ECONOMIA CRIATIVA: EMPREENDIMENTOS CULTURAIS

July 6, 2017 | Autor: Felipe Duque | Categoria: Economia Criativa, Terceiro Setor, Desenvolvimentismo
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VI Seminário Internacional

políticas culturais 26 a 29 de maio de 2015 Rio de Janeiro

edição Fundação Casa de Rui Barbosa ISBN 978 - 85 -7004 -332- 0

SeminárioInternacional Internacional IVIVSeminário

políticas culturais organizadores Lia Calabre Mauricio Siqueira Deborah Rebello Lima Adélia Zimbrão

16,1717ee1818dedeoutubro outubrodede2013 2013 16, RiodedeJaneiro Janeiro Rio Edição:Fundação FundaçãoCasa CasadedeRui RuiBarbosa Barbosa Edição: realização

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ECONOMIA CRIATIVA: EMPREENDIMENTOS CULTURAIS Felipe da Silva Duque1

RESUMO: Nos anos 2000 um novo termo passa a se popularizar junto ao campo das políticas públicas culturais, trata-se da Economia Criativa. Com o apelo de órgãos multilaterais internacionais e inserida numa lógica que a compreende como potencial “desenvolvimentista”, a Economia Criativa traz consigo as novas formas de gestão do bem público, como a relação com o terceiro setor. Nesse sentido, torna-se fundamental compreender aspectos desta política e quais seus propósitos. No presente trabalho, ocorre a exploração de documentos internacionais de balanço do programa, além do debate proporcionado por seus ideólogos no Brasil sob a luz do método materialista históricodialético. As resoluções dessas políticas trazem consigo importantes elementos para compreendê-las suas propostas para o Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Economia Criativa, desenvolvimentismo, terceiro setor

As indústrias culturais Um novo modelo de políticas públicas vem tomando eco junto ao setor cultural. Tratase da “Economia Criativa”. Apresentada com simpatia pelos órgãos multilaterais internacionais, a chamada Economia Criativa desembarcou no Brasil sob a tutela da gestão Gil-Juca no MinC. O fortalecimento da economia da cultura é a principal motivação, que agora se apresenta através dos empreendimentos de micro e pequenos empresários interessados na área. De antemão, antes de adentrarmos na engenharia da Economia Criativa e desnudarmos sua localização no contexto econômico-político, cabe uma melhor definição da noção. O surgimento da mesma se dá em meados dos anos noventa, como derivado do termo Indústria Criativa, na Austrália, em 1994, inspirado num projeto denominado Creative Nation2. Logo, essa proposta avançou para o Reino Unido em 1997 com o então recém-eleito ministro Tony Blair3. O Novo Partido Trabalhista inglês (New Labour) defendeu em seu manifesto pré-eleitoral a ideia de se identificar as indústrias criativas como um setor particular da economia, assim reconhecendo a necessidade de 1

Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal Fluminense – [email protected] 2 Neste projeto o governo australiano propunha a busca da identidade cultural australiana. Para isso, passou a aplicar verbas, por meio de um fundo de investimento, nas indústrias cinematográfica, teatral e artística, em geral. 3 Período que trata da instauração da “terceira via” no cenário mundial, caracterizado, principalmente, pela gestão de ONGs. 487

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políticas públicas específicas para este segmento. Portanto, apesar da iniciativa dos australianos, foi no Reino Unido que a economia criativa ligada ao capital intelectual despontou com o incentivo do primeiro ministro Tony Blair. A fim de recuperar a competitividade diante do aumento da concorrência dos países asiáticos no mercado internacional, Tony Blair convocou uma força-tarefa para determinar quais os setores criativos mais promissores do Reino Unido. [...] esses seguimentos viraram prioridade e passaram a ter um crescimento de 16% ao ano. (SERAFIM e PINHEIRO, 2012, p. 8)

A caracterização do conceito indústria criativa é heterogêneo. Segundo Machado (2009), o termo “indústria criativa” seria uma resignificação do termo “indústria cultural” desenvolvido por Adorno onde “a principal função [é] a reorientação das massas, não permitindo a sua evasão e impondo, ininterruptamente, os esquemas para um comportamento conformista por parte destas”. Para Adorno, a indústria cultural tem um caráter regressivo, negativo, ou seja, de rebaixamento da cultura aos desígnios do mercado. Porém, para Reis (2008, p. 17) a indústria cultural seria “indústrias que têm sua origem na criatividade, habilidade e talento individuais e que apresentam um potencial para a criação de riqueza e empregos por meio da geração e exploração de propriedade intelectual”. Ela contempla parte da produção cultural definida por propaganda, arquitetura, mercados de arte e antiguidades, artesanato, design, moda, filme e vídeo, software de lazer, música, artes do espetáculo, edição, serviços de computação e software, rádio e TV. O ex-secretário de políticas públicas culturais, Paulo Miguez, em entrevista ao Prima Página em 2005 4 definiu a indústria criativa como a indústria “sem chaminé”. Órgãos multilaterais internacionais deram destaque às indústrias culturais, assim como universidades mundo afora, com maior intensidade nos anos 2000. O professor do departamento de Economia da Universidade de Harvard, Richard Caves, publica a obra Creative Industries em 2001, no mesmo ano na Queensland University of Techonology, em Brisbane, na Austrália, se dá a fundação do curso de bacharelado “Creative Industries”. No ano seguinte, acontece o Simpósio Internacional na mesma cidade onde temos pesquisadores e estudiosos das recém criadas Creative Industries Faculty (London School of Economics), do Massachusetts Institute of Technology e da New York University., dentre diversas outras iniciativas. Em junho de 2004, em São Paulo, a XI UNCTAD5, realizou no Brasil o “Workshop on Cultural Entreprenershipon Criative Industries” e o “High LevelPanelon Creative Industries 4 5

http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3575 Acessado em 26/01/2015. Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. 488

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and Developmentent”. É importante destacar os encaminhamentos deste encontro, onde compreendem a Indústria Criativa como setor fundamental para os países ditos em “desenvolvimento”, ou seja, aqueles periféricos ao centro capitalista. A UNCTAD, setor da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por representar estes países localizados na periferia, tem explorado o debate da Indústria Criativa e da Economia Criativa6 compreendendo o setor cultural como frutífero ao “crescimento econômico” destes países. Na Conferência Ministerial da Unctad XI, realizada em São Paulo, em 2004, o tema relacionado a indústrias criativas foi introduzido na agenda econômica e de desenvolvimento internacional pela primeira vez em regime de recomendação feita pelo Comitê de Alto Nível sobre as Indústrias Criativas e Desenvolvimento. O São Paulo Consensus, negociado entre 153 países declarava que: As indústrias criativas podem ajudar a estimular as externalidades positivas, preservando e promovendo as heranças e diversidades culturais. Aprimorar a participação e os benefícios dos países em desenvolvimento diante de oportunidades novas e dinâmicas de crescimento no comércio mundial é importante para a obtenção de aumento de ganhos com o comércio internacional e negociações comerciais, além de representar um resultado positivo para os países desenvolvidos e em desenvolvimento (parágrafo 65). (Relatório da Economia Criativa: , 2010).

O diálogo da UNCTAD com a Organização Mundial do Comércio (OMC) reforça essa percepção de compreensão do setor cultural, através da indústria criativa, como ferramenta de mercado. Tanto que há uma recomendação para a OMC que melhor caracterize o setor: A estrutura da OMC engloba o comércio de produtos e serviços das indústrias criativas, incluindo o comércio de conteúdos criativos digitalizados associados às ferramentas de tecnologia de informação e de comunicação (TIC). Os serviços audiovisuais, culturais, entre outros serviços relacionados, são discutidos conforme os termos do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS). No entanto, existem problemas com respeito às definições. Embora o termo “produtos e serviços culturais” seja o utilizado nas negociações da OMC, não há nenhuma definição específica para “serviços culturais” (Relatório da Economia Criativa 2010 - Economia Criativa: uma opção de desenvolvimento viável, 2010, p. 235)

A indústria criativa é então compreendida como uma parte da cadeia produtiva da economia criativa. A indústria criativa cumpre um papel, segundo a UNCTAD, na produção de valor. Antes de prosseguirmos com a definição da economia criativa, é importante salientar que a indústria criativa, por ser embrionária no debate já vinha desde o início dos anos 2000 sendo acionada pela ONU como “modelo ideal de desenvolvimento”: Nos últimos anos, as Nações Unidas têm reconhecido cada vez mais a função inalienável da cultura no desenvolvimento e têm focado em programá-la de acordo. A convicção era evidente na Resolução 57/249 da Assembleia Geral de 20 de fevereiro de 2003 sobre a Cultura e o 6

Como veremos adiante. 489

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Desenvolvimento. A resolução falava diretamente sobre o potencial das indústrias culturais para a redução da pobreza, observando que a Assembleia Geral: 5) Convide todos os estados-membros, agências intergovernamentais, organizações do sistema das Nações Unidas e organizações não governamentais: (iii) para estabelecer indústrias culturais que sejam viáveis e competitivas em níveis nacionais e internacionais, frente ao atual desequilíbrio no fluxo e intercâmbio de produtos culturais em nível global; (iv) para avaliar a interligação entre cultura e desenvolvimento e à eliminação da pobreza no contexto da Primeira Década das Nações Unidas para a Erradicação da Pobreza (1997-2006) (Relatório da Economia Criativa 2010 - Economia Criativa: uma opção de desenvolvimento viável, 2010, p. 243).

A indústria criativa no Brasil surgiu em 2004 e teve um crescimento de 90% da mãode-obra assalariada segundo o Firjan. Vejamos isso em números7: Ocupações na Indústria Criativa Brasileira SEGMENTOS

2004

2013

CRESCIMENTO

CONSUMO

211,5

422,9

100,0%

Publicidade

45,7

154,8

238,5%

Arquitetura

62,7

124,5

98,5%

Design

42,6

87,0

104,3%

Moda

60,5

56,7

-6,3%

CULTURA

43,3

62,1

43,6%

Expressões Culturais

18,3

22,5

22,7%

Patrimônio e Artes

10,2

16,4

60,9%

Música

7,5

12,0

60,4%

Artes Cênicas

7,2

11,2

54,9%

MÍDIAS

64,2

101,4

58,0%

Editorial

27,8

50,8

82,5%

Audiovisual

36,3

50,6

39,1%

TECNOLOGIA

150,9

306,1

102,8%

Biotecnologia

13,2

26,9

102,8%

Pesquisa & Desenv.

82,2

166,3

102,3%

Tecnologias de Informação e Comp. Indústria Criativa

55,5

112,9

103,6%

469,8

892,5

90,0%

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Não há uma definição quanto a formalidade dessa mão-de-obra. 490

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Fonte: (FIRJAN, 2014, p. 12) Pelo gráfico é possível notar como vem se ampliando a chamada Indústria Criativa (excetuando-se Moda). Ainda, segundo a Firjan (idem), a Indústria Criativa em 2004 correspondia a 2,1% do PIB em 2004 passando para 2,6% em 2013, o que significa algo em cerca de R$126 bilhões nesse ano8. Porém, a Indústria Criativa corresponde apenas a uma parte da produção no chamado mercado cultural. Para que se pudesse ampliar ainda mais a mercantilização do setor, fazia-se necessário criar uma terminologia que apreendesse toda a cadeia produtiva cultural, a economia criativa.

Ampliando o conceito Requião (2008) analisa a construção do que se tornou a marca “Lapa” em torno do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. A proliferação de casa de shows e a reivindicação do bairro, como um “espaço democrático” e de “diversidade cultural” pelos empresários da circunvizinhança (p.176) reflete na forma de encarar o potencial de mercado cultural daquele espaço. A autora analisa a casa de shows Rio Scenarium. A priori, podemos compreender a casa como um exemplar de indústria criativa de expressão cultural, apresentação de música ao vivo. Não vamos tratar das questões do mundo do trabalho diante das relações do empresário da casa com os músicos, porém, é importante destacar nesse processo como se ampliou a relação com outros setores empresariais, também donos de casa de shows e a “Feira de Antiguidades da Rua do Lavradio” permitindo a consolidação de um espaço lucrativo em profundo diálogo entre si, que antes era restrito a antiquários para se tornar um território de casa de shows com a “profissionalização das rodas de samba e choro” (p. 194). Percebe-se que há a construção de um perfil cultural que tem como papel fundamental representar um gênero musical para consolidá-lo como mercadoria cultural. De forma ilustrativa, diante do exemplo acima, compreendemos como se dá a economia criativa. Ela amplia o espaço mercadológico cultural através da construção de uma rede cultural em um local e/ou de indústrias criativas de forma ampliada global. O papel da economia criativa é dinamizar o mercado da cultura, ao atravessar não só o trabalho material (produção de iPods enquanto parte do mercado musical) e imaterial (marketing de uma banda musical). O “dinamizar” se caracteriza como expandir o caráter do valor-de-troca dos bens culturais em todas as esferas, de forma interligada, através da cadeia produtiva.

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Equivalente ao PIB do Estado de Pernambuco. 491

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Segundo Reis (2008), a Economia Criativa possui seis características básicas. A primeira delas é o: Valor agregado da intangibilidade: O intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência. Do turismo cultural abrangendo patrimônio e festas típicas ao audiovisual, criam-se sinergias entre o estilo de vida e o ambiente no qual ele floresce. (p. 29)

Podemos compreender intangibilidade como patrimônio imaterial. Nesse sentido, a economia criativa já trabalha com a lógica de compreender expressões populares (festas típicas), patrimônios culturais, dentre outros, como setores propícios a atender a demanda por valor. O patrimônio imaterial surge com a proposta de potencializar tais expressões, portanto apreende a busca do lucro também junto a essa categoria da imaterialidade, a geração de “valor adicional”. Uma outra característica é de unificar 2) a cadeia setorial às redes de valor. Conforme vimos, a tendência é romper com o monopólio de uma estrutura geradora de valor, no caso um produtor para vários consumidores. A economia criativa defende, através da tecnologia, que se amplie o acesso ao consumo e dá como exemplo os softwares livres. Podemos reiterar o exemplo da Lapa, onde se criou um “nicho cultural” gerador de valor que atravessa diferentes setores numa rede (artesanato, bares, músicas ao vivo, antiquários, feiras), etc. Os 3) novos modelos de consumo também são uma outra reinvindicação da economia criativa. Novamente é pautada a questão da tecnologia. Esta segunda encarada como a que permite “ao consumidor ser protagonista na escolha do seu produto” (p. 32). Porém, essa caracterização não é desenvolvida o que deixa uma lacuna em sua compreensão. O que não é o caso da quarta que salienta a importância do papel das micro e pequenas-empresas. É destacado a importância deste setor, considerado o maior empregador dos países ditos em “desenvolvimento”. Novamente é destacado 5) o papel das novas tecnologias. Segundo Reis (idem) ela se apresentaria sob três formas: Como parte das indústrias criativas (software, games, mídias digitais, comunicações); Impactando na produção (oferecendo novos veículos para conteúdos criativos e a possibilidade de novos produtos e serviços com base na mídia digital), na distribuição (abrindo canais alternativos, e.g. e-commerce, expandindo o acesso global e reduzindo custos de transação) e no consumo, como veículo de conteúdo criativo (possibilitando ao consumidor direcionar sua busca por bens e serviços criativos e acessá-los diretamente do produtor, e.g. por download);

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Transformando os processos de negócio e a cultura de mercado, incluindo a formação de redes e os modelos colaborativos já descritos (p. 33).

É interessante notar a profunda valorização das tecnologias como característica da economia criativa. O trabalho imaterial é supervalorizado nessa dinâmica, conforme o segundo item apresenta, toda a cadeia produtiva (produção, distribuição e consumo) é realizada via redes virtuais. A alienação se amplia consideravelmente, a começar pela omissão do trabalho material no processo (como o desprezo ao trabalho das indústrias de computadores e peças, por exemplo). As relações humanas se diluem e os contatos se restringem ao mundo virtual. Por fim, temos como última característica da economia criativa o chamado amplo aspecto setorial. Podemos definir esse componente como aquele que congrega elementos da economia solidária9 ligados ao artesanato, ao conhecimento tradicional, às novas mídias e tecnologias. A intenção é se apropriar de experiências da economia solidária que obtiveram êxito e encará-las como projetos êxitos através de divulgação nas mídias. Conforme descrevemos no início deste artigo, é evidente a importância que os órgãos multilaterais internacionais dão à economia criativa como propulsora de “desenvolvimento econômico” dos países periféricos ao capitalismo. Esse debate é claro no “Relatório da Economia Criativa – 2010” onde se resgata os “objetivos de desenvolvimento” encaminhados na Declaração do Milênio10 (DDM). Inclusive, podemos destacar seis dos pontos desta declaração onde se busca apresentar o porquê da Economia Criativa contribuir para o “desenvolvimento”. O relatório frisa, dos objetivos propostos pela declaração, por exemplo, a questão da “erradicação da pobreza e redução da desigualdade”. Segundo o relatório, a criação de indústrias culturais locais direcionadas a arte e a cultura “será capaz de fazer uma importante contribuição à erradicação da pobreza e à redução da desigualdade” (p. 34). E em seguida afirma que “as indústrias criativas não somente proporcionam a possibilidade de geração de receita, mas também oferecem oportunidade de emprego mais fáceis de serem 9

TIRIBA e FISCHER (p. 5, 2009) definem Economia Solidária como um movimento em que “trabalhadores/as articulam redes de produção e comercialização, complexos cooperativos e cadeias produtivas”, onde grande parte se encontrava na condição de trabalhador assalariado no mercado formal e perde essa condição. 10 “NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Milênio. Cúpula do Milênio. Nova Iorque, 2000 Published by United Nations Information Centre: Lisbon, 2000”. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/declaracao_do_milenio.pdf Acesso em: 26 de fevereiro de 2015. Trata-se de um documento assinado por 147 Chefes de Estado e de Governo e de 191 países. Aprovada na Cimeira do Milénio – realizada de 6 a 8 de Setembro de 2000, em Nova Iorque –, o documento contém alguns princípios que devem ser acionados para a progressão do desenvolvimento econômico, principalmente, nos países periféricos.

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reconciliadas com as obrigações familiares e comunitárias” (idem). O porquê desse raciocínio não é explicitado, porém a gravidade maior é no próximo. Esse relatório confeccionado pela UNCTAD coloca como outro aspecto importante que a Economia Criativa contribui para a DDM a questão da “igualdade de gêneros”. A igualdade se dá através das “oportunidades para as mulheres participarem na atividade criativa” tendo como fim “recompensas econômicas e culturais” (idem). Restringindo a “igualdade de gêneros” somente ao aspecto de construção de “estratégias de desenvolvimento devem incluir projetos de aprimoramento das capacidades criativas que favoreçam as pessoas carentes (sic), especialmente no artesanato (tecelãs, oleiras, entalhadoras etc.) e na moda (artesãs do couro, joalheiras, tecelãs de juta e seda, bordadeiras etc.)” (idem). Ou seja, segundo o relatório a contribuição a equalização dos gêneros se dará quando a mulher transitar do estágio de pessoa carente (?) para o de artesã do couro. Um outro aspecto do documento são as parcerias globais para o desenvolvimento. É relativizado ali as contribuições a serem encaminhadas para os “países do Sul” para que estes “cumprissem suas metas da DDM” (p. 35). As propostas ordenadas reforçam os interesses neocolonialistas dos países do centro capitalista. Vejamos como eles enxergam estas “contribuições”: Parcerias globais podem melhorar a produção cultural e os prospectos comerciais dos países em desenvolvimento por meio de iniciativas concretas para (a) facilitar maior acesso ao mercado global de atividades culturais e produtos e serviços criativos; (b) facilitar a mobilidade de artistas do mundo em desenvolvimento aos principais mercados, oferecendo tratamento preferencial a artistas, performistas e profissionais culturais; (c) promover programas de construção de capacidades a fim de melhorar as habilidades de negócios, o empreendedorismo cultural e a compreensão dos direitos de propriedade intelectual; (d) facilitar a transferência de novas tecnologias da informação e da comunicação e outras ferramentas para a criação e distribuição de conteúdo criativo digitalizado; (e) facilitar o acesso a financiamentos e atrair investidores, incluindo esquemas para coproduções, empreendimentos conjuntos e acordos de investimento (idem).

É transparente a forma em que se pontua a relação dos países centro-periferia do capitalismo. As intenções de expansão do mercado são explícitas quando se reivindica a facilidade de acesso ao mercado de “atividades culturais”, na contribuição para “capacitar empreendedores culturais”, na transferência de novas tecnologias e investidores financeiros para os países ditos, segundo o relatório, “em desenvolvimento”.

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Um outro tópico interessante é o que trata das estratégias para a inclusão social da juventude. O trecho abaixo é fundamental para compreendermos o porquê a economia criativa poderia contribuir com esse objetivo: As artes e demais atividades culturais são comprovadamente um meio eficiente de envolver em trabalho produtivo jovens que, de outra forma, poderiam estar desempregados e, talvez, correndo risco de estarem se comportando de forma antissocial. O trabalho criativo pode proporcionar um senso de propósito em vidas que, de outra forma, estariam improdutivas; o envolvimento nos vários tipos de produção pode elevar a autoestima e a consciência social. Nesse aspecto, o estímulo às indústrias criativas locais pode resultar em oportunidades de geração de renda para jovens de áreas rurais, ajudando a desencorajar a fuga para as cidades, o que frequentemente contribui para o problema da juventude marginalizada ( (Relatório da Economia Criativa 2010 - Economia Criativa: uma opção de desenvolvimento viável, 2010), p.25).

Conforme a citação aborda, as “artes e demais atividades culturais” cumprem agora um papel de inserir a juventude num trabalho produtivo ao invés de estarem enquanto “desviantes da ordem”. Há inclusive uma reflexão psicologizante, onde o jovem ao funcionar de forma produtiva, estaria elevando sua autoestima e consciência social11, desprezando questões como as relações de trabalho precárias se sustentam também na Economia Criativa. O mais interessante é julgar a indústria criativa como um potencial regulador do “êxodo rural” e desprezar questões dos países periféricos como concentração de terras, além de, logicamente, culpabilizar a juventude em relação ao aumento da marginalidade, ao invés do debate sobre políticas públicas direcionadas a essa faixa. O que não é novidade quando se reitera que “as estratégias da economia criativa têm sido usadas de forma bem-sucedida pelas autoridades locais e ONGs, a fim de oferecer oportunidades [...] a adolescentes que são econômica e socialmente excluídos e, portanto, expostos à delinquência” (idem). Ou seja, o terceiro setor surge como alternativa as relações trabalhistas formais e vem a contribuir na ampliação e consolidação do trabalhador precariado. Reis (2008) apresenta quais são os desafios dos países em “desenvolvimento” para a aplicação da economia criativa. Há uma preocupação latente com constituição de política direcionadas à economia criativa no aspecto que congregue todos os setores: Um dos maiores desafios para o fomento à economia criativa nos países em desenvolvimento é a articulação de um pacto social, econômico e 11

Segundo o relatório da OMS lançado em 2014, ocorre uma epidemia de suicídios a nível mundial. Uma pessoa a cada 40 segundos se mata. Depois dos maiores de 70 anos, as principais vítimas são a juventude que corresponde dos 15-30 anos. A maioria se encontra nos países periféricos do capitalismo que, segundo o relatório, se mata por questões “socioeconômicas”. Fonte: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/131056/1/9789241564779_eng.pdf?ua=1 Acessado em 15/01/2015. 495

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político entre os setores público, privado, a sociedade civil, a academia e as organizações multilaterais, no qual cada um tem um papel muito claro. [...]A parceria público-privada, por exemplo, não se insere em um contexto de projeto, mas de programa de desenvolvimento. (p. 35).

Reis (2008, p. 36) em sua análise separa o poder público do privado. E indica que o papel do primeiro seria do “investimento em infraestrutura, em capacitação, a implementação de mecanismos de financiamento e fomento a empreendimentos criativos com diferentes perfis, o alinhamento das políticas setoriais, a instituição de um marco regulatório e jurídico que sustente a economia criativa e a participação ativa em negociações internacionais”. O Estado funcionaria como construtor da estrutura para a realização da economia criativa em todas as esferas (física, financeira e educacional). Já ao setor privado caberia “aproveitar filões intocados, inovar, explorar novos mercados e novos mecanismos de atingir antigos mercados, encontrar formas alternativas de negócios, estabelecer parcerias com outras indústrias criativas e outros setores econômicos e rever o relacionamento que estabelece com a sociedade, os fornecedores e os canais de distribuição” (idem). Ao setor privado caberia o esforço de ampliar suas redes e seus lucros. Reis (2008, p. 37) destaca que o poder público deve identificar as “necessidades e potencialidades de cada agente privado e do terceiro setor, posicionando-se acerca de quais interesses representar”. Reis (idem, p. 46-47) acredita que a economia criativa é “o emblema de um novo ciclo econômico, que surge como resposta a problemas globais renitentes, que motiva e embasa novos modelos de negócios, processos organizacionais e institucionais e relações entre os agentes econômicos e sociais”, ou seja “a economia criativa parece apresentar de fato potencial significativo para promover o desenvolvimento socioeconômico, aproveitando um momento de transição de paradigmas globais para reorganizar os recursos e a distribuição dos benefícios econômicos” (p. 47). Aspectos defendidos pelos idealizadores da economia criativa como terceiro setor, desenvolvimentismo econômico e valorização da cultura popular vem a convergir com as propostas do Ministério da Cultura a partir de 2002. Porém, a institucionalização da Economia Criativa no Brasil só viria ocorrer em 1º de junho de 2012, através do Decreto

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774312, onde se criava a Secretaria da Economia Criativa (SEC) na gestão de Ana Buarque de Holanda (2011-2012).

Conclusão Nesse sentido, nos cabe uma reflexão quanto ao apelo do debate da “Economia Criativa” no campo das políticas públicas culturais para os países da periferia do capitalismo. Quais dimensões do poder público ela atravessa e sucumbe ao terceiro setor. Seus desdobramentos no mundo do trabalho e a condução de suas proposições ao formar “empreendedores criativos”, profissão responsável em gerar valor através da cultura. Reconhecer o propósito destas novas políticas advindas do bojo do capitalismo contemporâneo que avançam sobre as diversas esferas da sociedade, no caso, a cultura, tornase de fundamental importância para melhor explorarmos questões alternativas a área, que não a engessem sob o molde da legitimação da mercadoria. Diante disso, há de reconhecer as limitações da economia criativa no que compete a uma fundamentação da cultura que convirja com tais valores acima questionados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CASTELO, R. In: CASTELO, R. Encruzilhadas da América Latina no século XXI. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010. p. 191-211. MACHADO, R. M. Da indústria cultural à economia criativa. ALCEU, Rio de Janeiro, v. 9, n. 18, p. 83-95, jan/jun 2009 MONTAÑO, C. Terceiro Setor e a questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 6a. ed. São Paulo: Cortez, 2010. REIS, A. C. F. Economia criativa: como estratégia de desenvolvimento. Uma visão dos países em desenvolvimento. São Paulo : Itaú Cultural, 2008. Relatório da Economia Criativa 2010 - Economia Criativa: uma opção de desenvolvimento viável. Organização das Nações Unidas. [S.l.], p. 393. 2010. REQUIÃO, L. P. D. S. “Eis aí a Lapa.”: processos e relações de trabalho do músico nas casas de shows da lapa. Niterói-RJ: Tese de Doutorado, 2008. SERAFIM, M. C.; PINHEIRO, D. E. A. Economia Criativa ou Indústria Criativa: Delimitação de um Conceito em Construção, Florianapólis, SC, Abril 2012. 12

Embora a secretaria já havia sendo criada em 2011, só foi reconhecida legalmente em 2012. Cabe ressaltar que a criação desta é o resultado das contribuições fundamentais das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira (20032010). 497

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