É possível determinar o que é violência doméstica no Timor Leste?

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SIMIÃO, Daniel. (2005, Pg.76).
GEERTZ, Clifford. (1983, pg 58). The ethnographer does not, and, in my opinion, largely cannot, perceive what his informants perceive. Instead, the goal is to grasp concepts that, for another people, are experience-near, and to do so well enough to place them in illuminating connection with experience-distant concepts theorists have fashioned to capture the general features of social life.
GEERTZ, Clifford. (1983, 56)
SIMIÃO, Daniel. (2005, 86).
CARDOSO, Luís Roberto. 2008
CARDOSO, Luís Roberto. 2008. Para formular a noção de insulto vali-me principalmente da idéia-valor vigente no Brasil expressa a partir da dicotomia consideração/desconsideração. Tal categoria remete a um tipo de attitude importante na definição das interações sociais e articula-se com pelo menos três tradições de reflexão sobre o tema, as quais têm marcado o desenvolvimento do meu trabalho: (a) discussão em torno da noção hegeliana de Anerkennung (reconhecimento) e da sua ausência expressa na idéia de Mißachtung (desrespeito, desatenção), retomada contemporaneamente nos trabalhos de Taylor (1994) e Honneth (1996); (b) debate francês sobre considération (e seu oposto, déconsidération), que remonta a Rousseau e que alguns desdobramentos recentes diretamente relacionados com meu foco de interesse foram reunidos numa publicação de Haroche e Vatin (1998), em que o tratamento relativo à consideração é definido como um direito humano; e, (c) discussões associadas à noção maussiana de dádiva ou reciprocidade, assim como têm sido articuladas pelo grupo da Revue du M.A.U.S.S., especialmente nos trabalhos de Caillé (1998) e Godbout (1992, 1998).
CARDOSO, Luís Roberto. Neste empreendimento, a fenomenologia do fato moral assim como proposta por Strawson, acionando a experiência do ressentimento, pareceme particularmente apropriada para caracterizar o lugar dos sentimentos na percepção do insulto, dando visibilidade a este tipo de agressão, e sugerindo uma distinção importante entre ato e atitude ou intenção para a apreensão do fenômeno
SIMIÃO, Daniel. 2005, pg. 93-94.
CARDOSO, Luís Roberto. 2008
ZANOTTA, Lia. 2010, pg. 105.
ZANOTTA, Lia. 2010, pg. 105.
HONNETH, Axel. 2005 - JUSTIÇA E LIBERDADE COMUNICATIVA. REFLEXÕES EM CONEXÃO COM HEGEL.
HONNETH, Axel. 2005. Pg. 6.
CARDOSO, Luís Roberto. 2008
HONNETH, Axel. 2005. Pg. 11.
HONNETH, Axel. 2005. Pg. 11.
"Hegel dá o pontapé inicial para uma nova composição de nossa idéia de justiça social, pois agora subitamente parece não apenas razoável, mas também, por assim dizer, necessário pensar as relações intersubjetivas como condições de uma autonomia individual cujos pressupostos sejam, antes de tudo e somente, direitossubjetivos de liberdade. As conseqüências de semelhante aumento de visão [Blickerweiterung] seriam enormes, uma vez que agora os princípios da justiça deveriam se estender para além de liberdades que não poderiam ser garantidas na forma de distribuição de bens, mas sim como fomento das relações sociais. As relações jurídicas perdem, então, sua condição privilegiada, pois junto a elas aparecem outros tipos de reciprocidade vinculante" HONNETH, Axel. 2005. Pg.7.
HONNETH, Axel. 2005, pg.5 – "Mas Hegel sustentava um tal tipo de "livre-arbítrio" ao mesmo tempo também por uma abstração, porque sua construção conceitual fez esquecer que ele devia a si mesmo uma forma definida da comunicação intersubjetiva, e que, portanto, aquele não deveria ser compreendido como um bem passível de apropriação pelos indivíduos: a instrumentação dos indivíduos com "direitos subjetivos" não é o resultado de uma justice distributiva, mas resulta do fato de que os membros de uma sociedade se reconhecem mutuamente como livre e iguais."
"O Preâmbulo da Declaração de Viena de 24 a 25 de junho de 1993 se refere a todos os direitos humanos '(…) todos os direitos humanos derivam da dignidade e do valor inerentes à pessoa humana(…) (parágrafo 2o); (…) a comunidade internacional deve conceber formas e meios para eliminar os obstáculos existentes e supercar desafios à plena realização de todos os direitos humanos(…)" (parágrafo 13); '(…) a tarefa de promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais(…)' (parágrafo 14). Reafirmava-se a indivisibilidade dos direitos humanos em linguagem mais explícita que da Proclamação de Teerã de 1968." ZANOTTA, LIA. 2010, pg 89.
HONNETH, Axel. 2005. Pg. 10.
Em especial, aqui, Habermas, Arendt.
"O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que coanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. E eu disse – é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão" LACAN, Jaques. (2008, pg. 200).
"Uma democracia, legitima-se a partir do modo pelo qual ela trata as pessoas que vivem no seu território (...). Isso se aproxima, finalmente, da idéia central de democracia: autocodificação, no direito positivo, ou seja, elaboração das leis por todos os afetados pelo código normativo." MULLER, Friedrich. (1998)
HABERMAS, Jurgen. (2002, 287).
"Os direitos de participação política remetem à institucionalização jurídica de uma formação pública da opinião e da vontade, a qual culmina em resoluções sobre leis e políticas. Ela deve realizar-se em formas de comunicação, nas quais é importante o princípio do discurso, em dois aspectos: O princípio do discurso tem inicialmente o sentido cognitivo de filtrar contribuições e temas, argumentos e informações, de tal modo que os resultados obtidos por este caminho têm a seu favor a suposição da aceitabilidade racional: o procedimento democrático deve fundamentar a legitimidade do direito." HABERMAS, Jurgen. (1997, 49)
A política organiza, de antemão, as diversidades absolutas(dos indivíduos) de acordo com uma igualdade relativa em contrapartida às diferenças relativas(dos povos). A política trata da convivência entre diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. BECK, Ulrich.
O homem só existe (ou se realiza) na política a partir do momento em que seus pares reconhecem direitos iguais aos mais diferentes. Os homens devem a si mesmos sua pluralidade. ARENDT, Hannah. (1998, 11).
"A constituição faz valer exatamente os direitos que os cidadãos precisam reconhecer mutuamente, caso queiram regular de maneira legítima seu convívio com os meios do direito positivo" HABERMAS, Jurgen (2007, 229)
HABERMAS, Jurgen. (2007, 301).
"Entre o grau de diferenciação da sociedade e o da liberdade individual há, pois, uma relação de condicionalidade, na medida em que com a divisão de âmbitos funcionais da sociedade também aumentam as dimensões percebidas pelos indivíduos como possibilidades de auto-realização. O indivíduo alcança de fato um verdadeiro poder de ação – e com isso a autonomia – apenas naquelas novas esferas em que ele consegue um conhecimento firme de suas próprias capacidades e das pretensões (Ansprüche) oriundas destas, as quais, por assim dizer, ele vê refletidas no comportamento de seus parceiros de interação. Dessa forma, a extensão da autonomia individual, cujo caráter é cunhado através de formas de reconhecimento recíproco, muda com a quantidade de âmbitos funcionais da sociedade. Quando nós acrescentamos a este raciocínio aquilo que eu anteriormente falei sobre o conteúdo vinculante de tais esferas de reconhecimento, nós oferecemos então uma imagem bastante ampla do argumento central" HONNETH, Axel. (2005, pg 13).
ZANOTTA, Lia. (2005, pg 101.).
Naquele lugarejo fizemos dois grupos, um com homens e outro com mulheres. O grupo das mulheres nos recebeu com um mutismo constrangedor. Para muitas era a primeira vez que participavam de uma atividade fora de suas famílias. Não sabiam como se posicionar em relação às frases apresentadas, entreolhavam-se longa e aflitivamente e, com muita reticência, murmuravam sins e nãos. Os homens, bem mais participativos, não tiveram dúvidas em concordar que se podia – e devia – bater para educar uma esposa. "Baku atu hanorin", diziam, "hahalok di'ak" – bater para ensinar, uma boa conduta. SIMIÃO, Daniel. (2005, 79).
"Depois de alguns contratempos com o gerador – Dili sofria diariamente com um racionamento de energia elétrica – o evento começou com a apresentação do video "Harahun O nia nonok" (Quebre o teu silêncio) produzido pelo projeto GPI-FNUAPsobre o tema da violência doméstica. O vídeo, que trazia depoimento de lideranças carismáticas como o presidente Xanana Gusmão e a própria Micató, era destinado a sensibilizar e capacitar os agentes do Estado envolvidos no atendimento às vítimas, por meio da divulgação de informações básicas sobre procedimentos para o atendimento policial, médico e jurídico. SIMIÃO, Daniel. (2005, 65)
HONNETH, Axel. (2005, pg. 11).
SIMIÃO, Daniel. (2005, pg. 82)
SIMIÃO, Daniel. (2005, pg. 82)
FREUD, Sigmund. 1913-1914. Volume XIII, Obras Completas, Sigmund Freud.
FREUD, Sigmund. 1924. Para Freud, o próprio superego se constitui após a dissolução do Complexo de Édipo, no qual o indivíduo reconhece que 1) nem todos seus desejos são realizáveis; e 2) nem todos seus desejos são socialmente aceitáveis. O Superego, pois, é uma instância moral que nos pertence: são os limites aos nossos desejos a partir da percepção da alteridade, da existência de um outro.
SOUZA, Jessé. 2009.
Daniel Simião no início do segundo capítulo da tese explica, de maneira sucinta, a situação das mulheres em Timor Leste – "Aqui, o capítulo apresenta as formas como usualmente as diferenças de gênero marcam relações entre grupos em Timor-Leste. Para além de uma forte divisão sexual do trabalho, as diferenças de gênero são enfatizadas em muitas outras arenas da vida social, regulando o acesso às esferas política e religiosa e produzindo dicotomias estéticas acerca do mundo circundante. Contudo, mesmo sendo um tema marcante, gênero não é a única diferença a fazer a diferença em Timor-Leste.
Esse é o conceito defendido por líderes femininas de Timor Leste e que possuem história naquela nação de luta pelos direitos da mulher. SIMIÃO, Daniel. 2005.
Frases como ""No plano religioso, tais discursos sugerem um mesmo potencial para mulheres e homens em alcançar o mundo sobrenatural por meio de práticas xamânicas. Contudo, como acontece de os homens estarem mais tempo nas florestas (caçando), onde estão os espíritos, é mais provável que eles façam estes contatos." denotam o que Bourdieu chama de Consagração simbólica. É quando se naturaliza o nomos (a norma) social para converter a arbitrariedade da norma à necessidade da natureza. É quando se faz uma relação entre a escolha social e o necessário por condições objetivas da natureza. BOURDIEU, Pierre. (1998).
Na tese, ao explicar o barlaque, espécie de dote em Timor, Simião diz: "Alguns vêem nisso um fator de vulnerabilidade da mulher frente ao cônjuge, que, por ter "pago" o barlaque, sentir-se-ia "dono" da esposa e, portanto, no direito de tratá-la como bem entendesse. Outros, porém, fazem a interpretação inversa, dizendo que o pagamento do barlaque cria uma rede de proteção à esposa. Por ser um compromisso entre famílias (o pagamento é feito pela família do noivo à família da noiva), o barlaque enquadraria o relacionamento entre cônjuges em um contexto que vai além da díade formada pelo casal, obrigando os cônjuges a responderem por seu comportamento perante as famílias." (SIMIÃO, Daniel. 2005). Ambas as situações denotam inferioridade da mulher – ou ela é tratada como coisa que é passada a um outro ou ela precisa ser protegida, ou seja, é colocada como pessoa que precisa de proteção, que é vulnerável, é incapaz.
Diziam: "Segundo nossa cultura, a nossa lei não-escrita, não se dá licença para as mulheres tomarem decisão na adat. É nossa tradição, desde o tempo de nossos avós". Simião, Daniel. 2005, pg. 93.
"Como, porém, muitas vezes eram mais fracas, costumavam castiga-los de outras formas, rasgando suas roupas ao lavá-las ou propositadamente errando a mão na hora de preparar uma refeição." SIMIÃO, Daniel. (2005, Pg. 82).
ZANOTTA, Lia. 2010, pg. 101-102.
Simião entrevistou Micató, uma das lideranças femininas de Timor Leste, que lhe contou sua trajetória política: "Estive nas matas durante três anos, do final de 75 até princípios de 79, na região ao redor de Lacló, Laclubar e Remexiu. Tinha 15 anos. Foi lá que aprendi a trabalhar na organização das bases. Aprendi também sobre política e direitos da mulher. Tomei consciência de minha dimensão política na guerra. Como já disse, era secretária da OPMT, trabalhando na organização das massas. Algum tempo depois, passei à assistente da OPMT. Em Lacló existiam poucas mulheres com formação suficiente para organizar o povo e ajudar a Fretilin a resistir. Dessa forma, fui solicitada a entrar para a luta. Participei nos acampamentos de vários cursos intensivos de política, que duravam um mês." SIMIÃO, Daniel. 2005, pg. 56.
BOURDIEU, Pierre. (1998, pg. 32.)
BOURDIEU, Pierre. (1998, pg. 33.)
GEERTZ, Clifford. 1983, pg 56.

É possível determinar o que é violência doméstica no Timor Leste?

1. Introdução
Este artigo tem o intuito de analisar a tese do Professor Doutor Daniel Simião sobre "violência domestika" no Timor Leste. É importante ressaltar, primeiramente, que a tese me trouxe muitas reflexões e, por isso, busquei entendê-la a fundo, assim como respeitar tanto os pressupostos da metodologia utilizada, como a interpretação dada pelo autor daquela realidade. Assim, apesar de inicialmente me deparar com uma estranheza (como que alguém pode defender que o ato de bater não é violencia), concedi ao pesquisador o benefit of the doubt para questionar meus pressupostos e, enfim, entender essas categorias que me são nativas (sociedade machista, inclusão, democracia, violência,) enquanto isso (nativas) e nao verdades únicas e absolutas. O esforço para enxergar a etnografia do ponto de vista de autor, como um discurso produzido por alguém que respeita uma dinâmica de conhecimento e a expõe a críticas é necessário para não fazermos defesas ideologicamente cegas e, na maioria das vezes, ineficazes no que diz respeito à reflexão própria.
A metodologia de Simião, como não poderia deixar de ser, levou em conta sua aproximação com a população do país em tela e não se limitou a escutar somente os "nativos" da capital. Para ouvir pessoas envolvidas com o tema da violência doméstica, aproveitou-se da oportunidade que foi ter sido selecionado para coordenar uma atividade de um Projeto (Social, Economic and Political Participation Program in Covalina, da organização Oxfam Community Aid Abroad – OCAA) que "buscava dar suporte a iniciativas locais para fortalecimento da participação de mulheres em atividades econômicas e espaços de decisão política no distrito, bem como reduzir os riscos a que estavam expostas na área de saúde, saneamento e violência doméstica. A atividade central era uma pesquisa para o levantamento das causas profundas da desigualdade de gênero no distrito, que forneceria os elementos para dar diretrizes ao restante das ações do projeto."
Sua inserção nesse projeto permitiu que ouvisse os diretamente envolvidos falando sobre a violência domestika.
Simião, então, busca encontrar nas falas dos grupos focais em que coordena uma suposta agressão moral, um insulto moral que acompanhe a agressão física. Busca entender se essa transgressão no campo moral de fato existe para que seja caracterizada como violência e, ao final, pergunta, há "violência" doméstica em Timor Leste?
Tendo em vista essas ressalvas e partindo dessa visão respeitosa e pedagógica, não obstante, quanto mais vezes li o trabalho, mais me convenço que de fato ainda me restam dúvidas quanto à sua conclusão. Não sei ao certo se isso se dá por limitações da minha posição e, consequentemente, de minha visão nativa do que é violência, o que é machismo, o que é democracia, ou se pela mera discordância do que ali ocorre. Mais que uma defesa de que eu tenha captado o real sentido do que ali ocorre, esse artigo tenta contribuir para a discussão em razão de dúvidas. Minhas dúvidas. Acredito que, compartilhando-as, não só as torno claras, como preocupo-me em provocar um debate acerca dos pressupostos e da definição do que se entende por violência em determinados contextos.
Para tanto, é de essencial importância o trabalho da Professora Lia Zanotta. Assim como eu, a professora indica que entende o processo do Timor Leste de maneira diferente da do professor Simião e, por mais que não me filie completamente à sua visão, julgo que todos seus pontos são relevantíssimos para o debate, já que lançam luz sobre o que é a metodologia antropólogica e como devemos interpretar o nativo, sem correr o risco de divinizá-lo a ponto de não nos sentirmos a vontade para expor críticas.
Assim, é indispensável a preocupação com argumentos que tentem se embasar e respeitar a pluralidade das culturas e as dinâmicas sociais próprias que ali se dão. Não fazer isso é encarar a realidade de maneira etnocêntrica, sem se preocupar em ver o mundo nas lentes daqueles atores que vivenciam, se relacionam e movem a realidade em que estão inseridos. O desafio é justamente conjugar tanto a percepção (sempre é uma percepção) do olhar desse outro-coletivo com símbolos e significantes mais amplos e analíticos.
Assim explica Geertz:
"The figurative nature of social theory, the moral interplay of contrasting mentalities, the practical difficulties in seeing things as others see them, the epistemological status of common sense, the revelatory power of art, the symbolic construction of authority, the clattering variousness of modern intellectual life, and the relationship between what people take as fact and what they regard as justice are treated, one after the other, in an attempt somehow to understand how it is we understand understandings not our own."

2. A "violência": o que é
"Tanto a polícia quanto as organizações de mulheres no país reconhecem, porém, que as queixas que chegam a ser registradas são apenas uma pequena parte dos casos que poderiam ser classificados como violensia domestika (UNTAET, 2002; GPI, 2003).
Isto ocorre tanto porque a maior parte dos conflitos tende a ser resolvida por mecanismos tradicionais de mediação e justiça quanto pelo fato de que muitas mulheres não vêem a agressão física como ofensa a algum direito (por exemplo, à integridade física) e, portanto, como motivo de queixa.
Esta última observação, reconhecida em parte pelo discurso oficial, faz-nos pensar até que ponto o termo violensia pode ser tão auto-evidente. Para além da dimensão factual de um tapa, até que ponto este gesto não teria que ser percebido subjetivamente como uma agressão para poder ser qualificado de "violência"? E, na ausência desta percepção, como o tapa seria significado para quem o recebe; que sistema classificatório lhe daria sentido? Afinal, mesmo para o sistema classificatório que orienta nossa percepção cotidiana da violência, é necessário um mínimo de intencionalidade para que um ato qualquer seja tomado como atitude de violência."
As perguntas que iniciam a perquirição do Professor são as pertinentes a esse trabalho. Até que ponto um ato de violência e, consequentemente, o termo "violencia" é auto evidente? Até que ponto a percepção do agredido interessa para esse conceito? Como se verifica a percepção do agredido? Qual é o papel da intencionalidade? É preciso querer agredir, violentar, para realizar ato de violência? Como que se define se um ato é ou não um ato de violência?
No capítulo intitulado "Acorrentadas pela Cultura: os sentidos da violência e a educação dos sentidos", o Professor expõe a preocupação de entender o conceito a partir da proximidade com os atores para quem as políticas públicas de gender estavam sendo elaboradas. Todas elas (as políticas públicas) partiam do pressuposto de que havia desigualdade de gênero em Timor Leste (fato com o qual o autor da tese corrobora no início do capítulo 2 da tese); e que havia, também, violência contra a mulher com base nessa desigualdade. Nesse aspecto, as violências se diferenciam. Elas podem ser física, psicológica, sexual ou econômica. A violência doméstica, pois, seria uma situação na qual um ato de violência ocorre com base no gênero (gender-based) e dentro de um contexto de relações domésticas. Isto é, é uma violência que, em tese, perpetua-se dentro de casa.
Daniel Simião busca entender justamente até que ponto a agressão que ocorre na esfera doméstica é entendida como violência. Como é que as pessoas de Timor Leste e, em especial, como as mulheres dali enxergam a situação? Há, de fato, violência?
Para Simião, uma agressão física, para ser entendida como violência precisa de um cunho moral negativo que a acompanhe. Isto é, não há violência se um ato, por mais que seja intencional, não transgrida uma ordem moral compartilhada entre os agentes. Essa percepção advém da construção feita por Luís Roberto Cardoso, para quem não há violência sem insulto moral. Nos dizeres de Cardoso, insulto moral "[é] um conceito que realça as duas características principais do fenômeno: (1) trata-se de uma agressão objetiva a direitos que não pode ser adequadamente traduzida em evidências materiais; e, (2) sempre implica uma desvalorização ou negação da identidade do outro."
O Professor Cardoso desenvolve sua teoria baseando-se principalmente na perspectiva da dicotomia consideração-desconsideração (seguindo a tradição de Hegel, quando fala em misachtung, que, segundo Cardoso, é normalmente traduzido como desrespeito, mas, para ele, é melhor traduzido como desconsideração). Em síntese, Cardoso defende que é preciso entender o ato volitivo de agredir alguém como um ato de desprezo, que gera ressentimento, para que possa ser entendido como violência. Caso contrário, a violência não existe.
De fato, é interessante analisarmos até que ponto essa perspectiva pode ser defendida. Existe um caso concreto que melhor exemplifica como a teoria de Cardoso é utilizada por Simião em Timor Leste:
"Um timorense, técnico de impressão em uma gráfica local, estava casado havia 11 anos e sempre batera em sua mulher. Ela sempre sentira a dor física, mas nunca se incomodara com isso. Até o momento em que pediu a separação. O marido não compreendeu. Não via motivos, afinal aquele vinha sendo o padrão de conduta do seu relacionamento há mais de uma década, e nunca a incomodara. A novidade era que agora a sua mulher trabalhava no escritório local da Cruz Vermelha (ICRC), junto com vários funcionários estrangeiros. O marido convenceu-se de que os estrangeiros estavam
"colocando coisas" na cabeça de sua mulher. Certamente, de algum modo, é isso que aconteceu. A dor física que ela sentiu durante anos agora se somava a uma dor moral. O sentido do ato de agressão mudara, mudando, com isso, as suas conseqüências.
Conversando com a chefe do funcionário da gráfica, procurei entender o que teria motivado a esposa a não mais suportar o ato de agressão. Segundo ela, a mulher agora envergonhava-se por apanhar do marido. Diante do grupo que partilhava seu dia-a-dia no espaço de trabalho, aquele ato ganhava outra conotação; produzia vergonha e humilhação – um tipo de dor que só ocorre no insulto. Podemos dizer que, diante de um novo contexto, o ato de agressão física tornou-se uma atitude de insulto à pessoa daquela mulher. Como L. Cardoso de Oliveira (2002), não podemos deixar de ver aqui um tipo novo de dor, uma dor que não tem existência ontológica, mas depende da percepção do insulto para existir no mundo."
Vê-se que, para Simião, a mudança de percepção da mulher quanto ao significado do ato se dá pela convivência em um espaço novo a ela, no qual a o significado do "bater" entrava, em tese, em conflito com o significado atribuído pela moralidade de sua comunidade. Infere-se que Simião entende que a dor passa a ser sentida de maneira diferente naquela esfera pública ou, se preferirmos, utilizando-nos dos ensinamentos de Cardoso, naquele espaço público. A questão é entender, pois, até que ponto essa moralidade traz novas sensibilidades no que diz respeito à capacidade de sentir dor (e é uma dor nova, pois ela é, agora, uma dor moral), por exemplo, ou até que ponto esse novo espaço permite e expande o uso de determinadas capacidades antes invisíveis em um locus que hierarquizava e naturalizava as relações de gênero. Lia Zanotta questiona justamente a premissa de que essa percepção de dor é realmente "criada", que ela é uma nova dor enquanto sensação nova, em razão da intervenção de novos atores ou se ela simplesmente aparece em razão do olhar do outro que escancara e espelha uma relação já hierárquica:
"Concordo com o autor quando conclui acertadamente que não há fronteiras rígidas e dualistas entre as percepções e representações dos agentes masculinos e femininos, mas considero arriscado apostar na interpretação de que haja uma total concordância entre as posições distintas de gêneros. Mais arriscado ainda é interpretar que estes agentes simétricos, em relação ao poder, possam concordar em assimétricas formas de corrigirem-se."
E continua:
"Se homens corrigem mulheres nelas batendo e mulheres corrigem homens rasgando roupas e propositadamente errando a feitura de comidas, nada permite que se conclua, por qualquer lógica imanente de sentido, que as avaliações recebidas são bem aceitas...No espaço interacional, as posições de sujeitos não se equivalem. Não são as mesmas. Estão sempre abertas tanto para concordância como para disputa."
É evidente que podemos entender, com o autor, que um ato de violência não fere única e exclusivamente o corpo do agredido. Há, e é isso que me parece mais válido na percepção de Cardoso, um cunho moral que também agride a pessoa quando ela é vítima de uma violência. Para entendermos isso de forma clara, basta pensarmos num indivíduo que desce uma rua enquanto fala no telefone e é sumariamente agredido por pessoas que querem roubar-lhe o aparelho. A agressão física ali não fere somente a integridade física da pessoa, há um aspecto moral, um desrespeito à pessoa enquanto detentora de direitos e, mais, enquanto ser-com-sentimentos. Cardoso chama atenção para esse aspecto que é fundamental em qualquer ato de agressão: os sentimentos que estão envolvidos e que, na maioria das vezes, são negativamente atingidos.
Justamente por acreditar que essa percepção de Cardoso é pinpoint, é difícil discordar de Lia Zanotta Machado, quando ela questiona até que ponto há agressão física volitiva que não englobe, em si, uma afronta moral. Especialmente quando há indícios, ao menos, de uma relação hierárquica entre os agentes. Por mais que isso posse soar contraditório, acredito que a posição de Cardoso e de Lia Zanotta se complementam. O professor Cardoso indica que o ato violento não engloba somente agressão física e a antropóloga reforça tal argumento chamando atenção para o fato que em sociedades em que há diferenciação de prestígio em razão de diferenças de sexo, a agressão física contra o polo hierarquicamente inferior (e aqui podemos entender que há hierarquia até pela concepção de conhecimento que entende que a mulher é mais fraca que o homem, por exemplo) jamais é só física. Há, segundo a professora e, acredito eu, o professor Cardoso concordância quanto ao aspecto de desconsideração e humilhação que uma situação violenta traz ao agredido. As discordâncias começam no que tange à classificação do que é entendido por insulto moral.
Se seguirmos à risca o entendimento de Cardoso sobre o que seria um insulto moral, ao meu ver, são poucos os exemplos nos quais conseguiríamos sustentar que a agressão física intencional de um agente não repercuta negativamente na esfera moral do agredido. Poderíamos pensar num boxeador que vive de um esporte cuja agressão é a normalidade. Talvez ali não haja um aspecto moral sendo atacado no sentido de insulto, conforme defendido por Cardoso. Talvez um ato de agressão física que seja entendido ou faça parte de uma brincadeira na qual tanto o agressor quanto o agredido se sintam parte e compartilhem o sentido daquele ato seja outro exemplo. Outros exemplos, mesmo aqueles que incluem pai e filho, mãe e filho, vó e neto, educador e educando, parecem ferir moralmente o indivíduo agredido.
Nesse aspecto, interessante abordarmos a idéia de inclusão e de reconhecimento para melhor julgarmos em quais aspectos o ato de agressão em Timor Leste pode ser considerado não-violento.
3. Reconhecimento, democracia e inclusão: debates teóricos.
A terminologia que Cardoso utiliza para conceituar insulto moral invoca tanto o aspecto de uma agressão a direitos que seria, segundo ele, objetiva (Isto é, uma afronta direta ao que entendemos como direito), como também invoca uma desvalorização ou negação da identidade do outro. Como o Antropólogo admite, essa percepção se apoia em visões filosóficas de Hegel no que diz respeito à necessidade de reconhecimento enquanto questão moral, ou seja, de justiça. Segundo Honneth:
"Com estas objeções, vincula-se Hegel certamente mais a uma mera perspectiva crítica da concepção de direito de seu tempo; a evidência do caráter relacional e intersubjetivo dos direitos deve de fato tornar explicitamente definido (ausschnitthaft deutlich) o fato de que as liberdades individuais só podem ser, de todo, o produto de uma forma de comunicação intersubjetiva (zwischenmenschlicher) que exiba o caráter de um reconhecimento recíproco. Nessa medida, o conceito de "reconhecimento" constitui, para Hegel, a chave para uma compreensão não-individualista das liberdades subjetivas: a realização da liberdade denota, para que se obtenha um ganho de poder de ação, como através da afirmação por parte de todos os outros, a compreensão acerca das capacidades e desideratos individuais."
Entende-se, pois, ao que me parece, que a visão de Luís Roberto Cardoso perpassa essa noção de justiça que enxerga no reconhecimento, enquanto consideração, enquanto capacidade de se preocupar com o outro e com suas razões. O insulto moral seria um não-respeito tanto ao conteúdo moral que permeia o direito, como à própria condição de possibilidade para o respeito mútuo, isto é, entendimento da identidade do outro enquanto relevante para o projeto interrelacional.
Como explica Luís Roberto Cardoso:
"Nesse sentido, o material etnográfico estimulou indagações sobre a expressão ou a evocação dos sentimentos e a mobilização das emoções dos atores na apreensão do significado social dos direitos, cujo exercício demanda uma articulação entre as identidades dos concernidos."
Nessa toada, Honneth nos fala sobre a importância que Hegel dava à noção de amizade enquanto padrão ótimo das relações humanas.
"Basta-nos aqui recordar o exemplo da amizade, enfatizado desde Hegel, e trazer para o primeiro plano essa particular qualidade das relações de reconhecimento: em uma amizade, dois indivíduos exercitam uma prática comum que se infiltra sub-repticiamente através de normas morais e pela qual ambos vêm a ser mobilizados para a promoção do bem estar de um do outro. Uma experiência de reconhecimento possibilita uma forma de reciprocidade vinculante (verpflichtender Gegenseitigkeit) tal que os amigos podem, assim, se saber aceitos em suas necessidades e desejos, e que lhes alçam individualmente a um maior poder de ação.
Isto é, nos termos do Professor Alemão, Hegel enxerga a busca por sensações de pertinência e de auto confiança no compartilhamento de emoções e idéias como aspectos de alta relevância para a efetivação de reconhecimento enquanto tal. Vejamos:
"Enquanto o indivíduo adquire, através da experiência passada de doação, amor e amizade, a medida da autoconfiança que fornece o substrato emocional para a autonomia do eu, ele obtém um sentimento de pertinência e estima sociais através de suas contribuições profissionais. O "auto-respeito", a que Rawls, em vista dos pressupostos da autonomia individual, se refere como um "bem fundamental"20, verifica-se como o resultado de uma inclusão graduada em esferas de comunicação distintas, cada uma moldada através de uma forma específica de reconhecimento recíproco."
Outros teóricos mantêm uma visão próxima da de Hegelno que diz respeito à formulação de um espaço compartilhado entre agentes que buscam resguardar a liberdade do outro enquanto projeto de justiça social, isto é, enquanto moral compartilhada a partir de um ideal de liberdade conjugada com a necessidade de atender e respeitar a pluralidade. Tal convergência não é por acaso. Em especial depois das atrocidades que ocorreram após a segunda guerra mundial, ou seja, baseado em fatos que questionaram, em certa medida, os limites de uma autonomia política sem amarras a uma visão geral que respeita o ser humano enquanto agente capaz de se auto-determinar e auto realizar. Os direitos humanos, como bem aponta Lia Zanotta, fazem parte de um projeto político internacional que entende o respeito à dignidade da pessoa humana enquanto respeito a uma série de direitos de forma coordenada e inseparável.
Da mesma forma aponta Honneth:
"Por outro lado, nosso conhecimento sobre a natureza intersubjetiva do homem aumentou continuamente nesses duzentos anos desde Hegel; não apenas as chocantes descrições dos campos de concentração dos regimes totalitários, mas também os testemunhos dos movimentos pelos direitos civis e feministas nos ensinaram em que medida os homens dependem das experiências básicas de reconhecimento recíproco para assegurar suas autonomias individuais. Também na literatura da pesquisa sociológica e histórica está bem documentado, desde então, que o sentido da injustiça está relacionado fundamentalmente com os sentimentos morais de não reconhecimento social das faculdades e necessidades individuais; da psicologia do desenvolvimento e da psicanálise nós sabemos, no fim das contas, que a aquisição de autonomia individual nos primeiros anos de vida é promovida primariamente por meio da experiência de fruição de uma forma confiável de atribuição e reconhecimento."
Esses teóricos defendem uma concepção de direito que corresponda a esse anseio social por justiça, ou seja, que se vincule à moral enquanto critérios compartilhados de decisões justas, que contemplem reconhecimento mútuo e resolução fática com base em critérios pré-estabelecidos.
O rompimento com o direito, pois, nos termos que o Professor Cardoso relata no que diz respeito ao insulto moral, não se refere necessariamente à um rompimento com uma lei geral e abstrata qualquer, mas sim o rompimento com um padrão que reconhece no direito um mecanismo funcional de resolução de conflitos que se embasa na liberdade enquanto liberdade inter-relacional, enquanto liberdade para todos.
Ora, dentro do contexto delineado, nada mais intuitivo que um direito assim entendido parte do pressuposto que quanto mais livre será o indivíduo quanto mais ele puder escolher seus rumos, seu próprio fazer-se.
A legitimidade está, então, nessa auto-determinação. Um direito que não precisasse de legitimação certamente não seria um direito que tem por base a liberdade e os direitos subjetivos, isto é, um direito que não é mecanismo que se importa com a abertura ao plural. Seria um direito que, nesse viés, não encarnaria o reconhecimento enquanto foco moral da resolução efetiva de conflitos.
Entendendo assim, é necessário que o indivíduo aja comunicativamente e esteja disposto a se entender enquanto "outro", entendo-se, pois, como igual, para, performativamente, discutir aspectos que consolidem um parâmetro de validade ao direito. Torna-se óbvio, portanto, nessa definição de direito (que precisa ser legítimo para estabilizar expectativas) que não há autonomia e liberdade, sem a garantia de procedimentos abertos à pluralidade e, portanto, ao reconhecimento da identidade do outro.
Habermas ensina que há nessa forma de pensar o direito uma faceta dúplice daquilo que chamamos de autonomia. Não há, para Habermas e outros autores, autonomia privada plena sem que o indivíduo entenda que é ele próprio que limita suas liberdades, através de um procedimento que o escuta, que o contempla antes de decidir. Não há autonomia pública sem autonomia privada.
"No modo de validação do direito a facticidade da imposição do direito por via estatal enlaça-se com a força legitimadora de um procedimento instituidor do direito, o qual, de acordo com sua pretensão, é racional, justamente por fundamentar a liberdade. Isso se revela na peculiar ambivalência com que o direito vai de encontro a seus destinatários e deles espera obediência. Pois ele os deixa livres, seja para considerar as normas apenas como restrição efetiva de seu espaço de ação e portar-se estrategicamente em face das conseqüências previsíveis de uma possível violação de regras, seja para querer cumprir as leis em uma atitude performativa – e isso por respeito a resultados de uma formação comum de vontade que demandam legitimidade para si."

Assim, as restrições de liberdade são também garantias de liberdade em um procedimento que se respalda pela inclusão de várias vontades, trazendo à esfera pública uma perspectiva que aumenta o campo de visão do indivíduo, fazendo-o não só compreender o mundo e sua situação de forma diferente, como também enxergar no diverso, no outro, um "eu" que precisa ter seus direitos defendidos. A autonomia pública é justamente o governo em que os indivíduos se sentem parte da elaboração de suas próprias limitações.
"Dessa maneira, a autonomia privada e a pública pressupõem-se mutuamente, sem que os direitos humanos possam reivindicar um primado sobre a soberania popular, nem essa sobre aquele"

Nesse escopo, a legitimidade do sistema de normas que chamamos de direito vincula-se, necessariamente, a um procedimento que exija e garanta a representatividade das mais diversas facetas da sociedade. É dizer: o direito como estabilizador de expectativas, somente se legitima através de um processo que se quer democrático, no sentido de querer e estar disposto a se abrir para o outro enquanto diferença.
Em Timor Leste, esse princípio, no sentido abstrato, pode ser utilizado para analisarmos, por exemplo, como há formação daquilo que é considerado consenso. Certamente, como nos alerta Honneth, é preciso pensar que a pluralidade cultural impõe diferenciações funcionais de acordo com a dinâmica das relações sociais. A pluralidade e a abertura ao outro não são simetricamente entendidas, pois os valores compartilhados nem sempre se aglutinam da mesma forma. É entretanto, a partir de uma análise do que pode ser considerado violência em Timor e a partir de um conceito aplicado por Simião, no que diz respeito ao vínculo entre insulto moral e agressão física para conceituarmos violência, que procuramos entender as dinâmicas de abertura ao outro e engajamento no projeto de reconhecimento em Timor Leste.
Se só há violência quando há insulto moral que, por sua vez, é conceituado como uma agressão a direitos objetivos e à desconsideração do agredido no que diz respeito á sua identidade, era importante entendermos a teoria que fundamenta tanto as de u bases de um direito positivo capaz de se legitimar e, portanto, vincular ações, numa sociedade plural, de interesses múltiplos e que respeitem uma condição que é entendida como indispensável e, portanto, como condição de possibilidade, que é a dignidade do ser humano.
4. Violência de gênero em Timor Leste?
Entender a dignidade enquanto símbolo do respeito ao plural é, nos dizeres de Lia Zanotta, entender que há "posições distintas no espaço interacional que induzem a uma continua disputa e a intensas desconsiderações entre os agentes" para podermos discutir as condições nas quais são consolidados os consensos e até que ponto eles se atentam para um ato de consideração ou simplesmente desconsideram e jogam fora, excluem da construção de consensos e de critérios compartilhados, o que lhes é diferente.
É curioso, por exemplo, como as mulheres, como apontou Simião, nao se sentem tão a vontade para falar quanto os homens. É curioso, nesse mesmo sentido, como há uma campanha elaborada por uma organização liderada por uma militante histórica de Timor Leste cujo nome é "quebre teu silêncio". Ao que nos parece, o conceito de reconhecimento no sentido de empoderar a participação envolve aquilo que já mencionamos acima: a auto-confiança no espaço. A idéia de reconhecimento perpassa esse sharing, esse querer saber a opinião do outro, o querer ouvir. Afinal, parece-me que um insulto claro é o "não-ouvir". Tanto numa perspectiva teórica, de se distanciar da opinião do outro enquanto válida, como a prática, no sentido de desprezar, por meio de atos, atitudes e pressuposições, o engajamento, ou a possibilidade de engajamento, do outro nas decisões, discussões e whatnot.
"Certamente, o pensamento implicado com isso só é compreendido adequadamente quando sobre ele há claridade o bastante para que as peculiaridades de tais relações de reconhecimento possam de fato existir. Ele não se deixa representar facilmente por meios de interação arbitrários pelos quais os sujeitos se relacionam uns com os outros; antes, diz respeito a padrões de comunicação relativamente estáveis que possibilitam reciprocamente aos participantes ter uma experiência de reconhecimento de suas capacidades e necessidades específicas. Isso só é possível onde os sujeitos se orientam em comum por normas morais sob cuja validade eles mobilizam cada um dos outros no sentido de respeitar e incentivar as respectivas personalidades."
É fato que em outras cidades o silencio não se repetia, mas, como demonstra a etnografia, normalmente essa quebra dava-se em razão de algum viés empoderador que ao menos parecia contornar qualquer limitação imposta por aquilo que pode ser tratado como opressão.
"Embora a dinâmica da análise de afirmativas ajudasse a introduzir o tema para discussão no grupo, evidentemente não trazia respostas simples e muitas vezes revelava mais sobre a forma de organização do grupo em si do que sobre o que pensavam a respeito do assunto. Novamente aqui uma diferença importante entre Fatumean e Fohorem chamava a atenção. O silêncio constrangedor que enfrentamos em Fatumean não se repetia entre as mulheres de Fohorem. Em lugar de olhar perdidamente umas para as outras, ali todos os olhares femininos se dirigiram para uma mesma pessoa: mana Alice. (...)Alice era uma senhora de meia-idade e de genealogia nobre. Neta de um liu ra'i bunak, casara-se com o liu ra'i de Fohorem, de um grupo tétum. (...)A centralidade de Alice em seu grupo doméstico replicava-se no plano da vida comunitária. A ascendência nobre de Alice representa muito no vilarejo. Embora não tenham mais poder político, os liu ra'i ainda têm grande prestígio no local."
Mesmo no caso de Alice, porém, há ainda resquícios de um plano público no qual ela é excluída em razão de um vínculo de casamento, com base em escolhas de um homem, não suas:
"Aquela mulher operava uma série de ligações entre vários níveis institucionais nacionais e a "base" local. Ela já fora indicada para a posição de Administrador do Subdistrito, mas não fora aceita por conta da poligamia de seu marido – um malexemplo na leitura de muitos, do qual ela procurava se afastar agarrando-se tenazmente ao catolicismo e mantendo uma fidelidade de viúva de marido vivo ao seu liu ra'i."
Nesse sentido, importante analisar a afirmação de Simião no que diz respeito à (in)existência de violência na agressão física em Covalima:
"De certa forma é isto que está sendo enunciado por homens e mulheres de Covalima, ao identificarem na intenção supostamente educadora do uso da força um elemento de atenuação do significado moral deste uso. A agressão física não seria, assim, percebida como insulto."
O que seria, pois, essa correção e como (se é que se pode) podemos afirmar que o mero fato de ser uma correção não implica insulto?
Importante ressaltar, por exemplo, que aparentemente Cardoso não nega que uma agressão que busque corrigir, por exemplo, possua conteúdo moral. Cardoso entende que há, pelo que diz, uma justificativa moral para a agressão física no caso em que ela é entendida socialmente como ato de correção. E talvez aí esteja a chave para uma nova percepção, qual seja, a de que socialmente as vezes o legítimo uso da força e, portanto, da violência, é transferido da esfera pública para a privada por meio de agentes com autoridade neste espaço. Freud certamente pensava assim: há no ato de instauração de controle dos desejos pelo pai, por meio daquilo que ele chamou de "castração" uma correspondência com as leis e regras que nos limitam na esfera pública. O pai, assim como as leis representam limites à nossa atuação, à nossa realização de desejos.
Isso não significa que o ato de agredir para corrigir esteja imune à avaliação moral negativa e que, portanto, seja entendido como insulto. Até porque, a própria concepção de corrigir alguém pressupõe que é necessário criar estímulos para que a conduta não se repita, que ela "se torne certa, correta". A agressão física, por gerar sensações corporais negativas, é nitidamente um estímulo negativo. Se a dor gerada fosse única e exclusivamente física, sem qualquer traço moral, parece-me que a conduta jamais seria consertada no sentido que se pretende. Não haveria uma condução moral do indivíduo no sentido de traçar um caminho moral preferível, não haveria raciocínio moral, não haveria dor moral, mas sim um mero cálculo estratégico: "não farei X para evitar a sanção." Um filho que apanha do pai, aprende, segundo as pesquisas conduzidas por Jessé Souza, mais pelo vínculo emocional que ali existe do que pelo ato em si praticado. O filho sente que decepcionou o pai, que se distanciou da expectativa moral por ele posta. Não há como negar que há aí conteúdo e agressão moral que sempre acompanha o ato de agressão para corrigir. Ao que me parece, o ato de correção busca integrar a visão moral do indivíduo que agiu fora do padrão desejável à que se quer compartilhada. Se, pois, não houver dimensão moral na agressão, não há correção (no sentido de corrigr, de tornar certo), há mero desvio de conduta.
Ademais, a diferença de gênero na sociedade timorense não é irrelevante para entendermos o conceito de violência ali exposto. Daniel Simião deixa claro que existe uma hierarquia baseada em gênero tanto na divisão do trabalho, como em outras esferas da vida social de Timor Leste. Assim, dentro de uma perspectiva de gênero que entende esse conceito (de gênero) como uma construção social que estabelece uma relação de poder entre os sexos, a agressão física deve levar em conta o contexto social que, de uma forma ou de outra, naturaliza as ações e a localização da mulher na sociedade e as excluem de alguns lugares de poder e de decisão em razão do costume.
Lia Zanotta faz reflexões semelhantes em seu trabalho, questionando exatamente até que ponto podemos afirmar que, pelo que indica Simião a respeito de Timor Leste, a agressão física traz única e exclusivamente uma dor física:
"A primeira questão a refletir é indagar se haveria, neste contexto, uma dor exclusivamente física que não seria recoberta por um sentido de insulto. Pergunto-me: esta dor não seria recoberta por nenhum sentido? Ou o sentido timorense dado ao bater é que não seria insulto, mas sim sentido legitimado e concordado entre homens e mulheres? Havendo acordo sobre as diferentes estratégias e diferentes castigos recíprocos, não haveria sentidos subjetiva e objetivamente circulantes? Afinal, o que se entende por correção? Correção não é sempre relacional? Não coloca os sujeitos sempre em situação distinta?
Simbolicamente, pois, o ato de agressão física, como o próprio Simião afirma, não só naturaliza uma noção de fraqueza feminina como reitera um discurso que relega a mulher a uma determinada função social. Conforme expõe Zanotta:
"As atividades femininas que parecem estar sob controle da avaliação e fiscalização masculina constituem um conjunto intricado de "quase tudo" referente ao que podem ou não as mulheres fazer: sejam deveres, passeios ou descansos. Para as mulheres parece caber mais restritamente a fiscalização referente a funções de provedor, especialmente a exigência de trabalho e a de não desperdício do dinheiro ganho. A dita "preferencia feminina" por estratégias dissimuladas das mulheres para exercerem seu poder de correção, parece indicar, então, claramente, poderes desiguais. Não se pode afirmar assim que são equivalentes, no espaço conjugal, os exercícios de poderes e de atribuição de prestígio."
Assim, por exemplo, parece que a justificativa socialmente dada à agressão do homem enquanto algo normal e não violento se deve ao fato dessa agressão ser algo mais propício ao homem fazer quando procura corrigir, em razão de sua maior força física. Enquanto isso, a mulher precisa utilizar de artimanhas que se assentam no lugar a ela reservado. A violência física é, pois, diferente para o homem e para a mulher em Timor. E essa diferença de posição, nos dizeres da Professora Zanotta, deve ser levada em consideração para que possamos pensar efetivamente a pluralidade cultural que emana da cultura timorense. Segundo ela:
"A diversidade cultural é concebida como referindo-se aos modos culturais do estabelecimento de relações de socialidade, onda as agencialidades sociais se distinguem por suas percepções e ações simbólicas recíprocas e distintamente orientadas, segundo suas posições e investimentos subjetivos. Neste sentido, os termos de 'sociedade' e 'cultura' não podem, metodologicamente, serem metaforizados como entidades unitárias, operando como entidades individuais."
Assim, mais do que discordar de Simião, Lia Zanotta parece enaltecer o que é dito por Simião quando afirma que "segundo a interpretação do grupo, um ato de desconsideração à vontade da mulher poderia ser mais ofensivo do que um tapa". Lia Zanotta questiona exatamente até que ponto essas duas coisas não se vinculam e se, de fato, isso "invertia a perspectiva que caracterizava a centralidade da agressão física no conceito de violensia domestika."
É interessante para a análise lembrarmos também da visão histórica que Simião nos traz sobre Timor. Nela, o antropólogo relata uma preocupação timorense, no embate entre partidos daquela região, em "conscientizar" mulheres a respeito de seus direitos. Mais do que demonstrar que a consolidação dos pressupostos de "gender" não são tão externos quanto se supõe, é possível também levantar a hipótese de que o conceito de violência e, mais, o de violência doméstica é uma construção política interna que se ampara em organismos internacionais como instrumentos para potencializar debates e conscientização.
A agressão do homem remete a mulher a um lugar onde ela se sente incapaz, devido à força física, de se contrapor. É "correção" mesmo. E é correção no sentido de status. Parece apontar, simbolicamente, à mulher suas incapacidades (mesmo que simbólicas e não reais) de se contrapor ao homem em determinados aspectos. Nesse caso, o físico. Essa incapacidade é, segundo Bourdieu uma construção social e, por isso, pode-se arguir que a até a violência do homem poderia ser contraposta por uma violência da mulher. Porém, a violência do homem parece vir seguida de uma violência simbólica social que invoca a possibilidade do homem fazer o que faz, daquilo ser próprio do seu lugar. Diz o teórico:
"O trabalho de construção simbólica não se reduz a uma operação estritamente performativa de nominação que oriente e estruture as representações, a começar pelas representações do corpo (o que ainda não é nada); ele se completa e se realiza em uma transformação profunda e duradoura dos corpos (e dos cérebros), isto é, em um trabalho e por um trabalho de construção prática, que impõe uma definição diferencial dos usos legítimos dos corpos, sobretudo os sexuais, e tende a excluir do universo do pensável e do factível tudo que caracteriza pertencer ao outro gênero – e em particular todas as virtualidades biologicamente inscritas no "perverso polimorfo" que, se dermos crédito a Freud, toda a criança é – para produzir este artefato social que é um homem viril ou uma mulher feminina."


5. Conclusão
De acordo com a etnografia de Simião, ao que nos parece, os dois requisitos apontados por Cardoso como constitutivos do insulto moral podem ser considerados presentes no que tange aos atos de agressão física dentro de casa entre homens e mulheres no Timor Leste. Claro que para entendermos que (1) há uma agressão "objetiva" a direitos, precisamos entender o que é entendido por direito naquela realidade social e, para tanto, elencamos acima o que se entende or direito numa sociedade que se quer reconhecedora, plural e democrática, como o é Timor Leste. É verdade que não se deslocam instituições e nem ideologias a respeito delas em desacordo com as realidades locais. Porém, os requisitos de abertura e de reconhecimento do diferente parecem-me ser indispensáveis para o que entendemos por direito hoje em dia.
Da mesma forma, para arguimos que (2) há uma desvalorização ou negação da identidade do outro, é importante entendermos e ressaltarmos a realidade social de Timor Leste para não agirmos de maneira etnocêntrica e exigir que a dinâmica social desse "outro-coletivo" corresponda de forma inequívoca ao que nós entendemos como desvalorar ou negar uma identidade. Assim explica Geertz, por exemplo:
"To an ethnographer, sorting through the machinery of distant ideas, the shapes of knowledge are always ineluctably local, indivisible from their instruments and their encasements. One may veil this fact with ecumenical rhetoric or blur it with strenuous theory, but one cannot really make it go away."
Para melhor entender essa dinâmica, tomei os discursos produzidos pela etnografia de Daniel Simião e as interpretei dentro do arcabouço teórico aqui apresentado. Algumas falas que forneceram maior subsídio à opinião de que há hierarquia baseada em gênero na interação homem e mulher dentro de casa, dando a entender que um tapa agride, sim, a identidade de uma mulher foram as seguintes:
"Para ele, o fato de uma mulher ter muitos filhos não era uma situação de risco, pois ela estaria, assim, cumprindo o que se esperava dela. Seu marido ficaria muito satisfeito."
"É comum que jovens casais morem juntos por algum tempo sem o pagamento desta obrigação. Neste caso, contudo, chamado de kaben tama (literalmente "cônjuge entra"), o casal deve morar junto à família da mulher, somente podendo fixar residência própria, junto ao grupo de origem do homem, depois de acertado o pagamento."
Essas falas se revelam representativas por dizerem respeito à visão da mulher na relação matrimonial, tanto do ponto de vista de uma vinculação entre a função da mulher na sociedade e a felicidade do homem, isto é, em síntese, ela vive para ele, em função dele tanto quanto da perspectiva de que nitidamente há uma relação de hierarquia entre o grupo familiar do homem e o da mulher. É como se fossem fases de capacidade. Se o casal é capaz de providenciar por si, vai para o grupo do homem. Se não, não pode e deve conviver com o grupo familiar da mulher. Há, aí, uma simbologia que diz respeito à proximidade entre aquilo que é feminino (falha) e o que é masculino (êxito).
É claro que a situação não é tão simples assim e existem peculiaridades que nos levam a questionar até que ponto e, mais precisamente, em quais pontos há hierarquização baseada em gênero. Como relata Simião, existem espaços nos quais a mulher é tratada com mais respeito, em outros com menos. Porém, o que se questiona é até que ponto esse respeito não se dá em razão de ser algo que se distancia do que é mais comum ao Timor Leste, que seria a comunidade, do que o espaço democrático e as instituições que Simião tanto insiste em dizer que são alienígenas.
"O caminho para acomodar essas incompatibilidades, porém, era mais fácil do que parecia e logo foi encontrado. Segundo um dos grupos de homens, a resposta era simples: "Família é uma coisa, comunidade é outra, Estado é outra. No Estado e na Família, as mulheres podem participar da tomada de decisão. Na comunidade, não". Segundo aquelas pessoas, tratavam-se de três esferas distintas da vida social. No plano do Estado valia a igualdade de direitos, afinal "Timor-Leste é uma democracia" e, em uma democracia, homens e mulheres tinham os mesmos direitos e deveres. Na família, o respeito à vontade da mulher era fundamental e sua inobservância era percebida, inclusive, como grave ofensa. Já, no plano comunitário, a lógica era, por excelência, hierárquica.
Como não me dava por satisfeito, pedi que explicassem melhor o que os fazia aceitar (e obedecer) as decisões de uma juíza ou de uma ministra de Estado, mas não os permitia confiar nas mulheres para tomar decisões na aldeia. Fui receber uma explicação mais elaborada em Fohorem, da boca de um professor local:
"A mulher que é juíza, ela estudou para isso. A ministra, se chegou a ser ministra é porque estudou muito. Elas sabem o que fazem. E, na democracia, se alguém tem competência, sabe fazer, então deve poder fazer". era o mesmo argumento meritocrático que ouvira de Alice.
Simião insiste em dizer que gênero não é um fator determinante em si para o exercício de determinados poderes sociais em Timor. No entanto, é difícil discordar de que há uma situação de dominação por parte do homem na relação com sua mulher dentro de casa, por tudo que já fora exposto. Em uma sociedade na qual os espaços de poder estão inundados pelo homem, inclusive caracterizado pela possibilidade e prática de atos de potência, como a fala, em sua grande maioria pelos homens, em detrimento das mulheres, como falar em consenso construído a partir de situações iguais Como diz Zanotta, é possível falarmos em uma desigualdade consentida dentro daquilo que entendemos por diretos humanos e práticas democráticas enquanto prática defensora de posições plurais e discursos diversos
As mulheres de Timor Leste, segundo a etnografia, parecem estar relegadas a exercerem determinadas funções em somente alguns espaços. É aparente, pelo menos, que há controle do ato que provém de uma mulher em maior escala do que aquele que advém do homem. E esse controle se dá, ao que tudo indica, única e exclusivamente em razão de sexo, o que, por sua vez, transforma-se em questão de gênero justamente por utilizar-se de uma diferenciação estética-sexual para decidir o que se pode, ou seja, a quem cabe exercer um poder.
Principalmente porque eu poderia dizer que no Brasil, por exemplo, uma mulher de classe média tem mais poder que um homem de classe baixa na política. Poderia dizer, também, que em determinados locais, uma mulher tem mais capacidade de influência em razão de ser mulher inclusive, como por exemplo na cozinha de uma casa qualquer. Isso não reduz o controle sobre os corpos e a dominação masculina, ao meu ver, no Brasil. Eu não acho que na esfera pública, entendida como espaço de debate e de disputa de projetos de sociedade, uma mulher e um homem de mesma classe social estejam equiparados no poder de influência. E isso se dá em razão da distinção de sexo. O bourdieu, no relato dele sobre Cabília, mostra como a alocação de poder e a naturalização dos espaços que podem ser ocupados por pessoas de diferentes sexos tem um viés de dominação. Pelo seu relato, eu enxergo assim também em timor. A etnografia (e aí está a nítida riqueza do seu trabalho) permite que o leitor se sinta lá e, talvez erroneamente, conhecedor da realidade ali inscrita.
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