É relevante falar do refúgio fundamentado pela orientação sexual e identidade de gênero?

May 22, 2017 | Autor: Victor Mendes | Categoria: Human Rights, Refugees, LGBTI refugees
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É RELEVANTE FALAR DO REFÚGIO FUNDAMENTADO PELA ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO? Patrícia Gorisch1 Victor Mendes2 “Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.” Declaração Universal dos Direitos Humanos

Resumo: O refúgio decorre em função do fundado temor de perseguição com base nas cinco principais razões enumeradas no Estatuto dos Refugiados de 1951 (com protocolo de 1967), são essas; raça, religião, nacionalidade, opinião política e pertencimento a um grupo social específico. O fundado temor de perseguição em razão do pertencimento a um grupo social específico engloba a temática das minorias sexuais; indivíduos que deixam um país em função de um fundado temor de perseguição gerado por conta da sua Orientação Sexual e Identidade de Gênero. A problemática desse artigo é o silêncio sobre o tema Refúgio LGBTI no direito internacional e na política internacional durante o século XX. É explorada a hipótese de que o estigma social e as dificuldades técnicas para pesquisa do tema criam a falsa percepção de inexistência ou pouca relevância do problema. Palavras-chave: Refugiados. Direitos Humanos.

Abstract: The Refuge occurs due to a well-founded fear of being persecuted arising from five main reasons set by the 1951 Convention and Protocol relating to the Status of Trabalho enviado para apresentação oral de pesquisa de Graduação no Encontro de Pesquisa em Relações Internacionais – EPRI (13-17 de Junho de 2016) UNESP MARÍLIA. Professora orientadora do projeto de pesquisa sobre Direitos Humanos LGBTI do IPECI – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas, da Universidade Católica de Santos (Av. Conselheiro Nébias, nº 300. Santos/SP - Brasil. +55 (13) 3228-1261). Presidente Nacional da Comissão de Direito Homoafetivo do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, doutoranda em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos. E-mail: [email protected] 2 Graduando do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Santos. Bolsista de Iniciação Científica e Orientando do projeto de pesquisa sobre Direitos Humanos LGBTI do IPECI, Universidade Católica de Santos. E-mail: [email protected] 1

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Refugees, those are; race, religion, nationality, political opinion or membership of a particular social group. The well-founded fear of being persecuted for being part in a specific social group includes sexual minorities; individuals that leave a country because of a well-founded fear of persecution due to their Sexual Orientation and Gender Identity. The problem in this paper is the silence of the subject “LGBTI Refuge” in international law and international politics during the 20th Century. The analyzed hypothesis is that social stigma and technical difficulties around research of the subject create the false perception of inexistence or limited relevance of the problem. Key words: Refugees. Human Rights.

INTRODUÇÃO

O Refugio com base no temor de perseguição pelo motivo de pertencimento ao grupo social Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexo – LGBTI está implícito no Estatuto dos Refugiados de 1951 dentro do pertencimento a um grupo social específico, tal motivo está sujeito à interpretação. O reconhecimento do refúgio nessas bases surge apenas em 1981, e a discussão do tema Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero apenas no século XXI. O presente artigo analisa o tema “Refúgio LGBTI” com fim de argumentar a relevância e necessidade de sua discussão e desenvolvimento enquanto tema que sofre continuamente pelo silenciamento e diz respeito ao direito básico fundamental da vida livre do medo. Para tal, buscamos trabalhar com fatos históricos que evidenciam a existência da perseguição de pessoas LGBTI de forma antecedente ao reconhecimento do tema em caráter formal nas Relações Internacionais. Nesse ensejo, traçamos primeiramente a relação dessas evidencias de perseguição com o documento central, o Estatuto dos Refugiados de 1951 com protocolo em 1967, confeccionado à época do pós-Segunda guerra. O documento reconhece o refúgio com base em cinco principais razões de perseguição; raça, religião, nacionalidade ou opinião política e pertencimento a um grupo social específico. O Estatuto não reconhece explicitamente o refúgio em razão do pertencimento a um grupo LGBTI. Esse grupo está implícito no pertencimento a um grupo social específico. Mesmo que o grupo 2

esteja implicitamente incluso em uma das razões fundadoras, essa inclusão está sujeita à interpretação, o que ocorre de forma posterior aos eventos que deram razão para criação do Estatuto dos Refugiados de 1951 (com protocolo em 1967). Após a parte histórica descrita nos parágrafos anteriores, o artigo traça uma cronologia da evolução do tema dos Direitos LGBTI na Organização das Nações Unidas para evidenciar as tentativas de silenciamento do tema. Os Direitos LGBTI é tema inexistente nas pautas internacionais entre os Chefes de Estado durante todo o século XX. A temática dos Direitos LGBTI está diretamente ligada ao Refúgio fundamentado pelo pertencimento a esse grupo, já que o primeiro busca o reconhecimento existência das discriminações que esses indivíduos sofrem em função de sua não-concordância com os padrões sociais. Nesse sentido, reconhecer as discriminações é compreender que há perseguição por ser LGBTI, abrindo entendimento para que haja fundamentação do pedido de Refúgio nessas bases. Contudo, apesar do tema passar a existir nas pautas internacionais do século XXI, o mesmo não foi recebido com total positividade. Os países que apresentam oposição ao tema são geralmente hostis aos LGBTIs, e, nesse sentido, possíveis geradores do refúgio dessas pessoas. A última sessão explora as dificuldades técnicas que norteiam o estudo do Refúgio evidenciando como essas dificuldades afetam o estudo do Refúgio LGBTI.

1 TERMINOLOGIA E HISTÓRIA

Em termos de política internacional, o reconhecimento do tema Refúgio com base na Orientação Sexual e Identidade de Gênero – SOGI3 surge em caráter formal no âmbito das Nações Unidas apenas nos primeiros 15 anos do século XXI, após o silêncio durante o século XX. Primeiro, é necessário refletir sobre o termo “Refugiado LGBTI”. A concepção de “pertencimento a um grupo social específico”, no âmbito do refúgio, é caracterizada por ser vaga, o que provoca certos questionamentos quanto à sua definição e abrangência de aplicabilidade. Nesse sentido, a abrangência serve os propósitos fundamentais de uma regra de Direitos Humanos, como coloca Ramos (2013).

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Do inglês: Sexual Orientation and Gender Identity (SOGI)

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[...] os direitos humanos, via de regra, apresentam-se como princípios jurídicos, que são normas caracterizadas pela vagueza, abstração e abertura. Para que sejam aplicados a um caso qualquer, é necessária uma imprescindível atividade judicial que concretiza o conteúdo das normas de direitos humanos. (RAMOS, 2013, p.27)

Diferentemente das outras razões fundadoras do pedido de refúgio, raça, religião, nacionalidade ou opinião política, o pertencimento a um grupo social específico abarca uma variedade interpretativa que muito provavelmente não foi prevista quando da elaboração do Estatuto dos Refugiados. Considerando os aportes de Goodwin-Gil e McAdam (2007)4, corroboramos com perspectiva de que a intenção inicial dos formuladores da convenção poderia ter sido a proteção de grupos conhecidos contra formas conhecidas de perseguição, o que resultou na criação de um termo que acolhesse esses grupos, sem explicitar todos os grupos. O termo resultante permitiu ampliação e adequação interpretativa no futuro. Essa adequação, no que tange o refúgio de pessoas LGBTI, surge pela primeira vez apenas em 1981 quando o Conselho de Estado da Holanda reconhece a Orientação Sexual como motivo de perseguição em razão de pertencimento a um grupo social LGBTI, no caso Afdeling rechtspraak van de Raad van State (Judicial Division of the Council of State) 13 August 1981, Rechtspraak Vreemdelingenrecht 1981, 5, Gids Vreemdelingenrecht (oud) D12-515 (SPIJKERBOER, 2013, p.231). Com base no tardio reconhecimento, questionamos o seguinte: a categoria de “refugiado LGBTI” é relevante em matéria de Direitos Humanos? Nesse caso, o refúgio fundamentado nessas bases apresenta-se como exceção? Assim, é proposta a exploração de evidências que o Refúgio, com base na OSIG, precede seu tardio reconhecimento em matéria de Direito Internacional e Política Internacional, norteando, nessa análise, elementos que dialoguem com a hipótese de que o estigma contribuiu para o silêncio sobre esse assunto. Para abordar essa questão, recorremos a aportes sobre Refúgio e Direitos Humanos em seus contextos históricos. É cabível argumentar que instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos, como o Estatuto dos Refugiados 4

Página 74. Jurisprudência disponível apenas em Holandês, no link: http://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:RVS:2015:2008 5

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de 1951 (com protocolo em 1967), surgem em resposta aos problemas criados durante a Segunda Guerra Mundial. A criação da Organização das Nações Unidas – ONU –, após o fracasso da Liga das Nações, representa esse marco histórico. A resolução que adota o protocolo de 1967 do Estatuto dos Refugiados, de 1951, explicita o seguinte: Considerando que a Convenção relacionada ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra no dia 28 de julho de 1951/6 cobre apenas aquelas pessoas que se tornaram refugiadas como resultado dos eventos ocorridos antes de janeiro de 1951. [...] (UN, 1966, n.p, tradução do autor)6.

O protocolo A/RES/21/2198 “remove os limites geográficos e temporais da convenção de 1951” (ONU, 1951, p.1, tradução do autor) 7. Nesse sentido, a convenção inclui aqueles que fugiram devido às perseguições do Terceiro Reich, na Alemanha Nazista.

O documento explicitamente reconhece as razões de

perseguição por nacionalidade, etnia e religião, em resposta às perseguições aos judeus, sérvios e ciganos (Etnia Romani), por exemplo. Plant (1988) um dos poucos, senão o único, pesquisador sobrevivente do “Holocausto Gay”, durante o Terceiro Reich, afirma que a perseguição LGBTI começa por volta de 1935, paralela à dos judeus. Na Alemanha, o famoso parágrafo 175 tratando de atos sexuais entre homens foi modificado para 175A. [...] qualquer contato entre homens de qualquer idade que poderia ser concebido como ato sexual seria severamente punido. Mesmo seu nome na lista de endereços de um suspeito poderia levar à prisão. Essa nova lei foi publicada em 28 de junho de 1935 como uma ordem de “perseguição impiedosa de vadios sexuais”. [...] Henrich Himmler – Chefe da Gestapo e arquiteto da campanha nazista anti-gay – ordena a “eliminação de todos os degenerados”. (PLANT, 1988, p. 303, tradução do autor)8.

Tradução do original: “Considering that the Convention relating to the Status of Refugees, signed at Geneva on 28 July 1951, /6 covers only those persons who have become refugees as a result of events occurring before 1 January 1951,” 7 Tradução do original: “The Convention entered into force on 22 April 1954, and it has been subject to only one amendment in the form of a 1967 Protocol, which removed the geographic and temporal limits of the 1951 Convention” 8 Tradução do original: “In Germany, the famous Paragraph 175 concerning sexual acts between males was changed to 175A. […] any contact between males of any age that could be construed as sexual would be severely punished. Even having your name listed in a suspect’s address book could lead to incarceration. This new law was made public on June 28, 1935, as a directive for “the ruthless persecution of sexual vagrants.” 6

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Somente em 1969, a citada lei posta nos parágrafos 175 e 175ª do código penal foi revisada. A perseguição era também institucionalizada, de acordo com o que está registrado no Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, USHMM9, a Polícia Secreta do Estado Nazista, Gestapo, tinha uma divisão especializada para lidar com os homossexuais, criada em 1934. Henrich Himmler 10 também criou um escritório central para combate da homossexualidade e aborto em 1936 (USHMM, 2016). Estimativas apontam que 100.000 homens foram presos, acusados de serem homossexuais, entre 1933 e 1945 (USHMM, 2016). Há, inclusive, discordâncias referentes ao número de homossexuais condenados e enviados aos campos de concentração, não só pelas dificuldades técnicas para conseguir dados em um cenário de guerra, mas também pela falta de pesquisa, devido o estigma social e o silêncio a respeito do assunto, no século XX, evidenciadas, principalmente, pela continuidade da criminalização no período pós-Segunda Guerra. Esses fatos não permitem asserção numérica a respeito das condenações. Jack Nusan Porter (1998), estima entre 50.000-63.000 condenados por homossexualidade entre 193345. Geofrrey J. Giles (2001) 11 indica 90.000 prisões por acusações de homossexualidade ao mando de Himmler. Nos julgamentos de Nuremberg, não há menção da perseguição aos LGBTIs. Da mesma forma, após a guerra, mulheres e homens vítimas da perseguição nazista, devido à sua Orientação Sexual, não eram elegíveis às compensações do governo alemão, pois foi considerado pelas cortes da Alemanha Ocidental que os LGBTIs foram criminosos “legítimos” durante a era nazista (GILES, 2001, p.25). Apenas em 2016 a Alemanha revisa essa posição, anulando as condenações e considerando aqueles perseguidos para o recebimento de compensações 12. Com esses fatos em mente, devemos considerar que o refúgio depende do reconhecimento do fator gerador do mesmo, o fundado temor, logo, sem o reconhecimento de que há perseguição com base na OSIG, tema do Refúgio LGBT

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Do inglês: United States Holocaust Museum. Heinrich Himmler foi um dos principais líderes do Partido Nazista. Um dos responsáveis diretos pelo Holocausto. 11 Página 10 12 Notícia consultada: http://www.pinknews.co.uk/2016/05/11/germany-will-pay-compensation-tomen-convicted-under-historic-gay-sex-laws/ 10

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inexiste em sentido técnico, consideramo-lo tema silenciado, já que ocorreu de fato. Esse silêncio tem fim no início do século XXI, abordagem a ser feita na sessão seguinte.

2 DIREITOS LGBTIS NA ONU

Em termos de política internacional, o silêncio vai até a primeira década do século XXI, quando se encerra com a primeira proposta de resolução sobre Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero no âmbito da ONU em 2003. Apesar da existência da pauta sobre esse assunto, a partir desse momento, continuaram as tentativas de silenciamento. Em 17 de abril de 2003, foi esboçada e apresentada a resolução de código E/CN.4/2003/L.92 (UN, 2003a) sobre Direitos Humanos e Orientação Sexual13, a primeira sobre o tema. A proposta foi feita pela delegação do Brasil, ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas 14 (ECOSOC), a partir da Comissão de Direitos Humanos (UN, 2003b, p.440-441). Associação Internacional de Gays e Lésbicas (International Lesbian, gay, bisexual, trans and intersex association – ILGA)15, noticiou em 2004 a tentativa da delegação do Brasil, titulando a proposta resolução de “Brazilian Resolution" (ILGA, 2009). Essa proposta de resolução de 2003 por conta da oposição foi adiada para a Comissão de Março de 2004. Nesta, a Comissão de Direitos Humanos decidiu, sem fazer menção aos termos “Direitos Humanos e Orientação Sexual” (UN, 2004, p. 328)16, adiar novamente a análise à sua sexagésima primeira sessão, realizada no ano seguinte.

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Human Rights and Sexual Orientation Economic and Social Council 15 Organização Internacional que se define como uma Federação Internacional de organizações, compreendendo 1200 organizações de 125 países a favor dos direitos das Lésbicas, Gays, Bisexuais, Trans e Intersexos desde 1978. Tem assento consultivo no ECOSOC como organização não governamental. Site: http://ilga.org 16 Texto traduzido: “2004/104. Extensão do tempo limite na decisão 2003/118 em sua 49ª reunião, 15 abril de 2004, a Comissão de Direitos Humanos decide, sem voto, deferir a consideração sobre os documentos referidos em sua decisão 2003/118 de 25 de abril de 2003 à sua sexagésima primeira sessão, sob o mesmo item em pauta. ” Texto original: “2004/104. Extension of the time limit in decision 2003/118 At its 49th meeting, on 15 April 2004, the Commission on Human Rights decided, without a vote, to defer consideration of the documents referred to in its decision 2003/118 of 25 April 2003 to its sixty-first session, under the same agenda item.” 14

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Nos relatórios da sessão seguinte de 2005 (UN, 2005) e no relatório de fechamento dos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos em 2006 (UN, 2006a) não há menção sobre a supracitada proposta de resolução “Direitos Humanos e Orientação Sexual” feita pelo Brasil, em 2003, nem sobre as decisões anteriores referentes aos adiamentos. As evidências nos levam a supor que o tema não foi mais levantado para discussão, ou sequer foi debatido. É necessário notar que até então a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a mesma que redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, já havia sido alvo de críticas a respeito de sua conduta e composição, notadamente pelo fato de conter em seu corpo uma grande quantidade de países com histórico de graves violações aos direitos humanos. Em 2006, a Comissão de Direitos Humanos foi substituída pelo Conselho de Direitos Humanos (UN, 2006b). Em 2008, uma declaração de apoio aos direitos LGBTIs, iniciada pela Holanda e pela França com participação da União Europeia, foi apresentada à Assembleia Geral angariando o apoio formal de 66 Estados perante a Assembleia Geral (UN, 2008a; NEW YORK TIMES, 2008). A declaração foi recebida por uma contraproposta promovida por um grupo de 57 países que continuamente buscam bloquear iniciativas de reconhecimento de violações de Direitos Humanos motivadas pela Orientação Sexual e Identidade de Gênero (UN, 2008b; AMNESTY INTERNATIONAL, 2008). No pronunciamento da contraproposta, os argumentos destes países contra declaração de apoio aos direitos LGBTIs se fundaram na concepção de que a proposta estaria, em detrimento de outras violações direcionadas a outras minorias, privilegiando um grupo específico por conta de seu “interesse e comportamento sexual diferenciado”, partindo do não reconhecimento da noção de Orientação Sexual e Identidade de Gênero e da negação da discriminação fundada pelo ódio ao grupo específico (UN, 2008b)17.

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O autor obteve acesso apenas à sessão gravada do pronunciamento contrário à proposta. O representante da República Árabe da Síria faz o pronunciamento dos Países contrários à proposta em 2h32m10s. Em 2h36m25s faz pronunciamento expressando a “preocupação dos países contrários referente à suposta tentativa de introduzir às Nações Unidas noções que não “têm fundamento legal” e que estariam beneficiando certas pessoas em função de seu “interesse e comportamento sexual.”. Webcast REALPLAYER da sessão disponível no link: http://webcast.un.org/ramgen/ondemand/ga/63/2008/ga081218am.rm

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Apesar da natureza não vinculativa da declaração de 2008 em apoio aos LGBTIs, os Estados Unidos, China e Rússia, não apoiam o documento. A França e o Reino Unido são os únicos membros do Conselho de Segurança que assinaram a declaração de apoio. Por conta da dissonância a respeito do tema levantado, tanto a proposta de apoio aos Direitos LGBTI de 2008 quanto a sua contraproposta não foram adotadas no formato de resolução e até hoje continuam em aberto para assinatura. Oito anos depois da primeira tentativa de uma resolução sobre os direitos LGBTI, e cinco anos após a substituição da Comissão de Direitos Humanos, o Conselho de Direitos Humanos, em ato histórico, passou em 2011 na Assembleia Geral da ONU a primeira resolução referente aos Direitos LGBTI, a Resolução A/HRC/RES/17/19 de título “Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero”18, aprovada por 23 votos a favor, 19 contra e 6 abstenções (UN, 2011a, p.2). A resolução solicitou ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos um estudo, A/HRC/19/41, sobre todas as regiões do mundo, documentando práticas, leis e atos discriminatórios motivados em função da Orientação Sexual ou Identidade de Gênero de um indivíduo (UN, 2011b). Em outubro de 2014, uma nova resolução, A/HRC/27/L.27/Rev.1, com o mesmo título, é aprovada por 25 votos favoráveis, 14 contrários e 7 abstenções, com pedido de atualização para o estudo feito em 2011 (UN, 2014, p.2). Esse, A/HRC/29/23, é o mais recente estudo feito pelo Alto Comissariado para Direitos Humanos, distribuído em 4 de maio de 2015. O referido estudo afirma que crimes motivados pelo ódio a indivíduos LGBTI foram documentados em todas as regiões (UN, 2015a, p.8) 19. De acordo com o mesmo relatório, 76 países ainda mantêm leis que são usadas para criminalizar ou discriminar pessoas com base em sua Orientação Sexual ou Identidade de Gênero (UN, 2015a, p.12)20. O mais recente avanço para o tema veio através do conselho de Segurança, que pela primeira vez na história, é reunido em 2015 para discutir a temática do Refúgio de pessoas pertencentes ao grupo social Lésbicas, Gays, Transexuais, Transgêneros e Intersexos (LGBTI), dando grande evidência ao assunto. Sediado

18

Human Rights, Sexual Orientation and Gender Identity Parágrafo 26. 20 Parágrafo 44. 19

9

em 24 de agosto de 2015, o encontro promove uma discussão referente às atrocidades promovidas pelo grupo terrorista Estado Islâmico (Dae’sh, ISIS) contra minorias sexuais e o refúgio dessas pessoas. Enviados especiais dos membros do Conselho

ouviram

relatos

de

refugiados

LGBTIs

(ALJAZZERA,

2015;

HUFFINGTONPOST, 2015; INTER PRESS SERVICE, 2015). O encontro do Conselho foi feito com base na fórmula “Arria” 21 definida como um “encontro informal, não mandatório e privado entre os Estados Membros do Conselho de Segurança” (UN, 2002). Conforme a descrição da dinâmica supracitada, um convite formal foi emitido aos membros do Conselho, que não tinham a prerrogativa de atender ao evento. É um requerimento nesse tipo de encontro que este não seja divulgado e documentado nas plataformas oficiais da ONU. Apesar de ser um avanço para a pauta, é considerável a timidez na forma como o assunto foi tratado, o que é evidenciado pela fórmula de encontro adotada.

3 REFÚGIO NO MUNDO E AS DIFICULDADES TÉCNICAS NO ESTUDO DO REFÚGIO LGBTI Os dados do último relatório22 (UN, 2015b) da agência para Refugiados da ONU (ACNUR/UNHCR) apontam que existem hoje, no mundo, mais de 20 milhões de refugiados e solicitantes de refúgio23. Os dados, que são compilados pelo ACNUR têm como base uma parcela considerável de estimativas. Adicionalmente, não há distinção entre os fundamentos dos pedidos de refúgio em cada caso. Mesmo que nesses dados houvesse um número concreto de pedidos em função do pertencimento a um grupo social específico, a razão de pedido fundamentada no pertencimento a um grupo LGBTI estaria implícita. Logo, é impossível traçar com concretude o refúgio em função da perseguição LGBTI no cenário mundial.

21

A prática de encontro foi nomeada em homenagem ao embaixador Diego Arria, da Venezuela, que deu início ao método em 1992. 22 Mid-Year Trends 2015. 23 Por país de origem: Refugiados e Pessoas em situações correlatas 15.097.633, Solicitantes de Refúgio 2.343.919, pessoas sob o mandato de Apatridia do ACNUR 3.944.474. Total: 21.386.026. Tabela Mid-Year Trends Report 2015 na página web http://unhcr.org/myt15/. Link da tabela: https://s3.amazonaws.com/unhcrsharedmedia/2015/2015-midyear-trends-report/15MYSR-tab_v2_external.zip

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Ainda assim, com os dados disponíveis, é possível traçar uma relação entre os principais países de origem de refugiados no mundo e indicativos da perseguição e discriminação LGBTI em seus territórios. Essa relação é feita na Tabela 1. Tal análise nos permite fazer uma inferência indutiva, onde a base do argumento seria o fato da existência da hostilidade aos LGBTIs nesses países, o que nos faz concluir que é possível que esses indivíduos deixem esses países dentro dessa justificativa. Tabela 1 – Refugiados por país de origem # 1

Estado Syrian Arab Republic [1]

Refugiados 4,837,208

Perseguição LGBTI [2] -

Comentários Presença do ISIS

2 3 4

Afghanistan Somalia South Sudan

2.632.534 1.105.460 744.034

Atos homossexuais ilegais Atos homossexuais ilegais Atos homossexuais ilegais

Pena de Morte

5

Sudan

634.612

Atos homossexuais ilegais

-

6

Congo, Dem. Rep.

535.115

7

Central African Republic

469.314

8

Iraq

377.747

Idade de consenso diferente entre atos homo e heterossexuais Não codificado. Atores não estatais (Juízes Sharia) Atos homossexuais ilegais -

Presença do ISIS

9 Eritrea 352.309 10 Ukraine 318.606 Fonte: UNITED NATIONS UNHCR (2015b) [1] Síria: UNITED NATIONS UNHCR (2016) [2] International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association - ILGA (2015)

A Tabela 1 é feita com os dados numéricos do último relatório da Agência da ONU para Refugiados e as informações qualitativas do Relatório State-Sponsored Homophobia da Organização Internacional ILGA que compila elementos indicativos da perseguição LGBTI no mundo proveniente de codificações na lei dos Estados ou pela ação de atores não-estatais como o grupo terrorista Estado Islâmico (Da’esh, ISIS). Percebe-se, de acordo com a tabela, que no mundo entre os dez24 principais países de origem para refugiados, representando um fluxo de mais de 11 milhões

24

Como na Tabela: República Árabe da Síria, Afeganistão, Somália, Sudão, Sudão do Sul, República Democrática do Congo, República centro-africana, Iraque, Eritréia, Ucrânia.

11

de pessoas, cinco criminalizam “atos homossexuais” (ILGA, 2015, p.53,63,64,69)25, sendo a pena de morte uma ameaça em quatro desses países (ILGA, 2015, p.29) 26.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente, de acordo com os casos e dados aqui levantados, que a criminalização e discriminação LGBTI ainda ocorre no mundo, forçando o deslocamento de pessoas para salvaguardar suas vidas. O reconhecimento surge tardiamente, apesar dos indicativos da ocorrência de deslocamentos motivados pelo ódio aos LGBTIs muito antes das resoluções do século XXI. Porém, o reconhecimento triunfou, apesar das repetidas tentativas de abafamento, o que já representa vitória. Quantitativamente, é possível traçar apenas estimativas sobre a perseguição e o refúgio LGBTI tanto em matéria histórica, como o número de condenados na Alemanha Nazista, quanto na atualidade, pelas dificuldades técnicas enumeradas na sessão anterior. Ademais, em matéria qualitativa, a violação dos Direitos Fundamentais independe da quantidade de pessoas afetadas. Um indivíduo que tem seus direitos fundamentais violados, hoje, representa as pessoas do mundo todo que poderão ter seus direitos violados, no futuro. A violação, por si só, não deixa de ser violação pela quantidade de pessoas afetadas. Mesmo com a máxima qualitativa, o fluxo de pessoas fugindo de países hostis aos LGBTIs é relevante para alavancar a discussão a respeito do Refúgio LGBTI, devido à tendência ao silêncio sobre a discriminação LGBTI como os exemplos históricos e atuais aqui levantados evidenciam.

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