Ecologia Urbana e Crime: análise comparativa entre Minas Gerais e França

June 12, 2017 | Autor: Braulio Silva | Categoria: Ecología urbana, Ecología Social
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Ecologia Urbana e Crime: análise comparativa entre Minas Gerais e França

Bráulio Figueiredo Alves da Silva, Doutor em Sociologia, professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, (CRISP). Frederico Couto Marinho, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pesquisador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, (CRISP).

Resumo

O artigo propõe uma reflexão da abordagem ecológica do crime em Minas Gerais e na França. A partir da apresentação dos conceitos centrais e da integração das teorias sociológicas do crime e de uma breve delimitação da metodologia da análise espacial analisamos os resultados que demonstram padrões temporais e espaciais do crime similares em Minas Gerais e na França. Se por um lado o paralelo entre realidades sociais bastante distintas parece improvável, por outro a comparação permite identificar padrões do crime similares e aponta para o desenvolvimento de novos estudos a partir das contribuições da teoria ecológica nos dois países.

PALAVRAS-CHAVE: ecologia urbana, crime; Minas Gerais; França.

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Introdução

A relação entre violência e urbanização é uma questão central e vem sendo estudada desde o início do século XX (Sherman, et al., 1989; Mucchielli, 1994; Mucchielli & Robert, 2002; Beato Filho, 2012). Grande parte das transformações que as cidades sofreram tem impactos na produção da violência e do medo. A estrutura urbana é um dos determinantes da violência e do crime. Como ela está em permanente mutação como resultado do processo de produção e transformação do espaço e da reprodução social torna-se fundamental compreender seus determinantes sócio-históricos. Diversas abordagens teóricas analisaram a estruturação das cidades e suas implicações sociais, econômicas e políticas. Destacaram-se os estudos da Escola de Chicago na análise da expansão das cidades e suas modificações sob o efeito da industrialização, representando um contexto dentro do qual são visíveis novos fenômenos sociais, que abarcam desde mudanças nas ordens econômica, demográfica e espacial, até alterações das sociabilidades, das formas de interação e de controle social. Este estudo centra-se na análise comparativa dos padrões de crimes contra a pessoa e contra o patrimônio em Minas Gerais e na França à luz das contribuições teóricas da relação entre espaço urbano e crime oriundas da Escola de Chicago. Há décadas, pesquisas e estudos têm evidenciado a existência de padrões espaciais dos diferentes tipos de crime. A incidência de crimes, de ofensores e de vítimas, segue regularidades que se manifestam de forma distinta no espaço e no tempo (BRANTINGHAM, P. J; BRANTINGHAM, P. L., 1984; BRANTINGHAM, PAUL J., 1981; Bursik, 1988). As evidências da distribuição espaço-temporal dos crimes urbanos impulsiona a compreensão dos processos que os produzem. Concentração de pobreza, segregação urbana, instabilidade residencial são, de acordo com estes estudos, elementos ecologicamente concentrados e fortemente correlacionados aos padrões espaciais dos crimes. Esses estudos têm como foco principal analisar o efeito correlato entre o processo de urbanização das cidades, em particular suas características estruturais, e o comportamento das pessoas em áreas específicas no interior do espaço urbano. O principal foco das análises ecológicas nas Ciências Sociais tem sido no papel da territorialidade como um limitador das estruturas e fenômenos sociais, em que o crime, ou a criminalidade, não devem ser considerados propriedades das pessoas, mas dos grupos aos quais pertencem. Desde o início, observa-se como a dimensão de comunidade e, não, de indivíduos, assume uma posição central na teoria. 2

Em termos teóricos, a estrutura física das comunidades reflete o seu nível de organização social e define aspectos comportamentais dos seus habitantes. Como este processo permanece relativamente estável ao longo do tempo, decorre a transmissão de valores, normas, modos de comportamento de uma geração a outra. Este processo explicaria, entre outras coisas, a diferença nas taxas de crimes e probabilidade de vitimização em nível local. Essa abordagem chama a atenção para o fato de que essas diferenças seriam determinadas pela variação no grau de desorganização social, isto é, pela capacidade diferenciada das instituições comunitárias de controlar o comportamento dos seus membros (Shaw e McKay, 1942, Kornhauser, 1978). A variação nas características das comunidades locais refletem o grau diferenciado de controle do crime no interior do espaço urbano. Denis Roncek (1981) e Brantingham (1981) mostram que a característica dos serviços disponíveis em um lugar, definem a natureza dos crimes e o perfil dos criminosos. Felson (1998) aborda o tema do comportamento humano situacional ao discutir como as atitudes dos indivíduos variam de uma situação para outra. Por essas razões, autores como Bottoms e Wiles (1992) utilizam o conceito de “lugar” para mostrar que a estrutura de uma determinada área não somente restringe a ação individual, ao contrário, é uma parte do sistema social que informa a consciência prática dos atores sociais, afetando os mecanismos locais de controle social. Partindo dessas discussões sobre o conceito de “lugar” como uma dimensão determinante das propriedades criminais situacionais, procuraremos descrever e comparar o padrão de incidência criminal em Minas Gerais e na França para, posteriormente, inferir sobre uma possível existência dos “efeitos dos bairros” que afetam os mecanismos de organização social capazes de inibir ou promover a incidência espacial de homicídios na Região Metropolitana Belo Horizonte. Argumentamos que o ambiente de desorganização social, ao mesmo tempo em que enfraquece as práticas coletivas de controle, cria as condições necessárias para a produção espaço-temporal de um contexto de oportunidade criminal. Ou seja, assumimos a existência de “efeitos dos bairros” sobre mecanismos de organização social que afetam a capacidade da coletividade de exercer o efetivo controle social, sobretudo sobre a incidência de vitimização interpessoal.

A Escola Ecológica de Chicago: Urbanismo, desorganização social e crime

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Nas pesquisas sociais desenvolvidas na Escola de Chicago, nas primeiras décadas do século XX, a relação espaço urbano e criminalidade passou a compor um programa de pesquisa centrado nas características ecológicas das áreas urbanas. Propõem-se estudar as interações sociais a partir de um modelo analítico previamente aplicado às interrelações de plantas e animais (Park & Burgess, 1925). Influenciados pelas ideias evolucionistas da época e pelo princípio sociológico de “cooperação competitiva”, na qual a competição cedeu espaço naturalmente à ordem social, eles perceberam como o agregado de unidades individuais da população (comunidades) assumia o caráter de um sistema mais ou menos fechado e estável. A esse tipo de análise, em que se observava como a relação entre os indivíduos era afetada pelo seu habitat, chamou-se Ecologia Social. De acordo com essa lógica, as áreas possuíam uma dinâmica econômica e social específica na qual os indivíduos interagiam 1 e organizavam-se coletivamente. A expressão “áreas naturais” é utilizada, portanto, para designar os distintos espaços homogêneos não planejados, cuja ocupação natural e seletiva advém da diferença entre os grupos sociais. Essa abordagem ecológica enfatiza a importância do território 2 como delimitador das estruturas e dos fenômenos sociais. Ao estudar o desenvolvimento das grandes cidades dos Estados Unidos, os autores demonstraram que o crescimento populacional implicava numa mudança na estrutura e na composição das comunidades. A organização da cidade em áreas naturais ocorria por meio de um modelo espacial “centro-periferia”, disposta na forma de anéis concêntricos com características estruturais particulares. Preocupados em compreender a dinâmica espacial do crime e da delinquência no interior das cidades, Shaw e McKay (1942) basearam-se nas diferentes características estruturais dos bairros (i.e. nas distintas áreas naturais) para explicar a variação da violência (i.e. delinquência juvenil) em termos intraurbanos. Esses autores fundamentaram suas discussões na ecologia humana para demonstrar que as comunidades violentas eram caracterizadas por certas propriedades que afetavam a interação social e a capacidade de organização comunitária. Ao fazerem isso, eles se distanciaram das

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Park observou que ocorriam relações simbióticas tanto entre os indivíduos de uma área natural quanto entre as áreas naturais da cidade. Cada área natural era parte de um todo maior que representava a cidade e essas áreas se formavam a partir de processos naturais, ao invés de serem fruto do planejamento humano. 2 O conceito de território, ou territorialidade, é entendido como um espaço socialmente delimitado por agregações de indivíduos que, por questões sociais e econômicas, compartilham características semelhantes. 4

orientações positivistas da época, que focavam nas diferenças individuais e particulares entre criminosos e não-criminosos, determinantes na explicação do crime. Shaw e McKay concluíram que deveria haver algum fator contextual nesses “lugares” que conduzia a essa estabilidade do crime e da delinquência, muito além das características associadas aos indivíduos (Stark, 1987). De fato, as comunidades pobres, também caracterizadas por uma elevada concentração de imigrantes, falhavam em consolidar um padrão comportamental normativo em decorrência da grande heterogeneidade social. Em adição, devido à alta mobilidade residencial característica destas áreas, o estabelecimento de laços sociais ficava prejudicado e impedia o exercício de mecanismos informais de controle social. Assim, as características estruturais desses “lugares” e o comportamento desviante tornam-se elementos constituintes de um ambiente “socialmente desorganizado”. Estrutura da comunidade

Desorganização social

CRIME

Figura XX – Modelo da desorganização social desenvolvido por Shaw e McKay (1942)

Nesse sentido, um ambiente de desorganização social em uma dada comunidade ou vizinhança, impedia o estabelecimento ou a manutenção de consenso interno relativo a valores, normas e regras formais entre seus membros. O conceito de desorganização social adotado por Shaw e McKay (1942), portanto, refere-se à incapacidade dos residentes de comunidades locais de compartilharem valores comuns e solucionarem problemas locais (Kornhauser, 1978). Disso decorrem vínculos sociais enfraquecidos, controle interno deficiente e uma limitada capacidade institucional para alcançar recursos externos (BERRY e KASARDA, 1977; SAMPSON, GROVES, 1989). Analisada deste ponto de vista, a teoria da Desorganização Social pressupõe um modelo de dois estágios em que características estruturais da comunidade ou vizinhança acarretam uma rede organizacional frágil, com impacto direto sobre os vínculos sociais dos indivíduos (SIMCHA-FAGAN, SCHWARTZ, 1986). A maneira como a comunidade se organiza, nesse sentido, afetará o comportamento dos indivíduos, reduzindo a coesão e o estabelecimento efetivo de controle informal. Nesse contexto, tem-se aumentada a probabilidade de comportamentos delinquentes e vitimização. De acordo com a perspectiva da desorganização social, são as características ecológicas em nível

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comunitário que determinam o grau de desorganização social que, por sua vez, está associado às taxas de crimes na vizinhança. O “lugar” assume importância crucial nesses estudos, na medida em que as comunidades toleram ou admitem ‘desordem social’ e geram estruturas de oportunidades ilegais com estilos de vida disfuncionais (ELLIOTT, et al., 1996). Nesse contexto de desorganização social, o baixo nível de integração social impede o estabelecimento de laços sociais estáveis e a manutenção de valores relativos a normas, papeis e arranjos hierárquicos entre seus residentes (KORNHAUSER, 1978). Sem a percepção de valores comuns, o exercício coletivo de mecanismos informais de controle social torna-se inoperante e as oportunidades para o crime se afloram (SKOGAN, 1990; WARNER, PIERCE, 1993; WARNER, ROUNTREE, 1997; BELLAIR, 2000). O fundamento dessas teorias se encontra nas discussões sobre o conceito de controle social. Edward A. Ross, preocupado em compreender como determinadas instituições garantem que o comportamento individual esteja em conformidade com as demandas do grupo, usou esse conceito para se referir aos mecanismos pelos quais a sociedade impõe aos indivíduos conformidade a normas e valores. Ao fazer isso, Ross e outros investigadores mostraram que existe uma ampla variedade de mecanismos de controle responsáveis por manter a estrutura normativa da sociedade (COSER; ROSENBERG, 1982). Esse conceito gerou mais discussões e debates do que propriamente esclareceu o “problema” em torno da ordem social, principalmente por conta da fragilidade das análises iniciais em explicar a maneira pela qual o controle externo se incorporava na personalidade individual. A despeito desse debate, é importante observar que os mecanismos de controle social são elementos que definem o tipo de organização social e explicam uma ampla variedade de comportamentos humanos, padrões de sociabilidade e distribuição de inúmeros fenômenos sociais, em particular, da criminalidade. Em termos teóricos, essas discussões apresentam uma forma interessante de compreender como as diferenças entre o nível de violência e crime entre as sociedades pode ser considerado uma decorrência do grau variado com que esses mecanismos de controle são exercidos. Em âmbito mais restrito, a variação das taxas de crime no espaço urbano, ou a ocorrência desigual do crime na cidade, pode ser considerada uma consequência do tipo de organização social e comunitária capaz de inibir comportamentos criminosos.

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Essa discussão da relação entre organização social e comunitária e controle do crime está na raiz da reformulação da Teoria da Desorganização Social que é retomada a partir dos anos de 1970 e que permitiu o desenvolvimento de novas investigações sobre características dos bairros e crime. Esse novo “olhar” sobre o conceito original de desorganização social vê a comunidade local, ou vizinhança, compreendida como um complexo sistema relacional entre amigos e familiares e de vínculos associativos formais e informais, com base na família e no processo de socialização vigente no bairro. Esses elementos são responsáveis pela capacidade do bairro de exercer autorregulação, ou seja, pelo grau de supervisão coletiva fundamental na manutenção do controle da ordem local. O grau de organização de uma comunidade passa a ser considerado, portanto, como resultado dos mecanismos de superação a obstáculos estruturais que impedem o efetivo controle social fundamentado nas redes formais e informais. Como se pode observar, a ideia subjacente a essa passagem é de que um “lugar” com elevado grau de desorganização social tem enfraquecido suas instâncias formais e informais de controle (família, escola, igrejas e outras instituições locais) de tal forma, que os custos associados ao cometimento de crime, ou desordem, ficariam reduzidos. Colocado assim, Bursik (1988) considera o conceito de desorganização social proposto originalmente por Shaw e McKay nada mais do que o desdobramento da teoria do “controle social” elaborada em termos de grupo. Em razão do enfraquecimento de instâncias formais e informais de controle em determinadas comunidades, o tecido social de uma determinada localidade fica exposto a um ambiente de oportunidade para o crime, em que o custo associado a esse é reduzido. Como uma teoria do controle, a teoria da desorganização social assume que o objetivo comum entre os residentes de um bairro, por exemplo, é o desejo compartilhado de viver em uma área livre do crime (BURSIK; GRASMICK, 1993). A “organização social e desorganização social são, portanto, vistos como diferentes fins de um mesmo contínuo relativo às redes sistêmicas de controle social comunitário” (SAMPSON; GROVES,1989, p. 777). Assim, torna-se mais fácil diferenciar as causas da desorganização social, como heterogeneidade étnica e racial ou mobilidade residencial, de suas manifestações, como o fenômeno da delinquência, ou criminalidade. De acordo com essa visão sistêmica, são reconhecidos dois níveis distintos de controle do crime na comunidade: o primeiro nível é exercido por meio das redes relacionais primárias e secundárias entre os residentes e, o segundo, refere-se ao papel das organizações locais (igrejas, escolas, associações de 7

bairro, etc.) no controle social e na obtenção de recursos externos para lidar com o crime (BURSIK; GRASMICK, 1993). É importante destacar como esses dois níveis de controle associados às redes se assemelha à discussão proposta por Granovetter acerca dos efeitos diferenciais dos “laços sociais” (GRANOVETTER, 1973). Apesar dos “laços fortes” dentro de um grupo, facilitarem a ação coletiva, os contatos superficiais que caracterizam as relações intergrupos são um tipo de conexão social fundamental, pois permitem maior porosidade cultural e política e facilitam o fluxo de informação e influência (LIN, 2000). Nesse sentido, a articulação sistêmica da teoria da desorganização social proposta por Bursik e Grasmick (1993) parte do pressuposto de que lugares, bairros ou vizinhanças, caracterizados por baixo nível socioeconômico tendiam a ter uma elevada taxa de delinquência, devido à heterogeneidade étnica e instabilidade residencial, tornando-os pouco atrativos para se viver. Nesse ambiente de concentração de desvantagens3 (WILSON, 1987), o papel relativo ao controle exercido por instituições sociais como igreja, escolas, associações de bairro, etc., apresenta-se enfraquecido afetando três níveis de ordem social (HUNTER, 1985): 

As relações primárias que resultavam das estruturas informais de controle do bairro eram caracterizadas pelas relações entre amigos e conhecidos e se referiam ao nível privado de controle social. Mudanças na população residencial e na composição racial dos bairros tornavam mais difíceis o estabelecimento e a manutenção dos vínculos primários com prejuízos aos esforços para controlar o comportamento delinquente;



O nível paroquial refere-se às relações entre os residentes de um bairro que não possuem a mesma base afetiva do nível privado, ou seja, são as relações interpessoais entre os vizinhos e destes com as instituições locais como igrejas, escolas e associações de bairro. Nesse nível de regulação social, o controle sistêmico reflete a capacidade do bairro em supervisionar o comportamento dos seus residentes na medida em que estes são menos prováveis de intercederem em eventos cujos envolvidos são pessoas desconhecidas e sem vínculos locais;

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Marcado por elevada privação econômica e social 8



O nível público de controle envolve a capacidade de uma comunidade em alcançar benefícios e serviços públicos (serviços de saúde, serviços sociais, policiamento, etc) de agências externas à comunidade.

Bursik e Grasmick (1993) sugerem que a maior deficiência relativa ao modelo original da teoria da desorganização social (Shaw; McKay, 1942) é a falha em considerar a importância da esfera pública de controle nas redes relacionais do bairro.4 Esses autores destacam a dificuldade em se modificar a natureza de um bairro apenas a partir dos esforços de organizações locais. Para eles, a efetividade está na capacidade dos grupos em negociarem com as agências externas capazes de executarem decisões que ultrapassam os limites organizacionais dos bairros. Por fim, afirmam que a associação entre estabilidade residencial e altas taxas de crime não invalida o modelo sistêmico, ao contrário, essa aparente contradição enfatiza a necessidade de expandir o foco do controle do bairro para além da dinâmica interna da comunidade.

Figura XX. Modelo sistêmico desenvolvido por Bursik e Grasmick (1993).

Nesse sentido, fica implícita a ideia de como os três níveis de controle social são interdependentes, isto é, somente a partir de um forte controle privado é possível uma maior eficiência no nível paroquial de controle. Por exemplo, a capacidade de uma 4

Inclusive, por ser independente do papel das redes sociais, como colocado por Sampson (2002). Geralmente, laços fracos (weak ties) são formas extremamente importantes de organização social para alcançar fins desejáveis (GRANOVETTER, 1973) 9

determinada escola exercer um efetivo controle sobre os alunos é potencializada na medida em que existe uma maior interação entre os pais, de tal forma que a informação compartilhada pela instituição (nível paroquial) reforça as interações na família (nível privado). Da mesma forma, o controle formal exercido pela polícia (nível público), por exemplo, será mais eficiente naquelas comunidades em que o controle privado funciona melhor, muito embora, nesse caso, a polícia, de fato, deva realizar seu trabalho (ronda, por exemplo) independente do grau de controle exercido pelos níveis privado e paroquial. Sob esse ponto de vista colocado pelos autores, existe uma necessidade de coexistência das três dimensões de ordem social como instrumento para o controle em nível comunitário. Nesse modelo sistêmico, é importante observar o papel do componente institucional como um estoque de recurso de organizações presentes na vizinhança e de sua capacidade de interlocução com outras organizações, dentro e fora da comunidade. Por isso, Kornhauser (1978) afirma que fracas ligações institucionais do tipo horizontais no interior da comunidade, refletem a sua reduzida capacidade de defender os interesses imediatos. Ao contrário, muitas áreas podem exibir laços privados intensos e falhar na sua capacidade institucional de alcançar o efetivo controle social. Em termos sistêmicos, a capacidade de uma comunidade local em desenvolver conexões com agências externas promovendo maior exercício do controle público dependia, num primeiro momento, da densidade das redes comunitárias construídas ao longo do tempo.5 Num momento posterior, essas redes conduziam a um maior nível de identificação local e sentimento de pertencimento entre os residentes, a tal ponto que esse processo se traduzia em uma maior capacidade do bairro de controlar os níveis de crime dentro dos seus limites. De certa forma, esse modelo vem confirmar uma interessante discussão sobre a estabilidade da violência em determinadas áreas e sua associação com as três esferas de controle social, apontada no estudo elaborado por Taub e seus colegas (1984) sobre o declínio dos bairros de Chicago. Entre outras coisas, eles destacaram que a dinâmica de um bairro não deve ser considerada apenas pela ótica dos dados ecológicos, 6 muito antes pelo contrário, são os residentes locais e os atores institucionais com interesse na área

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Por exemplo, pela extensão de tempo que uma pessoa residia em um bairro. De acordo com Taub e seus colegas, dados ecológicos definem o contexto econômico e social de um bairro. Alguns destes dados ecológicos são partes da estrutura social, as quais são constituídas e reproduzidas na ação humana. 6

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que, no dia a dia, tomam a maior parte das decisões que definem a “textura” e qualidade de vida urbana local. A inter-relação entre as propriedades estruturais das comunidades urbanas e as redes relacionais em nível local e externo permite expandir as discussões acerca do “efeito dos bairros” sobre os mecanismos de organização social capaz de inibir ou promover as condições ideais para a ocorrência de crimes. Para abordar essas questões conceituais e teóricas, Sampson, Raudenbush e Earls (1997) propuseram a teoria da Eficácia Coletiva e demonstraram a importância de compreender como as comunidades variam na sua capacidade de ativar um recurso (Eficácia Coletiva) em momentos cruciais e específicos, voltado para promover o bem estar geral do bairro. Assim, conforme argumentou Whyte (1943, apud SAMPSON 2002), o que parece desorganização social “do lado de fora” possui, na verdade, uma organização interna. As áreas caracterizadas como socialmente desorganizadas, particularmente as áreas de favelas, são comunidades em que é possível encontrar uma perfeita coexistência entre redes de criminosos, grupos delinquentes organizados e uma complexa e densa rede social (REISS, 1986; WILSON, 1987; ZALUAR, 1994, CRUZ, 2010).

Uma interface com a abordagem micro

A integração da abordagem individual aos estudos de caráter estrutural tem concentrado esforços no campo dos estudos ecológicos do crime. Destaca-se a integração da Teoria da Desorganização Social com os conceitos de Associação Diferencial (Sutherland, 1947) e suas derivações com a teoria dos laços sociais (Hirschi, 1979; Costello & Vowell, 1998; Matsueda & Heimer, 1987; Laub, Sampson & Allen, 2001) e do aprendizado social (Akers, 1998; Lee, Akers, & Borg, 2004). Com o objetivo de testar essa integração, Reinarman e Fagan (1998) incluíram variáveis da teoria dos Laços Sociais, como ligação de adolescentes com pares, família e escola, e empregaram um modelo de dois níveis (indivíduo e comunidade) num estudo longitudinal de delinquentes juvenis da Califórnia. Embora não tenham encontrado resultados estatisticamente significativos entre o nível socioeconômico das comunidades e o impacto com a associação de pares envolvidos com a violência, os autores apontaram a direção para qual pesquisas futuras deveriam concentrar esforços, sobretudo no que diz respeito à fragilidade dos níveis diferenciados de controle em determinados contextos urbanos.

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Por fim, Cattarello (2000) construiu um modelo multinível no qual medidas de desorganização social no nível das comunidades e variáveis de laços sociais e aprendizado social são usadas como indicadores de nível individual. Nesse estudo (Cattarello, 2000), regressões hierárquicas (HLM) mostraram que desorganização social influencia significativamente associação com pares de delinquentes, aumentando a probabilidade de delinquência entre jovens. Assim, colocamos como uma possibilidade de investigação futura a tentativa de coletar medidas de nível individual que reflitam aspectos relacionados a associação de pares, laços sociais, aprendizado social e delinquência juvenil. Modelos multinível poderiam ser usados para testar a hipótese de que desorganização social impacto na organização social a tal ponto que explica a concentração de violência interpessoal como decorrência de aspectos do nível micro.

Desenho de pesquisa e metodologia analítica

Busca-se compreender o padrão criminal observado no Estado de Minas Gerais (Brasil) e da França, à luz dos estudos sobre a ecologia social do crime. Na primeira parte, apresentamos uma exploração geral dos padrões criminais entre Minas Gerais e França, mostramos algumas semelhanças e diferenças acerca do concentração espacial de crimes. Em seguida, devido a natureza e disponibilidade dos dados, concentramos nossas análises da concentração espacial de homicídios na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Por fim, apresentamos um padrão específico de vitimização repetida, com ênfase nas áreas de elevada concentração espacial e desorganização social. As fontes de dados utilizadas nesse trabalho foram, na sua totalidade, obtidas através de consultas em sites oficiais dos Governos de Minas Gerais e da França. Os dados para Minas Gerais foram organizados em nível municipal (853 cidades), para os anos de 2000 a 2010 e, para a França, a organização dos dados teve como unidade de análise os Departamentos (96 departamentos) para os anos de 2000 a 2012.

Padrão temporal e espacial dos crimes em Minas Gerais e França

Apensar dos números absolutos e das taxas agregadas de crimes no Estado de Minas Gerais e na França serem distintas, chama atenção a análise dos gráficos abaixo 12

como o comportamento das taxas de crimes contra o patrimônio e contra a pessoa são similares nessas duas escalas de análise. Ao longo dos anos considerados, a correlação de Pearson para o comportamento da série temporal desses dois grupos criminais na França é de 0.73, enquanto esse coeficiente é de 0.93 em Minas Gerais. Gráfico 1 – Evolução anual de Crimes na França

Gráfico 2 – Evolução anual de Crimes em Minas Gerais

A análise do comportamento espacial das taxas de crimes, por grupo criminal, na França evidencia que, fundamentalmente, duas áreas se destacam devido às suas taxas mais elevadas. A primeira área é a região de Paris e os departamentos vizinhos ao norte: Hauts-de-Seine e Seine-Saint-Denis. Ao sul da França, destaque para os departamentos Bouches-du-Rhône , Gard e Var. Mapa 1 – Taxa de crimes contra o Patrimônio: França, 2000 a 2012

Mapa 2 – Taxa de crimes contra pessoa – França 2000 a 2012

Em Minas Gerais também se observa que as taxas de crimes, contra o patrimônio e contra pessoa, também se concentram em determinadas regiões do Estado. No entanto, 13

diferentemente da França, onde as áreas de elevada concentração de crimes contra o patrimônio são as mesmas para crime contra pessoa, em Minas Gerais, claramente, observa-se que esses crimes se concentram em áreas distintas do Estado. Os crimes contra o patrimônio são concentrados mais fortemente na região Metropolitana e no Triangulo Mineiro, enquanto os crimes contra pessoa se concentram mais na região Noroeste e Vale do Jequitinhonha, na divisa com o Estado do Espírito Santo.

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Mapa 3 – Taxa de crimes contra o Patrimônio – Minas Gerais 2000 a 2010

Mapa 4 – Taxa de crimes contra pessoa – Minas Gerais 2000 a 2010

Modelagem estatística

1 - Dependência espacial

Um dos interesses desse trabalho esteve relacionado com a tentativa de verificar a existência de interdependência espacial de crimes no Estado de Minas Gerais e da França. Nesse caso, o nosso interesse é analisar a situação em que a distribuição da variável de crime (patrimônio ou pessoa) na área i depende também dos outros valores dessa mesma variável de crime medida nas outras áreas vizinhas no mapa. Um modo de testar empiricamente a natureza da interdependência espacial é por meio da análise de associação de Moran. Este recurso classifica cada área em análise baseado no seu valor para uma dada variável, z (por exemplo, taxa de crimes contra o patrimônio), e a média ponderada espacialmente desta variável z nas áreas contíguas ou próximas, que é denotado por Wz. Essa metodologia de análise de associação espacial é obtida por meio da construção do índice I de Moran, cuja expressão formal para uma análise global de uma variável zi numa área i é dada por:

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Na fórmula, σ2 é a variância da amostra, Wij são os elementos da matriz de vizinhança. Se Wij = 1, os municípios / departamentos i e j são vizinhos, caso contrário, Wij = 0. No entanto, uma limitação do índice I de Moran é o fato de fornecer um único valor, como medida da associação espacial, para todo o conjunto de dados. Com o propósito de identificar áreas nas quais os valores da variável de interesse são extremos e geograficamente homogêneos, uma medida complementar do I de Moran global denominada Indicador Local de Associação Espacial (LISA) foi proposta por Anselin (1995) permitindo a identificação de padrões de associação espacial, estatisticamente significativos, bem como a decomposição do índice global de associação espacial. A expressão do LISA é denotada por:

Neste trabalho, a variável zi refere-se à taxa de crime por 100 mil habitantes na área i e a matriz de vizinhança wij é de primeira ordem. Conforme já observado, o resultado LISA permite que sejam visualizadas no mapa dois tipos de informação: 1) regiões (setores censitários, municípios ou departamentos) cujas taxas de homicídio são significativamente relacionadas com as taxas dos setores vizinhos, de acordo com a significância da estatística local I de Moran e 2) as regiões com significância estatística são diferenciados de acordo com a natureza da relação entre cada área e o seu conjunto de vizinhos.

Resultados

De uma maneira geral, o padrão espacial de crimes contra o patrimônio e contra pessoa, na França, se apresenta muito similar. Esse resultado permite concluir, de forma preliminar, que o país se destaca por dois “clusters” específicos: um primeiro onde as taxas de crimes são elevadas e seus vizinhos também possuem taxas elevadas, como é o caso do departamento de Paris e de Bouches-du-Rhône (cor vermelha no mapa a seguir) e duas grandes regiões situadas na área mais central e a noroeste onde os departamentos possuem taxas de crimes muito baixas, assim como seus vizinhos (cor azul no mapa).

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Mapa 5 – Autocorrelação espacial de crimes contra patrimônio e pessoa na França

Por conta da diferença espacial na concentração de crimes em Minas Gerais, o padrão de auto correlação espacial é específico para cada grupo criminal, não obstante a existência, assim como na França, de “clusters” de áreas onde as taxas são elevadas e seus vizinhos também possuem altas taxas, e o contrário, áreas onde as taxas são baixas e seus vizinhos também se caracterizam por um baixo nível de violência.

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Mapa 6 – Autocorrelação espacial para crimes contra Patrimônio em Minas Gerais

Mapa 7 – Autocorrelação espacial para crimes contra Pessoa em Minas Gerais

É interessante observar no caso de Minas Gerais que a Região Metropolitana de Belo Horizonte se destaca com uma região com taxas elevadas que “contaminou” os seus vizinhos, isto é, a cidade de Belo Horizonte apresentam uma das maiores taxas de crimes contra pessoa e contra o patrimônio e têm seus vizinhos na mesma situação. Por causa desse fato e devido a natureza das informações disponíveis, iremos explorar mais profundamente a Região Metropolitana de Belo Horizonte, em específico, a incidência de homicídios consumados nessa área. 2 - “Hot spots” de crimes

O padrão de distribuição de crimes na região Metropolitana de Belo Horizonte poderia ser verificado apenas pela visualização de um simples mapa contendo a localização das ocorrências a partir do seu local de registro. No entanto, dois problemas imediatos surgem com esse tipo de análise: primeiro, na medida em que se aumenta o volume de dados a serem analisados, torna-se mais difícil a detecção de áreas com elevada concentração de crimes. Outro problema relacionado a mapas pontuais dessa natureza, diz respeito àqueles casos em que um mesmo endereço concentra mais de uma ocorrência, de maneira que a simples análise visual do mapa não permite diferenciar esses locais de outros em que se registrou apenas um evento. Para resolver esse problema, utilizamos uma técnica estatística que permite a estimação de uma superfície de densidade a partir de uma distribuição espacial de pontos. Dada uma área geográfica em estudo com certa distribuição discreta de eventos pontuais, 18

essa técnica implica em sobrepor uma grade (grid) na qual cada célula (quadrícula da grade) contém uma estimativa da densidade espacial daqueles eventos. Entre os métodos disponíveis para estimação de densidade, a função de densidade de Kernel é uma das mais usualmente empregadas (CHAINEY; RATCLIFFE, 2005; ECK et al., 2005; FOTHERINGHAM et al., 2000; SANTOS, ASSUNÇÃO, 2003). A técnica de estimação de densidade de Kernel procura fornecer uma estimativa suavizada da densidade de probabilidade por unidade de área, relevante para análise do comportamento de processo estocástico espacial (SANTOS; ASSUNÇÃO, 2003). Somando os “Kernels’ individuais, em cada célula da grade, obtém-se a estimativa de densidade para a distribuição, que pode ser visualizada em diversos pacotes estatísticos.

Como se pode observar através da análise do mapa a seguir, a concentração de homicídios na Região Metropolitana de Belo Horizonte se concentra, particularmente, na Capital e em algumas poucas cidades na sua vizinhança imediata como Vespasiano, Ribeirão das Neves, Betim, Contagem e Ibirité. Isso reforça a tese de que os crimes violentos, e os homicídios em especial, possuem uma distribuição espacial muito concentrada, segundo um padrão de Zipf Law, ou Lei de Pareto, ou seja, muitos crimes acontecem em poucos lugares.

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Mapa 8 – Concentração espacial de homicídios na Região Metropolitana de Belo Horizonte – 2011 a 2012

Esses resultados nos conduziram a outra investigação que diz respeito ao aspecto retaliatório dos homicídios, isto é, de que poucas pessoas estariam envolvidas em mais de um evento. Para realizar uma análise exploratória dessa hipótese, focamos nossas análises apenas nas cidades da região metropolitana com maior concentração de homicídios e procuramos organizar as informações de tentativas de homicídio que estariam vinculadas a outras tentativas de homicídio ou até mesmo a homicídios consumados. Inicialmente, construímos dois bancos de dados que chamamos de 1ª vitimização, aquele em que o indivíduo envolveu em alguma tentativa de homicídios como vítima e um outro banco de dados chamado de 2ª vitimização, onde encontra-se indivíduos que sofre uma segunda tentativa ou que acabou falecendo vítima de homicídio consumado. Usamos como indicadora de conexão entre os 2 bancos de dados a informação do nome dos envolvidos.

Mapa 9 – 1ª vitimização por tentativa de homicídio

Mapa 10 – 2ª vitimização por tentativa de homicídio ou homicídio consumado

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Para o período de 2008 e 2009 até o mês de junho, período em que foi possível coletar as informações sobre os envolvidos nas tentativas de homicídio, trabalhamos com um total de 310 eventos, sendo que desse total, 157 casos os indivíduos estavam envolvidos em mais de uma vitimização, conforme tabela a seguir. Tabela 2 – Vitimização repetida por homicídio

O trabalho seguinte consistiu em mapear as ligações entre o primeiro e o segundo evento de homicídio (consumado ou tentado), além de avaliar o tempo entre essas ocorrências. Os resultados mostraram que, em média, o tempo entre o primeiro (tentativa) e o segundo evento (tentado ou consumado) foi de 138 dias e a mediana foi de 90 dias. Em 50% dos casos, a distância entre um evento e outro foi inferior a 1.500 metros. O mapa 11 apresenta a ligação entre as ocorrências.

Mapa 11 – Ligação entre eventos de vitimização repetida – Homicídios tentados e consumados

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O nosso argumento é que áreas no interior da cidade com elevado grau de desvantagem concentrada (pobreza, desigualdade, crianças, carência de serviços públicos e mulheres responsáveis) os níveis de violência interpessoal são elevados por questões devido ao enfraquecimento da capacidade local de exercício do controle informal que, mais recentemente, tem se refletido em termos mais gerais nos níveis de eficácia coletiva (Sampson et. al, 1997, Sampson, 2012). Associado a isso, pesquisas etnográficas (Anderson, 1997, 1999) têm mostrado que o controle informal de jovens, sobretudo aquele exercido pela família, é enfraquecido nas comunidades com desvantagem concentrada. Nesse sentido, concentração de desvantagens e isolamento social de instituições convencionais produz um contexto no qual a violência torna-se um componente central da vida das pessoas. Assim, exposição a violência pela qual jovens, residentes desses locais são expostos regularmente, acaba funcionando como um mecanismo de transmissão intergeracional de um determinado padrão normativo de se resolver problemas usando da violência em situações futuras.

Conclusão

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Neste estudo, a nossa orientação teórica partiu de duas abordagens “ecológicas” do crime para tentar compreender porque alguns bairros são mais violentos do que outros. Dos estudos sobre desorganização social, com origem nos trabalhos dos pesquisadores da Escola de Chicago, direcionamos nossas análises no sentido de compreender como as distintas “unidades ecológicas” variam quanto ao seu efetivo grau de controle informal e formal. A partir dessa situação, nos deparamos diante de um contexto de “organização social diferenciada”, considerado um termo melhor para descrever o foco da Teoria da Desorganização Social. Por outro lado, procuramos incorporar ao estudo as indicações recentes sobre integração teórica, em particular, as propostas de integração teórica do tipo Micro / Macro. Nesse sentido, agregamos as discussões sobre o impacto “ecológico” das características estruturais das comunidades sobre a vida dos indivíduos, principalmente nas associações formadas com seus pares jovens e delinquentes. A primeira parte do trabalho consistiu em uma análise comparativa sobre os padrões espaço-temporal da criminalidade entre o Estado de Minas Gerais e da França. Nessa etapa, e diante da natureza e qualidade dos dados, encontramos semelhanças, sobretudo no que diz respeito às discussões “ecológicas” da criminologia contemporânea. Dois aspectos merecem atenção: o primeiro, é o fato de que o padrão temporal de crimes contra o patrimônio e contra a pessoa, apesar das diferenças relativas das taxas, é muito similar ao longo do período analisado. Outro aspecto diz respeito ao padrão espacial da criminalidade, tanto em Minas Gerais quanto na França, observamos áreas com concentração de crimes. A segunda parte desse estudo se concentrou na região Metropolitana de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Novamente, devido a natureza dos dados e da característica geoespacial do mesmo, pudemos ampliar as análises procurando verificar o padrão espacial que chamamos de vitimização repetida. Os resultados mostraram que há uma forte correlação entre lugares violentos e envolvimento retaliatório de indivíduos, isto é, de que a lei de Pareto também se aplica nesse nível de análise: poucas pessoas se envolvendo em muitos eventos, o que pode explicar os resultados em nível macro. Os resultados sugerem novas pesquisas dos padrões de crime no Brasil e na França, através da construção de bases de dados comparáveis, uniformizando os registros de crime, seu alcance territorial e temporal. Assim, encontramos nas discussões da Associação Diferencial combinada com a teoria da Desorganização Social uma maior compreensão dos efeitos espaciais da concentração espacial da violência, em particular, 23

dos homicídios. Essa integração permite compreender a relação que os indivíduos estabelecem como uma função do contexto estrutural no qual ocorrem as relações. Ou seja, entendemos que o contexto social pode determinar os laços estabelecidos entre os indivíduos, suas atitudes com respeito à lei, normas e valores compartilhados. Por fim, esse estudo deve ser tratado com uma exploração inicial acerca da violência urbana no que diz respeito a possibilidade de compreensão do fenômeno através de duas abordagens teóricas que, a princípio, parecem incompatíveis. Acreditamos que pesquisas futuras devem explorar mais a possibilidade de combinar informações comunitárias com dados no nível individual.

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