Draft/Prefácio: Um novo Norte de pesquisas para as Americas

June 2, 2017 | Autor: Daniel Chaves | Categoria: Guyana
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Prefácio: um novo Norte de pesquisas para as Américas Daniel Chaves

É inevitável notar a contribuição da História da América para a formação de historiadores no Brasil, como no já tradicional campo (ou campos, pela sua heterogeneidade) da História Latino-americana, ou da História dos Estados Unidos da América, nos apontando um conjunto de sendas fundamentais. Apesar do que Maria Lígia Coelho Prado1 e Maria Helena Rolim Capelato2 argumentam sobre a precariedade tradicionalmente existente na compreensão brasileira sobre a sua relação de pertença com a América do Sul e a América Latina (um debate ainda inconcluso, diga-se em passo acelerado), o que se testemunhou e testou nos últimos 10, quiçá 20 anos, foi uma proliferação qualitativa e quantitativa impressionante de estudos em teses, dissertações e iniciações científicas sobre as Américas nas Universidades brasileiras. A existência de novos Programas de Pós-Graduação e de Instituições de Ensino Superior voltadas para o continente e suas nações, além de notáveis grupos e institutos de pesquisa, deve ser notada e compreendida em face dos processos hodiernos e dos arranjos estratégicos contemporâneos que transitavam na sociedade brasileira – e a disputavam como tentativa de novo projeto hegemônico. Estando diante da inevitabilidade em notar a contribuição do americanismo e do latinoamericanismo para a historiografia brasileira, também é preciso compreender de forma a situar no espaço, no tempo e nas tendências os motivos de tal expansão contemporânea e como tal expansão é determinante para a região das Guianas, o jovem Norte da América do Sul. A fragilização política – seja nas eleições, seja nos programas políticos, seja nos lobbies históricos – do neoliberalismo como uma agenda possível para determinados e diversos grupos políticos nas Américas pode ser facilmente historicizada, a título de balizas de compreensão, pelo início dos anos 2000. O processo de ascensão de um nacionalismo latinoamericanista, de novo tipo e com heterogêneos padrões de 1

PRADO, Maria Ligia Coelho. O Brasil e a distante América do Sul. Revista de História, nº.145, 2º semestre de 2001, pp. 127-149. Ver também PRADO, Maria Lígia Coelho. Repensando a História Comparada da América Latina. Revista de História, nº. 153, 2º semester de 2005, pp. 11-33. 2 CAPELATO, Maria Helena R. O ‘gigante brasileiro’ na América Latina: ser ou não ser latinoamericano”. MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta. A grande transação, São Paulo, Editora SENAC, 2000.

Draft de prefácio para CAVLAK, Iuri. História Social da Guiana. Macapá/Rio de Janeiro: Editora da Unifap/Autografia, 2016.

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associação com movimentos sociais, indústria nacional, nacionalidades indígenas, segmentos da sempre presente classe média, entre outros, veio como uma “Onda Rosa” (termo cunhado pela primeira vez por Larry Rohter, repórter do NY Times), uma maré esquerdizante que venceu eleições na Venezuela (1998), Brasil (2002), Argentina (2003), Uruguai (2004), Bolívia (2005), Honduras (2005), Chile (2006), Costa Rica (2006), Equador (2006), Nicarágua (2006) 3, aparentemente arrasando governos da Direita liberal, rentistas ou extrativistas, legatários de minguada socialdemocracia residual das distensões políticas dos anos ’80 do Século XX. Tais regimes, cuja incapacidade de sustentação eleitoral, moral ou social era notável, sucumbiram em sucessivas crises de representação política, que na beira do precipício do fim das Repúblicas, foram rearranjados para constituírem-se novos pactos em torno de renovados padrões de governança que reconectavam as entidades de base aos executivos nacionais – o que alguns denominariam “Socialismo do Século XXI”, outros chamariam de “Neopopulismos”, dependendo do seu posicionamento no jogral narrativo. De certo modo, com diferentes matizes em um degrade de derrotas liberais, nesta década rompeu-se uma hegemonia que já perdurava por 20 ou 30 anos a fio, de Carlos Ménem a Gonzalo Sanchez de Lozada, passando por Fernando Henrique Cardoso e Alberto Fujimori. A ascensão e queda de tais regimes ainda será objeto de originais estudos com novas perspectivas, diante da corrente refrigeração ou deterioração dos ‘governos rosas’ na segunda metade da segunda década do XXI. A história desses socialismos e nacionalidades é a história do legado das Onda Rosa, mas também em corte de maior duração a história da emancipação, da dependência e dos vínculos e nexos que afiançam a experiência das Guianas como unidades autônomas com uma historicidade compartilhada. Da questão colonial em Cayenne, ao experimento surinamês, pelo difícil relacionamento de Georgetown com os EUA, a estratégia comparativa serial, buscando as linhas de semelhança e distinção entre as partes. E é precisamente a partir desta heterogeneidade que se constituiu a riqueza desta história de resistências e originalidades nas três décadas mais recentes. Não se pode desprezar, ainda que se reconheça o seu iminente ocaso, o papel revolucionário que tal Onda gerou no pensamento social brasileiro no crepúsculo do alvorecer de um novo 3

LAMBERT, Renaud. A onda rosa. Le Monde Diplomatique, Abril de 2010.

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século fóruns, organizações e eixos internacionais legatários das históricas relações SulSul 4. Nesta busca por soluções, no campo das Esquerdas globalistas dos Fóruns Sociais, o altermundialismo pontuou-se embrionário parasoluções políticas inovadoras – em especial diante do problema da participação e da representação política - face ao catastrófico depauperamento da supremacia das pautas clássicas marxista-leninistas, fazendo com que reuniões de movimentos sociais internacionais antissistêmicos contassem com presenças garantidas de chefes-de-Estado sul e centro-americanos dialogando com intelectuais e ativistas. Ao mesmo tempo causa e efeito de um amplo processo de reconfiguração de agendas políticas de massa, o processo influenciou e moldou uma geração de estudos estratégicos e de políticas públicas da então sólida economia brasileira, evidenciando certa importância de novos paradigmas de compreensão que evoluiriam ao ponto da criação de foros como a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA, 2004) ou, de forma mais republicana e ecumênica, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL, 2008). Esta última se destaca de forma indelével pelo inédito construto da primeira iniciativa de integração que abarcava todas as nações independentes da América do Sul (com a exceção da Guiana Francesa, colônia tardia), atuando como um espaço de coordenação multilateral da região diante do mundo. Assim, os países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) se uniriam aos países da Comunidade Andina de Nações (CAN), com o fundamental ganho da presença de outros países como o Chile, mas também aos 'caribenhos' Suriname e República Cooperativa da Guyana, propondo uma integração inédita de Ushuaia até Guajira colombiana, de João Pessoa até Piura. Em determinados casos, como da plurinacional Bolívia e da participativa Venezuela, o efeito estrutural se demonstrou na refundação dos modelos de Estado, no reconhecimento de novos padrões nacionais e da institucionalização de novas formas de governança, em um contexto que se aparentava ateado pelo fogo da crise conjuntural. Era mais que isso, contudo: a Nação, o Estado e o Povo eram conceitos históricos que, mesmo revisitados continuavam a exibir vitalidade, mesmo dois séculos depois da descolonização das Américas e das bicentenárias campanhas da Pátria Grande. A 4

Ver o trabalho protocomparativo de Patrícia Soares Leite, interessado no mapeamento da presença de agendas não-alinhadas às grandes potências na história da Política Externa Brasileira. LEITE, Patrícia Soares. O Brasil e a Cooperação Sul-Sul em três momentos de política externa: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 228 p.

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longevidade destes debates se demonstra, na região das Guianas, de forma vivaz, entretanto diferente. A maneira tardia da sua formação sociopolítica, a descolonização distante no tempo, o seu papel periférico diante da América hispano-lusófona, a sua demográfica e cultural diacrônica quanto aos seus vizinhos ao Sul e mais próxima dos seus vizinhos caribenhos ao Norte, entre outros fatores, distingue trajetórias de encontros e diferenças permeadas pelo cosmopolitismo de nações forjadas - e em forja no tempo presente. Nem totalmente caribenhas, tampouco absolutamente sulamericanas, e meio amazônicas, meio marítimas: as Guianas, moldadas pelas diásporas e douradas em oportunidades para migrantes, conquistadores, trabalhadores e famílias, ainda são território franco para novas histórias e narrativas que terão seguramente espaço cativo nas narrativas sobre as mais ensolaradas terras da América do Sul. Nesta geografia dos estudos históricos, o trabalho de Cavlak é encorajador e impetuoso, ainda que forjado em tons clássicos e orientado por uma tradição historiográfica contemporanista modelar. A preocupação arguta e atenta quanto a temas emergentes como pluralidade étnica, identidade nacional, estrutura demográfica e sistemas de poder não despreza os modos de produção e os regimes políticos. Com sucesso, a obra abre caminho para pesquisas futuras que serão por inovadoras por excelência. A História sobre as Guianas, no futuro, passa por aqui.

Draft de prefácio para CAVLAK, Iuri. História Social da Guiana. Macapá/Rio de Janeiro: Editora da Unifap/Autografia, 2016.

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