Economia, ética e complexidade. Uma análise da obra \"O mosaico partido\" de Ladislau Dowbor

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06/07/2016 Economia, ética e complexidade: uma análise da obra "O MOSAICO PARTIDO" de Ladislau Dowbor., de autoria de Marcos Paulo Santa Rosa Ma…

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Economia, ética e complexidade: uma análise da obra "O MOSAICO PARTIDO" de Ladislau Dowbor.   Autor:Marcos Paulo Santa Rosa Matos.

Texto extraído do Boletim Jurídico ­ ISSN 1807­9008 http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2155

RESUMO Este  trabalho  busca  discutir  o  conflito  axiológico  entre  valores  éticos, epistemológicos  e  econômicos  na  obra  O  mosaico  partido  de  Ladislau Dowbor  e  a  partir  dela  problematizar  o  crítico  relacionamento  entre  esses valores  na  Pós­Modernidade.  Trata­se,  antes  de  tudo,  de  uma  questão  de linguagem,  de  conectividade  entre  dimensões  tidas  como  estanques  na constituição da práxis social. Dessa forma, somos levados a reconhecer que, a rigor axiológico e científico, é necessário estabelecer a supremacia do moral sobre  o  econômico,  e  ainda  ir  além:  dispô­los  em  comunhão,  reuni­los  e conectá­los de modo a levar a sociedade a atingir a plenitude do seu fim: o bem­estar e a felicidade das pessoas humanas. Assim, a Ética­Estética é posta como  horizonte  e  rejunte  da  práxis  social  e  a  Economia  como  o  saber científico  necessário  para  levar  a  sociedade  do  lugar  em  que  se  encontra  ao não lugar da justiça, da igualdade, da liberdade e da paz. PALAVRAS­CHAVE:  Ética;  Economia;  O  mosaico  partido;  Pós­ Modernidade. 1 INTRODUÇÃO A  pós­modernidade  é  marcada  por  um  “nomandismo”  de  referenciais  e instituições  simbólicas  que  conduzem  e  delimitam  a  identidade  humana,  de modo a tornar “líquida” a condição de ser pessoa humana e o modo como se estabelece as relações sujeito­mundo. É justamente na mediação da relação entre sujeitos e mundo, na verdade esse mundo é um mundo particular de cada sujeito que converge na construção de um  mundo  comum  (MATURANA,  2008.),  que  se  estabelece  a  razão  de  ser da  Economia,  como  sistema  de  valoração  e  organização  das  relações  entre sujeitos,  entre  estes  e  os  objetos  que  se  julgam  importantes  e  até indispensáveis à experiência subjetiva. Aqui  se  coloca  então  o  “problema  pós­moderno”,  aquilo  que  Celso Vasconcelos (2008) caracteriza como crises pós­modernas: 1. A crise dos sentidos – há uma desorientação geral na sociedade, uma busca de  superação  do  velho  pela  incorporação  de  um  novo  informe.  Há  uma desvalorização  generalizada  da  racionalidade,  dos  projetos  sociais,  das utopias, do sentido existencial, da autoridade, do sistema de valores, etc. Não se concebe de modo lúcido a condição humana,  sobretudo  nos  aspectos  mais  primordiais  da  “gentetude”:  corporeidade, afetividade, sexualidade, sensibilidade, etc. Propõe­se o fim da História e da Metafísica (HEIDEGGER, 2006; FUKUYAMA, 1999). 2.  A  crise  dos  limites  –  há  uma  disseminação  da  permissividade  geral, baseada  no  espontaneísmo  e  no  consumismo  e  instigada  por  um  mercado http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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ganancioso  e  desumano,  que  visa  apenas  o  lucro  e  não  o  desenvolvimento integral  das  pessoas  –  o  bem  comum.  Difundiu­se  também  uma  visão psicologista da condição humana, segundo a qual há uma impossibilidade de dizer não (“é proibido proibir”), ao lado da moda dromológico­dromopolítica , que coordena uma postura liberalista inconseqüente e licenciosa, negando os princípios básicos da coexistência pacífica e da sociabilidade. De La Taille et al. (2006: 5­21) irá conceber essas duas crises distintas como parte de uma crise mais ampla e universal, a crise de valores: um desinteresse globalizado pelo conhecimento, pela moral e pela ética, que exalta o gozo do efêmero­intenso,  que  se  preocupa  apenas  com  questões  da  sensibilidade individualista, do prazer pessoal e da satisfação egoísta. Não obstante tudo isso, Boff (2008: 27­28) nos aponta o surgimento de uma nova ética a partir de uma nova ótica, uma ótica ecológica, que se preocupa em cuidar do outro, do mundo, da espiritualidade – a essência de ser gente. Trata­se  de  uma  nova  perspectiva  no  tocante  à  percepção  da  realidade  e  à experiência do Ser.  Posto tudo isso, cabe­nos perguntar então: no complexo mundo pós­moderno, como  se  configuram  e  articulam  os  sistemas  e  as  perspectivas  de  relação  e valoração do ser? Dessa pergunta mesma já visualizamos que a resposta não é simples, linear e direta, intrínseca á própria indagação, mas complexa, afetada por variáveis diversas e imprevisíveis. Será  preciso  fazer  um  “corte  econômico”,  uma  seleção  daquilo  que  seja importante  realmente  para  discutirmos  o  lugar  da  economia  na  pós­ modernidade,  dada  a  amplitude  do  tema  e  da  problemática,  antes  porém, discutiremos  o  próprio  lugar  da  economia  como  sistema  valorativo,  para então podermos recolocá­lo no contexto da modernidade líquida. 2  O  CONFLITO  ENTRE  ÉTICA  E  ECONOMIA:  UMA  ABORDAGEM TEÓRICA Ao estudar valores, Piaget os definiu como “caráter afetivo do objeto, isto é, um  conjunto  de  sentimentos  projetados  sobre  o  objeto:  ele  se  constitui  uma relação entre o objeto e o sujeito, mas uma relação afetiva” . De modo mais filosófico  e  alinhado  à  tradição  dos  grandes  mestres  da  reflexão  axiológica, Vázquez (2003: 140­141) afirma que os valores estão alicerçados em quatro características  fundamentais:  1)  não  existem  valores  em  si,  mas  objetos  que possuem valor; 2) os valores somente existem na realidade natural e humana como propriedades valiosas dos objetos; 3) os valores exigem a existência de certas  propriedades  naturais  ou  físicas;  4)  as  propriedades  que  sustentam  o valor,  são  valiosas  somente  em  potência,  para  transformarem­se  em propriedades valiosas efetivas é indispensável que o objeto esteja em relação com o homem. Dessa  forma,  teríamos  três  tipos  de  valores  axiológicos:  os  morais,  os estéticos  e  os  econômicos.  Os  valores  morais  são  aqueles  que  definem  a bondade  de  um  ato  ou  atitude,  dizem  respeito  a  relações  entre  pessoas  e  a juízos éticos e morais, um objeto nunca poder ser bom ou mal, mas sim o seu uso  por  parte  de  uma  pessoa  pode  ser  bom  ou  mal.  Já  os  valores  estéticos referem­se ao nosso julgamento de beleza quanto aos objetos e às pessoas. E os valores econômicos versam sobre a utilidade própria dos objetos e nosso interesse  em  usá­los.  Poderíamos  adicionar  também  os  valores  lógico­ epistemológicos,  que  se  referem  ao  conteúdo  de  verdade  das  nossas proposições. Sobre isso, afirma­nos Hegemberg: Enquanto o animal se submete à natureza, o homem aprendeu a discernir no http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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que o cerca, aquilo que lhe causa mágoa e terror daquilo que lhe agrada e que lhe é útil. Aprendeu a usar os objetos para adaptas­se à circunstância ou para modificá­la,  tornando­a  mais  acolhedora  e  agradável.  O  cáos  [sic]  se  altera: sobre  o  enigmático  dado  primitivo  constrói­se  um  mundo,  isto  é,  uma circunstância  dotada  de  uma  interpretação.  O  homem  altera  o  meio  dá­lhe contornos  e  organização,  transforma­o  em  um  mundo,  local  em  que  pode viver  com  maior  ou  menor  facilidade,  porque  muitas  coisas  já  não  são misteriosas mas úteis ou inúteis, atraentes ou repugnantes.  E acrescenta Freire (1999: 57): A  invenção  da  existência  envolve  [...]  a  “espiritualização”  do  mundo,  a possibilidade  de  embelezar  como  enfear  o  mundo  e  tudo  isso  inscreveria mulheres  e  homens  como  seres  éticos.  Capazes  de  intervir  no  mundo,  de comparar, de ajuizar, de decidir, de romper, de escolher, capazes de grandes ações,  de  dignificantes  testemunhos,  mas  capazes  também  de  impensáveis exemplos  de  baixeza  e  de  indignidade.  Só  os  seres  que  se  tornam  éticos podem romper com a ética. Com  relação  aos  valores  econômicos,  Vázquez  (2003:  138­139)  os  define como  dotados  de  dupla  natureza.  Primeiramente,  eles  satisfazem  uma necessidade humana, tendo para nós uma utilidade, isto é, um valor de uso, que  depende  tanto  das  propriedades  materiais  do  objeto  quanto  da significação  social  que  o  sujeito  humano  lhe  atribui.  Mas,  além  disso,  na prática  social,  os  objetos  úteis  são  permutados  entre  si  por  questões  de conveniência  e  necessidade  entre  os  proprietários  dos  mesmos,  adquirindo assim valor de troca, isto é, o objeto transforma­se numa mercadoria. Daqui podemos depreender duas características dos valores econômicos: a) o valor de  uso  de  um  objeto  existe  somente  para  o  homem  como  ser  social;  b)  o objeto  somente  pode  ser  usado  ao  entrar  em  relação  como  o  homem  social. Ao  transformar­se  em  mercadoria,  porém,  é  preciso  que  se  estabeleça  uma relação  quantitativa  entre  os  objetos  comparando  os  produtos  fazendo abstração  de  suas  propriedades  úteis,  bem  como  ao  trabalho  concreto  que encarnam; sua significação humana se oculta, e o valor de troca se apresenta em relação com o homem, como se fosse uma propriedade da coisa. Assim a mercadoria  perde  sua  significação  humana,  tornando­se  algo  alheio  ao homem, o produto do trabalho torna­se então fetiche, é o que Marx chamou de “fetichismo da mercadoria”. No  entanto,  é  necessário  sublinhar  que,  como  o  valor  de  uso:  a)  o  valor  de troca  é  propriedade  do  objeto  somente  com  relação  ao  homem,  como  sua propriedade humana e social; b) o valor de troca não existe, portanto, em si, mas  em  relação  com  as  propriedades  naturais,  físicas,  do  objeto­suporte,  e também em relação com o sujeito. A não­clareza e não­transparência do valor de troca fez desse valor algo separado do ramo próprio da Axiologia, o que se estendeu a todo o universo de valores econômicos. Assim surge a Economia, como  ciência  que  relaciona  bens  (objetos),  valores  e  sujeitos,  no  intuito  de compreender e mesmo intervir no universo de trocas econômicas (Mercado) para  atingir  determinados  fins  –  o  que  no  Modo  de  Produção  Capitalista  é representado pelo lucro. Assim  se  estabeleceu  uma  dicotomia  principiológico­teleológica  entre  a Economia  concreto­capitalizante  e  a  Axiologia  abstrativo­valorativa,  que  se preocupa com a relação humanística entre sujeitos e objetos. Mussak (2003: 198)  fala­nos  de  uma  inversão  de  valores  econômicos  e  axiológicos  (ético­ estéticos)  no  processo  histórico  de  construção  da  pós­modernidade.  Na http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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Grécia antiga, por exemplo, tínhamos a hierarquia belo > verdadeiro > bom > útil,  que  se  tornou  bom  >  verdadeiro  >  belo  >  útil,  na  Revolução  Francesa (nesses dois momentos, a Axiologia está acima da Economia), e organiza­se hoje  do  seguinte  modo:  útil  >  belo  >  bom  >  verdadeiro,  com  os  valores econômicos  no  topo  das  prioridades.  Nossa  sociedade  configurar­se­ia, portanto,  como  utilitarista,  imediatista  e  pragmática,  além  de  não  estar comprometida com a verdade e a justiça em primeiríssimo lugar, mas com o que  a  conveniência  social  e  pessoal  lhe  cobra  ou  lhe  proporciona,  a  rigor, sucesso e lucro. No  entanto,  há  de  sublinharmos  aqui  que  Ética  e  Economia  são categoricamente indispensáveis para a realização do homem enquanto tal, de modo  que  uma  não  pode  ser  estabelecida  em  função  da  outra.  Isso  porque, renegar a ética, é renegar a condição de pessoa humana, essencialmente ética, e rejeitar a economia é lançar fora os instrumentos intelectivos e técnicos de desenvolvimento  integral  da  humanidade.  Ética  vem  do  grego  “ethiké”,  que significa modo ou forma de ser, compreendendo as disposições do homem na vida, o seu carácter, costumes; dessa forma, “O tema nuclear da Ética são os actos do ser humano, enquanto ser possuidor de razão” . Assim, a Ética está no  cerne  da  condição  humana:  é  a  sua  dimensão  judicativa,  iso  é,  capaz  de valorar e decidir, em última instância, corresponde ao princípio de realidade freudiano (Ego), que busca integrar os valores morais (Superego) e os desejos humanos (Id). A Economia, por seu turno, organiza o viver do homem – homo œconomicus –  para  que  este  possa  atingir  sua  plenitude  existencial,  frente  à  escassez material. Ela é [...] um conjunto de conhecimentos sistematizados, obtidos pela experiência, sobre  os  quais  se  formulam  algumas  leis  gerais.  A  Economia  nos  fornece conhecimentos  sobre  o  emprego  de  meios  úteis  e  escassos  para  obter  a satisfação das necessidades materiais. Estabelece, por análise e interpretação da freqüência dos fenômenos, algumas leis que se completam no consumo, a oferta, a distribuição e a troca, no microeconômico. E, no macroeconômico, determina  as  constantes  do  emprego,  crédito,  produtividade,  moeda  e crescimento econômico. (ROCHA, 2009) Com isso, podemos verificar que também a Economia é intrínseca ao próprio homem  e,  dessa  forma,  é  também,  substancialmente  ética.  Segundo  Wilbor (2009),  Ética  e  Economia  articulam­se  nos  seguintes  aspectos:  1)  os economistas  tem  valores  éticos  que  influenciam  a  produção  da  ciência econômica;  2)  os  agentes  econômicos  –  consumidores,  empresários  e trabalhadores,  etc.  –  tem  valores  éticos  que  modelam  os  seus comportamentos;  3)  as  instituições  e  as  políticas  econômicas  tem  impactos diferenciados  sobre  as  pessoas,  daí  decorrem  importantes  avaliações econômicas e éticas. Não há, pois, neutralidade ética no universo econômico. Devemos,  aqui,  fazer  uma  distinção  conceitual  entre  Ciência  Econômica  e Práxis  Econômica,  a  primeira  preocupando­se  com  as  questões  “o  que  é” (Economia  Positiva)  e  “o  que  deve  ser”  (Economia  Normativa)  no  que concerne ao gerenciamento dos recursos materiais, dos bens e serviços deles derivados e das atividades humanas a eles relacionados, e a segundo com “o que  é”  para  “o  que  deve  ser”  (Economia  Prática).  Ora,  esses  são  problemas substancialmente  éticos,  porque  despertam  a  profundidade  da  ética  no  que concerne  aos  referenciais  de  bondade  e  justiça:  “o  que  deve  ser”  é  um imperativo  mais  ético  do  que  econômico,  e  ao  ficar  esse  imperativo,  a Economia deve questionar­se se “o que é” é bom ou mal e como pode e deve http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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haver  a  transmutação  de  “o  que  é”  para  “o  que  deve  ser”  da  melhor  (“mais boa, mais justa”) maneira possível. A ética em toda a sua conduta econômica é o resultado de um ato da decisão, de uma escolha entre o que é bom, mau, melhor ou pior para si e para os outros, até onde parece estritamente técnico e nada relacionado com a moral. No  que  concerne  ao  fazer  econômico  –  à  conduta  humana  –,  Rocha  (2009) identifica três dimensões cardeais: 1) ética, porque toda a conduta econômica é,  em  última  análise,  o  resultado  de  um  ato  de  decisão  pessoal,  de  uma escolha entre o que é bom, mau, melhor ou pior para si e para os outros; 2) humana,  visto  que  é  uma  pessoa  humana  que  a  leva  a  termo  e  são  pessoas humanas  que  necessitam  que  se  realize,  sendo  que  a  atividade  econômica deve ser subordinada às necessidades e possibilidades concretas do homem, não  pode  desconhecer  nem  a  dignidade  humana  nem  a  igualdade  essencial das pessoas, não pode trair nem a solidariedade nem a fraternidade. Nela, não pode ser buscada a vantagem própria às custas dos sacrifícios dos demais; 3) social,  porque  a  atividade  econômica  se  realiza  no  grupo  social  em  que incide,  sobre  cujo  desenvolvimento  e  bem­estar  influi  decisivamente  e  ao qual deve servir por um imperativo de justiça social. A atividade econômica é apenas uma parte da atividade social total desenvolvida por todos os cidadãos e  coordenada  pelo  Estado  para  alcançar  o  bem­estar  das  pessoas.  Ela  cria condições  materiais  que  juntamente  com  as  culturais,  morais  e  espirituais integram  o  Bem  Comum.  Para  tanto,  tal  atividade  está  subordinada  no  seu exercício a esse Bem Comum para o qual todos contribuem e no qual todos devem participar. Entendemos Bem Comum na perspectiva do Papa João XXIII (1963, n° 58): “conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento  integral  da  personalidade  humana”.  Dessa  forma,  a Economia  deve  satisfazer  as  necessidades  materiais  para  que  possa  se desenvolver  como  ser  humano.  Colocado  dentro  de  um  grupo  social,  o homem  pode  desenvolver  uma  atividade  econômica  já  não  somente individual em relação às suas necessidades, mas uma atividade produtora de bens e serviços para a satisfação de necessidades de toda a comunidade. E tal atividade  implica  numa  conduta,  em  decisões  sobre  formas  e  maneiras  de atuar,  em  opções  entre  diversas  alternativas.  Esta  atividade  tem  como  fim: “Garantir  ininterruptamente  as  condições  externas  que  permitam  a  cada cidadão  desenvolver  plenamente  sua  vida  individual”  e  “garantir  a permanente  satisfação  de  bens  e serviços materiais,  orientados, por  sua  vez, ao desenvolvimento das condições morais, culturais e religiosas” . Assim,  podemos  estabelecer  a  unidade  científica  e  axiológica  entre  Ética  e Economia,  dado  que  “Economia  e  técnica  não  têm  nenhum  sentido  senão para o homem a quem devem servir” (PAULO VI, 1967: n° 34), “Pois ainda que a economia e a moral se regulam, cada uma no seu âmbito, por princípios próprios, é erro julgar a ordem econômica e a moral tão encontradas e alheias entre si, que de modo nenhum aquela dependa desta.” (PIO XI, 1931), e “O juízo ético está na raiz de todo o juízo econômico e, portanto, informa toda a atividade econômica”. (VALSECCHI, 1982). 3  A  ARTICULAÇÃO  AXIOLÓGICO­PRAXIOLÓGICA  DE  LADISLAU DOWBOR: A ECONOMIA COMO ESPAÇO DE CONCRETIZAÇÃO DA ÉTICA Ladislau  Dowbor,  em  seu  livro  O  mosaico  partido,  falando­nos  sobre  a situação político­econômica afirma que:  http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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06/07/2016 Economia, ética e complexidade: uma análise da obra "O MOSAICO PARTIDO" de Ladislau Dowbor., de autoria de Marcos Paulo Santa Rosa Ma…

Acho  que  a  dimensão  ética  sempre  foi  subestimada.  Boa  parte  desta juventude que se agitava na Europa, como nos outros continentes, recebia dos seus pais grande quantidade de eletrodomésticos e uma herança moral abaixo do nível do mar. Os pais achavam que tinham se sacrificado, que os filhos se queixavam de boca cheia, mas a parte mais generosa desta juventude queria outra coisa. E na linha das simplificações que dominaram o século XX, quem se  rebelava  no  Leste  era  lacaio  do  capitalismo,  e  quem  se  rebelava  no Ocidente era agente de Moscou. A política passava a se resumir à opção entre um  tipo  de  banditismo  político  e  outro.  E  as  teorias  econômicas correspondentes,  o  planejamento  de  um  lado,  e  o  liberalismo  de  outro, apareceriam como um verniz teórico que mal recobria a truculência realmente existente: o liberalismo se transformou rapidamente no poder centralizado das grandes  empresas  transnacionais,  o  socialismo  real  reproduziria simetricamente a centralização do poder econômico através do Estado. (2000: 22) O  cenário  da  ciência  e  da  atividade  econômicas  no  século  XX  mostrou­se totalmente  contrário  ás  grandes  aspirações  éticas  que  acompanharam  o desenvolvimento moral da humanidade, desenvolvimento esse que constitui a grande  evolução  societária  do  homem:  a  viabilidade  e  a  possibilidade  de “viver junto”, de superar a mera sobrevivência. A vida em sociedade gerou a obrigação  do  homem  de  sustentar­se  e  sustentar  a  comunidade  –  o  dever moral, divino de “cultivar a terra” – no entanto, o liberalismo de Adam Smith (Riqueza  das  nações,  1776)  trouxe  uma  visão  de  Economia  em  que  ela  tem um  funcionamento  espontâneo  e  regular,  com  regras  próprias  derivadas  da matemática e independentes da ética e da filosofia. A criação da economia de mercado  inverte  a  situação  da  Economia,  desvinculando­a  da  ação  ética  de cada  cidadão,  e  passando  a  determinar  as  ações  da  própria  sociedade.  A Economia  não  mais  depende  de  uma  consideração  ética  das  ações,  mas  a sociedade de massas dela depende para se reproduzir. O mercado é entendido como  um  sistema  auto­regulado  onde  indivíduos  perseguindo  apenas  seus interesses  pessoais  ofertam  e  demandam  mercadorias,  e  as  decisões  sobre  o que e quanto produzir, partem somente das expectativas de ganho (lucro), e não mais de uma necessidade social. Supõe­se uma sincronia pré­estabelecida entre  os  desejos  humanos  e  a  manutenção  da  sociedade  de  massas,  o  que  a história  vem  mostrando  ser  ilusória. A  Economia  passa  a  criar necessidades virtuais e a alienar o homem para garantir o lucro. A  economia  como  ciência  corta  o  laço  entre  ação  humana  e  a  ética.  A perpetuação humana passa a depender de que tudo tenha um preço, inclusive a terra e o trabalho. Mas o trabalho não pode ser uma mercadoria, pois ele é a própria atividade humana, e a terra é a própria natureza, não podendo também ser  tratada  como  mercadoria.  Essas  questões  são  originalmente  filosóficas, mas  foram  tiradas  do  âmbito  de  discussão  original  e  projetadas  numa dimensão  estritamente  técnica:  o  que  produzir,  para  quem  produzir  e  como produzir. Mas a economia não trata de agregados imaginários, meros entes de razão,  e  sim  de  seres  humanos,  suas  ações  e  escolhas  num  mundo  de escassez, imperfeições e incerteza. No entanto, retira­se o homem do centro e inicia­se uma Era Monetariocêntrica, isto é, que serve gira em torno daquilo que  Marx  chamou  “mais  valia”,  o  lucrum,  que  em  latim  significa  “ganho, vantagem,  proveito”,  derivado  e  semântica  e  socialmente  próximo  de  logro, “roubo, proveito obtido mediante engodo, engodo”. Num mundo em que tudo é  heterogêneo  e  plural  como  é  o  universo  humano,  só  o  dinheiro  é homogêneo. A moeda tem a função vital de expressar as razões de troca entre as  mais  diversas  coisas  –  os  preços  –  numa  única  unidade  de  conta  apta  a http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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permitir o cálculo econômico racional. Não obstante a isso, a virtualidade do preço permite aos detentores dos meios de produção e do Capital. No  entanto,  não  podemos  afirmar  que  –  como  pensava  Marx  –  as contradições metodológicas e axiológicas do Capitalismo são a ele inerentes, mas  dizem  respeito  ao  universo  humano,  essencialmente  contraditório  e paradoxal. A economia de mercado é construída por milhões de contratos entre sujeitos livres,  ou  seja,  pela  cooperação  voluntária  e  mutuamente  vantajosa  para  as partes  segundo  suas  valorações  pessoais  e  intransferíveis.  A  base  desse sistema  incrivelmente  complexo  é  uma  atmosfera  geral  de  confiança  (daí “crédito”)  em  que  os  contratantes  cumprirão  as  obrigações  pactuadas.  Ao contrário  do  que  pregam  os  enfadonhos  intelectuários  socialistas,  o capitalismo pressupõe uma moralidade social saudável. O elo que possibilita e liga economicamente todas essas relações privadas é o dinheiro. Ora, se o dinheiro  é  sujeito  à  manipulação  fraudulenta  pelos  governos  e  bancos, violando  a  regra  moral  básica  de  não  roubar,  a  imoralidade  é  infundida  no próprio coração do sistema, corrompendo­o gravemente. (GARCIA, 2002) O  Capitalismo  certamente  maximizou  e,  no  último  século,  globalizou  a imoralidade  humana  no  seio  da  Economia,  mas  certamente  não  a  originou nem  serve  a  ela,  embora  ela  dele  possa  servir­se,  mas  sua  fundação  está  no coração  do  próprio  homem,  em  seu  narcisismo  e  em  seu  egoísmo “originários”. Dowbor,  sendo  um  intelectual  marxista  reformado,  isto  é,  em  sintonia  e convergência  com  os  novos  tempos,  dispensa  as  “simplificações epistemológicas” (2000: 50; 67) de esquerda e de direita e propõe um novo paradigma  de  compreensão  do  universo  econômico  a  partir  das  seguintes premissas: 1) Constatação do papel social preponderante da economia, acompanhada do reconhecimento de sua insuficiência científica e metodológica: A  economia  é  o  sangue  de  uma  sociedade,  e  tudo  nela  influi.  Não  há matemática que substitua aqui o bom senso, uma cultura ampla e de múltiplas facetas, a capacidade de entender, de ouvir, de sempre aprender. E sobretudo a capacidade de gostar, de se interessar. (2000: 39) [...]  Aprendi  a  importância  do  método,  e  entendi  que  a  economia  é importante, mas não suficiente. (2000: 21) O  problema  da  economia  pode  ser  a  taxa  do  crescimento  do  Pib,  mas  o problema da sociedade é que o Pib não basta. E o problema significativo é a sociedade,  somos  nós,  e  não  a  economia.  A  economia  tem  de  voltara  ser  o que realmente é: apenas um meio, não um fim. (2000: 125) 2)  Percepção  da  contradição  humana,  social,  moral  e  ética  da  busca desenfreada pelo lucro e pelo sucesso e da centralidade técnica em detrimento da ética e da sensibilidade humana: Somos  todos  sujeitos  a  acessos  de  pavonismo.  Mas  temos  a  obrigação  de manter  a  consciência  e  o  realismo.  E  não  é  fácil,  quando  cada  anúncio  de televisão,  cada  cartaz  na  rua,  cada  mensagem  com  que  somos  diariamente bombardeados nos oferece imagens de sucesso, de superioridade, de pavões masculinos ou femininos. (2000: 36) http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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[...] o ser humano técnico é separado do ser humano ético, criam­se, à custa de milhões de estímulos repetidos, cubículos isolados dentro de nós mesmos. Dormimos com personagens paralelos dentro de nós, personagens que tentam se ignorar uns aos outros, pois são contraditórios. Nos tornamos, no sentido mais rigoroso do termo, esquizofrênicos. [...] A  perda  de  ética  na  corporação  moderna,  e  no  nosso  comportamento cotidiano  pela  sobrevivência,  é  muito  mais  do  que  uma  burrice  macro­ econômica. Significa uma perda de rumos como civilização, uma corrupção íntima  de  nós  mesmos,  das  nossas  famílias,  dos  nossos  filhos.  No  final  das contas,  quando  preterimos  a  felicidade  social  em  proveito  de  um  sucesso individual dentro de um micro­cosmo corporativo, estamos nos traindo a nós mesmos,  e  nos  tornando  infelizes.  Porque  o  sentimento  do  absurdo  que vivemos está dentro de nós, como um caruncho, a nos corroer. A vida se vive por inteiro. E o que é fantástico, é que quando nos sentimos infelizes,  dilacerados  por  motivações  contraditórias,  incapazes  de articularmos  vidas  coerentes  no  contexto  absurdo,  conseguimos  nos convencer que os culpados somos nós. (2000: 126­127) 3)  Compreensão  da  massificação  do  ser  humano  e  de  sua  desumanização frente O Mercado e aos imperativos econômicos da Nova Ordem Mundial: Dizer  que  estamos  confusos  é  ao  mesmo  tempo  verdadeiro  e  não  é.  Os caminhos  são  sem  dúvida  mais  complexos,  mas  os  objetivos  apontam  de forma cada vez mais clara para uma sociedade mais humana, mais solidária, menos espoliadora dos nossos poucos recursos naturais planetários, e menos centrada  na  idiotização  generalizada  que  leva  mulheres  a  se  encherem  de silicone, e os homens a posarem importantes com ares de executivos. (2000: 73­74) O  mal­estar  que  sentimos  não  é  necessariamente  de  esquerda  ou  de  direita, não  é  necessariamente  de  rico  ou  de  pobre,  de  país  desenvolvido  ou subdesenvolvido. É um mal­estar civilizatório, ou cultural no sentido amplo deste  termo.  O  ser  humano  abriu  a  caixa,  libertou  fantásticas  tecnologias, imensos  potenciais  científicos.  Mas  as  suas  necessidades  continuam  sendo prosaicamente  humanas.  Adaptar  as  tecnologias  e  o  potencial  econômico, para  que  sirva  às  necessidades  humanas,  esta  é  a  tarefa  simples  e imensamente complexa com que nos defrontamos. (2000: 137­138) Assim, é preciso perguntar que sociedade quer­se formar, preciso fazer uma pergunta ética para que se possa estabelecer um caminho econômico entre o real,  o  ideal  e  o  possível.  Dowbor  assim  constitui  um  caminho  para  a construção  do  novo  mundo.  Ele  procura  enfrentar  o  desafio  de  “casar  as necessidades  da  economia  com  a  nossa  dimensão  humana”  (2000:  18), porque  se  a  eficiência  não  constrói  um  mundo  agradável  em  termos  do cotidiano concreto da nossa vida, é uma “bobagem”. Quando a Ética passa a servir e a justificar a Economia, há uma considerável crise social e decadência da consciência coletiva. A irracionalidade com que se  conduzem  as  relações  humanas,  as  relações  internacionais,  as  relações profissionais faz pensar em quanto todo o domínio do convívio humano não está  contaminado  pela  semente  do  economicismo:  o  valor  absoluto  do sucesso  e  do  lucro.  Quando  os  valores  humanos  passam  a  se  curvar  ante  a dominância  econômica  e  a  reificação  (“coisificação”)  das  relações  humanas todos  os  fundamentos  do  agir  social  passam  a  se  delinear  de  acordo  com  a ordem  econômica.  E  assim  que  o  império  do  capital,  com  seus  imensos http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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tentáculos, corrói, pouco a pouco, todo o edifício ético que se procura manter ereto  na  defesa  dos  interesses  sociais  que  transcendem  ao  materialismo econômico. Se  pessoas  se  transformam  em  peças  mercantis  fungíveis,  em  imensas estruturas empresariais, se pessoas são mais ou menos valorizadas de acordo com  seu  status  social  ou  com  sua  condição  profissional  e  financeira,  se pessoas  são  esquecidas  das  relações  sociais  e  alijadas  dos  processos  de produção social por fatores de discriminação, se pessoas estão investidas de poder de comando para capitalizarem a mais­valia por meio da exploração do trabalho alheio, se as funções de maior importância e notoriedade social são conferidas a pessoas habilitadas pelo dinheiro e não pela competência técnica, então, está­se diante de um processo de reificação do valor e da dignidade da pessoa  humana.  Mas  a  Economia  não  se  faz  e  não  se  pratica  livre  de  toda ordem  de  valores:  existem  limites  a  serem  respeitados  pela  dimensão  do econômico,  assim  como  princípios,  regras  e  fins  a  atingir.  A  economia  é indispensável,  e  por  isso  mesmo  sua  prática  não  está  dissociada  de  outras práticas humanas, e, nesse sentido, deve adequar­se para que convirja em fins com as demais que a circundam. Quando isso não acontece, experimentamos uma profunda crise civilizatória, que  culmina  ou  se  inicia  numa  crise  financeira.  A  despeito  da  atual  crise financeira mundial, dizem os Bispos do Brasil: Na origem da crise estão o sistema neoliberal globalizado e a falta de ética na economia  e  na  regulamentação  do  mercado,  gerando  corrupção  e especulação. O mercado financeiro, na medida em que comanda as relações dos  seres  humanos  entre  si  e  com  a  natureza,  reforça  o  consumismo comprometendo a justiça social e o equilíbrio ambiental. A crise financeira e econômica é apenas uma parte da crise mais profunda que é social, política, cultural, ambiental, ética e espiritual. (CNBB, 2009) É  urgente,  portanto,  refundar  a  Economia  na  Ética  e  reintegrar  a  verdadeira finalidade  das  relações  econômicas:  o  desenvolvimento  integral  do  ser humano  a  partir  da  gerência  das  potencialidades  materiais  e  humanas. Acrescenta Dowbor, citando David Korten (The Post­Corporate World) Quando  a  corporação  moderna  reúne  o  poder  da  tecnologia  moderna  e  o poder  da  grande  massa  de  capital,  reúne  simultaneamente  o  cientista  cuja auto­percepção  de  responsabilidade  moral  se  limita  a  fazer  avançar  o conhecimento  objetivo  instrumental,  e  o  executivo  corporativo  cuja  auto­ percepção  de  responsabilidade  moral  se  resume  a  maximizar  os  lucros  da corporação. O resultado é um sistema onde o poder e a competência técnica estão  desvinculados  da  responsabilização  moral,  onde  os  valores instrumentais  e  financeiros  atropelam  os  valores  da  vida,  e  onde  o  que  é prático e lucrativo toma precedência sobre o que é vital e responsável. (2000: 68) Ladislau Dowbor, então nos propõe um caminho de restauração do mosaico partido  da  economia­sociedade  a  partir  de  uma  nova  Ética  e  uma  nova Epistemologia,  a  rigor,  uma  nova  Economia,  que  se  baseia  nos  seguintes fundamentos: 1) Ruptura Epistemológica – o autor propõe uma reforma dos conceitos e das relações categóricas na Economia Científica para que se possa entender a real dinâmica da atividade econômica na pós­modernidade http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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De certa maneira, os conceitos tradicionais se tornaram escorregadios, já não os  sentimos  carregados  de  realidade,  já  não  são  aqueles  fachos  de  luz  que iluminam a nossa visão das coisas. Ao mesmo tempo que as razões para a denúncia se reforçam, os instrumentos de sua análise se fragilizam. O caso, seguramente, não é de baixar os braços, mas de repensar a nossa compreensão das dinâmicas. (2000: 71­72) Não é surpreendente a nossa dificuldade de repensar o universo social numa perspectiva  nova.  Primeiro,  porque  as  mudanças  foram  rápidas  em  termos históricos, ou até vertiginosas, mas se deram de maneira progressiva, sem um momento preciso de ruptura. Em consequência, fomos “espichando” de certa forma os nossos conceitos, para cobrir uma realidade cada vez mais diferente. (2000: 76) 2)  Paradigma  da  Complexidade  –  o  interacionismo  pós­moderno,  a estruturação do mundo em teia exige que se repense o nosso entendimento de mundo e as categorias lógicas de concepção da realidade. A nova conjuntura mundial exige uma percepção dialética das identidades e das relações. Todos  somos  o  fruto  desta  composição  complexa  de  pequenas  partes diferenciadas, cada pedrinha tem um valor diferente na imagem mais ampla que compõe. Não há como isolar um elemento do outro. (2000: 67) Estou convencido de que hoje realmente não é o tempo de certezas, e sim de questionamentos,  abertura,  tolerância,  compreensão.  É  vital  também  a abertura de canais de comunicação entre as diversas ciências sociais, entre as diversas instituições, entre os diversos atores sociais organizados. (2000: 73) Hoje,  os  novos  sistemas  de  informação  e  de  comunicação  permitem  que  o sistema  seja  descentralizado,  e  funcione  em  rede,  substituindo  em  grande parte  a  hierarquia  de  mando  pela  coordenação  horizontal.  Trata­se  de  uma mudança  de  paradigma  que  já  penetrou  numa  série  de  áreas  empresariais,  e constitui  a  filosofia  de  trabalho  de  muitas  organizações  da  sociedade  civil, enquanto  dá  apenas  os  primeiros  passos  na  nossa  visão  da  organização  do Estado. (2000: 89) Aqui, Dowbor se aprofunda em inúmeros âmbitos na transição metodológica da  Economia  Neo­Liberal  para  a  Economia  Complexa  (“economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável”), dos quais podemos destacar: articulação entre Estado, Empresas e Sociedade Civil; superação da luta  de  classes  para  a  articulação  entre  agentes  sociais;  substituição  das megateorias e megautopias por alternativas éticas e microeconômicas viáveis; descentralização  estatal  e  fortalecimento  do  poder  local  e  das  iniciativas  da sociedade  civil;  democratização  das  relações  políticas  e  econômicas,  e sobretudo  dos  meios  de  comunicação  e  de  acesso  a  informação;  equilíbrio entre  Economia  e  Ecologia,  exploração  e  escassez;  valorização  das  novas iniciativas  econômicas,  que  priorizam  o  cuidado  com  o  homem  e  sua condição  social  (serviços  sociais);  valorização  do  trabalho  e  da  produção humana frente aos avanços tecnológicos.  Tudo isso exige ao invés de opções, articulações, convergência, comunicação entre setores e não disputas teóricas ou político­econômicas. É preciso reconstruir os conceitos. Entre as cartas que compõem o novo jogo, privilegiamos  algumas.  É  uma  visão  que  ultrapassa  o  enfoque  dual http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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06/07/2016 Economia, ética e complexidade: uma análise da obra "O MOSAICO PARTIDO" de Ladislau Dowbor., de autoria de Marcos Paulo Santa Rosa Ma…

estatização/privatização  para  se  concentrar  na  articulação  equilibrada Estado/empresa/sociedade  civil.  Que  busca  ultrapassar  a  priorização  do econômico,  segundo  a  visão  liberal  de  que  o  lucro  dos  ricos  reverterá,  pela mágica do trickling down, em benefícios sociais e ambientais para o conjunto da  sociedade:  o  próprio  processo  de  reprodução  social  deve  ser  uma permanente  articulação  dos  objetivos  econômicos,  sociais  e  ambientais. (2000: 16) 3)  Ética  da  Comunhão  Universal  –  o  novo  mundo  deve  então  ser  instituído sobre  a  fraternidade  e  a  solidariedade,  o  fraternité  tão  pregado  pelos iluministas  franceses,  e  ainda  tão  utópico  e  longe  do  real.  Dowbor  procura estabelecer a ética como o imperativo teleológico da Economia e da própria vida  social,  alertando­nos  que:  “Somos  tão  cegados  pelo  respeito  à competência  técnica,  que  nos  esquecemos  dos  princípios  que  esta competência deve servir.” (2000: 58). E acrescenta: [...] como é que se reconstrói a unidade do mosaico? É natural a nossa vida se compor de segmentos partidos? De segmentos desarticulados de um gesto de carinho,  de  correria  no  trânsito,  de  um  rosnar  como  cães  raivosos  nos confrontos profissionais?  De  certa  maneira,  podemos  virar  tudo  pelo  avesso,  e  colocar  uma  pergunta mais  simples:  o  que  é  importante?  E  em  função  desta  pergunta,  repensar  o amor, os amigos, a sociabilidade, o trabalho, a criatividade, e também, porque não, em algum lugar, a economia. A unidade do mosaico recomposto, da figura inteira, é dada sem dúvida pelo amor, pela amizade, palas inúmeras facetas da afetividade que nos transforma em  família,  em  sociedade,  em  cultura.  Que  transforma  o  tempo  fatiado  do nosso  cotidiano  num  espaço  onde  arte  e  trabalho,  por  exemplo,  podem encontrar  o  seu  campo  comum  no  trabalho  criativo,  em  vez  de  estarem colocados  em  compartimentos  estanques,  diversão  o  primeiro,  sacrifício  o segundo. (2000: 121­122) A obra de Dowbor se torna assim, uma defesa da ortodoxia econômica, uma volta  ao  fundamento:  o  reencontra­se  da  Economia  com  sua  vocação humanística – a construção de um mundo em que podemos viver em paz, e sonhar  com  a  felicidade  e  experimentá­la.  A  Ética  passa  a  ser  não  mais  um horizonte,  mas  uma  presença.  É  claro  que  Ladislau  Dowbor  está  consciente da  distância  histórica  entre  o  que  experimentamos  hoje  e  o  que  ele  nos propõe:  Um  mínimo  de  realismo  nos  estimula  à  humildade:  sequer  conseguimos reduzir a massa de crianças que morre de fome no planeta, ou asseguramos presença familiar e comunitária decente aos nossos filhos. (2000: 74) Mas  sua  visão  é  muito  mais  uma  postura  ética  do  que  uma  visão  ética:  ela emerge  da  própria  condição  humana  que  se  sente  esmagada  pela esquizofrenia mercadológica e mercadocêntrica. É preciso rebelar­se e sonhar com um mundo diferente: é um direito e dever cidadão e humano. Ainda que distante é preciso estabelecê­lo aqui, como uma alternativa a se construir. A  visão  pode  parecer  sonhadora.  Paulo  Freire,  que  de  sonho  não  tinha nenhum  medo,  dizia  que  procurava  uma  sociedade  menos  malvada. Pessoalmente,  acho  que  esta  sociedade,  centrada  no  dinheiro  a  todo  custo, onde os ricos não dormem por medo, e os pobres porque os ricos não deixam, http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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e onde todos vivemos na angústia do amanhã, isto quando o mundo produz riqueza  e  domina  técnicas  que  permitiriam  sossego  e  conforto  para  todos, houvesse  um  mínimo  de  decência  na  redistribuição,  tem  realmente  de repensar  os  seus  rumos.  A  combinação  de  uma  estrutura  de  poder desequilibrada,  de  mecanismos  de  mercado  deformados  e  manipulados,  de uma  ideologia  idiota  do  sucesso  e  de  um  consumismo  materialista desenfreado nos levam a impasses em termos de vida, do prosaico cotidiano, da felicidade pessoal. E não é questão de visões teóricas. Quando o liberalismo busca a pureza dos seus  princípios,  e  esquece  as  regras  humanas,  passa  simplesmente  a prevalecer a lei do mais forte. E ficamos todos, de certa maneira, condenados a entrar no jogo. Quando os recursos são finitos, e o produto social é de quem agarrar primeiro, descambamos naturalmente para a barbárie. (2000: 122) 4 CONCLUSÃO Fazer  frutificar  a  terra  árida  da  economia  é  o  grande  desafio  que  move  o mundo  atualmente,  mas  constitui,  em  última  instância,  o  próprio  motor  da história.  Golpeamos  a  terra  vazia  para  dela  fazer  florescer  a  vida, administramos  nossas  habilidades  e  competências  em  golpear  a  terra,  para que  o  golpe  seja  certeiro,  e  nossas  mãos  não  sejam  decepadas,  nem  nossos pés, nem um olho ou qualquer outra parte do corpo. O homem é naturalmente ecônomo  de  sua  vida.  Assim,  do  suporte  biológico,  factual  e  ininteligível  a nós dado pela natureza, construímos o mundo, um mundo do inacabamento e do  vir­a­ser.  Transformamos  a  vida  numa  existência,  espiritualizamos  o mundo,  e  estabelecemos  um  mundo  de  homens  e  mulheres,  condicionado pelos limites da natureza, mas definido pela liberdade de opção e de ação de sujeitos históricos e não meros espécimes. Sobre isso diz­nos Freire: A vida no suporte não implica a linguagem nem a postura ereta que permitiu a  liberação  das  mãos.  Mãos  que,  em  grande  medida,  nos  fizeram.  Quanto maior  se  foi  tornando  a  solidariedade  entre  mentes  e  mãos,  tanto  mais  o suporte  foi  virando  mundo  e  a  vida,  existência.  O  suporte  veio  fazendo­se mundo  e  a  vida,  existência,  na  proporção  que  o  corpo  humano  vira  corpo consciente,  captador,  apreendedor,  transformador,  criador  de  beleza  e  não “espaço” vazio a ser enchido por conteúdos. (1999: 56­57) Para  tanto,  nos  estabelecemos  rente  ao  mundo  enquanto  sujeitos  do conhecimento e da ética, porque só a partir da compreensão do suporte somos capazes de alterá­lo, de transformá­lo para tornar nossa peregrinação sobre a terra  e  sob  o  sol,  menos  dispendiosa  e  mais  prazerosa  e  significativa;  do mesmo  modo,  só  nós  podemos  embelezá­lo  e  enfeá­lo,  cometendo  atos  de baixeza  ou  dignidade  (FREIRE,  1999:  57­59).  Isso,  por  sua  vez,  só  foi possível  graças  a  algumas  possibilidades  inatas  presentes  no  ser  humano  e construídas dialeticamente pela convivência interindividual: a curiosidade, a criatividade e a crítica. Por  isso,  por  sermos  homo  œconomicus,  somos  também  homo  socialis  e homo politicus, não vivemos sem o outro, sem a natureza, sem a cultura, sem tudo o que historicamente se constituiu o mundo humano. Mas é urgente hoje remoralizar esse universo antrópico e antropológico para permitir a felicidade e  a  vida  à  humanidade  como  um  todo,  rompendo  os  particularismo  e egoísmos  que  caracterizam  a  vida  pós­moderna.  A  convivência,  o  grande paradigma da existência humana exige assim, a assunção da ética como valor máximo da práxis social. http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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[...]  a  formação  do  ser  social  no  capitalismo  compreende  três  dimensões fundamentais, complementares e sobrepostas, que vão caracterizar, nas lutas sociais, o conteúdo básico das disputas pela educação. Cada uma das classes se  mobiliza  para  fazer  prevalecer  o  desenvolvimento  de  um  determinado  a) ethos, definidor do caráter, da disposição social; b) de um modus, requerente de uma ação, uma prática “ética”; e c) de um sapere, um “gosto”, uma adesão e  assimilação  voluntárias  dos  códigos  e  conhecimentos  definidos  como socialmente indispensáveis.  Para finalizarmos essa reflexão, vale a pena nos reportamos a uma outra idéia de  Dowbor  que  nos  coloca  a  visualização  desse  novo  mundo  no  plano  da utopia  viável  e  possível,  embora  essa  utopia  não  represente  um  paraíso terrestre, mas tão somente a Terra que todos temos por direito.  O  mosaico  reconstruído,  para  mim,  não  afasta  a  indignação  e  o  sofrimento. Mas  lhe  dá  sentido.  Porque  as  emoções  são  boas,  a  ética  é  essencial,  e  as técnicas  estão  apenas  a  nosso  serviço.  Porque  ao  juntarmos  as  pedrinhas  da vida, o mosaico da vida é um só. (2000: 143) A ética não é uma opção humana, é a essência do nosso existir, do existir da Economia  e  da  própria  Complexidade:  Não  há  existência  se  não  há  amor, sensibilidade,  cooperação.  Tudo  o  mais  que  se  baseia  no  conflito,  na competição,  na  desunião  está  fadado  a  se  autodestruir.  Só  há  vida  na cooperação, na solidariedade e na unidade. Os seres humanos inventamos discursos racionais que negam o amor, e assim tornamos  possível  a  negação  do  outro.  Não  como  algo  circunstancial,  mas como  algo  culturalmente  legítimo,  porque  na  espontaneidade  de  nossa biologia estamos basicamente abertos à aceitação do outro como um legítimo outro  na  convivência.  Esta  disposição  biológica  básica  é  básica  em  nós, porque  é  o  fundamento  de  nossa  história  hominídea.  (MATURANA,  1998: 68) REFERÊNCIAS ARRUDA,  Marcos;  BOFF,  Leonardo.  Globalização:  desafios socioeconômicos,  éticos  e  educativos.  3  ed.  Petrópolis­RJ:  Vozes,  2002. 207p. BITTAR, Eduardo C. B. Ética e economia. Disponível em: . Acesso em: 23 de maio de 2009. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 14 ed. Petrópolis­RJ: Vozes, 2008. 199p. CERQUEIRA, Hugo Eduardo Araújo da Gama. O discurso econômico e suas condições de possibilidade. Belo Horizonte: UFMG; Cedeplar, 2000. CÊA,  Georgia  Sobreira  dos  Santos;  SANDRI,  Simone.  Formação  geral  e mundo do trabalho: horizontes em disputa. In: Currículo sem fronteiras, v. 8, n. 1, jan/jun de 2008. Disponível em: . Acesso em: 27 de set. de 2008. http://www2.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=2155

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__________.  Os  desafios  da  indisciplina  na  sala  de  aula  e  na  escola. Disponível em: . Acesso em: 14 de out. de 2008. Wibor, Charles, K. Economics and ethics Disponível em: . Acesso em: 23 de maio de 2009. VALSECCHI, Francisco. Qué es la economía. Buenos Aires: Columba, 1982. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Trad. de João Dell’Anna. 20 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Data de elaboração: maio/2009

Marcos Paulo Santa Rosa Matos. Acadêmico. Inserido em 23/12/2010 Parte integrante da Ediçao no 752

Forma de citação

MATOS, Marcos Paulo Santa Rosa. Economia, ética e complexidade: uma análise da obra "O MOSAICO PARTIDO" de Ladislau Dowbor.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 752. Disponível em:  Acesso em: 6  jul. 2016.

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