Dunas, grupos ceramistas e exploração de recursos: hipóteses para a ocupação na praia de Fleceiras, em Trairi - CE

May 26, 2017 | Autor: Everaldo Dourado | Categoria: Etnohistoria, Arqueología espacial, Geomorfologia Costeira
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REVISTA TARAIRIÚ – ISSN 2179-8168

DUNAS, GRUPOS CERAMISTAS E EXPLORAÇÃO DE RECURSOS: HIPÓTESES PARA A OCUPAÇÃO NA PRAIA DE FLECHEIRAS, EM TRAIRI - CE

Everaldo G. DOURADO1 Jenilton F. SANTOS2 Ligia R. HOLANDA3 Jefferson Lima dos SANTOS4 José E. de SOUSA5

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Mestre em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe e Historiador, Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisa em Patrimônio e Memória (GEPPM/ História/ UFC). [email protected] 2 Doutor e Professor Adjunto do Departamento de Arqueologia e do Programa de Pós-graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe – Campus Laranjeiras (PROARQ/ UFS). [email protected] 3 Mestranda no Programa Interdisciplinar em História e Letras da Universidade Estadual do Ceará (MILH/ UECE). [email protected] 4 Doutor e Professor Assistente no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará – Campus do Pici (UFC). [email protected] 5 Historiador e Técnico em Agrimensura no Laboratório de Topografia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). [email protected]

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DUNAS, GRUPOS CERAMISTAS E EXPLORAÇÃO DE RECURSOS: HIPÓTESES PARA A OCUPAÇÃO NA PRAIA DE FLECHEIRAS, EM TRAIRI – CE RESUMO Na praia de Flecheiras, no município de Trairi – CE, quatro sítios arqueológicos foram identificados. Todos estão inseridos em ambiente dunar, contendo cerâmicas ligadas a Tradição Tupiguarani e Cabocla, além da presença de líticos, restos de conchas, resinas, faianças e vidros. Através de estudos sobre a região, tais como, o contexto arqueológico e etnohistórico, a caracterização ambiental, análise arqueológica espacial e da cultura material, foi possível identificar possíveis áreas de captação de recursos, o que revela uma íntima relação entre os grupos que habitaram Flecheiras e o ambiente litorâneo. A partir dessa pesquisa esperamos contribuir para os estudos referentes à Arqueologia do litoral cearense. PALAVRAS-CHAVE: Praia de Flecheiras, áreas de captação de recursos, litoral do Ceará ABSTRACT On the beach Flecheiras, in the municipality of Trairi – CE, four archaeological sites were identified. All are set in dune environment, containing ceramics linked to tradition Tupiguarani and Cabocla, besides the presence of lytic, shells remains, resins, faience and glasses. Through studies of the region, such as the archaeological and ethnohistorical context, environmental characterization, spatial archaeological analysis and material culture, it was possible to identify possible fundraising areas, which reveals an intimate relationship between the group that inhabited Flecheiras and the coastal environment. From this research we hope to contribute to the studies on the archeology of Ceará. KEY WORDS: Flecheiras Beach, fundraising areas, coast of Ceará

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O trabalho por hora exposto é apenas uma parte que integra a dissertação intitulada “Modos de habitabilidade dos grupos ceramistas: dispersão e dinâmica dunar na praia de Flecheiras, em Trairi, no Ceará” defendida em 2015, no Programa de Pós-graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe e que contou com a concessão de bolsa de estudos da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A literatura arqueológica brasileira tem dedicado atenção aos povos que habitaram o litoral brasileiro, neste sentido, Tenório (2000), afirma que os caçadores-coletores-pescadores holocênicos surgiram em meados da última grande mudança climática que ao tornar o planeta quente e úmido favoreceu a formação de novos ambientes. Diante de uma maior diversidade de recursos esses grupos assentaram-se próximo a lagoas e rios, onde promoviam a caça e a pesca de pequenos animais, coleta de frutos e também de moluscos que habitavam esses corpos d’água. Na costa do Ceará são identificados inúmeros sítios arqueológicos précoloniais e históricos, resultantes da densa ocupação ocorrida na região em tempos pretéritos, por grupos ligados a pesca, coleta e agricultura, perpassando pelos colonizadores europeus, até a atualidade. Ainda há poucas produções acadêmicas, no que diz respeito aos estudos arqueológicos sobre as ocupações no litoral cearense, apesar da vasta quantidade de sítios já registrados por conta de achados fortuitos e em decorrência do uso da costa para a construção de empreendimentos diversos. Os sítios Trairi I, Trairi II, Trairi III e Trairi IV foram identificados durante a realização de um projeto de Arqueologia Preventiva na localidade de Flecheiras, tendo em vista a longa distância e a proteção natural em que se encontravam da área de impacto da obra, apenas Trairi IV que seria atingido, passou pelo salvamento arqueológico. O principal objetivo dessa pesquisa é o de compreender as razões para a implantação desses sítios nas dunas da praia de Flecheiras, através de uma análise espacial em uma macroescala, abrangendo um estudo sobre os sítios e o bioma em que estão inseridos, com dados ambientais, espaciais, arqueológicos e etnohistóricos.

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O ESPAÇO GEOGRÁFICO E SEUS RECURSOS A compreensão do meio ambiente é também um dos aspectos importantes para o entendimento da cultura, pois é na condição de adaptação a natureza que os grupos humanos promovem o equilíbrio no sistema (JOHNSON, 2000), por essa razão destacamos como fundamental os aspectos ambientais do litoral trairiense e dessa forma compreendermos parte das razões que motivaram a ocupação daquela faixa de praia. Salientamos que para fins dessa publicação não nos compete ainda analisarmos aspectos simbólicos que possam ter motivado a escolha de Flecheiras para o estabelecimento de seus assentamentos em dunas.

Figura Nº 01: Localização do município de Trari, no Ceará. Elaborado por Jefferson Lima, 2015.

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O município de Trairi tem por limites ao norte o oceano Atlântico, ao sul o município de São Luís do Curú e Tururu, a leste o município de Paraipaba e o rio Trairi e a oeste o município de Itapipoca e o rio Mundaú. Suas coordenadas são 3°16’40” latitude S e 39°16”08” longitude W (Figura Nº 01). Atualmente o clima nessa faixa costeira é definido, segundo a classificação de Köppen, como Equatorial Úmido e Semiúmido, com chuvas no verão e até 6 meses de estiagem. As temperaturas médias estão entre 25º e 27º. O regime pluviométrico, assim como em todo o semiárido, tem atividade intensa entre os meses de fevereiro a maio, e com pluviosidade em média de 1.137,5 mm (AMBIENTAL, 2011). Essas alterações climáticas são explicadas em função das alterações na Zona de Convergência Intertropical – ZCIT no Ceará, as massas de ar úmido se concentram principalmente apenas no primeiro semestre do ano. Enquanto que no período seguinte, com o deslocamento de ZCIT para o Hemisfério Norte, por ação do fenômeno El Niño, o último passa a agir no litoral cearense (CLAUDINO-SALES, 2007). Sobre a hidrografia, tendo em vista que o município possui como divisores naturais, nos limites leste e oeste, uma destacada rede de drenagem, a região insere-se no domínio hidrográfico dos rios Trairi e Mundaú, sendo classificada como a Bacia do Litoral. Entre esses cursos de água existe a presença de nascentes implantadas dentro da faixa de dunas fixas e alimentadas pelo lençol freático de água doce que existe sob elas. Essas drenagens podem variar de extensão e volume durante o período chuvoso e apenas algumas se mantêm perene mesmo no período de estiagem. Exemplo disso é o córrego Estrela, que desemboca na praia de Flecheiras, e sempre possui água segundo os moradores do entorno. Essa drenagem em especial, recebeu maior atenção por ter em sua margem o sítio Trairi I, assim como a proximidade aos demais sítios da praia de Flecheiras. Outro exemplo de drenagem é a que se localizada na praia de Emboca e está a 6 km de Flecheiras, ali encontramos uma fonte da qual a comunidade se utilizava há tempos atrás para coleta de argila e assim construir telhas e tijolos. Ainda relacionado à rede de drenagens existe um elemento ambiental muito importante no ecossistema marinho, os corais. Identificamos na foz do córrego Estrela, na praia de Flecheiras, a presença desse componente do sistema marinho, no qual inúmeras famílias ainda praticam a mariscagem.

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Em termos geológicos Trairi apresenta associações litológicas do PréCambriano ao recente. Seu embasamento cristalino, com rochas mais antigas, está localizado apenas ao sul/sudeste do município e é pertencente ao Complexo Nordestino, nessa porção verificam-se gnaisses paraderivados de idade neoproterozóica (migmatitos, xistos e calcissilicáticas). O restante do território é composto por terrenos cenozóicos da Formação Barreiras e sedimentos holocênicos de origem marinha, tais como os eolianitos, as dunas fixas e móveis. Nesse último estão inseridos os sítios cujas dunas podem ser datadas de 1.200 a 400 A.P., são móveis e estão capeando gerações de dunas mais antigas e terrenos dos tabuleiros, obstruindo as drenagens costeiras e desembocaduras fluviais. Pesquisas indicam que a taxa de migração dunar na praia de Flecheiras pode chegar a 17m/ano (CARVALHO et al, 2006), o que indica não só uma intensa variação geomorfológica como também da paisagem arqueológica, pois a grande maioria dos sítios trabalhados nessa pesquisa foram impactados em maior ou menor grau pela dinâmica dunar. Em meio às dunas móveis ocorrem depressões interdunares, e durante os meses mais chuvosos, em alguns casos, podem ser cobertas por água, formando lagoas interdunares. As depressões desenvolvem-se na interface entre o topo da Formação Barreiras e das dunas, facilitando a acumulação de seixos e sedimentos de maior granulometria. Ressaltamos que foi nesse segmento geomorfológico que encontramos grande parte dos sítios sob dunas na praia de Flecheiras. A Formação Barreiras resulta, a nível global, de um processo de sedimentação ocorrido através do escoamento de detritos e sedimentos pelos rios e outros corpos fluviais a partir da erosão ocorrida nas rochas do interior do continente, provavelmente ocorrida entre o Terciário Superior e o Quaternário Inferior, ou seja, entre 5 - 4 ma (ARAI, 2006), recobrindo as depressões litorâneas e por conseguinte as rochas cristalinas. Sua composição apresenta sedimentos

areno-argilosos

e

silto-argilosos

com

leitos

arenosos

conglomeráticos e seixos, sendo constituída por grãos de quartzo que variam de finos a grossos. No caso dos sítios Trairi II, III e IV, a Formação Barreiras também serve como marcador das áreas vestigiais. As propriedades de uso dessa formação geológica vão para além do que o pesquisador poderia concluir, pois a comunidade do distrito de Flecheiras lhe

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atribui novos sentidos de uso. Segundo moradores, em alguns locais onde a formação está exposta, entre eles uma jazida a poucos quilômetros dos sítios, essa também serviria como sedimento para a construção de habitações, procedimento amplamente utilizado por várias comunidades litorâneas e que remonta várias gerações. Em alguns casos, diferente da comunidade de Flecheiras, pode por em risco a conservação de sítios arqueológicos. A composição do sedimento de cor alaranjada também pode indicar uso para criação de pigmentos e na composição de utensílios cerâmicos, fato que ainda deve ser verificado através de estudos apropriados. O CONTEXTO ETNOHISTÓRICO E ARQUEOLÓGICO NO LITORAL DE TRAIRI Percebendo o espaço como tendo uma relação intrínseca com a sociedade de cada momento histórico, é precípuo o confronto de informações referentes à cultura como dados referentes à subsistência, de controle e apropriação do entorno pelo homem bem como as relações entre as comunidades presentes na área de estudo. Esses grupos passam por transformações culturais decorrentes da acomodação ao meio recente ou já modificado, pela troca cultural com outros grupos e/ou mesmo pela dinâmica da cultura interna (MEDEIROS, 2002). Nossa área de pesquisa é delimitado pelos rios Mundaú e Trairi, havendo ainda o córrego Estrela que é o acidente geográfico mais próximo dos sítios arqueológicos em questão, cuja localização coincide com o que foi descrito por Pompeu Sobrinho com a nomenclatura de Tatajuba que designava “uma ponta bordada de recifes no distrito de Trairi (…) É fácil identificar a antiga ponta da Tatajuba com a atual ponta das Flecheiras. J. Blaeu fá-la figurar no mapa que organizou em 1649 entre o Rio Mondahug [Mundaú] e o Taraira [Trairi]” (1945, p.204). Quanto ao topônimo, uma das explicações apontadas pelo autor é de que ela se referia a um vegetal (Maclosia tinctoria) da qual se produzia uma tinta vivamente amarela. Paulino Nogueira também fez referência a esse vegetal, apontando que seu comércio foi tão intenso que no ano de 1835 a lei provincial n 6 de 17 de maio, instituiu o imposto de “50 réis por arroba deste páu no acto da exportação” (1887, p.413). Existem ainda referências sobre a comercialização de uma resina que produz tinta amarela, conhecida como

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âmbar gris. O Pe. Ivo D' Evreux (1929) elucida que era bastante comum encontrar grandes blocos desta resina nas praias e que os tupis a chamavam de piraputy que significava “excremento de peixe”, pois eles acreditavam que a resina era originada a partir dos excrementos de baleias, explicação contestada pelos franceses que acreditavam ser ela de origem vegetal. Ela era comumente empregada no fabrico de tintura amarela e por isso atraiu comerciantes que “já ao declinar do século XVI, ousavam perlustrar, acompanhados de pequenas escoltas de nativos mansos, as nossas praias, à cata do precioso âmbar gris, producto intensamente procurado dos mercados de além -mar” (STUDART FILHO, 1937, p. 15). A coleta desse artigo também foi registrada pelo Pe. Figueira na “Relação d Maranhão” (1903, p. 100). Curiosamente, nos sítios Trairi II e III foram encontrados fragmentos de uma resina com coloração amarelada, em ambos os casos foi possível identificar ação antrópica nesses vestígios, pois em um deles havia marcas de retirada em espiral, enquanto o outro foi verificado junto a um bloco rochoso possivelmente usado como suporte para fragmentação da resina, podendo indicar que ali era realizada parte do processamento desse material. Apenas após análises específicas poderemos confirmar a origem dessa resina verificada in loco. Na Relação d Maranhão (FIGUEIRA, 1903) ainda é citada as vias de comunicação do Ceará colonial e, nesse trajeto, demonstrou o quanto já em início do século XVI havia uma intensa movimentação na faixa litorânea que ligava o Ceará ao Maranhão, ali incursionavam tanto grupos indígenas diversos, quanto padres Jesuítas em missão e expedições oficiais da coroa portuguesa, piratas franceses e aventureiros portugueses que costumavam comercializar com os índios também o âmbar gris. Este percurso, nomeado “Estrada Velha” foi, portanto, desde cedo estratégico para o avanço da empresa colonial (STUDART FILHO, 1937). A partir do quadro esboçado por Studart Filho (1962;1963), podemos elencar na região do litoral oeste cearense incluindo a área em que hoje está situado o município do Trairí, a presença de índios de filiação Tupi, Tremembé, Tarairiú e outros de filiação duvidosa, dentre eles os Jaguaribaras, Jaguaruanas e Anacés. Sem perder de vista que muitos desses povos empreenderam longos percursos até se consolidarem em um determinado espaço, estabelecendo relações conflitivas ou não com outros povos, o que poderia justificar a presença

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de vestígios materiais de grupos diversos em um mesmo espaço. Além disso, as informações consideradas pelo autor ao esboçar tal quadro remontam a uma dinâmica territorial mais recente, datada do período colonial. Em Trairi, as margens do rio Mundaú, encontram-se os sítios Mundaú I a V, implantados entre dunas móveis e lagoas interdunares. As pesquisas realizadas por Marques (2013) nesses sítios indicam a presença de cerâmicas do tipo Tupiguarani, com forma globular e na borda ocorre a presença de furo, o engobo branco com resquício de pintura vermelha, provavelmente sua função estaria ligada a armazenar líquidos. Ocorre também a cerâmica do tipo Cabocla, acordeladas ou manufaturadas por torno, sem decoração, podendo estar relacionada ao ato de cozinhar. A forma que prepondera é a semiglobular, quando pequenas possuem bordas com entalhes ou nas formas maiores a borda pode ser reforçada e apresenta alças ou botões para segurar, em ambos os casos indicam o uso para cozimentos. Também foram encontradas bases planas como pratos e bojos cuja forma do vasilhame é semiglobular, em ambas o engobo pode ser vermelho. Em todos os casos havia como antiplástico cacos moídos, areia fina (componentes principais) e quartzo triturado. O lítico encontrado tem como matéria-prima mais abundante o quartzo e silexito (verificados em leitos de rios da região) e apresenta artefatos cujas formas variam de lascas e microlascas, até percutores e núcleos pouco utilizados. Todos esses dados denotam assentamentos de uma ocupação de curta duração e retratam bem a dinâmica de movimentação dos grupos ao longo da costa, além da diversidade de vestígios que pode denotar a presença de vários grupos ou uma variação cultural bem acentuada na mesma comunidade. Os Jaguaribaras foram citados em vários documentos coloniais como aliados dos portugueses no combate a outras etnias, estes foram aldeados em 1694 por Fernão Carrilho no Parnamirim, então situada entre a embocadura do rio Curu e São Gonçalo, e as fontes dão a entender que mesmo sendo aliados, mantinham uma relação tensa com os portugueses que temiam a sua belicosidade e grande população. Os Jaguaribaras se distribuíam pelas terras que iam da margem esquerda do rio Choró, ao rio Mundaú até a serra de Baturité. Já os Jaguaruanas habitavam os territórios demarcados pelos rios Curu e Acaraú. A este grupo pertenciam ainda os Anacés que viviam entre as fragas da serra da Uruburetama e faixas litorâneas próximas. Este grupo

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também é citado nas crônicas como avesso à colonização constituindo “uma das mais poderosas tribos do Ceará”, (STUDART FILHO, 1963). Além de viverem em guerra com outras etnias, são citadas nos confrontos aos portugueses. O referido documento, além de nos ajudar a visualizar a dinâmica de apaziguamento dos conflitos entre os grupos, remete a dinâmica de deslocamentos, ou descimentos, comuns aos aldeamentos, no qual os grupos eram transferidos de territórios como uma estratégia de desarticulação política. Os povos tupis, aqui estavam representados pelos grupos Potiguares e Tabajaras e, segundo a historiografia, a sua presença em territórios cearenses remonta a meados do século XVI, provavelmente impulsionados pela expansão do processo colonizador. Os Potiguaras se distribuíam na região do Jaguaribe e, mais recentemente na faixa litorânea que se estende no sentido Oeste do rio Ceará. Já os Tabajaras, ocupavam a serra da Ibiapaba, com incursões pelas faixas litorâneas próximas. Studart (1962) afirma que os Potiguaras chegaram ao Ceará vindos das capitanias do Rio Grande e da Paraíba, onde o grupo se dividiu e parte se aliou aos portugueses e outra parte veio ao Ceará relutando em subjugar-se. Seu movimento de expansão pelo território cearense foi impulsionado pelo acirramento dos conflitos com os colonizadores. Os registros documentais apontam que os Potiguaras estavam nas imediações do rio Jaguaribe e, em 1603 tiveram contato com os portugueses da expedição comandada por Pero Coelho que foi marcada pela violência contra os indígenas, onde vários foram mortos ou aprisionados para fazer escravos. Deste conflito, no qual os índios foram brutalmente acometidos, resultou em um movimento de dispersão pela faixa litorânea a oeste. Figueira (1603), cita algumas aldeias no seu percurso, como a do Algodão nas proximidades do rio Curu e a do Cobra Azul, situada entre este e o rio Aracatiaçu, ou seja, nas imediações do Trairi. Foi na aldeia de Cobra Azul que o padre buscou abrigo após o seu grupo ter sofrido o ataque dos índios Tocarijus, no qual foi morto o padre Francisco Pinto. O relato deste período é revelador de vários aspectos da vida naquela aldeia, que estava distante do mar cerce de uma légua. Estes índios mantinham roças de milho e mandioca, mas sofriam constantemente os efeitos das estiagens e do ataque de insetos e outras pragas que comprometiam a produtividade. Além desses gêneros, sua alimentação

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também era composta por frutos colhidos na região, pela caça de pequenos animais e pela pesca. A última atividade é citada pelo clérigo em diversas situações, o que denota ser bastante presente no cotidiano da aldeia. Ele mesmo relata que passou vinte e um dias morando com outros índios em uma “chossa” construída próximo ao mar, no qual podiam com maior comodidade se dedicar a pesca. Nobre (2013) analisou os sítios arqueológicos Boa Esperança e Aldeia do Trairi (próximos à sede do município) que se situam a aproximadamente 500 m um do outro e implantados sobre dunas fixas retrabalhadas por ação antrópica. Os sítios apresentaram similaridades tecnológicas na análise cerâmica, onde foi percebido que a pasta predominante apresenta em sua composição cacos moídos e bolos de argila e apenas em alguns casos ocorriam o uso de areia. Nesse caso o antiplástico pode indicar uma ocupação mais duradoura já que os vasilhames eram reutilizados, além disso, como as técnicas de manufatura mais recorrentes foram o anelado e roletado, onde a última era usada em utensílios maiores o que levaria mais dias para a produção, isso reforçaria a ideia de permanência no local. Outro aspecto considerado foi à similaridade na morfologia dos vasilhames, com bordas reforçadas externamente e diretas, além de incisas, presença de alisamento interno e externo, nesse último um banho recobriria o corrugado. Esses utensílios foram classificados, em sua maioria, como panelas e em menor quantidade assadores e tigelas. Entre os aspectos decorativos destaca-se a presença de banho no engobo em branco, além de pinturas geométricas em vermelho e que também possuem uma similaridade entre os sítios. Em Boa Esperança, a partir da dispersão vestigial em superfície onde essa estaria concentrada nas periferias indicando que a área de convivência central passava por limpezas enquanto nas extremidades ocorreria a produção de utensílios; a presença de pequenas manchas orgânicas em subsuperfície foi relacionada a atividades de preparo e consumo de alimentos em habitações. Sobre a dieta alimentar do grupo, foram encontrados raros fragmentos malacológicos, podendo indicar um consumo relacionado a pesca e/ou agricultura, tendo em vista o sítio esta localizado a 500m do rio Trairi, oferecendo potencial para ambas as atividades. Esses dados corelacionados, segundo o autor, configuram Boa Esperança como o centro habitacional de uma aldeia filiada aos grupos tupis. Enquanto em Aldeia do Trairi se destinaria a um

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espaço de armazenamento de utensílios relacionados ao preparo e consumo da mandioca e de peixes (armazenar, assar e servir). Os resultados dessa análise arqueológica coincidem com as descrições historiográficas para aldeias Tupis da região, tal qual a do Cobra Azul, indicada por Figueira (1603), na “Relação do Maranhão”. Além dos aspectos já elucidados, a Relação do Maranhão nos possibilita a percepção do quanto o território em questão era densamente povoado por etnias diversas, que estabeleciam contatos, conflitantes ou não, entre si, e o quanto esses grupos realizaram deslocamentos a fim de fugir do julgo colonizador, havendo um acirramento dos conflitos entre etnias a partir desses deslocamentos e as consequentes disputas pelo território. Os Tarairius, grupo que pode ser dividido entre Canindés, Paiacus, Panatis, Jenipapos, Aperiús, Reriús, Camaçus, Janduíns, Javós, Quitariús, Quixêlos, Quixerariús, Tocariús e, Jenipapoacus, foram apontados por vários cronistas como sendo nômades, vivendo a vagar por vastas áreas sem levar consigo muitos objetos, entretanto há que se considerar que eles empreenderam grandes resistências aos colonizadores e aos grupos que se aliaram a empresa colonial vivendo, portanto, em constante guerra, fator que certamente influenciaria o seu modo de vida e cultura material (STUDART FILHO, 1962). Possuíam cerâmicas e redes e em seus territórios, segundo Studart, foram encontrados vasos polidos em diadoríto. Os Tarairiús se espalhavam pelos sertões do Ceará, no entanto existem registros de que esse grupo costumava incursionar pelas terras litorâneas formando manchas demográficas em territórios ocupados por outras etnias. De todos os povos que ocuparam a área em questão, os Tremembés são apontados como os povos cuja presença foi mais contundente. A delimitação do território de ocupação Tremembé é bastante discutida entre os pesquisadores, pois alguns acreditam que ela se estendia por uma vasta área litorânea que ia do atual estado do Maranhão ao Rio Grande do Norte. Sobre isso, Pompeu Sobrinho afirma que “Habitavam os Tremembés as práias e estuários cobertos de mangues dos rios do nordeste do Brasil, desde a foz do rio Gurupí a foz do rio Apodi, isto é, toda a costa dos atuais estados do Maranhão, Piauí e Ceará. Quando os primeiros exploradores europeus perlongaram estas costas, ainda os Tremembés as percorriam na indicada extensão; mas no correr do XVI século

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essa área de dispersão experimentou um notável retraimento. Os colonizadores na primeira metade do século seguinte sómente encontraram estes indígenas nas praias da baía de S. José no Maranhão à foz do rio Curu, no Ceará” (1951, p. 258). Esses povos empreenderam grande resistência ao processo colonizador e ficaram conhecidos pelo seu caráter belicoso. Coletavam cajus na mata de tabuleiro, próximo a faixa de praia e caçavam pequenos animais, também eram exímios pescadores, atividade que realizavam tanto com anzol, quanto com arco e flecha, destacando-se a pesca de tubarão que foi descrita por Th. Pompeu Sobrinho e que deixa transparecer a destreza com que realizavam as atividades pesqueiras. Em relação à cultura material desses povos, Studart (1962) destaca que produziam uma cerâmica grosseira, usavam cabaças para transportar água, e produziam machados semilunares polidos e encabados, flechas cujas pontas eram feitas de ossos e dentes e tubarão; possuíam ainda fusos de fiar algodão, arpões; cestos e esteiras tecidas com palha da carnaúba e construíam suas habitações de forma rústica com ramos ou folhas de palmeira e dormiam sob a areia da praia. Com o avanço do processo de colonização foram sendo distribuídas cartas de sesmarias, que seguindo um padrão, se estendiam a partir do curso dos rios. Além disso, a paisagem litorânea comportava pequenos conglomerados de pescadores, formados principalmente por uma população mestiça. Nesta região floresceram os núcleos populacionais que originaram os atuais municípios de Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante e Trairi. Há que se considerar ainda que outros fatores, além da presença do rio, que facilitava os deslocamentos entre litoral e sertão e garantia o acesso à água, influenciaram na consolidação dessas povoações. Na região estudada, a documentação nos permite visualizar que o movimento das dunas, impulsionada pelas constantes correntes eólicas, em várias situações provocou o deslocamento de grandes populações. O caso mais emblemático foi o da povoação de Almofala, cuja igreja de Nossa Senhora da Conceição e as habitações do entorno foram soterradas nos últimos anos do século XIX, reaparecendo apenas na década de 1940.

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OS SÍTIOS EM FLECHEIRAS Tendo essa pesquisa por referência a análise sobre as relações entre o homem e o meio ambiente, é imprescindível considerarmos a máxima de que os sistemas culturais são inter-relacionados com o seu entorno e dessa forma passam por contínuas transformações (SANJUÁN, 2005). De forma geral os sítios na praia de Flecheiras apresentam feições de implantação na paisagem e de cultura material muito semelhante, como demonstrado nas Figuras de Nº 02 a 13.

Figura Nº 02: Vista do Sítio Trairi I, as margens do córrego Estrela. Figura Nº 03: Seixo em quartzo com uso como percutor apresentando fraturas. Fonte: DOURADO, 2015.

Figura Nº 04: Vista do Sítio Trairi II. Figura Nº 05: Cerâmica Tupiguarani com motivos pontilhados interligados por linhas curvas no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 2015.

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Figura Nº 06: Fragmento de machado polido no Sítio Trairi II. Figura Nº 07: Fragmento de resina com retirada em espiral no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 2015.

Figura Nº 08: Fragmento de malacológico no Sítio Trairi II. Figura Nº 09: Fragmento de vidro no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 2015.

Figura Nº 10: Vista parcial do Sítio Trairi III com detalhe para cerâmica. Fonte: DOURADO, 2015.

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Figura Nº 11: Fragmento de cerâmica Cabocla com apêndice no Sítio Trairi III. Figura Nº 12: Fragmento de malga com retoque no Sítio Trairi III. Fonte: DOURADO, 2015. De modo geral a cultura material verificada nos quatro sítios indica amplo consumo de malacológicos, com espécies nativas da foz do rio Mundaú e do córrego Estrela (Pugilina morio, Turbinella laevigata, Mulinia cleryana e Tagelus plebeius). Os líticos mais comuns são lascas, micro-lascas e detritos, por vezes associadas à percutores, bigornas e núcleos, sendo a debitagem a técnica de lascamento mais frequente, a permanência do córtex e ausência de retoque em grande parte das amostras, atesta uma atividade pouco elaborada. O quartzo se configura como a matéria-prima mais utilizada, provavelmente pela grande oferta junto à foz de drenagens como o córrego Estrela. Os instrumentos de maior porte, como as bigornas e percutores podem estar atrelados ao processamento de sementes e grãos, como também ao ato de moer quartzo e cacos cerâmicos para servir de antiplástico na confecção de novos utensílios em barro. Apenas no sítio Trairi II verificamos um contexto de diversificação tecnológica em relação aos demais sítios, podendo ser explicado pelo fato de que este possui maiores dimensões além de uma grande densidade vestigial.

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Figura Nº 13: Vista do Sítio Trairi IV. Fonte: MARQUES, 2012, p. 38.

Quanto ao vestígio cerâmico identificamos dois grupos, um ligado a tradição

Tupiguarani,

cujos

fragmentos

são

espessos,

o

tempero

predominantemente composto por quartzo moído e areia fina, ocorrendo também no antiplástico cacos cerâmicos moídos, queima oxidante, engobo pintado de branco e apresentando na face interna uma decoração com motivos de associações entre linhas verticais e oblíquas, a face externa também é alisada, a borda é reforçada externamente e o lábio pode ser arredondado ou plano; já a cerâmica Cablocla, onde nas amostras predominam pouca espessura, também havendo cacos raramente mais grossos, prevalecem o tempero de quartzo moído e areia em qualquer recipiente, a queima redutora é maioria deixando uma coloração escura enquanto a queima oxidante é usada ocasionalmente, a decoração pode apresentar separadamente ou em conjunto sucos paralelos horizontais, apêndices, engobo pintado de vermelho. Esclarecemos que grande parte da análise técnica artefatual apresentada foi realizada in loco e a partir de relatório relacionado à Arqueologia Preventiva, nenhum utensílio cerâmico foi restaurado em laboratório, porém os estudos já relatados apontaram que a grande maioria dos vasos seriam de pequenas dimensões na mesma proporção que quantidade de líticos de maior porte também seria pequena. Assim, grosso modo, concluímos que a cultura material dos sítios Trairi I, II, III e IV esta relacionada a sítios de passagem e/ou de curta permanência. Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 12 – Agosto de 2016

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ANÁLISE ESPACIAL E CONCLUSÃO DOS RESULTADOS Nosso objetivo, a priori, é de compreendermos as razões para a ocupação da região. Após um estudo sobre o ambiente, a etnohistória local e da cultura material, optamos pela análise espacial a nível macro, onde os modelos geográficos e econômicos são extremamente relevantes, enfatizando a relação sítios – espaços de recursos - sítios (Clarke, 1977). Desse modo, corelacionaos todos os dados já relatados, tais como, as possíveis áreas de captação de material rochoso para fabricação de líticos (foz do córrego Estrela); segundo informação de moradores haveriam espaços destinados à extração de material argiloso cuja finalidade poderia se estender a fabricação de cerâmica, essas seriam a nascente de um córrego no distrito de Emboaca e a Formação Barreiras em Flecheiras (seriam necessárias análises difratométricas em raios X para confirmar a composição dos vestígios e compará-la com amostras dos locais, o que ainda não foi confirmado), locais para coleta de moluscos (corais de Flecheiras), exploração de vegetação denominada Tatajuba as margens do atual córrego Estrela descrita por Pompeu Sobrinho (1945) e a coleta de âmbar gris na praia (STUDART FILHO, 1937). Podemos concluir que o litoral de Trairi oferecia inúmeros atrativos do ponto de vista econômico que serviriam de subsistência para os grupos que ali passavam. Essa hipótese fica mais clara ao plotarmos no mapa os pontos identificados como áreas de captação de recursos e os sítios na praia de Flecheiras, como indicado na Figura 14. Percebemos que todas os pontos que podem indicar zonas de exploração de recursos se encontram num raio de aproximadamente 2km a partir do sítio Trairi II cujas dimensões, diversidade artefatual e centralidade frente ao posicionamento dos demais sítios de Flecheiras nos revelam que os assentamentos foram estabelecidos ali estrategicamente na paisagem. A estrutura locacional desses sítios não foi aleatória assim como os espaços de recursos, os sítios estão em um local particular, relativo ao sistema integrado de sítios e através das paisagens. A premissa de que ao longo do tempo os grupos humanos tendem a diminuir os seus gastos de energia para adquirirem mais benefícios, foi o pressuposto referencial para a compreensão desse esquema (CLARKE, 1977)

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Quanto a esse modelo de ocupação territorial Dias (2003) faz referência ao sistema de assentamento criado por Binford no qual existiria um padrão de ocupação forrageiro. O contexto espacial de ocupação é dividido em, um núcleo residencial,

caracterizado

por

uma

funcionabilidade

mais

específica

(manufatura, processamento, consumo e manutenção) e pela possibilidade de passar por várias reocupações apresentando grande quantidade de vestígios, e um núcleo locacional, onde aconteceriam atividades extrativistas. Salienta-se que o sítio Boa Esperança, considerado uma aldeia do tipo Tupi (NOBRE, 2013) se encontra aproximadamente 4 km dos sítios de Flecheiras, corroborando o modelo binfordiano. Apesar da literatura arqueológica não nos revelar grandes informações sobre os grupos que utilizavam a cerâmica Cabocla, acreditamos que possam estar relacionadas a grupos Tapuias ou estar ligado a comunidades pesqueiras formadas por remanescentes indígenas, porém mais recentes que a presença Tupi. Sobre esses podemos afirmar com base na cultura material e dos dados etnohistóricos que de fato houve uma ocupação desse grupo em Flecheiras e que em certo momento pode ter havido o contato com o elemento colonizador europeu pelo comércio da Tatajuba e do âmbar gris. A presença de grupos Tupi na costa cearense pode ser comprovada com datações para o litoral leste do estado, precisamente em Aracati, como o sítio Cumbe 10, com datação de carvão associada à cerâmica desse grupo entre 500420 A.P (MORALES et al, 2012). Acreditamos que essa pesquisa, mesmo diante de suas limitações, pode contribuir na compreensão da ocupação no litoral cearense pelos povos indígenas, sobretudo para a região da costa oeste, onde ainda hoje possui uma densa população de marisqueiras e pescadores tradicionais. A área de entorno do município de Trairi possui forte presença indígena de grupos Tremembés, distribuídos nos municípios de Itarema, Itapipoca e Acaraú; da etnia Anacé em Caucaia e São Gonçalo do Amarante e da comunidade indígena dos Tapebas em Caucaia. A todas essas comunidades e a sua luta pelo reconhecimento de sua cultura e a demarcação de suas terras dedico esse texto.

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Figura Nº 14: Vista geral dos sítios Trairi I a IV e possíveis áreas de captação de recurso na praia de Flecheiras. Elaborado por Jefferson Lima, 2015.

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