencial construtivo previsto no Plano Diretor, o governo dobra os custos de implantação da infraestrutura necessária para o projeto. Como a OUC tem como princípio atrair investimentos para serem aplicados exclusivamente dentro de seu perímetro, pelo princípio de reciprocidade impõe-se que os custos sejam distribuídos também entre proprietários, moradores e beneficiários. Assim, a população de até 2 salários mínimos mensais, que corresponde a 40% da população local, tenderia a sofrer "expulsão branca", por mostrar-se insustentável manter-se numa área que valoriza.

REFERÊNCIAS

MARTINS, Jorge Antônio. Segundo relatório de análise crítica da complementação do Estudo de Impacto de Vizinhança da OUC – Área Central de Niterói (Projeto de Lei no 193/2013). Rio de Janeiro: 2013. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B7VLMZrxlcWpd1A0QktCNlNyUFU/view Acesso em: 31 jul. 2016.
MARTINS, Jorge Antônio; CHACUR, Matheus Rocha Pitta e NUNES, Nina Lys de Abreu. DOT – Porto Maravilha/RJ: segregação socioespacial e impactos de vizinhança como legado dos Jogos Olímpicos de 2016. Anais do XIX CLATPU, Montevideo, 2016.
MASCARÓ, Juan Luis. Custos de infraestrutura: um ponto de partida para o desenho econômico urbano. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1979. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/89817. Acesso em: 31 jul. 2016.
SALES, P.M.R. (2005). Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projetos. Parte 2 – Operação Urbana Faria Lima: relatório de avaliação crítica. Vitruvius. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.059/481. Acesso em: 31. Jul. 2016.

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