É o conflito ucraniano apenas mais um epicentro das lógicas expansionistas do imperialismo mundial?

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Debates das Relações Internacionais MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1º ANO ANO LETIVO 2014-2015

É o conflito ucraniano apenas mais um epicentro das lógicas expansionistas do imperialismo mundial?

Docente: Alena Vieira Mestrando: Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias - pg26702

19 de Janeiro 2015

Introdução

Este trabalho visa analisar as origens do conflito que decorre na Ucrânia actualmente, através da teoria desenvolvida por Vladimir Ilyich Ulyanov sobre o imperialismo. Para isso a sua obra ‘Imperialismo, fase superior do capitalismo’ será central neste trabalho, como método orientador desta análise. As origens podem ser referidas por alguns como tendo séculos de existência, colocando aqui raízes não só nacionalistas, como também religiosas e de matriz cultural ou até civilizacional. Como é óbvio estas observações não podem ser deixadas completamente de lado, sob pena de tornar qualquer análise sobre o tema demasiado superficial. Contudo, e sem esquecer que estas diferenças existem, é preciso destacar que elas são produto de uma superestrutura social, e por isso serão colocadas de parte desde já no trabalho. Portanto, procurar a razão de um lado ou do outro das partes envolventes, aparenta ser procurar no lado errado, pois todas as partes (consideradas sob a figura de Estados e os interesses monopolistas por detrás deles) são culpadas dos acontecimentos, dados os interesses envolvidos. Porém o foco deste trabalho será meramente no lado da União Europeia e EUA, deixando o envolvimento russo de parte. Por isso iniciaremos este estudo na fase posterior à queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991, como marco central na construção da derradeira identidade ucraniana e do próprio Estado ucraniano e do seu regime, ou seja, da sua superestrutura. Também por esta realidade ser mais próxima do autor e do leitor, proporcionará uma observação mais clara sobre um tema tão difuso e obscuro como este o é. A questão que será aqui trabalhada é então: 

É o conflito ucraniano apenas mais um epicentro das lógicas expansionistas do imperialismo mundial?

Partindo então desta questão, será então desenvolvida a problemática. Para isso faremos então uma breve explanação da teoria leninistas de ‘Imperialismo’, para posteriormente passarmos ao estudo de caso e consequente aplicação da teoria a este.

O Imperialismo - fase superior do capitalismo

Lenin formula a sua teoria no início do século XX, em plena Primeira Guerra Mundial, visando analisar os desenvolvimentos e acontecimentos que levaram ao início desse conflito entre as principais potências contemporâneas. A obra e o seu conceito de ‘novo imperialismo’ de Lenin seriam inspirados e desenvolvidos a partir do livro do economista inglês John Hobson ‘Imperialism, a study’ de 1902. A teoria assenta em cinco pressupostos fundamentais, que passamos a explicar: 1ª – ‘a concentração da produção e do capital, levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida económica’; 2ª – ‘a

fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse capital financeiro, da oligarquia financeira’; 3ª – ‘a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande’; 4ª – ‘a formação de associações monopolistas internacionais de capitalistas, que partilham o mundo entre si’; 5ª – ‘o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.’ (Lenin, 1975:108) Lenin define então imperialismo como ‘o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu importância assinalável a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.’ (Lenin, 1975: 108) Para Lenin o imperialismo é então definido como uma fase do capitalismo, a que Lenin chama de a ‘fase superior’, ou seja, do capitalismo avançado, em que o capitalismo de concorrência é substituído pelo capitalismo monopolista. E este capitalismo monopolista é não só feito a nível interno como internacional, através de grandes fusões de empresas. A dependência pela dívida, ou os fluxos de exportação de capitais, passam a ser uma das principais armas do capital financeiro sobre os países dominados, através da ideia defendida por SchulzeGaevernitz de que o ‘credor está mais solidamente ligado ao devedor do que o vendedor ao comprador’ e que Lenin cita na sua obra (Lenin, 1975: 121; citando SchultzGaevernitz, 1906: 122). A partilha de esferas de influência e território é apenas mais uma componente do conceito de imperialismo e podem ser disputadas dentro de lógicas militares ou económicas. A esta disputa não é inerente a participação de Estados, mas sim actores com poder, nos quais também se enquadram grandes corporações. Tal como Lenin afirmou ‘para o imperialismo é substancial a rivalidade de várias grandes potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, em apoderarem-se de territórios, não tanto directamente para se fortalecerem a si próprios, como para debilitar o adversário e quebrar a sua hegemonia.’ (Lenin, 1975: 110)

Ucrânia – o estudo de caso

Para começar a análise é necessário ter em conta quais os interesses económicos que dominam a Ucrânia. Esta, tal como a Rússia, também passou por um processo de privatização extremo nos anos 90 e aquela que era a república da URSS que concentrava algumas das suas indústrias mais avançadas, tornou-se num país extremamente pobre e em permanente crise económica e social. Tal como na Rússia também surgiram os oligarcas, que são um subproduto desse processo (Aslund et al, 2001). Estes financiavam as campanhas dos principais candidatos ao poder, como Yanukovich, Yushchenko, Tymoshenko, tal como o actual regime ucraniano (Salem, 2014), sendo que o próprio actual Presidente ucraniano Petro Poroshenko é também um oligarca. Os oligarcas se dividiriam então entre dois lados, aqueles mais próximos a

Moscovo e aqueles que são mais próximos aos Estados Unidos da América e União Europeia. O interesse destas potências pela Ucrânia já era antigo. As próprias elites monopolistas destas potências procuravam expandir a sua influência para um novo mercado, representado pela Ucrânia após 1991. Os primeiros a fazê-lo seriam os EUA, com o programa ‘National Endowment for Democracy’, em que o investimento estimado desde 1991 está cifrado em 5 mil milhões de dólares, com o objectivo era fazer a Ucrânia alcançar ‘o futuro que merece’ (Mearsheimer, 2014). Aquilo que Mearsheimer (2014) identifica como o ‘pacote triplo de políticas’, ou seja, o alargamento da OTAN, da UE e a promoção da democracia, são evidentes formas de exerção de hegemonia. Mas também a Rússia procurou exercer a sua influência sobre a Ucrânia, porém começou mais tarde e não nos alongaremos nesse tema. Quando a Cimeira de Vilnius se dá a 28 de Novembro de 2013, o objectivo de integração na Ucrânia na UE era já claro por parte da última, sendo esta cimeira apenas mais um passo no processo de negociação para a adesão, através de um tratado de livre comércio entre ambas as partes. Esta cimeira seria desenvolvida dentro das lógicas da Cimeira de Praga de 2009, que lançaria o programa de Parceria a Leste, como uma dimensão específica da Política de Vizinhança Europeia (EU, 2013). Seria no entanto ainda necessário desenvolver no futuro as estruturas políticas, económicas e administrativas para o efeito na Ucrânia. Tal como seria necessária a libertação de Yulia Tymoshenko do cárcere (Alessi, 2013). Porém a súbita decisão de Yanukovitch em rejeitar a proposta europeia, revelar-se-ia um marco relevante no processo de aproximação ao ocidente. Seria esta rejeição que despoletaria os protestos que levariam à queda de Yanukovitch e consequente conflito.

A aplicação da teoria ao estudo de caso

O surgimento dos interesses monopolistas internos na Ucrânia, são fundamentais na análise através desta teoria. Foram estes que levaram à divisão política e social que culminaram neste conflito, através da sua intenção de expansão e procura de novos mercados. Mas estes apenas seriam a plataforma de entrada para os interesses monopolistas externos, sendo estes muito mais poderosos. Interesses monopolistas, do capital financeiro, estabelecidos há mais tempo no sistema imperialista e que actuam numa ordem transnacional. Estes interesses dos monopólios transnacionais exercem a sua influência através do ‘lobby’ sobre os governos dos EUA ou da UE, estabelecendo orientações nas suas prioridades e políticas externas. Para isso usam o FMI, programas governamentais como o ‘National Endowment for Democracy’, tratados de livre comércio, ou o próprio alargamento da UE, para criar as condições políticas, legais, sociais, económicas, etc, que lhes permitam expandir para novas áreas e mercados. Como Lenin afirma no seu 5º ponto, isto é um processo da ‘partilha territorial do mundo

entre as potências capitalistas mais importantes’, com a devida disputa entre elas pelas áreas de influência, sendo que essa disputa está aqui visível entre a Rússia de um lado e os EUA e UE do outro. O processo de exportação de capitais, tem a sua importância ao longo de toda esta disputa, sendo que quer os empréstimos ao Estado ucraniano pelas várias partes (Hirst, 2015), quer o Investimento Directo Estrangeiro (Ernst & Young, 2011: 6), entre outras formas de exportação de capitais, desempenham esse papel. Se analisarmos o desenvolvimento do processo de exportação de capitais, vemos que este se intensificou fortemente ao longo do período de 1995 até 2008 (OECD, 2009: 19), assim como também podemos confirmar que os principais investidores na Ucrânia são provenientes de países como os EUA, Rússia e UE. Da mesma forma verifica-se também que o despoletar do conflito gerou uma deslocação unidireccionada na origem dos capitais que entram na Ucrânia. Assim, os programas do FMI no país (IMF Survey, 2014) ou discursos por parte de CEOs, como George Soros, representantes de monopólios que pretendem expandir-se para a Ucrânia (King, 2015); e do lado inverso a retirada de capitais por parte da Rússia (Hirst, 2015), são uma demonstração bem clara do papel que a exportação de capitais desempenha no processo de disputa imperialista entre as principais potências, tal como Lenin havia descrito. De acordo com a teoria de Lenin, o processo e integração na UE marcaria uma intensificação desta exportação de capitais para o país, assim como o aumento da sua dependência face às potências que a dominam.

Conclusão

Apesar deste pequeno trabalho não nos permitir desenvolver mais o assunto, deixando muitas questões em aberto e espaço para discussão, conseguimos porém chegar a algumas conclusões. Assim, e remetendo para a nossa questão de partida, tudo indica que este conflito na Ucrânia tem as suas origens numa disputa imperialista, com o objectivo de alargar a hegemonia e esfera de influência das potências em conflito. Não se tratando meramente de um conflito entre Estados, como Lenin não considera que nenhum realmente se trate, mas sim conflito entre interesses monopolistas por detrás desses Estados. A Ucrânia evidencia todas essas características, e apesar de aqui apenas demonstrarmos de forma abreviada como um dos lados exerce essa influência e procura expandir a sua hegemonia, poderíamos traçar planos semelhantes ao lado russo. A exportação de capitais foi uma arma utilizada por ambos os lados, com vista a juntar a Ucrânia ao lote de países das suas esferas de influência. Este conflito integra-se no quinto ponto que Lenin usava para caracterizar o imperialismo, enquadrando-se na fase ‘da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes’, na busca por debilitarem a hegemonia das potências contrárias, procurando por isso o controlo sobre novos territórios.

Referências

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