Ecologia de Paisagem: um novo enfoque na gestão dos sistemas da Terra e do homem

May 28, 2017 | Autor: Rualdo Menegat | Categoria: Landscape Ecology, Urban Environmental Management, Urban Geology
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CAPÍTULO 15

ECOLOGIA DE PAISAGEM: UM NOVO ENFOQUE NA GESTÃO DOS SISTEMAS DA TERRA E DO HOMEM Maria Luiza Porto e Rualdo Menegat

1. PAISAGEM E ECOLOGIA DE PAISAGEM: O MUNDO AO NOSSO REDOR 2. DESENVOLVIMENTO DA ECOLOGIA DE PAISAGEM NA EUROPA CENTRAL E AMÉRICA 3. BASES CONCEITUAIS E TEÓRICAS DA ECOLOGIA DE PAISAGEM 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CITAR COMO: Menegat, Rualdo; Almeida, Gerson. 2004. Ecologia de paisagem: um novo enfoque na gestão dos sistemas da terra e do homem. 2004. Desenvolvimento sustentável e estratégias para a gestão ambiental. Porto Alegre, Edufrgs, pp. 361-376.

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1. PAISAGEM E ECOLOGIA DE PAISAGEM: O MUNDO AO NOSSO REDOR A Ecologia de Paisagem é uma moderna disciplina da Ecologia dedicada a entender as diversas inter-relações entre a humanidade – suas atividades e seus artefatos – e sua aberta e ampla paisagem. Na Europa Central é considerada como resultado de uma visão integrada e sistêmica, por muitos denominada de holística, adotada por pesquisadores de várias áreas do conhecimento, como geógrafos, ecologistas, planejadores de paisagens, arquitetos e gestores do ambiente. O escopo fundamental dessa nova área do conhecimento é formar um elo entre os sistemas natural e humano, incluindo as atividades agrícolas e urbanas que mudam continuamente a paisagem. Pelo fato de ser uma disciplina nova no âmbito da ciência, a Ecologia de Paisagem tem origens em vários países, cujo sentido foi convergindo e se unificando. Por isso, dependendo da língua, ela tem sido traduzida e entendida de modo diverso. A origem da palavra paisagem é hebraica e significa bonito, lindo. Todavia, essa é uma conotação estética, sendo que, em inglês, foi traduzida como cenário (scenery). White, em 1976, introduziu no termo landscape (paisagem) também o sentido original, visual e perpétuo, de conotação estética. Já segundo a tradição alemã, a palavra landschaft tem a conotação geográfica-espacial conferida pela palavra land, que significa terra. Landschaft foi introduzida como termo geográfico-científico no século XIX pelo eminente naturalista Alexander von Humboldt [1769-1859], pioneiro dos geobotânicos e da geografia física. Definiu paisagem como sendo a “característica total de uma dada região da Terra” (Der Totalcharakter einer Erdgegend). Ele reservou a expressão “forma da superfície” (landform) para significar fisiográfico, geológico e geomorfológico, ou seja, a configuração da crosta terrestre. Além das vertentes já assinaladas, encontramos origens dessa disciplina a partir dos geógrafos russos. Eles conceberam uma definição muito próxima da alemã (=Landschaft), incluindo fenômenos inorgânicos e orgânicos no conceito de paisagem sendo um estudo da totalidade denominando de Geografia de Paisagem (Landscape Geography). Poderíamos prosseguir com outros exemplos de como esse tipo de estudo está disseminado em todos os países e vem tendo um desenvolvimento significativo na última década. Caberia, ainda, assinalar o entendimento que os pesquisadores australianos vêm empregando. Para eles, esse estudo diz respeito ao uso do solo (land use research) e recebe também uma conotação holística, isto é, integrando todos os elementos e funções que o constituem. De modo prático, tal estudo é utilizado para avaliar o desenvolvimento e seu impacto, onde sob a expressão “plano de uso do solo” (land use plan) se coloca o estudo que aborda também parâmetros sócio-econômicos relacionados com os ecológicos. Porém, quando buscamos os conteúdos da Ecologia de Paisagem, veremos que suas são encontradas em princípios propostos por naturalistas como Alexander von Humboldt, Charles Darwin [1809-1882], Grisebach ou nos considerados primeiros ecólogos como Schimper, Johannes Eugenius Warming [1841-1924] e Clements (1905), na Botânica. Na Zoologia, destaca-se Dahl que, em 1908, define as condições de Biótopo. Robbins (1934) destaca as bases deste estudo em ciências florestais, biologia, fotointerrelação e geografia, destacando-a como ciência da paisagem.

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Na primeira metade do século XX, começou-se a relacionar as comunidades naturais e o ambiente como componentes de um ecossistema. Na década de 1960, geógrafos e biogeógrafos interpretaram as paisagens e seus elementos usando termos como biótopo e ecótopo. Na acepção mais usual, o termo Ecologia de Paisagem é atribuído ao geógrafo C. Troll (1950/68), o qual referiu as múltiplas relações existentes entre a Biologia e a Geografia. Em 1968, ele apresentou seu ponto de vista considerando as paisagens geográficas como causa e resultado de uma inter-relação ecológica, dizendo que: A Ecologia de Paisagem é o estudo total (integral) de uma determinada área, considerando o complexo efeito entre as biocenoses e as relações com o meio, encontrando-se esta organização e um determinado padrão de distribuição em diferentes ordens de grandeza.

Troll entendeu as diversas hierarquias escalares que o estudo da paisagem envolve, pois se pode tanto querer entender as causas e efeitos da mesma num espaço muito próximo ou, também, muito amplo. Para as pequenas unidades da paisagem ele usou o termo ecótopo (Troll 1970). Além disso, Troll destacou que Ecologia de Paisagem não era uma ciência que lidava apenas com um mundo objetivo, lá fora, mas também se constituía como um ponto de vista especial para entender os complexos fenômenos naturais e as relações com a humanidade. Por isso, ele referiu a Ecologia de Paisagem (Landschaftökologie) como o estudo de uma entidade total, espacial e visual do espaço humano vivo, integrando Geosfera, Hidrosfera, Atmosfera, Biosfera, Antroposfera e sua Noosfera, a esfera da consciência. De modo mais operacional, a Ecologia de Paisagem estuda as relações da paisagem em duas dimensões de entendimento e representação: uma no plano horizontal e, outra, no vertical. Na dimensão horizontal, se colocam as questões geográficas, isto é, o entendimento e a representação dos fenômenos naturais e das atividades e artefatos humanos distribuídos no espaço. Na dimensão vertical, estão as questões ecológicas, as quais estudam as relações funcionais de um determinado lugar, definido como ecótopo. Considerando-se este ponto de vista especial, em Ecologia de Paisagem são incluídos conceitos e princípios do estudo intergrado de geoecossistemas e bioecossistemas constituindo, por esse motivo, um estudo holístico onde se destaca a importância de disciplinas afins. Pesquisadores que contribuíram e contribuem com seus estudos para compreensão desse novo ponto de vista partiram de análises integradoras em áreas como a fitossociologia, de comunidades vegetais, de fitogeografia, entre outras. Diversos pesquisadores europeus têm se destacado nesses estudos, como Ellenberg, Dansereau, Walter, Haase, Braun-Blanquet e Tüxen. Nos Estados Unidos, temos trabalhos importantes empreendidos por Sauer, Jackson. Na Rússia, Vinagradov, Sochova. Na Holanda, Zonneveld e Lieberman. Dessa forma, dependendo da especialidade que cada autor parte para entender a paisagem, poderemos ter variações na conceituação e entendimento dessa disciplina. Contudo, foi o pesquisador alemão Schreiber que, em 1985, sumarizou em um esquema os diferentes pontos de vista dos autores europeus. Nesse esquema, ele também referenciou a relação da Ecologia de Paisagem com as áreas correlatas, conforme pode ser visualizado na Figura 1, abaixo.

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Figura 1 – Esquema das relações entre a Ecologia de Paisagem e demais áreas de conhecimento segundo Schreiber (1985).

Danserau, em seu livro Biogeography: an ecological perspective, publicado em 1957, propôs Ecologia de Paisagem como sendo o mais alto grau interativo dos processos ambientais e suas relações. Esse autor enfatizou o conceito de noosfera (noos = mente), relativo à presença do homem na paisagem. Dessa forma, o estudo não se reduz ao entendimento das esferas – geosfera, hidrosfera, biosfera e atmosfera – externas a humanidade, mas também como ela percebe os grandes sistemas e os modifica. Langer, em 1970, e Zonneveld, em 1972, destacaram que Ecologia de Paisagem tem uma abordagem holística, formada por diferentes elementos que se influenciam mutuamente, sendo uma disciplina científica que se debruça sobre as funções internas, organização espacial e relações recíprocas dos sistemas relevantes da paisagem. Zonneveld também propôs níveis hierárquicos escalares na distribuição das unidades de paisagem no espaço, entendidas em suas relações corológicas. A definição de cada unidade fundamental e sua escala encontram-se no Quadro 1 e na Figura 2.

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Quadro 1 – Unidades fundamentais da paisagem: escala e definição. Segundo Zonneveld (1972). As unidades encontram-se ilustradas na Figura 2. UNIDADE

Ecótopo lugar (=coro)

Fácies1 microcoro

Sistema da terra2 mesocoro Continente macrocoro

DEFINIÇÃO

A menor unidade holística da paisagem, usualmente com uma área em torno de 100 m2 podendo atingir alguns km2. Caracterizase pela homogeneidade dos atributos do lugar em relação à geosfera (forma, solo, rochas) hidrosfera, biosfera e atmosfera. A combinação de ecótopos que formam relações de origem (land form). A combinação de fácies em convenientes unidades de mapeamento com escala reconhecida. A média da paisagem, como uma combinação de sistemas em uma determinada região

Figura 2 – Hierarquia das unidades de paisagem e esferas planetárias, segundo Zonneveld (1972). As definições encontram-se no Quadro 1.

1

Em inglês land fácies.

2

Em inglês land system..

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Os autores canadenses Forman e Gordon desenvolveram seus estudos em Montepelier, na França, e escreveram, em 1986, um livro didático intitulado Landscape Ecology onde apresentam um enfoque bioecológico e esclarecem aspectos da estrutura e dinâmica da paisagem. Esses autores consideram como características fundamentais da paisagem a estrutura, a função e a troca, cujas definições estão contidas no Quadro 2, abaixo.

Quadro 2 – Características fundamentais da paisagem, segundo Formam e Gordon (1986). CARACTERÍSTIC

DEFINIÇÃO

A

Estrutura

Relação espacial entre os elementos das comunidades da paisagem, distribuição do potencial energético, configuração, número de espécies, relação de tamanho.

Função

Interação entre os elementos espaciais; fluxo de energia, matéria e espécies no ecossistema.

Troca

Alteração da estrutura em função do mosaico ecológico ao longo do tempo.

Schreiber, ao escrever em 1989 sobre a história da Ecologia de Paisagem na Europa, enfatizou os aspectos de aplicação dos estudos dessa disciplina, reconhecendo a importância crescente no planejamento e manejo de paisagens. Além disso, verificou a necessidade desses trabalhos envolverem um grande número de pessoas e pesquisas. Com isso, ele relembrou as idéias de Ellenberg (1984), que assinalava a importância desses estudos em questões que envolvem o desenvolvimento rural nas regiões tropicais e subtropicais. Este estudo contém informações extremamente práticas que são baseadas fundamentalmente em pesquisas extensivas em geobotânica, agroecologia e paisagismo. Já Zonneveld e Forman, num livro publicado em 1990 (Changing landscapes: an ecological perspective), consideraram que a "Ecologia de Paisagem é uma ciência emergente de caráter complexo e conteúdos heterogêneos, com bases claramente científico-filosóficas (epistemológicas)". Afirmaram, ainda, que essa ciência resulta da sobreposição de informações de outras disciplinas ou áreas do conhecimento e que ela é sustentada pelo trabalho de equipes de pesquisadores e associações de ecólogos da paisagem. Além disso, delinearam os objetivos dos estudos dessa disciplina como atinentes à forma da paisagem, à função e à gênese (trocas) e sua total dependência do ambiente, focalizando paisagem como ecossistema. Segundo esses autores, as pequenas unidades na paisagem são ecossistemas tangíveis, caracterizados por estrutura, função e trocas. Numa visão horizontal, as unidades básicas da paisagem parecem homogêneas e o estudo delas requer uma visão holística e cooperação conjunta de ciências do solo, vegetação, hidrologia e outras. Entre os componentes da paisagem existem as relações horizontais ou corológicas e as verticais ou topológicas. As primeiras são preocupações dos zoólogos ou biólogos e as segundas dos geocientistas e dos cientistas da vegetação. Colocaram ainda, a idéia de ser a paisagem um ecossistema aberto, onde os aspectos particulares são função de outros componentes horizontais.

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A idéia de que a Ecologia de Paisagem seja uma ciência multidisciplinar e transdisciplinar também foi abordada por esses autores, pois ela requer o conhecimento integrado de muitas disciplinas. Nesse aspecto, autores como Naveh e Lieberman (1984) definiram a ecologia de Paisagem como transdisciplinar, na medida em que ela propicia uma integração de conhecimentos num nível mais elevado, não sendo somente combinações de vários métodos de diferentes ciências, mas, além disso, pressupõe várias influências e abrangências de natureza filosófica e holística. Naveh e Lieberman também reconheceram a importância dos novos sistemas geográficos de informação computadoriza, que se constituem cada vez mais numa nova e importante ferramenta que oportuniza estudos e modelos cartográficos, que ajudam sobremaneira na interpretação integrada e holística dos atributos de um dado lugar. A partir de ferramentas de geoprocessamento pode-se fazer uma analisar que classifica quantitativamente as unidades da paisagem. Com isso, há uma melhora significativa no uso dos conhecimentos dessa nova ciência em planos de manejo, gerenciamento e conservação de áreas. Nesses planos, pode-se, agora, enfatizar um conjunto de métodos específicos, como os morfológicos (descrição das estruturas e seus elementos); classificatórios (ordenação, sistemática); corológicos (distribuição espacial e variações); cronológicos (variações temporais) e de relacionamento (buscando nos atributos regionais o interesse científico como base da avaliação). Em que pese a grande disponibilidade de programas de computador e tecnologias de informação geográfica, o método básico de estudo reside no entendimento das características fisionômicas e estruturais dentro de diversas escalas de análise, desde as locais até as globais (ver Figura 2). Além dessas, também as questões de trocas na paisagem são fundamentais e, via de regra, abordadas segundo Neef (1967) em três dimensões (ver Figura 3), conforme apontado no Quadro 3 abaixo. Quadro 3 – Dimensões no estudo das trocas na paisagem, segundo Neef (1967). Ver ilustração na Figura 3

DIMENSÃO

3

CARACTERÍSTICAS

Topológica

Enfatizando-se o ecótopo e a importância dos conhecimentos geomorfológicos e de vegetação. Esses estudos são a base para as relações corológicas.

Corológica

Os atributos corológicos configuram mosaicos de ecótopos. A combinação de estudos corológicos com topológicos define as características mais relevantes da ecologia de paisagem.

Geosférica

Esses estudos definem o relacionamento em escala continental e global. São estudos ecológicos globais como aqueles empreendidos pela Teoria de Gaia3.

Ver capítulo A Teoria de Gaia e a gestão do planeta, de Peter Bunyard. [Nota do Revisor Técnico].

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Figura 3 – Heterogeneidades corológica e topológica no estudo da paisagem, segundo Neef (1967). A heterogeneidade vertical deve-se aos atributos do lugar e, a horizontal, às unidades do relevo, as quais podem ser distinguidas numa classificação corológica em várias escalas, até a geosférica. Ver definições no Quadro 3.

2. DESENVOLVIMENTO DA ECOLOGIA DE PAISAGEM NA EUROPA CENTRAL E AMÉRICA A Ecologia de Paisagem teve seu início como disciplina biogeográfica, suprindo uma lacuna até então existente entre a visão corológica e a funcional. O fato de conceitos como o de comunidades, clímax, monoclímax, policlímax, vegetação zonal, extrazonal e azonal, mais relacionados com a visão funcional, serem de maior domínio de ecólogos, fitossociólogos e geobotânicos , fez com que os mesmos se integrassem rapidamente a essa nova disciplina A introdução da Ecologia de Paisagem como uma disciplina geográfica, segundo Troll, foi adotada, na Alemanha, por Schreiber, para estudar relações com

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entre a agricultura e pecuária, e por Haber, para entender os sistemas rurais e urbanos e para a proteção de biótopos, utilizando simultaneamente métodos e técnicas como bioindicadores, matemática, cibernética e modelagem. O desenvolvimento na América se deu mais tarde, por volta de 1984, com a participação de vários ecólogos que faziam parte de disciplinas afins. As discussões e trabalhos se deram, inicialmente, em relação a fluxos, trocas e mosaicos da paisagem, onde podem ser distinguidos os trabalhos de Golley, Fabos, Forman, Carlson e Sharpe. Em 1982, foi fundada a Associação Internacional de Ecologia de Paisageem (IALE - International Association of Landscape Ecology) e, a partir dessa data, passaram a ocorrer encontros científicos regulares. A Associação, em 1986, contava com cerca de 100 membros e, em 1987, dobrou seu número. A partir deste ano, as discussões e trabalhos passaram a abordar teorias e aplicações referentes a diversos temas da ecologia e da gestão ambiental, como ilustra no Quadro 4. Quadro 4 – Principais técnicas e temas abordados pela Ecologia de Paisagem a partir de 1987.

TEMA OU TÉCNICA Relações entre organismo e paisagem Sistemas de informações geográficas (GIS) Sensoriamento remoto Padrões de comunidades Conservação das comunidades na paisagem rural Índices de fractais Perturbações naturais e humanas Modelos e configurações de manchas, borda, corredores e redes Modelos de conectividade Fluxo de matéria na paisagem Mosaicos regionais e padrões Aplicação em manejo Aplicação em conservação Aplicação em estudos florestais

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3. BASES CONCEITUAIS E TEÓRICAS DA ECOLOGIA DE PAISAGEM Naveh e Lieberman, no livro Landscape Ecology - Theory and Aplication, publicado em 1984, apresentaram idéias e conceitos da Ecologia de Paisagem desenvolvidos na Europa Central, que a estabeleceram como uma disciplina científica, com estrutura conceitual e epistemológica. Para essa estruturação, concorreram conceitos derivados de teorias científicas muito próximas como aqueles da Teoria Geral dos Sistemas, que estuda hierarquias na natureza como um sistema fechado, incluindo complexidade e organização, da Biocibernética, que estabelece teorias da regulação cibernética, estabilização e realimentação do biossistema, e da Ecossistemologia, que aborda a teoria da transdisciplinaridade de ecossistemas. Um dos conceitos fundacionais da Ecologia de Paisagem e que a tornam uma disciplina de alto poder integrativo é o do Ecossistema Humano Total (THE – Total Human Ecosystem), o qual possibilita o mais alto nível de integração ecológica entre a ecosfera e a inserção humana no espaço-tempo da paisagem global. A totalidade é mais do que a soma de suas partes (Egler, 1942), pois implica na visão da natureza como um todo estruturado, onde há organização hierárquica e estratificação em diversos níveis. A partir dessa premissa, reconhece-se um padrão estrutural também para as paisagens, podendo este ser expresso num holograma, como ilustrado na Figura4. A Ecologia de Paisagem é uma disciplina multidisciplinar, pois procura entender os cruzamentos e interfaces das relações estruturais, o que é imperativo para se obter uma compreensão global. Além disso, ela é também transdisciplinar, na medida em que unifica várias disciplinas que tratam da ecosfera e da antrosfera, preservando a especificidade de cada abordagem ao mesmo tempo em que constrói uma visão totalizadora. A Ecologia de Paisagem se coloca, assim, como uma ciência do ecossistema humano, com suas diversas interfaces e hierarquias com o sistema natural. Dentro de suas unidades fundamentais de estudo, está o ecótopo, considerado como o organismo do hólon e a menor parte homogênea e mapeável da paisagem, sendo definido espacialmente. Essa unidade por si é também um sistema de interações internas, cujo padrão apresenta uma certa uniformidade em relação ao espaço adjacente. Na ciência da vegetação, essa unidade é entendida como aquela que demarca uma área de uniformidade do complexo vegetacional, o qual é formado por blocos e manchas na paisagem.

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Figura 4 – Hierarquias ecológicas e o lugar da ecologia de paisagem e do ecossistema humano total, segundo Naveh e Liberman (1984).

Já em geoquímica ambiental, tal unidade é denominada de prisma da paisagem e, em pedologia, também de ecotopo. Desta forma, a paisagem, como um todo é formada por elementos pequenos que configuram essa paisagem. Sendo um mosaico tessera, ela segue o modelo:

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l, s, v, a = F[Lo, Px, t] Onde as variáveis: l

propriedades internas

s

solo

v vegetação a animal são funções de três fatores (F): Lo

estágio inicial do maior sistema no tempo zero

Px

fluxo externo de energia potencial

t

idade do sistema

O ecotopo é a menor unidade da paisagem da biosfera e da tecnosfera/antroposfera. A ecosfera é a maior esfera da paisagem global e constituise no sistema concreto do Ecossistema Humano Total (THE).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como Wiens, em 1992, ressaltou, a Ecologia de Paisagem estabeleceu-se como uma disciplina científica. Originada em 1960 na Europa Central e, posteriormente, sendo desenvolvida também na América do Norte, ela focalizou inicialmente aspectos de distribuição espacial dos padrões, mosaicos e interações entre os elementos. Como uma disciplina recente, seu corpo central de conceitos e teorias ainda está em fase de formação. Porém, autores como Turner (1989) e Zonneveld e Forman (1990) reconhecem que ela tem uma clara identidade e direção, cujas raízes encontram-se em disciplinas como ecologia, geografia humana, manejo de áreas, planejamento, arquitetura de paisagem e sociologia. A exemplo de outras disciplinas em fase de formação, existem vários pontos de vista sobre qual viria a ser o domínio mais preciso da Ecologia de Paisagem. Na literatura existente, onde foram examinados 99 artigos sobre Ecologia de Paisagem, encontram-se diferentes enfoques, como o estudo de comunidades, populações, geoprocessamento, fractais, entre outros. Muitos estudos abrangeram a escala 373

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espacial de alguns quilômetros quadrados ou hectares (a escala da paisagem humana), as estruturas e influência humana, o uso da terra ou análise dos padrões espaciais, colocando os aspectos da disciplina no auxílio do manejo e gestão ambiental. A Ecologia de Paisagem se coloca, assim, como um estudo regional sobre a estrutura da paisagem, a influência humana e o uso da terra. A análise dos trabalhos sugere que a Ecologia de Paisagem não é uma disciplina particularmente quantitativa, embora existam bases teóricas e teste de hipóteses. Mas, ela é particularmente na investigação dos problemas da fragmentação de comunidades, distribuição da manutenção da biodiversidade e no manejo e desenvolvimento. Quando tomada como ciência aplicada, a Ecologia de Paisagem tem bases empíricas com direções quantitativas ou qualitativas e sua teoria tem capacidade preditiva, assim como, grande força heurística.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAHL, F. 1908. Grundsätze und Grundbegriffe der biozönologischen Forschung. Zoologischen Anzeiger, 33: 349-53 . CLEMENTS, F. T. 1905. Research methods in ecology. Lincoln, Nebraska. DANSEREAU P. 1957. Biogeography: An Ecological Perspective. New York : Ronald Press. EGLER, F.E. 1942. Vegetation as an object of study. Philosophical Science, 9:245-260. ELLENBERG, H. 1984. Entwicklung ohne Rücksclhläge: Antworten eines Ökologen auf 20 Fragern in Himblick auf die landliche Etwicklung in den Tropen und Subtropen. Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeiten, Eschborn, Federal Republic of Germany. FORMAN, R.T.T., GORDON, M. 1986. Landscape Ecology. New York : Wiley and Sons. LANGER, H. 1970. Die Ökologische Gliederung der Landschaftem und ihre Bedeutung für die Fragestellung der Landschaftpflege. Landschaft + Stadt, 3:2-29. NAVEH, Z., LIEBERMAN, A. 1994. Landscape ecology: theory and aplication. Ney York : Springer-Verlag. 2ed., 360 p. NEEF, E. 1967. Die theoretischen Grundlagen der Landschaftslehre. Gotha,Leipzig : Haack. ROBBINS, C.R. 1934. Northerm Rhodesia: an experiment in the classification of land with the use of aerial photography. Journal of Ecology, 22:88-105. SCHREIBER, K.F. 1985. Was leistet die Landschaftsökologie für eine ökologische Planung? Schriften reihe für Orts-, Regional-und Landesplanung 34. Zürich, Switzerland. pp.7-28.

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