É POSSÍVEL A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS?

June 7, 2017 | Autor: Vitor Malta | Categoria: Direito, Direito Empresarial, DIREITO COMERCIAL, Sociedades Anónimas
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TRABALHO DE DIREITO EMPRESARIAL II É POSSÍVEL A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS?

Trabalho final da Disciplina Direito Empresarial II, ministrada pelo professor Bernardo Vianna Freitas; Alunos: Raquel Augusta Amorim de Castro Rubens Mateus dos Santos Sara Miranda Carvalho Sávio Vladimir Chaves de Miranda Stephanie Oliveira Bastos Vitor Santiago Malta

BELO HORIZONTE 2013

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1. INTRODUÇÃO Neste trabalho apresentaremos, através da análise de casos em concreto, um estudo acerca dos institutos jurídicos de direito empresarial, quais sejam, a dissolução parcial de sociedade limitada e a dissolução parcial de sociedade anônima, seus efeitos práticos e as controvérsias que mantém a questão não pacificada na doutrina e na jurisprudência. Assim também veremos a exclusão de sócios e a exclusão de acionistas, a apuração de haveres, a diferença entre resgate, reembolso e amortização. Os casos em concreto sob análise são o “Caso Cocelpa”, e o “Caso Continente Cine”.

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2. CONCEITOS E INSTITUTOS JURÍDICOS Antes de adentrar na análise jurídica dos casos em tela, é necessário estudar alguns institutos jurídicos fundamentais para sua efetiva compreensão, ainda que de modo superficial. Ambas as companhias em comento no presente trabalho são sociedades familiares, o que influi diretamente nas respectivas decisões dos órgãos julgadores. Cumpre, portanto, esclarecer1 que as companhias brasileiras, mesmo as abertas, são em sua maioria sociedades marcadas pela presença da affectio societatis, sociedades intuito personae, pois o controle e a administração estão concentrados em membros de uma mesma família. O professor Osmar Brina aponta, ainda, que esse tipo de configuração social constantemente conduz o quadro acionário a uma situação de divergência de interesses e de valores entre as gerações que compõem a companhia, principalmente “à medida que o ‘patriarca’ vai envelhecendo”. Além disso, ambos os casos tratam da dissolução de sociedades anônimas, mas para entender a quebra da ligação societária é pertinente tentar entender a própria conexão entre o sócio e a sociedade, que se dá através do status socii: estado de sócio. Ascarelli2 explica que tal status explicita a natureza jurídica do sócio, sendo um pressuposto para a formação do feixe de direitos e obrigações que decorrem da formação de uma sociedade. O autor ainda ensina que o status socii é adquirido na constituição da sociedade; em eventuais aumentos de capital social seguidos de subscrição e integralização; ou mesmo pela venda, no mercado secundário, das ações dos acionistas a terceiros. No que diz respeito ao presente artigo, mais importante é entender que o estado de sócio não é imutável, podendo ser perdido pelo sócio em face da dissolução da sociedade (seja ela parcial ou total, como será estudado infra) ou de sua falência. As hipóteses, porém, são várias, cabendo aqui ressaltar que também pode ocorrer o fim do status socii mediante a exclusão do sócio ou de seu recesso,

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CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima, 2a edição, p.543, Del Rey, Belo Horizonte, 2003. ASCARELLI,Tullio. Appuntidi Diritto Commerciale, Societa e Associazioni Commerciali, 3a ed., Foro Italiano, 1936, Roma, apud FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. 2

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esta última um direito ensejado por mudanças no perfil da sociedade que possam gerar efeitos indesejados ao sócio, garantindo o reembolso ao dissidente. Detenhamo-nos, agora, nesse particular, qual seja: a compreensão dos institutos do resgate, da amortização, e do reembolso. 2.1.

RESGATE, AMORTIZAÇÃO E REEMBOLSO NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

O resgate (previsto pela Lei de Sociedades Anônimas em seu art. 44) ocorre quando a sociedade paga ao acionista o valor de suas ações de modo a retirá-las de circulação, visando a controlar a liquidez da companhia e/ou valorizar as ações no mercado, com ou sem redução do capital social3. Ressalte-se que, havendo opção por manter-se o capital social anterior ao resgate, deve-se atribuir novo valor nominal às ações que não foram resgatas. Modesto Carvalhosa 4 define com precisão o instituto, chamando-o de “compra compulsória” e de “transmissão irrecorrível e definitiva da propriedade das ações para o domínio da própria companhia”. Chame-se atenção para o §4º do referido artigo, que estabelece o sorteio, como meio para proceder ao resgate de número inferior à totalidade das ações, e o rateio em relação às ações custodiadas. Ambas as hipóteses se aplicam, é claro, se não constar maneira diversa do Estatuto Social e do Contrato de Custódia. O Estatuto pode prever, também, quórum e procedimentos diversos, mas a Lei das Sociedades Anônimas – LSA, estabelece regra geral, dispondo que o resgate deverá ser aprovado por Assembléia Geral Extraordinária – AGE, por, no mínimo, metade das ações dos acionistas que serão atingidos (art. 44, §6º, LSA). Osmar Brina Corrêa-Lima5 chama a atenção para o fato de que devem ser utilizados os lucros ou reservas para efetuar o resgate, e defende a idéia de que “o resgate não pode ser a causa de uma redução de capital”, não havendo “relação de causa e efeito” entre os dois. O professor ensina também, que o Estatuto Social que estipule

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VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, vol. 3, p. 166-167, Malheiros, São Paulo, 2008. 4 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, vol. 1, 1997, p. 316, apud VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, Curso de Direito Comercial, vol. 3, Malheiros, São Paulo, 2008. 5 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade ...cit, p.116-117.

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ações preferenciais “poderá, ou não, autorizar (dispor sobre ou prever) a aplicação de lucros ou reservas no resgate” delas, devendo este ser debatido em AGE. No que diz respeito à amortização, ainda Brina6, citando o art. 44, §§ 2º e 3º da LSA: [...] consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia. Pode ser integral ou parcial, e abranger todas as classes de ações ou só uma delas.

Verçosa7 vai além, e define a amortização como um retorno aos acionistas dos investimentos iniciais feitos com a integralização de suas respectivas ações, de modo a garantir que, em caso de falência da companhia, os acionistas não percam o valor aportado. Além disso, ensina que a operação parcial deverá proceder mediante sorteio e rateio (no caso de ações custodiadas), tal como ocorre no resgate. Em se tratando de amortização integral, a companhia pode substituir as ações por ações de gozo, ou de fruição, conforme disposto no art. 44, §5º da LSA. São ações que não traduzem uma parcela do capital social, mas que conservam o direito de voto e de participação nos dividendos da atividade social8. Em vistas ao favorecimento antecipado dado aos titulares das ações amortizadas, quando houver a liquidação da sociedade os demais acionistas receberão o equivalente primeiro, para só depois o acervo líquido ser dividido igualmente para todos os sócios. Partindo, enfim, à análise do reembolso. Trazemos a lume o art. 45, LSA: “O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia-geral o valor de suas ações”. Verçosa9 explica que o fundamento para o reembolso, chamando-o de “autodesligamento”: [...] quando contrariado por decisão tomada em assembléia que não obteve sua concordância, está na mudança das “regras do jogo” enquanto este já se encontrava em andamento. 6

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; Sociedade... cit, p.119. VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 3,p. 167-168, Malheiros, São Paulo, 2008 8 Ação De Fruição, EnFin: Enciclopédia de Finanças, disponível em: 9 VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 3... cit,p. 169 7

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Ao ingressar em uma sociedade anônima, o acionista avalia previamente os riscos que irá assumir [...]. Neste tipo de sociedade coloca-se uma importância ainda maior quanto à perenidade do estatuto social (que implica as “regras do jogo”), uma vez que o acesso dos acionistas minoritários às fontes de informação e de decisão é muitas vezes precário [...].

O professor Osmar Brina10 faz uma comparação precisa entre os institutos acima descritos. No que diz respeito ao binômio Resgate X Amortização, explicita que as duas operações se dão com a aplicação de lucros ou de reservas, e que ambos se farão mediante sorteio se for o caso de aplicação parcial. A principal diferença reside no fato de que “no resgate o titular das ações resgatadas deixa de ser acionista, ao passo que na amortização continua a sê-lo [...]”. Em relação ao binômio Resgate X Reembolso, ambos dizem respeito a situações nas quais o acionista sai da companhia, mas naquele a saída é compulsória e neste ela é voluntária. Além disso, atenta para o fato da LSA prevê expressamente em seu art. 45, § 1º, a maneira como se estabelece o valor a ser reembolsado, sendo que o autor deixa consignado sua posição de que à apuração do valor de resgate “deve ser aplicada, por analogia, a diretriz fixada” no artigo citado, e que o Estatuto não poderia dispor de modo diverso. 2.2.

RESGATE, AMORTIZAÇÃO E REEMBOLSO NAS SOCIEDADES LIMITADAS

O resgate só poderá ser parcial, já que as sociedades limitadas não possuem previsão para classes distintas de quotas, como ocorre em relação às ações das sociedades anônimas, de modo que, conforme ensina Verçosa11, o “resgate total implicaria fechamento da sociedade”. Assim como nas companhias, para efetuar o resgate parcial é necessário sorteio, porém o quórum exigido pelo Código Civil, em seu art. 1.076, I, é de três quartos do capital social, e não da metade dos acionistas atingidos. Nesse diapasão, e considerando que não existem classes de quotas, exige-se que a compra compulsória se dê de modo proporcional em relação a todos os sócios. Aplicar o resgate a apenas um ou mais sócios seria utilizar o instituto para fins de exclusão, fim ao qual não deverá ser aplicado. 10

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade... cit, p. 125 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 2, p.414-415, Malheiros, São Paulo, 2006. 11

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Enquanto, em relação às companhias (especialmente as abertas), o resgate pode se prestar a diminuir a dispersão no mercado e consequentemente aumentar o valor nominal das ações, no que diz respeito à sociedade limitada – e caso seja adotada a LSA como fonte supletiva – o instituto servirá para cancelar definitivamente as quotas atingidas, com repercussão ou não para o capital social. A amortização, por sua vez, também não pode se limitar a um ou alguns sócios, na medida em que as limitadas não possuem classes diferentes de quotas. Assim, tal como ocorre no resgate, a amortização deve respeitar o princípio da igualdade entre os sócios, tocando-os, a todos, de modo proporcional. Trata-se, conforme os ensinamentos de Verçosa12, de adaptação do art. 44, § 6º, da Lei das Sociedades Anônimas, sendo, também, colocado de lado o quórum de no mínimo metade dos sócios, para adotar-se o de três quartos, previsto pelo já referido art. 1.076, I, CC. As sociedades limitadas também podem contar com o instituto do reembolso, este expressamente previsto no art. 1.077 do Código Civil, ao contrário do resgate e da amortização – institutos adaptados das companhias. Consta do art. 1.077: Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031. (grifo nosso) Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

Fábio Ulhôa Coelho13ensina que, caso o prazo contratado seja indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer momento, de acordo com remissão expressa ao art. 1.029, CC (caso o Contrato Social seja omisso em relação ao instituto e não opte pela LSA como fonte supletiva), referente às sociedades simples; tratando-se de prazo determinado, o sócio pode retirar-se caso prove judicialmente justa causa. Nas sociedades anônimas, por outro lado, não pode o acionista, pela sua mera vontade, 12

VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 2... cit, p.415-416 COELHO, Fábio Ulhôa, 2002, p. 434, apudSALUM,Ricardo Victor Gazzi.Direito de Recesso do Sócio de Sociedade Limitada Firmada por Prazo Indeterminado, disponível em: 13

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ou por desentendimentos com outros acionistas, impor sua retirada da sociedade, conforme leitura do art. 45, LSA: as hipóteses nas quais é permitido o recesso estão dispostas no referido diploma legal. Nas hipóteses de resgate integral (companhias) e reembolso (direito de recesso), portanto, o sócio se desliga da sociedade – cabendo, por óbvio, o processo de apuração de haveres, a ser avaliado infra. Além dessas opções, a exclusão de sócios é outra hipótese na qual o status socii é desfeito, conforme se verá a seguir. 2.3.

EXCLUSÃO DE SÓCIO (LTDA) E EXCLUSÃO DE ACIONISTA (S/A)

Conforme nos ensina o professor Eduardo Goulart Pimenta, o instituto da exclusão societária, seja nas sociedades limitadas, seja nas sociedades anônimas, implica “rompimento parcial dos vínculos societários14”. Apesar de, à primeira vista, este parecer ser um instituto que enfraquece a empresa mediante diminuição do quadro societário, o objetivo visado é diametralmente oposto: em face de sócios que prejudicam a atividade empresarial (seja por sua situação financeira, seja por faltas cometidas em sua conduta), nosso ordenamento jurídico adota critérios e procedimentos que permitem a exclusão desses indivíduos para que a empresa continue a ser exercida. A operação de exclusão, portanto, está baseada nos “princípios que norteiam o moderno direito societário15”, tais como o princípio da preservação da empresa e de sua função social. Dependendo do caso concreto, pode-se inclusive, havendo permissão legal, ser ignorada a ausência de dolo ou a culpa por parte do sócio16, evidenciando ser mais importante o interesse da sociedade em determinados casos. No que se refere às sociedades limitadas, Verçosa 17 nos lembra que o Decreto 3.708/1919, que disciplinava as sociedades por quotas de responsabilidade limitada (que deram origem às atuais sociedades limitadas) previa somente a exclusão do sócio que não cumprisse com a integralização de suas quotas – o 14

PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e Retirada De Sócios: Conflitos Societários e Apuração de Haveres no Código Civil e na Lei Das Sociedades Anônimas. Belo Horizonte, Mandamentos, 2004,p.55 15 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p.67 16 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p.102 17 VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 2... cit,p. 528-539

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chamado sócio remisso. O direito atual, por outro lado, tratando dessa espécie societária no Código Civil de 2002, traz mais cinco possibilidades, além do sócio remisso: [...] (ii) sócio responsável por falta grave no cumprimento de suas obrigações (art. 1.030, caput); (iii) sócio que se revelou incapaz supervenientemente à constituição da sociedade (art. 1.030, caput); (iv) sócio declarado falido (art. 1.030, parágrafo único); (v) sócio cuja quota tenha sido liquidada (art. 1.030, parágrafo único, c/c o art. 1.026, parágrafo único); e (vi) sócio que praticou ato de inegável gravidade, pondo, assim, em risco a continuidade da empresa (art. 1.085).

As hipóteses podem foram divididas por Eduardo Goulart Pimenta em: extrajudiciais, judiciais, por cláusula contratual e, por fim, de pleno direito18. A extrajudicial pode ocorrer caso o sócio, mesmo tendo sido constituído em mora, não integralize sua parte do capital social, gerando insegurança para os credores e para os demais sócios (que respondem ilimitadamente pela parcela não integralizada). É o que tratam os artigos 1.004 e 1.058 do Código Civil – sendo, aquele, referente às sociedades simples, porém de aplicação subsidiária às limitadas. Além desta situação, pode haver exclusão quando o sócio viola seu dever de cooperação. É o texto do art. 1.085: Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Dissecando o artigo em comento, dele podem ser extraídas informações de vital importância. Primeiro, a ressalva ao art. 1.030 (este que, por sua vez, ressalva o art. 1.004) quer dizer, conforme nos ensina André Luis Santa Cruz Ramos19 “que a regra continua a ser a exclusão judicial do sócio faltoso” (destacamos). Além disso, “para que haja a exclusão extrajudicial por justa causa é preciso que o contrato social expressamente contenha essa previsão” (grifo do autor). Caso contrário, não haverá alternativa outra senão o apelo ao Poder Judiciário. Ademais, a atuação judicial também será necessária caso o sócio a ser excluído seja majoritário, vez que

18

PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 83-99 RAMOS, Andre Luis Santa Crus. Direito Empresarial Esquematizado, 3ed. São Paulo, Método, 2013, p.280-281 19

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o art. 1.085 exige quórum de maioria absoluta, impossível de ser alcançada sem o apoio, in casu, do próprio sócio que se quer excluir. Referido artigo, em seu parágrafo único, estabelece ser a Assembléia Geral o órgão societário responsável pela deliberação acerca da exclusão. Estabelece, ainda, a proteção ao direito do sócio de se defender das acusações que motivam sua exclusão, exigindo da sociedade que o cientifique em tempo hábil. Por fim, outro requisito exigido pelo texto legal é o cometimento de “atos de inegável gravidade”, que estejam “pondo em risco a continuidade” da atividade; ou seja, a existência da “justa causa”. Sem adentrar no mérito do que seriam tais atos e o que significa a chamada “justa causa”, questões por demais polêmicas, as faltas reputadas graves deverão ser analisadas no caso concreto. A exclusão judicial, por sua vez, afasta a deliberação societária, ampliando o alcance do art. 1.085, vez que este limita o instituto à exclusão de sócios minoritários. Ora, não sendo necessária a maioria os votos em Assembléia Geral (nem mesmo esta é necessária), não se furtam ao instituto em comento os sócios detentores da maioria das quotas. Afinal de contas, como ensina Eduardo Goulart Pimenta, o majoritário também: [...] pode incorrer em violação aos seus deveres para com a sociedade e com os demais consortes, facultando-se a estes o recurso ao Judiciário no qual terão de provar suas alegações contra o membro que se pretende excluir20.

Além da hipótese do sócio faltoso, a exclusão judicial pode se prestar a afastar

do

quadro

societário

um

indivíduo

acometido

por

incapacidade

superveniente, conforme o texto do art. 1.030, CC/2002. Eduardo Goulart Pimenta 21 apenas chama a atenção para o fato de que, não se tratando in casu de ausência de alguma capacidade do sócio (e. g. negocial ou especial22) essencial ao exercício do objeto social, não há que se falar nesse tipo de exclusão. No que se refere à exclusão por cláusula contratual, Goulart Pimenta cita Celso Barbi Filho consignando ser esta “[...] perfeitamente legítima cláusula contratual que permite a retirada do sócio em caso, por exemplo, de alienação de

20

PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 94 Id. Ibid. 22 FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo, 9ed, Belo Horizonte, Del Rey, 2006, p.130-139 21

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ativos ou endividamento acima de determinado percentual23 ”. Cabe aos sócios o direito de disciplinar livremente no Contrato Social. Enfim, a exclusão de pleno direito é aplicável às sociedades limitadas por remissão em relação às normas que regem as sociedades simples: Tratam-se das hipóteses de morte de sócio (art. 1.028), do sócio que é declarado falido (art. 1.030 parágrafo único) e do sócio que tem suas quotas penhoradas em processo de execução movido por credor particular (art. 1.026) 24.

Seguindo para a análise do instituto jurídico em questão na disciplina das Sociedades Anônimas, há divergência doutrinária quanto à sua aplicação ou não às companhias. Polêmica ainda maior no que tange às sociedades de capital aberto, nas quais o caráter intuitu pecuniae da S/A é ainda mais evidente, levando-se em conta o entendimento 25 de que a única participação do acionista é o dever de integralizar a parte do capital social referente às ações por ele subscritas. Tomando por verdadeira tal concepção, não haveria como o sócio faltar com sua obrigação de cooperação com a sociedade de outro modo, não havendo que se falar em exclusão, visto que “não haveria hipótese de comprometer ele, deliberadamente ou não, o andamento dos negócios sociais” 26. Discordando dessa posição, Eduardo Goulart Pimenta busca ressaltar o caráter mais personalista (ou menos capitalista) que vem sendo atribuído ao acionista no direito brasileiro. Ultimamente, à integralização pura e simples tem sido atribuído papel secundário, sendo privilegiada a pessoa do acionista devido ao acréscimo pessoal que ele possa significar à companhia. O autor cita as palavras exemplificativas de Fábio Konder Comparato, que subscrevemos: [...] o que se procura na pessoa jurídica sócia [a sociedade], o que dela se espera, não é apenas uma contribuição de capital, absolutamente anônima e fungível, mas, antes de tudo, uma experiência tecnológica acumulada, a tradição comercial, a

23

BARBI FILHO, Celso. A dissolução parcial da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Belo horizonte: Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, 2000, p. 169 (tese) apud PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 96 24 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit,p. 97 25 DALMARTELLO, Arturo. L’Esclusione Dei SociDalleSocitáCommerciale, Padova, Antonio Milani, 1939, p.199, apud PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 132 26 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit,p.132

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capacidade gerencial, o fato de o controlador ter a nacionalidade do país em que se vai atuar, e assim por diante.27

Nas sociedades anônimas, portanto, existe um dever de colaboração, assim como nas sociedades de caráter personalista – notadamente as limitadas. Esse dever consistiria, antes de ser uma exigência de atuação ativa na persecução do objeto social, em um “dever negativo, ou seja, a abstenção da prática de atos que causem danos à sociedade, ou que possam pôr em risco o êxito empresarial” (grifamos)

28

. Tratar-se-ia, portanto, de obrigação de não-fazer. Seja qual for a

natureza do dever de colaboração do acionista, Eduardo Goulart Pimenta expõe as hipóteses nas quais é possível aplicar a operação de exclusão nas companhias: em relação ao acionista remisso (arts. 10 e 107, II, LSA); como cláusula estatutária de punição em face ao descumprimento de prestações acessórias; “desapropriação de ações pelo Poder Público, quando haja interesse social”; em caso de guerra, por razões de segurança nacional; e em caso de resgate, apesar de, conforme vimos, o objetivo a que se presta o resgate é outro, que não a exclusão de sócios – apesar do desfazimento do status socii poder ocorrer do mesmo modo em ambos os casos, em se tratando de resgate integral. Por fim, o autor29 traça um paralelo entre a aplicação do instituto jurídicosocietário da exclusão nas disciplinas da sociedade limitada e da sociedade anônima. Lembra-nos que a legislação das próprias sociedades limitadas, inicialmente, só previa exclusão por falta ao dever de conferimento – dever atribuído ao sócio de pagar sua parcela do capital social – sendo que somente em momentos posteriores o entendimento foi ampliado em direção às outras hipóteses exclusivas, ligadas ao descumprimento do dever de colaboração. Pelo que foi analisado, as duas espécies de colaboração se fazem presentes nas companhias, conforme o entendimento de parcela da doutrina, pelo que a tendência que se apresenta deverá ser a mesma seguida pelas limitadas, ou seja, a de se adotar, em defesa ao princípio da preservação da empresa, a possibilidade de exclusão de acionista faltoso em matérias outras que não a integralização das ações por ele subscritas.

27

COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p.33, apud PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p.133 28 PINTO JUNIOR, Mário Engler. Exclusão de acionista. Revista de Direito Mercantil, nº. 54, São Paulo, Revista Dos Tribunais, 1983, p. 83-87, apud PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p.144 29 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 147-152

12

2.4.

A DISSOLUÇÃO PARCIAL DAS LIMITADAS E DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Seja qual for a tendência doutrinária que se adote, certo é que, diante de exclusão de sócio ou de acionista; diante de resgate integral de suas quotas ou ações; ou diante do reembolso exercido via direito de recesso, haverá a dissolução do vínculo societário do indivíduo que deixa a sociedade em relação ao restante do quadro de sócios. Conforme já foi visto, não seria pertinente ao princípio da preservação da empresa que, havendo recesso, resgate integral ou exclusão em relação a um quotista/acionista, a sociedade fosse desfeita. Isso geraria efeitos nefastos à economia e aos demais sócios, trazendo grave insegurança jurídica ao ordenamento brasileiro. Pensando nisso, a legislação prevê a possibilidade da dissolução parcial, de modo que o indivíduo retirante, excluído ou detentor de quotas ou ações integralmente resgatadas seja desconectado da sociedade sem que esta deixe de existir. Gladston Mamede30 esclarece a diferença entre as dissoluções parcial e total: A sociedade pode ser descontratada, dissolvendo-se os vínculos entre os sócios, parcial ou totalmente. A dissolução total implica extinção da pessoa jurídica. A dissolução parcial, por seu turno, traduz uma resolução do contrato [ou do estatuto, em se tratando de Sociedade Anônima] em relação a um sócio, mantendo-se o vínculo contratual [ou, para o outro caso, estatutário] entre os demais. (observações nossas)

Nas sociedades limitadas, a dissolução parcial ocorrerá31: 

Quando um sócio morrer e seus herdeiros e/ou sucessores não quiserem ser sócios ou quando a sociedade não os aceitar, o mesmo se aplicando em relação ao cônjuge para o caso de partilha das quotas por separação ou divórcio;



Quando o arrematante em leilão de uma quota penhorada não for aceito pela sociedade;



Quando o sócio exercer o direito de recesso ou mediante acordo mútuo entre os sócios; e

 30

Em caso de exclusão de sócio.

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial, 7ª edição, p.77, Atlas, São Paulo, 2013. Id. Ibid.

31

13

O conceito é o mesmo em relação às companhias. No entanto, apenas recentemente o instituto da dissolução parcial começou a ser aplicado, pela jurisprudência, às

sociedades

anônimas, conforme

32

ensinaMauro

Rodrigues

33

Penteado , apontando como pioneiro um acórdão do TJMG de 1982 que outorgou “direito aos autores de se retirarem sem extinguir a empresa”. A justificativa para tal interpretação partiu do pressuposto em construção na doutrina de que algumas sociedades anônimas se aproximariam das limitadas, principalmente no que diz respeito à presença do affectiosocietatisnas fechadas e da escassa negociação acionária em bolsa de valores, no que se refere às abertas. Para alguns doutrinadores, esse tipo de decisão é desacertada, como para Barbi34: Ao se permitir a dissolução parcial de uma companhia por simples quebra da affectiosocietatis, abrir-se-á um precedente perigoso nas estruturas da sociedade anônima. Isto porque serão inseridos em seu arquétipo aspectos de natureza subjetiva (affectiosocietatis) nas relações entre os acionistas. Em assim sendo, permitir-se-á que o acionista minoritário requeira a dissolução parcial da companhia, pela quebra da affectiosocietatis. (...) isso permitirá também que o acionista majoritário - e aí reside o perigo, principalmente nas sociedades fechadas, de caráter familiar, com restrição na circulação de ações - exclua o acionista minoritário por quebra da affectiosocietatis, igualmente o que ocorre nas sociedades por quotas.

No entanto, este não parece ser o entendimento que vem se firmando na jurisprudência, principalmente para o Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende de vários arestos (que serão analisados infra, a partir da análise dos casos da Cocelpa e da Continente Cine), como:

32



Caso Cocelpa: REsp 111.294/PR. Relator: Min. Barros Monteiro



Caso Continente Cine: REsp 917.531/RS. Relator: Min. Luis Felipe Salomão



REsp 1.129.222/PR. Relatora: Min. Nancy Andrighi



REsp 1.128.431/SP. Relatora: Min. Nancy Andrighi

PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de Sociedades: Dissolução Parcial, 2ed, Saraiva, São Paulo, 2000. 33 Apelação n. 58.092, Rel. Des. Danilo Furtado, RF, 286:281-3, 1984 34 Revista de Direito Privado, RT, n.º 7/23 e 27, apud RUFINI, Eduardo, A polêmica da dissolução parcial nas sociedades anônimas de capital fechado, disponível em:

14



EREsp 1.079.763/SP. Relator: Min. SidneiBenetti



AgRg no REsp 1.079.763/SP. Relator: Min. Aldir Passarinho Jr.



REsp 419.174/SP. Relator: Min. Menezes de Direito.

2.5.

APURAÇÃO DE HAVERES

Eduardo Goulart Pimenta35 mostra que a apuração de haveres e a dissolução parcial são institutos distintos, porém conexos, vez que aquele decorre desta. Ou seja, se houve deliberação acerca da dissolução parcial deverá ocorrer necessariamente a apuração de haveres para que se efetive a liquidação da parcela rompida. O autor esclarece: Após a manifestação de vontade do sócio insatisfeito (no recesso) ou dos demais consortes (na exclusão) no sentido de romper parcialmente o vínculo societário – enquadradas, ambas, no conceito de declaração reptícia de vontade –, deve obrigatoriamente ocorrer o procedimento tendente à liquidação da parcela do patrimônio social pertencente àquele membro dissidente ou excluído.36

Conforme falado anteriormente, no reembolso, o valor a ser pago será estipulado conforme o disposto no art. 45, § 1º, da LSA (sendo que, no que diz respeito ao resgate, paraOsmar Brina, a apuração deve seguir o referido artigo por meio de analogia). Antes da análise casuística propriamente dita, cumpre ressaltar os direitos do sócio ou do acionista que sai da sociedade na dissolução parcial. No que se refere aos valores a serem pagos nas limitadas, Mamede37 ensina que serão aqueles da data da resolução contratual, com base na situação patrimonial da sociedade: O balanço especial para liquidação das quotas se faz pelo levantamento de todos os bens, créditos e direitos da sociedade (patrimônio ativo), bem como de todos os seus deveres que comportem expressão pecuniária (patrimônio passivo). [...] No patrimônio ativo também se computam as vantagens de mercado, atribuindo-se valor para fatores excepcionais, como ponto empresarial, logística, clientela e outros elementos que compõem o chamado ativo intangível. Parte-se do ativo, subtrai-se o passivo, chegando ao patrimônio líquido; sobre esse patrimônio líquido, calcula-se a proporção correspondente às quotas do sócio que se retira. 35

PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 119 PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e... cit, p. 120 37 MAMEDE, Gladston. Manual de... cit, p.80-81 36

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No que tange às sociedades anônimas, Verçosa38 ensina que o valor a ser reembolsado pode ser estabelecido segundo dois critérios: o valor de patrimônio líquido da sociedade ou o valor econômico. Na primeira hipótese, semelhante à aplicada nas limitadas, o acionista retirante tem direito a pedir um balanço especial, se “a AGE da qual resultou o recesso do acionista tiver sido realizada mais de 60 dias depois do último balanço aprovado”; e, para que tal acionista não seja prejudicado por eventual demora na efetivação do balanço, terá direito também ao pagamento imediato de 80% do valor calculado no balanço anteriormente aprovado, cabendo à companhia pagá-lo a diferença em até 120 dias após a AGE que deliberou sobre esse último balanço. Para que possa ser utilizada a segunda hipótese, é necessária disposição estatutária expressa. Ainda na obra de Verçosa, este ensina que “o valor econômico equivale às perspectivas de rentabilidade da companhia no exercício da atividade por ela explorada”, fruto de cálculo matemáticofinanceiro. Por ser baseado em projeções financeiras e em diagnósticos econômicos, esse tipo de avaliação deverá ocorrer nos moldes do art. 8º39 da LSA, mais precisamente no que se refere aos §§ 1º e 6º, ou seja, “por 3 (três) peritos ou por empresa especializada” com emissão de laudo fundamentado. 3. PERSPECTIVAS CONTROVERSAS À DISSOLUÇÃO PARCIAL Não é pacífica a questão da dissolução parcial, e neste ponto tergiversam doutrina e jurisprudência. Abaixo, seguem perspectivas contrárias e favoráveis à cerca do assunto. 3.1.

DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA CONTRÁRIA À DISSOLUÇÄO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO

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VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de Direito Comercial, v. 3... cit, p. 170-172 Art. 8º, LSA: A avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembléia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença desubscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número. § 1º Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembléia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem solicitadas.§ 6º Os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária. 39

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Entre os Tribunais, na apreciação de casos em que se pleiteia a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, alguns concluem pela sua possibilidade, ao passo que outros julgam ser o pedido juridicamente impossível. Observam que é na sociedade de pessoas que a affectio societatis assume posição de destaque, pois a vontade dos sócios prevalece na constituição e desenvolvimento societário, com ingerência ativa no alcance dos objetivos sociais. Contrariamente, nas sociedades de capital a vontade dos sócios não tem relevância, “prevalecendo o individualismo do capital, pois o acionista ingressa na sociedade ou dela se retira, sem dar atenção aos demais, pela simples aquisição ou venda de suas ações.”40 Observa-se que a affectio societatis constitui pressuposto específico do contrato de sociedade, caracterizando-se como a disposição de lucrar ou suportar prejuízo em decorrência do negócio comum, manifestada por todas as pessoas no ingresso em um empreendimento. Todavia é importante ressalta que, no caso das sociedades de pessoas, a affectio societatis é princípio gerador, resultando sua violação na dissolução da própria sociedade. Já nas sociedades de capital, tendo como maior expoente a sociedade anônima, a perda ou o desaparecimento da affectio societatis em nada influenciaria nos destinos societários, mesmo porque tais sociedades não se formam intuitu personae. Na apreciação dos Tribunais quanto aos casos em que se pleiteia a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, o entendimento defendido por estes não é harmônico com a doutrina e a jurisprudência restante. De certo que a doutrina e várias decisões resistem à extensão da dissolução parcial às sociedades anônimas, mesmo àquelas constituídas sob a forma de capital fechado. O posicionamento defendido por esta vertente firma-se em dois pontos principais: a) a dissolução parcial é instituto próprio das sociedades limitadas; e b) nas sociedades anônimas a retirada do acionista restringe-se às hipóteses de direito de recesso previstas na Lei n.º 6.404/76, configurando-se a impossibilidade jurídica do pleito que busca a dissolução parcial da companhia. A retirada do acionista nas sociedades anônimas, portanto, encontrar-se-ia restrita às hipóteses de direito de recesso contempladas pela Lei n.º 6.404/76. Neste 40

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. Saraiva. 1993, p. 300

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contexto, o direito de recesso acha-se preso aos pontos que estabelece o art. 137 da Lei das Sociedades por Ações, não se detectando, nesse preceito legal, qualquer elemento a amparar a pretensão de dissolução parcial da companhia, ainda mais por ruptura de affectio societatis, figura teoricamente adstrita às sociedades de pessoas. Dessa forma, alguns Tribunais concluem pela impossibilidade jurídica do pedido de dissolução parcial da sociedade anônima, sob o fundamento de que o estatuto que rege esse tipo societário traz em seu bojo as hipóteses de direito de recesso, não podendo o acionista retirar-se da companhia de acordo com sua vontade, pura e simplesmente. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, enfrentando a questão da ruptura da affectio societatis, teve a oportunidade de assim se manifestar: SOCIEDADE ANÔNIMA. AFFECTIO SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. DIREITO DE RECESSO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. LEI 6.404/76. Na sociedade anônima, entidade em que predomina o capital sobre a vontade das pessoas, a affectio societatis é irrelevante para a continuidade ou ruptura deste tipo de empreendimento, não havendo que se falar em dissolução parcial da companhia pelo dissenso do sócio, o que seria juridicamente possível apenas na empresa organizada por quotas de responsabilidade limitada. Em se tratando de sociedade anônima, o sócio dissidente somente poderá exercitar o direito de recesso nas hipóteses expressamente cogitadas pela Lei 6.404/76, não se admitindo interpretação extensiva ou analógica dos casos descritos na citada norma.

Portanto, a jurisprudência, em sua grande maioria, vem rechaçando os pedidos de dissolução parcial de sociedades anônimas, resistindo ao entendimento que pretende a extensão do instituto às companhias, mormente as de natureza fechada, por nelas considerar irrelevante a affectio societatis, ainda mais por ter a Lei das Sociedades por Ações instituído expressamente as hipóteses de retirada do acionista. Nas sociedades de pessoas as condições subjetivas de seus componentes influenciam nos destinos sociais, o que não se observa nas sociedades de capital, onde a vontade de seus integrantes não tem relevância. Com efeito, nas sociedades de pessoas aflora o caráter intuitu personae, sendo a affectio societatis o sustentáculo para sua constituição e desenvolvimento, ao passo que nas

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sociedades de capital prevalece o individualismo do próprio capital, sendo irrelevante a affectio societatis nos rumos tomados pela empresa41. 3.2.

DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL À DISSOLUÇÄO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO

Elucidada a questão conceitual acerca dos casos expostos, passemos agora para aplicação jurídica aos casos COCELPA e Continente Cine Organização S/A. A dissolução parcial de Sociedade Anônima de capital fechado não é prevista na Lei das Sociedades Anônimas, o que causou divergência na doutrina e na jurisprudência brasileira, sendo que os entendimentos nos tribunais ora tendem a admitir a dissolução parcial – tendo em vista o princípio da conservação da sociedade e de sua função social –, ora defendem a impossibilidade de aplicação do instituto por falta de previsão legal. Aqueles que admitem a dissolução parcial aplicam, por analogia, previsões legais das Sociedades Limitadas disciplinadas no Código Civil: por morte (art. 1.028), retirada ou recesso (art. 1.029) e exclusão ou expulsão do sócio (arts. 1.085 e 1.030), além do disposto no art. 5º, inciso XX da Constituição da República que dispõe: "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Sendo efetuada a saída do sócio, processa-se a apuração de haveres segundo a sua participação sociedade. (art. 1.031). No caso Cocelpa S/A, foi alegada a falta de preenchimento dos objetivos da sociedade, principalmente pela não distribuição de dividendos, bem como a quebra da affectio societatis. O antigo Tribunal de Alçada de São Paulo, onde foi proposta a ação, decidiu, baseado no art. 206, II, b, da Lei 6.404/76, pela dissolução da sociedade. Analisando o contexto da ação, será que a falta de distribuição de dividendos significa que a sociedade não está realizando seu objetivo? A doutrina tende há entender que o objetivo da companhia não é a distribuição de dividendos, mas a persecução da sua atividade-meio, do seu objeto social, de modo que o lucro é uma consequência. Mas há divergências quanto à definição de objeto, pois alguns autores entendem por objeto o fim para o qual foi ela constituída. Nesses termos, dividem o objeto societário em dois alcances: o contratual, sendo a atividade 41

BRITO, Luciano Gomes de. Dissolução parcial de sociedade anônima. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, vol. 123, Malheiros Editores, São Paulo, 2001.

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desenvolvida, e o objetivo teleológico, qual seja, o lucro. Este último, em termos práticos, é a razão pelo qual uma pessoa se torna sócio de uma sociedade e isso ainda é mais patente na sociedade anônima de capital fechado, pois ela foi pensada para que o sócio fique “preso”, para que tenha dificuldade em sair, diferentemente, da sociedade anônima de capital aberto cujas ações, a partir do momento em que não seja mais interessante para sócio, são passíveis de negociação na Bolsa, contrariamente do ocorre na sociedade anônima de capital fechado. Voltando ao objeto da sociedade em estudo, o fato de ela não estar distribuindo dividendo não significa que está descumprindo seu objeto em sentido estatutário, prova disso é que a ainda está em atividade. Há de se atentar por qual motivo não está havendo a distribuição dos dividendos e o que está previsto no estatuto – como e quanto do lucro será distribuído –, não tendo ficado claro o motivo da não distribuição dos dividendos, vez que não foi mencionado prejuízo. Já no caso Continente Cine S/A, os sócios dissidentes alegam prejuízo. O dividendo, que é o lucro resultante da atividade empresarias, tendo sido descontados o passivo e as reservas legais, não será distribuído se houve prejuízo no exercício social, principalmente se for feito em prejuízo do capital social. As informações disponíveis sobre as S.A. fechadas são restritas e não tivemos acesso à integra dos autos, fato que não ocorre com as abertas por causa da transparência necessária à atração dos investidores. O fundamento da decisão foi no art. 206, II, b da Lei 6.0404/76 que prevê a dissolução da sociedade “quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social”, uma vez que não há previsão legal de dissolução parcial ou a resolução parcial em relação a um sócio como no Direito Italiano. A lei de S.A. pela sua natureza que objetiva “amarrar” o sócio não possui previsão de retirada do sócio à semelhança do art. 1.029 do Código Civil. Por esse motivo, em não se prevendo nada no sentido retirada do sócio em relação à quebra da affectio societatis no estatuto social, há de se tomar cuidado na escolha do tipo societário a ser constituído entre os sócios. A outra situação de retirada se dá quando a situação é a do art.136 da lei supra e suas hipóteses de retirada, o que não é o caso. Será o fundamento legal utilizado na decisão o mais correto? No caso Cocelpa, em apelação, a sociedade alega falta provas de não preenchimento do seu fim, porém

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não obteve provimento, mantendo-se a decisão de dissolução parcial bem como a apuração de haveres segundo a participação sociedade de cada sócio baseado no princípio de preservação da sociedade e de sua função social. Não havendo previsão legal na LSA, busca-se solução jurídica no Código Civil no que diz respeito à regulação das Sociedades Limitadas, uma vez que, na prática, na sociedade anônima de capital fechado o estatuto se assemelha a um contrato intuito personae, ou seja, em razão das pessoas. A Cocelpa, portanto, foi constituída de modo que se assemelha muito a uma sociedade limitada, pois se trata de sociedade familiar, conforme explicitado supra. A questão maior gira em torno da quebra da affectio societatis, tendo em vista que era uma sociedade familiar cujas ações giravam entre os membros. Não logramos êxito em conseguir cópia dos estatutos sociais após entrarmos em contato com as respectivas Juntas, mas seria interessante saber se nos estatutos havia previsão de retirada de sócio ou mesmo o quantitativo da distribuição dos dividendos, que, na falta de previsão estatutária, aplica-se o § 2º do art. 202 da Lei 6.404 de 1976, fatos não verificados nos dois casos e que serviram de embasamento ao pleito de retirada. Em relação ao julgamento do mérito, julgamos corretas as decisões dos órgão julgadores em dissolver parcialmente a sociedade em questão, pela ótica constitucional e em se levando em consideração a situação fática de semelhança à sociedade limitada. Com isso, permitiu-se que se continuassem suas atividades, preservando sua função social.

4. CASO COPELPA S/A. A Cocelpa S/A – Companhia de Celulose e Papel do Paraná - foi fundada em 1963 por Antônio De Pauli e seus filhos, e é destinada à fabricação de papel, celulose e produtos afins, em consonância com as experiências familiares anteriores na área madeireira. Sediada na cidade de Curitiba (PR), a empresa hoje engloba o Grupo De Pauli, composto ainda por Arpeco Artefatos de Papéis e Conpel – Cia Nordestina de Papel42. Sua origem remonta à década de 40, reflexo de um grande 42

Disponível em Acesso em 22 de maio de 2013.

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fluxo migratório recebido pelo Brasil. Importante destacar, para a melhor compreensão dos argumentos expostos, que a empresa sempre se constituiu por um grupo familiar, o qual foi crescendo com a entrada de filhos, netos, genros, etc., imperando, na sua constituição, o aspecto pessoal. Ocorre que em meados da década de 1990, dois acionistas minoritários, Espólio de Aurélio Fontana de Pauli e Espólio de Antônio de Pauli, solicitaram por meio do antigo Tribunal de Alçada paranaense, o direito de se retirarem desta sociedade, alegando inúmeras irregularidades na sua administração e, dentre outros argumentos, destacaram o não preenchimento dos seus objetivos pela sociedade, principalmente a não distribuição de dividendos, assim como a quebra da affectio societatis. As decisões do Tribunal de Alçada e de sua Terceira Câmara Cível julgaram procedente a ação, sob o argumento de que é possível a dissolução da sociedade, com fulcro no artigo 206, II, b, da Lei 6.404/76, ou seja, pela impossibilidade de consecução dos seus fins, consubstanciado pela não produção de lucros e pelo desaparecimento da affectio societatis. Conforme relatado no acórdão, “embora tratar-se de sociedade anônima, esta possui aspectos pessoais, sendo necessário a affectio societatis. A essência da atividade comercial é o lucro e a não distribuição de lucros justifica a dissolução parcial43”. Não satisfeita, a Cocelpa recorreu então ao STJ, pugnando pela extinção da ação sem julgamento do mérito, já que haveria impossibilidade jurídica do pedido de dissolução parcial da sociedade anônima, pois este instituto seria aplicado somente nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Também argumentou que, ainda que fosse possível a dissolução parcial da sociedade, houve negativa de vigência do art. 206, II, "b", da Lei 6.404/76, dispositivo que exige, para a dissolução da companhia, a comprovação de que a empresa não pode atingir seus fins, prova esta que não foi exigida nem trazida aos autos. Ressaltaram também que "não é possível relacionar a ausência de lucros, ou não distribuição de dividendos, com a impossibilidade de uma sociedade anônima atingir os seus fins". O relator do processo, Ministro Barros Monteiro, conheceu o recurso da Cocelpa, entendendo ser incompatível com as sociedades anônimas sua a

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Disponível em: Acesso em: 22 de maio de 2013.

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dissolução parcial. O ministro concluiu que, nos casos de a S.A. não apresentar lucratividade, a única forma de admitir-se a dissolução é a total, mesmo porque, diante da previsão legal, estará comprometida por inteiro a sua própria atividade negocial. Nesse sentido o douto ministro afirma que: Realmente, não se podem aplicar às sociedades anônimas (organizadas sob o princípio de intuitus pecuniae) normas e critérios próprios das sociedades erigidas consoante o intuitus personae. Exemplificativamente, a dissolução parcial de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada implicaria na retirada do sócio dissidente, mediante a apuração de seus haveres, feita através da elaboração de um balanço especial. Tal situação não deve ser transplantada para as sociedades por ações, cuja natureza e regime jurídico são diversos44.

Reconhecendo tratar de caso de doutrina controversa, o ministro Cesar Asfor Rocha pediu vista ao processo para melhor compreender o caso. Em seu voto, o ministro afirmou que mesmo as sociedades anônimas tratarem de empresas cuja constituição se prevalece de intuitus pecuniae, há que observar o caso em tela, já que, conforme comprovado nos autos, a afeição pessoal foi crucial para a constituição da empresa, não somente levando em conta os aspectos patrimoniais, e sim “força atrativa, a afeição recíproca e a mútua confiança que permeava entre eles”. Destarte, seria plenamente possível a dissolução da sociedade, haja vista o fim do vínculo pessoal associado à não obtenção de lucros e consequente ausência de distribuição de dividendos. Em um segundo momento de seu voto, após deixar claro que não havia o que ser discutido em relação à dissolução da Cocelpa, o ministro tratou de elucidar porque tal dissolução deveria ser parcial e não total, como afirmou o ministro Barros Monteiro. Para ele, a sociedade deve manter suas atividades, tendo em vista o princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social. Acompanharam o voto-vista os ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Aldir Passarinho Junior, sendo que este último em seu voto destacou ainda que o caso em tela não se tratasse de uma sociedade anônima, e sim de “uma sociedade limitada travestida de sociedade anônima”, pois a empresa não possuía, à época, cotação em bolsa, não havendo, portanto, a possibilidade de acionista aquele que estivesse fora do círculo familiar dos De Pauli. A entidade, 44

REsp. Nº 111.294 - PARANÁ (1996/0066757-8). Sr. Ministro Barros Monteiro (RELATOR).

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portanto, era puramente familiar, o que evidencia a quebra da affecttio societatis, como bem esclarecido nas palavras do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, presidente da Quarta Turma do STJ: Srs. Ministros, também peço vênia ao eminente Ministro Relator para acompanhar o voto do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, considerando que a sociedade, embora assumindo a feição de sociedade anônima, era eminentemente familiar e, portanto, fundada na affectio societatis, situação que agora está rompida. Considero, também, o fato de que há muito tempo um dos sócios não recebe dividendos. A solução, portanto, é permitir a retirada do sócio minoritário, com a dissolução parcial. Assim, mantem-se a empresa e atende-se ao direito de disponibilidade do patrimônio desse sócio, que de outro modo não poderia apurar o seu capital. Não aceitar essa solução seria submetê-lo indefinidamente ao controle do outro.

Deste modo, foi negado o provimento ao recurso, admitindo-se a dissolução parcial de sociedade anônima em determinados casos. 5. CASO CONTINENTE CINE ORGANIZAÇÃO S/A. A Sociedade Anônima Continente Cine Organização S/A foi uma sociedade empresária criada em 1940 e adquirida por três irmãos (Jacques, Maurice e Joseph Robert) em 1964, tratando-se, assim, de uma sociedade empresária eminentemente familiar, apesar de ser essencialmente uma companhia. Ao longo dos anos, dois desses irmãos (Jacques e Maurice) vieram a falecer, de maneira que a administração societária passasse a ser exercida pelo irmão restante (Joseph Robert) e seu filho (Patrick), apesar de já ter sido deliberado em assembleia no ano de 2000, que na verdade a administração deveria ser exercida por Patrick e Leon (sobrinho de Joseph Robert). A ação ajuizada pelos acionistas Richard David Valansi e Leon Max Valansi teve início em 2007 e requeria a dissolução parcial da Continente Cine, com apuração de haveres ou a decretação da exclusão dos demandados da sociedade, além da apuração de ativos e passivos, procedendo-se às devidas compensações entre os sócios. De início, tratou-se de ajuizamento de ação cautelar, pedindo a decretação da indisponibilidade dos bens imóveis pertencentes ao capital social da companhia ré (segundo os autores, o acervo patrimonial da Continente Cine Organização S/A era constituído de apenas um imóvel que se encontrava desocupado e em péssimo estado de conservação, além de possuir dívida de IPTU em cerca de R$50.000,00), além da apresentação de todos os livros societários,

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balanços patrimoniais e de todos os contratos de locação de imóveis (alegando os autores, principalmente, que os atuais administradores, além de não estarem cumprindo com as deliberações em assembleia, pois a direção não está sendo exercida pelas certas pessoas legítimas escolhidas em assembleia, que seria no caso um dos autores, não estariam tampouco agindo em boa-fé, praticando atos incompatíveis com o objeto social da companhia, pagando despesas pessoais através de emissões de cheques da Continente Cine e afastando os outros sócios, logo os autores, das decisões sócias, agindo, portanto, claramente em abuso de poder). Os autores alegaram também que, embora a sociedade possuísse um largo objeto social, atualmente a mesma não mais desempenhava nenhuma atividade econômica. Com a sentença, foi dada a procedência no pedido para decretar a exclusão dos sócios contemplados, os autores, e para determinar a apuração dos ativos e passivos em liquidação. Porém, a parte ré (Continente Cine) recorreu e, em segunda instância, o TJRJ, deu provimento à apelação, afirmando o fato de a priori o direito de recesso para os acionistas das S/A’s serem incompatíveis com a própria natureza jurídica das Sociedades Anônimas. O Tribunal alegou, primeiramente, que o pedido de dissolução parcial da Companhia era juridicamente impossível, tendo em vista que o próprio instituto da “Dissolução Parcial” só se aplicaria às sociedades pessoais, especialmente as sociedades de quotas com responsabilidade limitada, não as impessoais, característica à qual a companhia se incluiria. Alegou-se, ainda, que as hipóteses possíveis de extinção das sociedades anônimas seriam as expressas no art. 206 da lei 6.404, a Lei das S/A, dentre as quais não se contempla a dissolução parcial e que o direito de recesso do sócio dissidente se manifestaria apenas no resgate, na amortização e no reembolso das ações. Por fim, haveria carência de ação frente ao pedido principal inicial, de modo que ele seria legitimamente julgado improcedente, diante desse resultado do julgamento da ação de dissolução da sociedade, pois com isso não haverá mais apuração de haveres em sede de liquidação de sentença e os livros e os contratos celebrados em nome da sociedade poderão ser obtidos por um dos apelados (no caso, Leon) que ostenta, conforme assembleia geral, a condição de diretor da empresa. Embargos declaratórios foram impostos por Richard e Leon, mas foram rapidamente rejeitados. Porém, mais tarde, os autores resolveram interpor Recurso

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Especial, utilizando como fundamentação de suas alegações, o fato de que, apesar de se tratar de uma sociedade anônima, tratava-se, simultaneamente de uma Sociedade de Capital Fechado e Familiar, o que seria preciso um grande nível de affectio societatis para que a sociedade continuasse seu desempenho econômico normalmente, o que, notoriamente, não era o caso, pois os administradores estavam agindo em pleno abuso de poder, além de outros motivos que levassem a existir vários atritos e brigas entre os acionistas da mesma sociedade. A S/A apesar de, teoricamente, ser caracterizada como impessoal, neste caso a companhia era, na prática, bastante pessoal e a quebra do affectio societatis já seria um grande motivo ensejador de uma possível dissolução parcial, além da impossibilidade da execução dos fins sociais da companhia, que estava bastante endividada, tendo em vista, principalmente, a composição de seu capital social ser um imóvel com dívidas altíssimas de IPTU, fatos esses que possibilitaram tranquilamente a dissolução parcial da sociedade e a exclusão dos recorridos do quadro social. Não houve posteriores contrarrazões e, finalmente, o Recurso Especial ganhou provimento. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a sentença da Justiça Fluminense que havia decidido ela exclusão de dois sócios (pai e filho) da sociedade Continente Cine Organização S/A, bem como a apuração do ativo e passivo, por decisão unânime. Em seu voto, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão do STJ reafirmou que apesar de as S/A’s terem como “característica marcante o escopo predominante por ocasião de sua criação, qual seja, a contribuição pecuniária de cada participante para a formação do capital social, sendo de pouca relevância considerações de ordem pessoal em relação aos sócios” e em regra existirem “sociedades de capital (intuitu pecuniae) em oposição às sociedades de pessoas (intuitu personae), na qual somente a última prevaleceria o relacionamento pessoal dos sócios e a confiança nas qualificações pessoais”, como ele também diz em seu voto: A pluralidade e a complexidade das relações negociais hodiernas impedem o rígido enquadramento das sociedades numa noutra classificação. É o que sói ocorrer, por exemplo, com as sociedades anônimas que apresentam estrutura de sociedade fechada familiar, em que as ações permanecem em poder dos membros de uma

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mesma família (...), não sendo, portanto, negociadas no mercado capitais45.

Além disso, ao longo do mesmo voto, alega o Min. Luis Felipe Salomão também que neste caso, a melhor saída seria se utilizar o princípio da “Conservação da Empresa” e, portanto, preferir a dissolução parcial à total, mesmo que, na teoria, este instituto não se relacionasse diretamente com a essência intrínseca das companhias, devido ao fato de ser teoricamente tachada como uma sociedade impessoal e institucional. O Ministro Relator consegue comprovar isso, ao citar o art. 206, II, b da Lei 6404/76 que prevê que uma hipótese em que a companhia é passível de dissolução total é “quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social”: Art. 206. Dissolve-se a companhia: [...] II - por decisão judicial: [...] b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social.

Todavia, é notório o fato de que a dissolução total em nada beneficiaria vários valores sociais relacionados à companhia, aos sócios, aos empregado e a coletividade, como a preservação de empregos, arrecadação e circulação de riquezas e desenvolvimento econômico do país, de modo que, levando-se em conta a função social da empresa, o rigorismo legislativo deveria abrir uma brecha para o princípio da conversação da empresa, ensejando a continuidade de existência da sociedade frente aos sócios remanescentes.

É importante ressaltar também a visão constitucional que este caso também é capaz de abordar. Nos termos do art. 5º, XX, CF/88: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. O argumento base para requerer a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado encontrar-se-ia respaldado na possibilidade de existência do caráter intuito persona nessas sociedades, o que claramente ocorre no caso de sociedade familiar, fazendo com 45

Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=18563300&num_ registro=200700073925&data=20120201&tipo=91&formato=PDF

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que a escolha do tipo societário não esteja, necessariamente, ligada à busca do lucro, mas sim por determinados atributos do tipo societário escolhido, que podem facilitar ou gerar uma segurança jurídica maior aos seus participantes. E independentemente do tipo societário escolhido, poderá haver a prevalência dos atributos pessoais dos sócios ou acionistas, que foram fundamentais para a união de esforços e consecução do objetivo social.

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6. CONCLUSÃO De todo o exposto, resta evidente que a exclusão de sócios e acionistas, seja das sociedades limitadas ou das sociedades anônimas, extrapola a inferência direta e exclusiva de dispositivos normativos, sejam do Código Civil, no caso das sociedades limitadas, sejam da LSA, no caso das sociedades anônimas e também as limitadas que possuem previsão contratual de aderência subsidiária desta lei. Assim, no intuito de realizar uma justa composição dos interesses, especialmente no que diz respeito à manutenção da integridade das garantias dadas a terceiros, sejam estes os trabalhadores, os credores ou a sociedade, a análise judicial deve levar em conta as especificidades do caso em concreto e não apenas o regramento adstrito à lei. Buscam-se assim, no momento crítico da dissolução da sociedade, assertivas quanto aos conflitos internos, mas também proporcionar efetiva proteção aos interesses que superam o âmbito interno do empreendimento, que se reveste de um caráter social, via princípio da função social dos contratos, realizando a justiça nos liames da ordem jurídica.

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