Economia política da comunicação: Digitalização e sociedade

July 16, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Comunicação, Economia Política, Digitalização Dos Meios
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ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO: DIGITALIZAÇÃO E SOCIEDADE

Juliano Maurício de Carvalho Antonio Francisco Magnoni Mateus Yuri Passos (organizadores)

Economia política da comunicação: digitalização e sociedade

São Paulo, 2013

Conselho editorial: Dasniel Oliveira Perez Universidad de La Habana, Cuba

Francisco Sierra Caballero Universidad de Sevilla, Espanha

Martín Alfredo Becerra Universidad Nacional de Quilmes, Argentina

070.449 E22

Economia política da comunicação : digitalização e sociedade [recurso eletrônico] / Juliano Maurício de Carvalho, Antonio Francisco Magnoni e Mateus Yuri Passos (organizadores). - São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013 220 p. ISBN 9788579834653 Inclui bibliografia 1. Comunicação. 2. Economia política. 3. Digitalização dos meios. I. Carvalho, Juliano Maurício de. II. Magnoni, Antonio Francisco. III. Passos, Mateus Yuri.

Índice Digitalização e Sociedade

Antonio Francisco Magnoni Juliano Maurício de Carvalho Mateus Yuri Passos 7

Prefácio

César Bolaño 16

A integral digitalização das indústrias culturais: tensões e reestruturações em andamento

Luis A. Albornoz 20

A convergência digital e os desatinos do sistema mundo capitalista Ruy Sardinha Lopes 42

Indústria Cultural, Economia Política da Comunicação e Televisão Pública

Vivianne Lindsay Cardoso Juliano Maurício de Carvalho 51

Possibilidades da interatividade da TV digital no campo da educação Valério Cruz Brittos Nadia Helena Schneider 78

A Economia Política do Coronelismo Eletrônico: categorização dos líderes políticos proprietários de radiodifusão em Minas Gerais

Luiz Felipe Ferreira Stevanim Suzy dos Santos 92

A reedição do difusionismo diante da brecha digital: o desafio das regiões na sociedade da informação Francisco Javier Moreno Gálvez 110

O local é o diferencial O papel do rádio na era da conexão planetária Leandro Ramires Comassetto 138

A digitalização, a convergência e as novas interfaces do Rádio Antonio Francisco Magnoni Juliana Gobbi Betti 153

Clivagem da democracia no plano digital da esfera pública Juliano Maurício de Carvalho André Luís Lourenço 172

Sistema Público de Comunicação: por uma mídia de todos Adilson Vaz Cabral Filho 192

Gestão Pública de Informação do Governo Federal Angela Maria Grossi de Carvalho 205

Biografia dos autores 215

Apresentação: Digitalização e Sociedade Não é possível pensar em características da espécie humana sem considerar a capacidade de produzir artifícios e artefatos, que ela desenvolveu durante seus vários trajetos evolutivos. A diferença mais visível em relação aos demais seres da Natureza é a capacidade inata que o Homem adquiriu, de pensar, de falar, de criar relações sociais perenes e, sobretudo, de criar artefatos e de produzir continuamente bens culturais, materiais e simbólicos. A atual espécie Homo sapiens sapiens foi sendo talhada em seu longo caminho pelo Homo loquens, o primeiro hominídeo falante, depois pelo Homo faber, um hominídeo habilidoso que aprendeu a usar as mãos para fazer objetos práticos e abstratos. Ao conseguir desenvolver as primeiras ferramentas, os indivíduos humanos puderam multiplicar a força e a agilidade corporal e foram aprendendo a sistematizar as técnicas que lhes deram poder crescente sobre o mundo natural. Ao manejar o fogo, puderam resistir ao frio, iluminar a escuridão, cozer os alimentos e a argila e, mais tarde, forjar metais. Graças aos artefatos desenvolveram a agricultura, domesticaram animais e processaram recursos minerais e biológicos. Também puderam resguardar o futuro, com o domínio estratégico de sistemas de armazenagem e de processos de conservação de víveres. Com a produção e a conservação de excedentes começaram a realizar trocas, inventaram o comércio e também o dinheiro. A criação da escrita deu início ao ciclo de aperfeiçoamento de suportes para registro de informações, das tecnologias e sistemas de comunicação. O domínio da escrita inaugurou a comunicação não presencial e permitiu que os conhecimentos e culturas rompessem as barreiras da distância e do tempo. Com a escrita, o armazenamento e a circulação das informações tornaram-se independentes da memória, da presença e da existência dos indivíduos. O homem da era moderna conseguiu juntar a ciência e as técnicas amadurecidas desde o Renascimento europeu para produzir máquinas e motores mais poderosos do que qualquer ferramenta criada em eras anteriores, pelas diversas sociedades humanas estabelecidas ao redor do planeta. Desde as últimas décadas do século XVIII, período que Milton Santos denominou de “momento da criação do meio técnico, que substituiu o meio natural”, começaram a ser instaladas as primeiras indústrias modernas na Inglaterra. A industrialização acelerou a urbanização

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populacional, as cidades industriais em pouco tempo foram transformadas em metrópoles caóticas. Dos teares aos primeiros motores a vapor, a indústria moderna iniciou o século XIX com a incorporação de maquinário e força motriz ao trabalho coletivo das fábricas, ação sistemática e evolutiva que revelaria, desde a segunda revolução industrial, a surpreendente capacidade técnica da burguesia para liderar a produção a uma diversidade inumerável de bens materiais e, mais tarde, simbólicos. A educação, a cultura e o entretenimento adquiriram crescente importância nas sociedades urbano-industriais e houve um rápido aumento do número de pessoas alfabetizadas e de trabalhadores assalariados, fatores que estimularam um maior consumo de mercadorias e de informações baratas e atualizadas sobre o cotidiano social. A imprensa e a publicidade viabilizaram a proliferação de uma nova e lucrativa atividade de produção e oferta de bens simbólicos para as diferentes camadas populacionais urbanas. A tecnologia de mecanização e motorização desenvolveu novas impressoras, que aposentaram a prensa tipográfica manual, utilizada desde Gutenberg. Também estimulou a organização empresarial de gráficas e de editores de jornais. A expansão do trabalho não material ocorreu em um tempo simultâneo ao desenvolvimento do trabalho industrial e de outras atividades urbanas. Serviu para atender aos contingentes modernos, cujas necessidades cotidianas já não podiam ser atendidas com casa, roupa, comida e reprodução. Os meios de comunicação de massa serviram como ferramentas modernas para a transformação do trabalho abstrato, literário, plástico, musical, educativo, publicitário, jornalístico etc., em produtos culturais, que alimentariam o extraordinário mercado simbólico, desde o cinema mudo até a internet. Na segunda metade do século XIX, as redes ferroviárias rasgaram os continentes seguindo todos os pontos cardeais. Antes das ferrovias, o telégrafo elétrico significou a primeira rede de comunicação por fios, que foi completada, a partir de 1880, pela rede telefônica e pela radiotelegrafia. Daquela época em diante, as redes elétricas passaram a recortar todas as paisagens das regiões mais desenvolvidas do planeta. Com a invenção do automóvel, as redes de transporte rodoviário retalharam em apenas algumas décadas a superfície inteira dos continentes: tornaram insignificante a façanha dos antigos romanos, que, durante vários séculos, abriram 80 mil km de precárias estradas. No entanto, a moderna epopeia da máquina-ferramenta fabril e as linhas de montagem das antigas indústrias analógicas já fazem parte do passado. Hoje, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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os insumos essenciais da autodenominada “nova ordem” ou da “nova economia” mundial são as tecnologias digitais. Digitalizar é a palavra de ordem da nova era pósmoderna (??), que, mesmo fustigada por uma sucessão de crises intercapitalistas, segue neste início de século de XXI, ampliando sua nova plataforma acumulativa em redes binárias. O atual movimento tecnológico e econômico manifestou-se gradativamente, desde a segunda metade do século passado, em duas vertentes distintas: a primeira, de abrangência mais privada, foi caracterizada principalmente pela extraordinária atualização tecnológica havida com a robotização da produção em grandes indústrias de bens materiais de consumo e em setores produtores de máquinas e insumos para todas as plataformas produtivas. A segunda despontou com o desenvolvimento e a propagação mundial de sucessivas gerações de hardwares e de programas para computadores pessoais concebidos para dinamizar o trabalho profissional nas atividades produtivas, comerciais, de entretenimento, de publicidade e também de pesquisa e de serviços. Os japoneses foram pioneiros na utilização do computador e do conceito de rede informacional com a intenção de superar a crise do modelo taylorista-fordista e aposentar a velha linha de montagem, que havia significado a transformação produtiva mais revolucionária, até os anos 1960 do século passado. A disseminação dos robôs acelerou a capacidade produtiva, reduziu custos, melhorou a qualidade da produção e avolumou imensamente o processo de automatização do trabalho produtivo manual e a destruição de postos de trabalho, um fenômeno que Marx apontou em meados do século XIX, como crescente ameaça para a classe operária. A informatização da sociedade retoma, de acordo com a nova racionalização capitalista, o espaço doméstico e os espaços vivenciais da educação, da cultura, do entretenimento e da comunicação interpessoal. O teletrabalho reocupa estes espaços, que se tornaram domínio privativo dos trabalhadores e de suas famílias, desde que a classe trabalhadora conquistou limites de jornadas e direitos trabalhistas. O capital se reapropria com nova aparência, forma e ferramentas, do espaço doméstico e do tempo livre dos trabalhadores, mas com o mesmo objetivo acumulativo que fazia no início da revolução industrial. Assim, preserva sua capacidade de manter globalmente a hegemonia do antigo liberalismo, mesmo que se utilize de postulados pós-modernos. Para os incluídos, as relações se reorganizam com a possibilidade de se desempenhar um papel mais ativo e menos assimétrico em relação à informação do que o que vinha ocorrendo nos últimos séculos. Teorias como a do agendamento e a da tomada da função de esfera pública de debates pelos meios de comunicação

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de massa, novos definidores da representação da realidade e da intermediação dos diversos segmentos da sociedade, de modo a favorecer interesses burgueses, devem ser revistas com o surgimento de redes sociais em que, cada vez mais, o discurso autorizado passa a ser questionado e o cidadão não certificado tem direito à voz, com novas negociações em torno da credibilidade de fala e a fragmentação de espaços de discussão de acordo com os campos de interesse. O sistema digital, não mais linear, mas em rede, torna-se mais complexo, com maior dificuldade no controle da circulação de informação sem que se firam princípios liberais ainda caros à sociedade burguesa – constituindo-se, portanto, um fértil meio de cultura para que vicejem e se propaguem opiniões contrahegemônicas. Independentemente dos embates conceituais que o atual contexto suscite, parece-nos que a percepção coletiva já se convenceu de que o novo modo de convívio e de trabalho dependerá, sempre mais, de ferramentas e informações digitais. No entanto, sem medidas abrangentes de inclusão social e cultural, uma eventual “sociedade da informação” poderá será mais assimétrica que a atual e apartará os indivíduos despreparados para operar os novos sistemas informáticos de produção e de interação interpessoal. A exclusão digital aprofundará a lógica vigente de apartação cultural e material. Ao difundir suas ferramentas computacionais por todos os espaços vivenciais e produtivos, a ordem informacional requer para o desempenho do trabalho intelectual ou material, conhecimentos e habilidades técnico-científicas advindos de uma sólida e contemporânea formação educacional. Nesse aspecto, as tecnologias digitais tornam-se novos elementos extremamente importantes para todos os modos de produção atuais, mas elas servem muito mais, para a constituição de opinião pública em tempos de predomínio da informação em todos os níveis de relações sociais. O barateamento dos aparatos e o desenvolvimento de interfaces comunicativas inteligíveis aos leigos trouxeram em um curto período de tempo os computadores para o espaço doméstico e daí eles se espalharam por todas as atividades humanas. O principal atrativo do computador foi a profusão incessante de novos programas, linguagens e possibilidades de trabalho, apresentados em suportes gráficos e audiovisuais, capazes de mimetizar as interfaces comunicativas dos conhecidos veículos de imprensa e de radiodifusão. Com o desenvolvimento da internet, o computador rompeu seu vínculo remoto com a máquina-ferramenta. Deixou de ser um processador estanque de dados, mera extensão mecânica do corpo e do trabalho orgânico do homem, para se tornar de fato uma máquina “inteligente”, uma extensão da memória humana. Negroponte Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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observava em 1995 que as pessoas tinham em casa vários eletrodomésticos com microprocessadores, mas que não estavam unificados. Por isto não era possível a comunicação eletrônica entre eles, ou mesmo quando era possível haver interconexão entre diferentes equipamentos, a interface estabelecida era bastante primitiva e peculiar em cada um deles. Ele advertia que só haveria uma tecnologia de fato inteligente e convergente quando todos os equipamentos presentes em nosso cotidiano pudessem compartilhar dos recursos disponíveis para comunicar entre si e com o usuário. O que mudou de lá para cá foi a imensa progressão do ciberespaço, que vem agindo como o agente catalisador que motiva a convergência tecnológica e a digitalização (por razões comerciais), entre todas as tecnologias eletroeletrônicas existentes. A disseminação da internet sem fio, “portátil”, liberta da dependência do computador, deverá multiplicar universalmente o número de usuários. Os computadores on-line tornaram-se, ao mesmo tempo, terminais de geração, abastecimento e acesso à imponderável memória virtual pública, com capacidade inesgotável de armazenar, selecionar e transmitir informações sobre qualquer área de atividade e de interesse humano, tanto de aspecto individual quanto coletivo. O ciberespaço torna-se mais e mais uma hiperinteligência artificial, um imenso arquivo de memória e de conhecimentos alojados fora do cérebro humano. Ele serve para ampliar de modo inorgânico a capacidade humana de reter e de trocar informações. Ao mesmo tempo, pode ordenar e classificar o fluxo imensurável de dados para os sistemas de processamento e armazenamento e evitar que os indivíduos entrem em colapso mental em decorrência do excesso de informações presentes no cotidiano do homem. Pierre Lévy sustenta a tese de que a “emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social” que possui segmentos líderes, programa de ação e palavras de ordem. Para o autor, o crescimento do ciberespaço corresponde ao desejo de comunicação recíproca e de inteligência coletiva, porque visa a “um tipo particular de relação entre pessoas”. Ele toma como exemplo a evolução social do correio, comparada à motivação coletiva que sustenta a ascensão do ciberespaço. No ambiente informatizado e interligado, tempo e espaço perdem o significado físico e cultural que havia sido instituído desde a Modernidade. O espaço virtual da internet utiliza um tempo global determinado pela velocidade dos fluxos de informação. Conforme aumenta a capacidade de transporte de dados e a velocidade de tráfego da rede, a relação espaço-tempo vai encurtando no “território” virtual. Os povos que não dominarem os novos conhecimentos e o meio técnicocientífico-informacional estarão condenados “ao tempo lento dos pobres”, como

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dizia Milton Santos. De acordo com a economia clássica, os novos instrumentos também constituem bens de capital, insumos indispensáveis para que haja alimentação do ciclo produção-oferta-consumo-acumulação. A fonte principal de prosperidade da “livre iniciativa” continua sendo a extração de mais-valia do antigo trabalho manual ou das atuais formas de trabalho automático, seja material de produção material ou simbólica, acrescida da especulação financeira em tempo real e alcance mundial. Certamente, o capitalismo tradicional ou digital não sobreviveria sem a manutenção desses processos assimétricos de produção e acumulação. Enquanto os Estados, organizações oficiais e não governamentais discutem a melhor forma de gestão política, administrativa e econômica da internet, os registros, os fluxos de bens e riquezas e o próprio dinheiro perdem a materialidade de celulose e assumem o formato de arquivos e pacotes binários, que transitam mundialmente ao ritmo atômico da digitação em um teclado. A transição ocorre em sintonia com os interesses imediatos de um mercado global articulado por um pequeno grupo de nações hegemônicas. No entanto, a internet não é um refúgio idílico, isento da sedução do capital, nem é totalmente imune ao autoritarismo político, religioso, militar e policial. A rede pode absorver as contradições que os indivíduos, as culturas e sociedades, os sistemas políticos e econômicos trazem em seu interior. É por tais razões que a gestão e o uso público da internet mobilizam em muitos países as organizações e interesses sociais, governamentais e privados. A gestão do ciberespaço deverá alimentar um debate demorado para estabelecer uma legislação internacional que assegure o desenvolvimento, a manutenção e o uso coletivo das tecnologias e meios de informação mundiais. É preciso garantir a participação simétrica dos países na web, de acordo com suas necessidades in ternas. O grande desafio é promover a inclusão de todas as camadas sociais nas “facilidades” do ciberespaço. Este volume apresenta onze artigos originados nas exposições e debates gesta dos nos painéis do segundo encontro da seção brasileira da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Brasil), realizado em Bauru (SP) pelo Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC) de 13 a 15 de agosto de 2008 na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP). O percurso traçado pelos capítulos delineia o panorama das discussões acerca do tema-chave do evento, “Digitalização e sociedade”. No primeiro, Luiz Alfonso Albornoz, presidente da Ulepicc-Federação na gestão 2007-2011, aborda o impacto Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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da digitalização sobre as indústrias culturais, especialmente no setor musical. Os diversos elos da cadeia de distribuição de conteúdos passam por momentos de resistência e adaptação a transformações que parecem irreversíveis, nas quais os papéis e funções são revistos e novos modelos de negócio propostos. A reestruturação do capitalismo tomou a informação e tecnologias vinculadas a sua produção, organização e disseminação como um dos territórios privilégios para sua expansão. Em “A convergência digital e os desatinos do sistema mundo capitalista”, Ruy Sardinha Lopes estabelece relações entre a convergência midiática e os modos de regulação contemporâneos do sistema capitalista, discutindo até que ponto as novas tendências de regulação infraestruturais das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) constituem privilegiados de expansão da acumulação capitalista, como a lógica rentista influi em sua gestão e a Economia Política pode contribuir para analisar o processo. A seguir, Vivianne Lindsay Cardoso e Juliano Maurício de Carvalho propõem uma reflexão sobre a valorização da televisão pública e a ampliação de suas potencialidades com a utilização da multiprogramação, de modo a fazer contraponto ao modelo de negócio arraigado e hegemônico das televisões comerciais brasileiras. Os autores defendem que a televisão pública pode se tornar um importante instrumento para a democratização e o despertar da consciência crítica, autônoma e individualizada do espectador, viabilizando sua participação direta no processo de comunicação midiática. O quarto capítulo, de Valério Brittos e Nádia Helena Schneider, discute a tensão televisão-educação e políticas públicas a ela relacionadas, apontando possibilidades, na televisão digital interativa, para sua contribuição no processo ensino-aprendizagem e construção de novos conhecimentos; apontam, no momento presente de revoluções tecnológicas, a intersecção entre instituição escolar e meios de comunicação de massa como espaço estratégico de ação e reflexão, com papel primordial no desenvolvimento e legitimação de valores e a formação de cidadãos conscientes. “A Economia Política do Coronelismo Eletrônico: categorização dos líderes políticos proprietários de radiodifusão em Minas Gerais”, de Luiz Felipe Ferreira Stevanim e Suzy dos Santos, parte de uma genealogia dos atores políticos ligados ao setor comunicacional no Brasil traçada com base nos deputados federais mineiros detentores de outorgas de radiodifusão para demonstrar uma continuidade e novas significações do coronelismo eletrônico, observando um controle dos veículos fundamentado no poder político, com o enfraquecimento da distinção entre interesses público e privado.

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Na sequência, “A reedição do difusionismo diante da brecha digital: o desafio das regiões na sociedade da informação”, de Francisco Javier Moreno Gálvez, resgata a historicidade das rupturas e continuidades ideológicas ocultas por trás do modelo denominado “sociedade da informação”, surgido como resposta à crise do capitalismo na década de 1970, e ao processo atual em que uma descentralização aparente convive com uma efetiva recentralização, apontando reflexões sobre o possível desenvolvimento das regiões periféricas nesse cenário, em especial aquelas que ocupam lugar subalterno na divisão internacional do trabalho. No sétimo capítulo, Leando Ramires Comassetto, ao considerar a aptidão histórica do rádio para trabalhar questões de proximidade, estabelecendo empatia entre emissora e audiência, promovendo valores e discutindo problemas da localidade em que atua, traça considerações sobre a importância do suporte frente ao curso globalizador, descrevendo um modelo de programação mais adequado às emissoras que pretendam sobreviver e manter relevante sua atuação local, chamando atenção para a necessidade de renovação da linguagem tendo em vista recursos proporcionados pelas TIC. O rádio brasileiro chega aos 90 anos em meio a um cenário de profundas transformações dos meios de comunicação de massa. Com essa questão em mente, Antonio Francisco Magnoni e Juliana Gobbi Betti refletem sobre a vagarosa e indefinida digitalização do suporte radiofônico, oriunda em parte de uma concepção ultrapassada, de caráter ainda getulista, sobre o modelo nacional de radiodifusão e, a partir dos conflitos entre rádio, TICs e a rede mundial de computadores, apontam possibilidades para sua efetiva modernização e incorporação na convergência de plataformas, assim como assimilação dos novos recursos na radiodifusão. A seguir, André Luís Lourenço e Juliano Maurício de Carvalho, em “Clivagem da democracia no plano digital da esfera pública”, propõem uma sistematização do conceito de arena ou microesfera pública, na qual se imbricam as noções de democracia e deliberação, para pensar contribuições, assim como limites, ofertados pelas TICs para estender, em caráter incremental, a participação política da população para o meio digital, notoriamente a internet, considerando a experiência do website Observatório de Botucatu, focado na discussão de questões políticas de ordem municipal. Em “Sistema Público de Comunicação: por uma mídia de todos”, Adilson Vaz Cabral Filho discute a implantação de um sistema de comunicação brasileiro que adotasse efetivamente o modelo público, o qual se entende como plural, polifônico, a partir do que se discute sobre o tópico na academia e organizações sociais, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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apresentando a forma como o conceito é compreendido em ambos os meios e recapitulando os principais marcos regulatórios do setor da comunicação social. Finalmente, “Gestão Pública de Informação do Governo Federal”, de Angela Maria Grossi de Carvalho, traça considerações sobre a gestão da informação por parte do aparelho estatal, tendo em vista as ações públicas de transparência informacional e políticas de inclusão digital do governo federal, discutindo tanto o provimento de acesso quanto de serviços e efetivo conteúdo, a partir da noção de direito e da verificação de efetivas necessidades de informação da população brasileira. Boa leitura! Antonio Francisco Magnoni Juliano Maurício de Carvalho Mateus Yuri Passos

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Prefácio A publicação deste volume representa uma vitória importante da Economia Política da Comunicação brasileira. A União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) nasceu com o século XXI, por obra de um pequeno grupo de pesquisadores, organizados em torno da rede de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação (EPTIC) e da revista Eptic On Line, frutos do ativismo político-epistemológico dos grupos de Economia Política da Comunicação (EPC) da Associação Latino-americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC) e da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), ambos coincidentemente sob minha coordenação em 1999. A luta epistemológica no campo da Comunicação no Brasil impingira ao coletivo uma derrota inesperada com o fechamento, por decisão unilateral da diretoria da INTERCOM, do núcleo original de organização da EPC brasileira, que se reuniu pela última vez no ano 2000, em Manaus. Questionada no interior do campo da Comunicação em nível nacional, a legitimidade da EPC brasileira ficaria demonstrada ao longo dos anos 2000, culminando com o retorno do GT da INTERCOM, dez anos após o fechamento. Entre 2001 e 2002, três encontros, em Buenos Aires, Brasília e Sevilha, terminaram com a constituição da ULEPICC. Dois movimentos importantes seriam então realizados. Um de continuidade da realização dos encontros internacionais, cuja periodicidade passaria a ser bianual a partir de 2003. Aos três primeiros, seguiram-se Caracas, Salvador, México e Madrid. O segundo movimento foi o de constituição de alguns capítulos nacionais, tendo em vista a necessidade de organização legal da entidade como federação internacional. A ULEPICC-Brasil nasce desse propósito e, a partir de então, passaria a tomar uma série de iniciativas que a transformariam numa referência incontornável do pensamento crítico no campo da Comunicação no Brasil. A mesma legitimidade foi conquistada pela ULEPICC-Espanha, que desempenhou, aliás, um papel de primeiro plano na própria criação da Associação Espanhola de Investigadores da Comunicação (AE-IC). Nos dois casos, optou-se pela realização de encontros nacionais bianuais, nos anos pares, para não coincidir com os encontros da federação. Sob a presidência de Valério Brittos, dois eventos nacionais desse tipo foram realizados, um em Niterói, coordenado por Adilson Cabral, outro em Bauru, organizado por Juliano Mauricio de Carvalho e o grupo de pesquisadores do LECOTEC - Bauru. Depois viria o encontro de Aracaju, sob a presidência de Anita Simis e coordenado por Verlane Aragão Santos, e o do Rio de Janeiro, sob a presidência de Ruy Sardinha Lopes e coordenação de Marcelo Kirchinevsky, marcado para outubro de 2012. Este é o segundo livro publicado como decorrência desses eventos nacionais. O primeiro, fruto do encontro de Niterói, este do de Bauru. Estão de parabéns Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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os organizadores. Trata-se da nossa memória coletiva. Quem observar apenas o sumário desta obra notará claramente duas coisas importantes. Em primeiro lugar, constata-se que a EPC brasileira soube definir-se de forma aberta, procurando organizar um conjunto amplo de pesquisadores ligados ao pensamento crítico e de esquerda no campo da Comunicação, entre os quais se incluem muitos vinculados aos antigos grupos de EPC e de Políticas de Comunicação (que também havia sofrido solução de continuidade em 2000), mas também de outras comunidades, como a dos estudos de rádio, ou de comunicação popular e alternativa. Em segundo lugar, nota-se a preocupação em incidir no debate nacional sobre uma questão tão importante como é a da digitalização. É claro que outros eventos tratarão prioritariamente de outros temas, mas o fundamental é que, em cada um deles, esse grupo heterogêneo de pesquisadores, mas todos interessados em fazer avançar o pensamento crítico em Comunicação, se organiza para pensar os grandes temas do campo, numa perspectiva realista e socialmente engajada. A unidade do campo que se vai construindo é, portanto, política no sentido de que epistemologia é política, conforme a enfática definição de Carlos Pérez Soto, mas também no sentido de que o pesquisador, como trabalhador intelectual que é, tem uma responsabilidade política a cumprir, neste caso, com a democratização da comunicação. Pouca dúvida haverá de que a EPC brasileira, e o capítulo brasileiro da ULEPICC em particular, conquistou o seu espaço e a legitimidade que lhe fora questionada em passado não tão distante. Veja-se a sua participação crucial na construção da SOCICOM, em nível nacional, e da CONFIBERCOM, em nível internacional. Veja-se a importância que acabaram por adquirir no campo, vários dos seus fundadores, nacional e internacionalmente. Mas como tudo que é sólido se desmancha no ar, como a luta epistemológica não deixa de pertencer à luta de classes, não se pode descuidar do caráter duplamente político da nossa atividade acadêmica. De um lado, nossa responsabilidade histórica nos exige posicionamento claro e justo em relação aos grandes temas da agenda democrática que envolve a comunicação, em especial aqueles relacionados à construção de uma sociedade mais justa e igualitária. De outro, a posição que acabamos por conquistar no campo acadêmico exige um cuidado muito especial com a construção coletiva da unidade do paradigma da EPC, entendido, por certo, no sentido mais amplo e inclusivo acima referido, e de forma, portanto, flexível e interdisciplinar, mas com a devida vigilância epistemológica que nos afaste da vala comum do ecletismo pós-modernista. Nesse sentido, defenderei com todas as forças a necessidade incontornável de aprofundar o estudo da fonte geral, evidentemente, da crítica da economia política, americano. É preciso ter clareza inclusive, nessa perspectiva, das especificidades da EPC brasileira, em relação às visões europeias ou norte-americanas e isso só se consegue retomando o debate em torno da nossa própria formação. Se ao funcionalismo, que está na origem da chamada Ciência da Comunicação, cedo se contraporia a perspectiva crítica da Escola de Frankfurt, que influenciaria,

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ao lado do estruturalismo althusseriano e das chamadas teorias da dependência, as primeiras contribuições latino-americanas ao campo, inadaptadas, pela própria especificidade do subcontinente, ao modelo originário da sociologia americana, é nossa obrigação lembrar que o pensamento marxista, desde o início, esteve presente no debate. Assim, à contribuição fundadora de Baran e Sweezy, seguirse-ão, ainda na América do Norte, as análises de Dallas Smythe, de um lado, e de Herbert Schiller, de outro, que formarão, ao lado de colegas europeus, como Kaarle Nordenstreng e Tapio Varis, autores da antológica pesquisa sobre os fluxos internacionais de informação, o núcleo da tradição principal da EPC de língua inglesa, organizada no interior da International Association for Media and Communication Research (IAMCR). Em diálogo com a tradição frankfurtiana, aparecerão também, no rastro dos trabalhos de Enzensberger e de Raymond Williams, as atuais escolas inglesa e francesa, de grande impacto no campo internacional, surgidas ambas ao final dos anos 1970 e início dos 1980, ao mesmo tempo em que várias contribuições isoladas apareciam também na América Latina, em diálogo, estas, com as teorias da dependência cultural, que tanta importância tiveram no diálogo global dos anos 1960 e 1970, em favor de uma Nova Ordem Internacional da Informação e da Comunicação (NOMIC) e na Comissão Mac Bride, da UNESCO, aliados na linha de frente com os intelectuais do grupo da IAMCR citados, através inclusive da Asociación Latino Americana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC), que hoje tenho a honra de presidir. A EPC se apresenta, em todos os três casos citados (Inglaterra, França e América Latina), como uma espécie de “recuo crítico” em relação às respectivas tradições de esquerda, propondo entender a Comunicação a partir de uma leitura mais detida da obra de Marx. No caso latino-americano, tratava-se essencialmente de uma crítica às limitações das teorias da dependência e do imperialismo cultural, em parte coincidente com as críticas de autores do campo dos Estudos Culturais. Neste último caso, entretanto, embora, especialmente no início, a perspectiva marxista estivesse presente, predominará um enfoque basicamente sociológico e especialmente antropológico, que frequentemente renegará a EPC, acabando por adotar uma ideologia pós-modernista incompatível com o pensamento crítico. Os primeiros trabalhos que se poderia classificar de EPC, nesse sentido de recuo crítico, serão os de Hector Schmucler, parceiro de Armand Mattelart, Eriberto Muraro, Diego Portales, Patricia Arriaga, Javier Esteinou Madrid e o meu próprio, que datam todos do final dos anos 1970 e início dos 1980. Os primeiros intentos efetivos de organização desse grupo se darão bem mais tarde, e já em diálogo com o resto da EPC e do pensamento crítico comunicacional, com a criação dos referidos GT de Economia Política da ALAIC e da INTERCOM, da rede EPTIC e da revista Eptic On Line. Não tenho por que renegar o orgulho que tenho de haver convocado, mas não posso deixar de citar uns poucos entre inúmeros nomes que se envolveram nessa construção nos anos 1990: Guillermo Mastrini, Francisco Sierra Caballero, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Délia Crovi, Luis Albornoz, Valério Brittos, Alain Herscovici, Ancizar Narvaez, Daniel Hernandez, Murilo Ramos, Othon Jambeiro. E ainda deveria falar de Pasquali, Faraone, Marques de Melo, representantes da geração anterior que nos apoiaram sempre que convocados. Também fora da América Latina encontramos importantes apoios: os Mattelart, Janet Wasko, Gaetan Tremblay. Não é possível citar todos. A ULEPICC é fruto desse esforço organizativo para o qual vêm contribuindo outros inúmeros jovens e novos pesquisadores em diferentes países, entre os quais os autores e organizadores deste belo livro, a quem agradeço a oportunidade de registrar esta mensagem num espaço tão nobre, mais uma peça a ser preservada para a história da organização do campo crítico da Comunicação no Brasil. César Bolaño, junho de 2012.

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A integral digitalização das indústrias culturais: tensões e reestruturações em andamento1 LUIS A. ALBORNOZ Minha intenção, nas próximas páginas, é abordar as relações entre os suportes e redes digitais e as indústrias culturais, por entender que a integral digitalização é um dos principais vetores de transformação das indústrias culturais. Concretamente, vou iniciar por uma tentativa de descrever as mudanças que atravessam o setor da distribuição, comparando aquela feita tradicionalmente com produtos físicos com a realizada por meio das redes digitais. Posteriormente, vou centrar minha atenção na indústria musical para comentar algumas tensões e reestruturações que estão se dando neste setor, um dos mais convulsionados pela inovação tecnológica. Antes de tudo, advirto, devemos ser precavidos, pois estamos diante de um cenário em construção, tanto em nível tecnológico, como, sobretudo, em nível econômico e social. Consequentemente, qualquer conclusão a que possamos chegar deve ser matizada. Uma pesquisa coletiva desenvolvida na Espanha durante o período 2000-2002 sobre a convergência entre as indústrias culturais e redes digitais deu lugar à publicação do livro Hacia un nuevo sistema mundial de la comunicación. Las industrias culturales en la era digital (Bustamante, 2003). Naquela oportunidade, analisamos desde setores tradicionais como o da imprensa diária ou o televisivo, até um novo setor como o dos videogames, porta de entrada dos conteúdos simbólicos digitais das novas gerações. Nos propusemos então a identificar as transformações fundamentais em curso; descobrir quais eram as problemáticas transversais crescentes e os desafios essenciais levantados; e, finalmente, caracterizar o papel dos diferentes agentes, tanto públicos como privados. Constatamos e argumentamos naquele trabalho, que “as mudanças digitais não supõem uma revolução, uma ruptura com a história anterior, mas uma linha de continuidade necessariamente contextualizada e determinada pelas grandes transformações experimentadas pela cultura industrializada, especialmente nos anos 1980 e 90” (Bustamante, 2003: 333). A pesquisa chegou à conclusão de que “o estudo dos diferentes produtos e serviços culturais e comunicativos não avaliza em nenhum 1 Texto baseado na conferência inaugural do II Congresso da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura do capitulo Brasil (ULEPICC-Brasil), 13 de agosto de 2008, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Bauru, São Paulo. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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caso uma visão substitutiva dos antigos suportes e redes pelos novos até onde o horizonte experimental possa indicar, mas uma passagem de longa coexistência, com amplos reajustes que mal acaba de começar” (Bustamante, 2003: 334). Apesar de essas conclusões renegarem o uso da palavra “revolução” para definir a atual etapa das indústrias culturais, atestamos, sim, importantes mudanças, em diferentes níveis, que estão transformando a paisagem na qual estas se desenvolvem.

DISTRIBUIÇÃO: UM CENÁRIO COMPLEXO Uma das transformações fundamentais se dá na fase de distribuição de bens e serviços produzidos pelo conjunto das indústrias culturais. Análises provenientes tanto do setor acadêmico como profissional sobre o modo de funcionamento das indústrias culturais ressaltam o papel desempenhado nessa fase. Geralmente concentrada em poucos agentes, a distribuição vem ganhando protagonismo, ao ponto de ser considerada o “gargalo” das indústrias culturais. Esta metáfora alude ao fato de que são criados e produzidos mais conteúdos do que aqueles que efetivamente chegam a ser distribuídos. Além disso, o poder do distribuidor é determinante para as condições de promoção e emissão/exibição de um determinado produto. Para os criadores de produtos culturais, o fato de dar à luz às suas criações não é suficiente. Eles precisam contar com canais de distribuição/ exibição adequados para que suas obras possam ser conhecidas e, potencialmente, consumidas. Portanto, a distribuição se converteu, ao longo do século passado, em uma fase estratégica para que as obras simbólicas possam chegar ao encontro de seus públicos. Neste sentido, a análise dos monopólios/oligopólios e dos processos de concentração que se situam no nível de distribuição tem sido uma das tradicionais preocupações da economia política da comunicação. Se observarmos a paisagem cultural e comunicativa atual, veremos que nos encontramos frente a um cenário complexo no qual coexistem as clássicas redes de distribuição física junto às novas redes de distribuição digitais (me refiro à internet, evidentemente, mas também às redes digitais de rádio e televisão e de telecomunicações de celulares, complementadas por uma série de dispositivos de armazenamento, produção e reprodução de conteúdos como telefones celulares, agendas eletrônicas pessoais, iPod, pen-drives, mp3 e mp4, etc.). É verdade que atualmente a maioria dos conteúdos é distribuída por meios físicos, mas temos que admitir que a distribuição e a oferta de serviços por meio das novas redes digitais estão em permanente crescimento. Elas oferecem conteúdos

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digitais de diferentes tipos (filmes, séries de televisão, livros, músicas, fotografias, jornais, etc.) e oferecem a possibilidade de potencializar a oferta das produções existentes que se encontram plasmadas em suportes físicos. Essa disponibilização heterogênea está sujeita a diversas condições de acesso: desde a gratuidade até distintas modalidades de pagamento. No entanto, alguns estudos realizados em países como a Espanha estão sinalizando a fragilidade da internet como um canal comercial para as vendas online, tanto de conteúdos digitais como de conteúdos em suportes físicos. Esta fragilidade deve ser estudada com certo cuidado, pois são numerosas as variáveis que entram em jogo. À desconfiança que os métodos de pagamento via internet despertam em muitos consumidores, se somam, por exemplo, a existência de uma grande diversidade de sites que oferecem conteúdos livremente ou o estendido emprego de redes p2p (peer-to-peer) que permitem descargas gratuitas de todo tipo de conteúdos.

DISTRIBUIÇÃO FÍSICA VS. DISTRIBUIÇÃO DIGITAL A seguir, apresentarei uma série de variáveis a considerar que podem nos ajudar a encontrar semelhanças e diferenças entre a distribuição física e a digital da produção cultural e informativa.

CUSTOS IMPLICADOS Ao computar os custos relacionados com a distribuição tradicional, observamos que, em primeiro plano, existem altos custos na fase de produção derivados da inscrição das distintas criações nos próprios suportes materiais, e de seu posterior armazenamento. Num segundo plano, encontram-se os custos relacionados com a fase de distribuição desses produtos físicos – por meio do transporte rodoviário, por barco e/ou avião – até os diferentes pontos de acesso público (redes de venda, aluguel e empréstimo). Em último lugar, há os custos relacionados com o armazenamento nos diferentes pontos de acesso ao público. O fato de os produtos inseridos em um suporte físico ocuparem espaço e terem um peso específico fez com que os principais agentes das indústrias culturais passassem a desenvolver poderosos aparatos logísticos de grande alcance e rápida operacionalidade. Pensemos, por exemplo, no caso da editora de um jornal que a cada dia deve movimentar grandes volumes de papel por meio de um determinado espaço geográfico, ou na estreia cinematográfica de um blockbuster Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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hollywoodiano com cópias distribuídas simultaneamente em nível internacional. Evidentemente, frente a este sistema de distribuição que apresenta custos que poderíamos qualificar como “altos”, a distribuição por meio de redes digitais, ao prescindir de suportes físicos, oferecem custos extremadamente baixos. Nesse sentido, “uma consequência teórica do fenômeno da distribuição online é a assimilação do conjunto das indústrias culturais à natureza econômica assinalada já há alguns anos na cultura do fluxo rádio-televisivo: custos fixos elevados, mas os custos por consumidor são marginais ou nulos (desviando os custos da rede)” (Bustamante, 2003: 336). Assim, partindo do ponto do ponto de vista dos custos envolvidos em um e outro sistema de distribuição, torna-se evidente uma vantagem significativa a favor da distribuição digital.

CARACTERÍSTICAS DO SUPORTE No mundo da distribuição física os conteúdos se encontram materializados em um suporte físico determinado: papel, filme de 35 milímetros, VHS, DVD, etc. Estes suportes são afetados em diferentes graus pela própria passagem do tempo, pelas condições de armazenamento às quais estão submetidos e pelo tipo de uso e cuidados que se lhes dá. Neste caso, a possibilidade de usufruto de um mesmo conteúdo por parte do consumidor está ligada à “durabilidade” ou à vida útil do respectivo suporte físico. Assim, é possível distinguir entre aqueles suportes “mais nobres”, ou seja, que oferecem uma menor alteração com o passar do tempo e seu consumo (pensemos, por exemplo, nos papiros egípcios com mais de 4.000 anos), e aqueles suportes “menos nobres”, cujo uso intensivo pode chegar à sua própria destruição, impossibilitando, consequentemente, o consumo de conteúdos a ele ligados (pensemos, por exemplo, nas quase extintas fitas cassete). No caso da distribuição online, os conteúdos informativos e culturais prescindem de suportes físicos. Alojada em dispositivos e redes digitais, a produção desmaterializada (arquivos cujo peso se mede em bits, acrônimo plural das palavras inglesas binary digit) apresenta uma vida útil que tende ao infinito e que não se altera a partir de uma reprodução e consumo intensivos. No entanto, encontramos vozes de alguns criadores – como a do fotógrafo húngaro Balazs Gardi, ganhador da edição 2008 do prêmio do World Press Photo (Perea, 11 jul. 2008), na categoria notícias – que alertam sobre a fragilidade do armazenamento de conteúdos em discos rígidos, pendrives ou cartões de memória, e assinalam as possibilidades de perda de conteúdos devido a falhas técnicas. As novas possibilidades tecnológicas estão propiciando a digitalização de acervos

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históricos que se encontram em diversos suportes físicos (livros, jornais, filmes, gravações sonoras, etc.). Dessa forma, os distintos agentes implicados perseguem a preservação e difusão do patrimônio informativo e cultural. Enquanto alguns destes estão interessados em salvaguardar o acervo das diversas expressões culturais para as próximas gerações, outros veem nas redes e suportes digitais um canal para a renovada exploração comercial de conteúdos. Neste aspecto se destaca o trabalho da UNESCO por meio de seu “Programa memória do mundo” que inclui, entre outros recursos, a digitalização das gravações originais de Carlos Gardel (1913-1935); a “Coleção Teresa Maria Cristina”, de fotografias do século XIX pertencentes ao imperador Dom Pedro II (doadas à Biblioteca Nacional do Brasil); ou o “Arquivo do fonograma de Berlim”, composto por documentos sonoros (em cilindros de Edison) de música tradicional do mundo de 1893 a 1952. No caso das empresas comerciais, podemos citar o polêmico projeto da companhia Google Inc. que, em dezembro de 2004, anunciou um acordo com cinco grandes bibliotecas anglo-saxãs (Harvard, Stanford, Michigan, Oxford e New York Public Library) para digitalizar a parte mais valiosa de seus respectivos acervos.

AMPLITUDE DO MERCADO No caso da distribuição física, esta se encontra limitada a uma região geográfica determinada, fato que se relaciona diretamente com a particular economia das indústrias culturais. A relação custo-benefício faz com que a distribuição física de conteúdos e a implantação de uma rede de pontos de acesso público sejam economicamente inconvenientes para além de uma determinada área geográfica. Este fato deu lugar a uma particular geografia cultural-informativa: por um lado, grandes centros urbanos que aglutinam milhões de potenciais consumidores em reduzidas áreas geográficas e que concentram uma rica oferta de bens e serviços informativos e culturais, logo, com um maior grau de diversidade de expressões; por outro, localidades de tamanho médio e pequeno e zonas rurais que têm, em diferentes medidas, acesso a uma oferta mais restrita. Em decorrência dessa patente assimetria, verificada em diferentes países e em diferentes períodos históricos, as administrações públicas passaram a fazer intervenções com a finalidade de reduzir a brecha existente entre as distintas áreas. Tendo em vista este panorama, as redes digitais, em geral, e a internet, em particular, amplificam a oferta de conteúdos a uma escala internacional. Dessa forma, é possível ler as notícias da Folha de São Paulo ou escutar as músicas da Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Rádio UOL de qualquer lugar do planeta onde exista conexão à internet. No entanto, devemos ser cautelosos. Potencialmente em condições de viabilizar uma oferta de conteúdos para todos, para além do lugar geográfico onde uma pessoa se encontre, as atuais condições e dados relativos à expansão da internet demonstram um reforço da desigual situação analógica, tanto ao nível das regiões e países, como ao das grandes metrópoles e demais localidades.

DISPONIBILIDADE DE CONTEÚDOS A forma tradicional de distribuição física tem se concentrado em tornar disponíveis aqueles produtos que têm um maior consumo efetivo e potencial (hits, best-sellers, blockbusters, etc.), relegando a espaços marginais os que não apresentam um consumo massivo por considerá-los abaixo do mínimo economicamente viável. Por sua vez, a concentração em vendas em escala massiva que apontam para um fluxo de consumo rápido e contínuo, somada aos custos de armazenamento nos pontos de venda ao público, dá lugar a uma alta rotatividade de conteúdos. A distribuição e os pontos de acesso público são, em geral, segmentados, apresentam uma quantidade determinada de títulos, pois não existe possibilidade financeira nem física de oferecer todas as criações que são produzidas periodicamente. Por exemplo, no setor editorial “em espanhol são produzidos anualmente cem mil títulos (…) nenhuma livraria pode acumular essa quantidade de textos” (Palapa Quijas, 30 jan. 2006). Já no caso da distribuição online, os baixos custos de empacotamento favorecem uma maior disponibilidade de conteúdos e com larga duração. Ainda assim, esta disponibilidade de conteúdos reforça o processo de fragmentação do consumo informativo e cultural: trata-se de múltiplos mercados minoritários ou de nichos em escala internacional. No entanto, não podemos esquecer a existência de fatores linguísticos e culturais que podem limitar o consumo efetivo. Nos últimos anos o setor empresarial e os meios de comunicação popularizaram a expressão the long tail - a cauda longa, em português - (Anderson, 2006) para referir-se à demanda de produtos culturais nas redes digitais. Esta expressão, criada por Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, é uma referência à forma gráfica da curva de distribuição da demanda de conteúdos culturais no contexto digital, tendo em consideração duas variáveis: consumo e conteúdo. O resultado gráfico é uma prolongação inferior e muito longa em relação à cabeça: the long tail. Nesse sentido, o setor empresarial captou a mensagem de que a soma do

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conjunto de produtos minoritários pode formar um mercado significativo e, por conseguinte, comercialmente atrativo. Assim, as redes digitais estão, ao mesmo tempo e por meio de distintas formas, disponibilizando o acesso tanto aos conteúdos de consumo massivo como aos de conteúdo de nicho. Isto se traduz em agentes que apresentam catálogos online, associados a potentes motores de busca, formados por milhares de referências. Por sua vez, conteúdos e redes digitais também abrem as portas ao consumo sob encomenda (on demand), uma possibilidade até o momento pouco explorada. Assim, por exemplo, “uma vantagem óbvia é a de recuperar livros esgotados e fora de catálogo, que não voltarão a ser publicados. A Amazon adquiriu há algum tempo uma empresa gráfica, com a escala ajustada para publicar cópias únicas, sob pedido, de livros que, de outra forma, estariam condenados” (Bullón, 2007).

PONTOS DE ACESSO PÚBLICO No caso da distribuição física, a oferta de conteúdos informativos e culturais está disseminada em diferentes pontos de acesso público: grandes superfícies, pequenas lojas generalistas e especializadas, quiosques, bibliotecas, midiatecas, locadoras de filmes, etc. É nesses espaços onde se estabelecem relações de contato direto, cara a cara, entre quem oferta produtos e entre os potenciais consumidores. É nessa relação onde a assessoria que o consumidor recebe pode chegar a ser chave para aplacar a incerteza que existe na escolha de qualquer produto cultural. No caso dos locais de venda de produtos, esse encontro é um dos pontos mais sensíveis e chave para orientar a compra. O estudo do espaço e das relações aí incide na elaboração e planejamento de estratégias empresariais. As companhias mais importantes do setor distribuição-venda investem na formação e treinamento de seus trabalhadores (força de vendas), e impulsionam o desenvolvimento do marketing no ponto de venda (merchandising), com a gestão da variedade de produtos. A distribuidora multinacional francesa FNAC2 (que em 1999 abriu em São Paulo sua primeira megastore fora da Europa) é um bom exemplo do que dissemos acima: oferece treinamento aos seus vendedores (que não recebem comissão 2 O grupo FNAC (Fédération Nationale d’Achat des Cadres), criado em 1954, faz parte do Grupo PPR (Pinault-Printemps-Redoute), também formado pelas multinacionais Conforama, Redcats, CFAO e pelo Grupo Gucci. Atualmente é o maior distribuidor europeu de produtos técnicos e culturais com mais de uma centena de lojas em todo o mundo. Presente em oito países europeus, e ainda no Brasil e em Taiwan. Em 2005, a FNAC faturou 4.400 milhões de euros. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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pela venda), serviço pós-venda para produtos eletrônicos e cartões de fidelidade que permitem financiar compras e obter descontos, convites para shows e préestreias de cinema e de teatro; e também fazer reservas de entradas por telefone. No caso dos pontos de acesso virtuais, existe uma grande variedade de websites, comerciais e não comerciais, e programas que oferecem conteúdos de todo tipo. Desde portais agregadores de conteúdos (cujos direitos de exploração comercial estão em mãos de outros agentes) até sites alimentados de forma colaborativa por usuários. Nesse sentido, a relação com o consumidor à margem das tradicionais distribuidoras permite, ao menos potencialmente, “um renascer do papel de novos agentes e de pequenos e médios atores econômicos, criadores incluídos” (Bustamante, 2003: 337). De todas as formas, na paisagem digital o contato está mediado pela tecnologia. Nesse sentido, são dois os problemas principais que qualquer agente enfrenta na internet. Em primeiro lugar, devem atrair e facilitar o contato de potenciais consumidores com diferentes conhecimentos de informática. Em segundo, devem apresentar de forma atrativa um catálogo amplo de produtos sem saturar seus visitantes e potenciais consumidores. Nos níveis internacional (iTunes, de Apple; o Amazon) e também nacional, é possível identificar uns poucos operadores consolidados que abarcam a maior quantidade de consultas e vendas na internet. Produtores e empacotadores de conteúdos são protagonistas de uma intensa concorrência, tanto no terreno analógico, como no digital. Conseguir entrar no círculo virtuoso do esquema notoriedade-prestígio-confiança-vendas é o objetivo de todos eles.

PAPEL DO CONSUMIDOR Do ponto de vista do consumidor de produtos informativos e/ou culturais, no terreno analógico é preciso investir/gastar uma determinada quantidade de tempo e energia vital, até que ele adquira o produto de seu interesse. Tempo e energia que podem ser medidos no deslocamento físico aos pontos de acesso público ou no tempo empregado na escolha e busca de um determinado conteúdo. Uma prática dos consumidores habituais é o desenvolvimento de rotinas de busca. Frequentar lugares como livrarias, bancas ou lojas de discos, somado à consulta de determinadas publicações, permite aos consumidores estar a par das novidades. Do contrário, a oferta e distribuição de conteúdos por meio das redes digitais implicam para os consumidores uma economia de tempo e energia vitais. No

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entanto, uma oferta ampla “a um clique de distância” – como costumamos escutar – estimula comportamentos extremamente voláteis, que constitui um problema para as empresas interessadas. Em contraposição, devemos assinalar a desvantagem para amplos setores populacionais que carecem de falta de manejo das ferramentas de gestão adequadas. A busca na internet ou os downloads de programas informáticos que permitem ler, escutar ou ver os conteúdos, são tarefas que não estão ao alcance de amplos setores da população. Nesse sentido, o setor informático – com uma lógica de inclusão comercial – trabalha na elaboração de programas com interfaces amigáveis que, pela sua simplicidade tornam-se de fácil uso. Por sua vez, o setor público – às vezes de maneira aleatória – programa planos de alfabetização digital destinados aos diferentes coletivos sociais.

FORMAS DE CONSUMO Por fim, cabe destacar que as indústrias culturais trabalham desde sempre na estandardização de formatos da produção simbólica com a finalidade de facilitar sua comercialização massiva. De forma tal que, tradicionalmente, o consumo de conteúdos se dá por pacotes: um filme, uma série de televisão dividida em capítulos sequenciais, um jornal com suas editorias fixas, uma gravação fonográfica com determinadas músicas, etc. Por sua vez, o consumo por meio das redes digitais apresenta uma flexibilidade muito maior. Assim, o consumidor pode optar por um consumo enquadrado nos cânones tradicionais ou optar pelo consumo de formatos variáveis (uma cena, a aparição de um ator em diferentes filmes, uma música, etc.). Ainda assim, o alto grau de maleabilidade dos conteúdos digitais possibilita sua modificação, mescla e cópia. Por outra parte, a compressão digital, unida às redes e suportes digitais, aumenta consideravelmente a portabilidade e ubiquidade de conteúdos. Todo esse conjunto de mudanças está na base da ameaça que sofrem os tradicionais distribuidores que operam no marco analógico.

O SETOR MUSICAL: LABORATÓRIO DE DEBATES Depois de arrolar as principais semelhanças e diferenças existentes em nível teórico entre a distribuição física de produtos culturais e informativos e a digital,

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gostaria de me referir às mudanças que atingem o setor musical. No interior dos diferentes efeitos das redes digitais, segundo os diversos setores culturais ou comunicativos, a indústria fonográfica revela um “caráter pioneiro nas batalhas entre agentes culturais e de outros setores (informática, telecomunicações) e paralelamente de novos modelos de negócio”. Ainda assim, “o duplo problema dos direitos autorais e os hábitos dos usuários se evidenciam aí de forma crua, adiantando a pugna geral futura de interesses particulares e interesses públicos” (Bustamante, 2003: 14). Chegado a este ponto, devemos fazer uma ressalva importante. As apreciações gerais que apresentarei a seguir versarão sobre o setor musical denominado “música popular” que concentra a maior parte dos recursos, é a mais consumida e está sendo afetada com mais força pelos suportes e redes digitais. Para dar dois exemplos, distinta é a situação de nichos de mercados muito definidos como podem ser os da “música erudita”, pouco marcada pelas mudanças atuais, ou a “música eletrônica”, cuja história, sim, está intimamente ligada às novas tecnologias3. O tradicional mercado musical se assenta sobre a base de dois pilares que geram os mais destacados ingressos econômicos desta indústria: a comercialização massiva de obras gravadas em diferentes suportes físicos (discos, cassetes, CD), reproduzíveis em distintos equipamentos, e os direitos econômicos que incidem sobre o uso público dos fonogramas. O mercado de obras gravadas em suporte físico é um oligopólio no qual a distribuição é controlada por grandes conglomerados multinacionais: Universal Music Group, Sony / BMG Entertainment, EMI Group e Warner Music Group. Estes quatro grupos fonográficos controlam mais de 70 por cento do mercado de suportes físicos da música e possuem catálogos formados por centos de selos próprios e associados. Por sua vez, os direitos econômicos que incidem sobre o uso público dos fonogramas estão em mãos de sociedades privadas de âmbito nacional. Trata-se, geralmente, de organizações sem fins lucrativos que gerenciam o pagamento e a distribuição dos direitos autorais de compositores e intérpretes, e que também

3 Estas diferenças também se verificam em outras indústrias culturais; por exemplo, no interior do setor editorial, até o momento, o impacto causado pela internet no subsetor das publicações científicas não tem sido o mesmo que no das novelas. Enquanto as publicações acadêmicas têm encontrado na internet novas dinâmicas de trabalho e uma oportunidade de maior impacto na comunidade científica internacional, em que muitos editores até cogitam a conveniência de abandonar a edição em suporte papel e investir esses recursos em outros aspectos; os cimentos da distribuição tradicional e as estratégias mais correntes (campanhas promocionais de best sellers, listas de mais vendidos ou prêmios literários) ligados aos romances, não se vêm alterados.

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cuidam dos interesses dos editores musicais. No entanto, o modelo comercial e jurídico de propriedade intelectual, forjado durante o século passado está sendo atualmente alterado principalmente por três fatores: 1) o aumento da distribuição online por meio de redes (telecomunicações, internet) e programas informáticos (p2p) que se servem destas; 2) as mudanças nas tecnologias, entre as quais cabe assinalar as redes digitais com uma maior banda larga e; 3) a melhora dos dispositivos terminais móveis: telefones celulares e dispositivos portáteis digitais vários (mp3, mp4, iPod, etc.).

RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS Diante das mudanças pelas quais o setor atravessa, as grandes companhias fonográficas e as sociedades gestoras de direitos autorais se apresentam como os principais agentes conservadores, que se colocam contra algumas das mudanças em curso. Estes atores pretendem uma translação automática das relações e das condições que sustentaram ao longo do século XX o desenvolvimento em escala massiva da indústria fonográfica. A prova mais palpável destas mudanças é o fato de que “a música está em todos os lados” enquanto as vendas de fonogramas gravados em suportes materiais caem. Na Europa ocidental, caiu de 14,03 bilhões de dólares de ingressos em 2001, para 11,53 bilhões em 2005, uma queda de mais de 2,5 bilhões de dólares. As causas desta queda são atribuídas tanto às vendas de cópias digitais de música fora do mercado legal como aos intercâmbios e downloads gratuitos de fonogramas. Portanto, o combate contra a compra-venda de cópias “piratas” e os downloads gratuitos por meio da Internet se apresenta como uma prioridade para aqueles agentes com uma posição dominante no mercado fonográfico. A postura sustentada pelo setor coorporativo e por governos é que “a generalização da gratuidade ilegal tem um custo coletivo para as indústrias culturais, para os criadores e para a nação” (Oliviennes, 2008: 24). Em consequência, os principais atores da indústria musical vêm investindo valiosos recursos materiais e humanos, e articulando esforços em escala internacional (por exemplo, temos a celebração do Fórum Ibero-americano da Propriedade Intelectual, FIPI, auspiciados pela Secretaria Geral Ibero-americana, SEGIB, no qual participam jornalistas, juristas, legisladores e acadêmicos experts em propriedade intelectual de países ibero-americanos) na luta contra a “pirataria”. São quatro as frentes de ação identificáveis onde se desenvolvem as estratégias de luta contra a denominada “pirataria”: a) a educativa, b) a legislativa, c) a judicial Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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e policial, e d) a tecnológica. No plano educativo pretende-se fomentar entre os usuários o “uso responsável da Internet” e conseguir a “colaboração” dos provedores de serviços digitais. Nessa direção foram criadas campanhas de sensibilização social sobre os efeitos perniciosos da “pirataria digital”, campanhas que utilizam múltiplos suportes publicitários (televisão, imprensa diária e publicações especializadas, vídeo, cinema, rádio, outdoor, cartazes, etc.). Muitas destas campanhas criminalizam a estendidos usos sociais, como o download de fonogramas ou de outros conteúdos por meio da internet. Atualmente, com os dados do crescimento dos downloads gratuitos, algumas vozes interessadas nessa questão se perguntam se este tipo de campanha agressiva não teve o efeito contrário ao desejado. Na ordem legislativa, o objetivo das grandes companhias fonográficas e das sociedades gerenciadoras de direitos é o de exercer influência na promulgação de leis “adaptadas às novas tecnologias”. Isto se traduz, por exemplo, na tributação dos suportes e dispositivos, mais conhecido como “cânon digital”. A carga impositiva foi-se estendendo dos CDs virgens aos reprodutores mp3 e aos pen drives, entre outros dispositivos. Os beneficiários deste imposto são os autores e as sociedades de gestão de direitos, enquanto um amplo conjunto de fabricantes de equipamentos e de usuários de equipamentos de informática se manifesta contra. No entanto, a imposição de um “cânon digital”, uma tributação que é motivo de controvérsia, já que não existe em todos os países nas regiões que desejam ajustar as suas legislações nacionais. É o caso da União Europeia, onde não existe uma política comum a respeito. No nível judicial-policial, busca-se um maior protagonismo do aparato repressivo do Estado, tanto por meio de uma maior rapidez nas ações judiciais como de um aumento do corpo policial envolvido na luta contra a “pirataria”. As demonstrações públicas de destruição de cópias não autorizadas de CDs e DVDs se converteram em cartões postais do início deste século. A estes singulares encontros organizados pelos corpos policiais, não faltam jornalistas de distintos meios e membros das diretorias de sociedades gestoras de direitos autorais e industriais. Finalmente, no plano tecnológico se defende a necessidade de empregar as tecnologias vigentes com o fim de estabelecer um “mercado limpo e livre de concorrência”. Isto se traduz no desenvolvimento, por parte de provedores de conteúdos offline e online de dispositivos tecnológicos, conhecidos como sistemas de gestão de direitos digitais ou DRM (siglas de Digital Right Managment) cuja finalidade é impedir a cópia de conteúdos musicais e/ou a utilização de um mesmo conteúdo em diversos dispositivos. No entanto, na prática, os sistemas de DRM foram derrotados quando utilizados por muitos consumidores.

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Como é possível perceber, as ações que se desdobram nesses quatro diferentes planos inter-relacionados não diferenciam aquelas práticas com fins lucrativos e aquelas que não perseguem benefícios econômicos. Portanto, se criminalizam práticas sociais de distribuição e consumo musical que se expandem em escala internacional, à medida que a internet aumenta seu grau de penetração. Refirome, por exemplo, ao intercâmbio de conteúdos por meio das redes p2p. Para termos uma ideia da magnitude das referidas práticas, no setor musical só cinco por cento dos 20 mil milhões de arquivos musicais que circulam anualmente são vendidos (Attali, Oliviennes, 2008: 4).

ADAPTAÇÃO AOS CÂMBIOS É perceptível que a redução do mercado tradicional vem acompanhada de uma forte ascensão da importância das novas tecnologias. Na renovada paisagem tecno-cultural encontramos novos agentes e práticas sociais que se beneficiam das mudanças em marcha. Entre os defensores do novo cenário da música digital encontramos tanto agentes tradicionalmente alheios ao setor (como empacotadores de conteúdos ou empresas de telecomunicações) como criadores e intérpretes não inseridos no mercado. Por sua vez, são também defensores das transformações que está sofrendo o mercado musical amplos setores dos públicos que experimentam a “sensação” de ter ao seu alcance uma oferta de conteúdos ampla, diversa e gratuita (ou a um preço baixo). Nesse caso, sublinho a palavra “sensação”, pois não podemos esquecer que parte substancial dos custos associados ao funcionamento das redes e outros dispositivos digitais recai sobre os usuários: custos de conexão, equipamento de informática, software adequado e atualização do mesmo, proteção antivírus, etc. No caso dos criadores ou intérpretes musicais fora do mercado tradicional, ou seja, que não passaram pelas mãos de uma discográfica nem tenham pisado um estúdio de gravação “profissional”, a difusão de suas obras se encontra vinculada a websites como MySpace ou YouTube, para citar dois dos mais conhecidos e utilizados. Em consequência, a difusão dessas criações não se vê limitada pelas restrições e custos próprios da distribuição física de suportes e tem um alcance internacional. Se no modelo tradicional era necessário primeiro ser um “campeão nacional” para depois tentar ultrapassar as fronteiras, na era das redes digitais, as coisas não funcionam assim. Na Europa ocorre um fenômeno particular: a internet e as companhias aéreas de baixo custo (conhecidas como companhias low cost) se unem para influir na Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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cena musical ao vivo em várias cidades. Artistas que colocam suas criações na rede sem nunca ter editado um álbum, são contatados e contratados diretamente por produtores de espetáculos musicais para realizar suas performances. Estas, por sua vez, são divulgadas normalmente por meio de mensagens via e-mail e redes sociais que incluem links para músicas e vídeos que o artista em questão possui na internet. Dessa forma, os conteúdos alocados na rede servem para ativar um duplo mecanismo de promoção: em função de gestores e programadores de espaços culturais, e em função de públicos consumidores. Por sua vez, as companhias de telecomunicações são um bom exemplo de novos agentes beneficiados pelo novo cenário digital da música. A banda larga de celular está contribuindo para a consolidação de um novo canal alternativo: a distribuição wireless. O informe On Media. Recorded Music – Who benefits from digital (George; Bell, 2008) da consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), que foi dado a conhecer em abril de 2008, revela que os downloads de música por meio de telefones celulares se converteram na principal fonte de ingressos para a indústria discográfica europeia. No novo cenário, o telefone celular abriu as portas do mercado da música às empresas de telecomunicações ou companhias criadas recentemente, dedicadas aos conteúdos para telefones celulares. A passagem do download de ringtones a canções standard parece ser o prelúdio de novos tipos de conteúdos, como a retransmissão de atuações musicais ao vivo em alta definição. Enquanto em alguns países a provisão de serviços audiovisuais por parte de empresas de telecomunicações continua proibida – não sem polêmica –, em outros contextos nacionais (como o espanhol), a concorrência entre operadoras de televisão hertziana, por satélite ou por cabo com as empresas telefônicas é moeda corrente. A retransmissão ao vivo a cargo de uma operadora de telecomunicações (como Orange) de um concerto musical se realiza simultaneamente para os clientes de sua rede de telefonia móvel, de seu pacote de sinais de televisão e de seu website.

A MÚSICA AO VIVO: MERCADO EM ALTA Frente à queda das cifras de venda de fonogramas em suporte físico, os “mercados derivados” vêm ganhando força. É o caso da música ao vivo. As turnês continentais de músicos e a celebração de festivais multinacionais se multiplicaram, enquanto

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os preços das entradas sofreram um aumento significativo4. No funcionamento tradicional da indústria fonográfica, a maior parte dos benefícios obtidos por atuações ao vivo iam parar nas mãos dos artistas, enquanto as gravadoras alimentavam suas vendas de gravações em suportes físicos. Esta clássica divisão também está se desfazendo: os termos estipulados entre as empresas e os músicos estão sendo redefinidos. Tendo em vista a crise do suporte físico de gravação, as companhias denominadas “fonográficas” ou “gravadoras” (ambos os termos são hoje questionados) estão desenvolvendo áreas de negócios ou empresas “irmãs” a cargo da gestão de carreiras artísticas. Isto inclui tanto a promoção de artistas e intérpretes em diferentes níveis (inserção de publicidade, contato com os tradicionais meios de comunicação, presenças na internet, meios especializados, etc.) como o planejamento de suas agendas (atuações ao vivo, solo e em festivais) e a estrutura técnica dos shows. Ainda assim, hoje as gravadoras estão incluindo cláusulas nos contratos segundo os quais os artistas têm que ceder às companhias um percentual do lucro de seus shows. Assim as companhias se transformaram em gestoras dos artistas, cuidando de tudo aquilo que gera lucro: merchandising, direitos de imagem, CDs, DVDs e, principalmente, shows. As discográficas tradicionais e novas não são as únicas que estão tomando conta do novo filão das atuações ao vivo. Entidades financeiras e fundações de grandes empresas vêm ganhando espaços no terreno do marketing cultural e entrado com força no mundo das atuações ao vivo. Para alguns destes novos agentes, as esferas da informação e da cultura são meros “mercados” onde aplicar “estratégias de êxito” com a finalidade de obter benefícios simbólicos. Alguns festivais se transformaram em marcas e deram início à sua peculiar transnacionalização. Rock in Rio é um bom exemplo. Em julho de 2008 ocorreu em Arganda del Rey, cidade de 50.000 habitantes situada a 30 quilômetros de Madrid, o maior festival de música jamais celebrado na Espanha. Com um orçamento de 30 milhões de euros, o Rock in Rio foi qualificado pelo diário espanhol de maior circulação, El País, como “o grande negócio da música”. Nesta “outra Disneylândia”, quem pagou a entrada de 65 euros por dia (algo em torno de 160 reais) teve à sua disposição “um amplo leque de atividades: gravar um disco financiado por uma marca de rum, ver desfilar Martina Klein ou Verónica Blume, comprar roupa nos dois centros comerciais (existentes na cidade do rock), comer um creme de ervilhas 4 Durante o período compreendido entre os meses de janeiro e junho de 2008, as turnês musicais nos Estados Unidos, principalmente as de pop e rock, tiveram uma renda bruta de 1,05 bilhões de dólares. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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com lâminas de parmesão no restaurante VIP, ou casar-se ‘ao estilo Las Vegas’ em uma igreja patrocinada por uma marca de preservativos” (Portela, 27 jun. 2008). Mediante às críticas que advertiam que as empresas comerciais e suas marcas primavam sobre a música – o mercado sobre a cultura –, o criador e diretor do festival, Roberto Medina (organizador da apresentação de Frank Sinatra no Brasil, em 1980, para 144 mil pessoas) explicava: “A marca Rock in Rio é um evento entre o marketing e a música. Sempre foi assim. Desde o princípio. Eu não sou um promotor de concertos nem um roqueiro”. Complementarmente, as autoridades locais festejavam: “Será uma ocasião perfeita de promoção, mas também de impulso econômico da cidade”. Do ponto de vista do consumidor, a presença em atuações de artistas ao vivo está ligada à produção de vivências e de experiências únicas. Como assinala Herschmann (2007: 16): (…) a música ao vivo vem crescendo em importância dentro da indústria da música e isso está relacionado ao valor que esta ‘experiência’ tem no mercado, isto é, à sua capacidade de mobilizar e seduzir os consumidores e aficionados: a) a despeito do preço a se pagar (muitas vezes bastante alto) para assistir ao vivo às performances; b) e da alta competitividade que envolve as várias formas de lazer e entretenimento na disputa de um lugar junto ao público hoje no cotidiano). Por outra parte, associados às atuações ao vivo temos as gravações e posterior comercialização material e imaterial, como a retransmissão ao vivo por meio de múltiplos suportes. Um exemplo: em 2007, o site Medici.tv (filial da sociedade estadunidense Medici Arts, proprietária de um catálogo importante de DVD, com 1.500 horas de vídeo, e de fundos de arquivos musicais) retransmitiu ao vivo o Festival de Verbier, anualmente realizado na Suíça. Este ano se repetiu a experiência empregando câmeras automatizadas e de alta definição. A qualidade das retransmissões torna possível que se possa conectar a equipamentos de som ou televisores para desfrutar completamente dos conteúdos.

DOS TRADICIONAIS “GUIAS” DE CONSUMO ÀS “COMUNIDADES VIBRANTES” Tradicionalmente a rádio, as publicações periódicas e a televisão (ainda antes da chegada da MTV) eram os canais mais habituais para promover carreiras artísticas

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e publicitar obras musicais. Hoje, a irrupção dos dispositivos e as redes digitais estão pondo em dúvida a relação habitual entre artistas e audiências, minando o poder de prescrição dos tradicionais meios de comunicação; ou seja, limitando a incidência destes no consumo de criações musicais. Além disso, o contato entre artistas e públicos, ao menos potencialmente, é simplificado e a criação de comunidades interpretativas, sem a participação dos meios tradicionais, é cada vez mais comum (Gallego, 2008). Frente aos meios de informação usuais têm surgido espaços na internet de distinta natureza, que se nutrem com o aporte desinteressado (em termos econômicos) de usuários. Nestes sites é possível encontrar gravações musicais e audiovisuais (concertos e entrevistas), fotografias, críticas e recomendações de trabalhos musicais ou agendas de atuações, entre outros conteúdos. O caso do Last.fm resulta interessante. Trata-se de um “serviço musical” que a partir da escuta de canções vai definindo um perfil específico. Por sua vez, o usuário tem a possibilidade de contatar outros usuários com os quais compartilha preferências musicais e recomendar canções. Segundo os responsáveis deste serviço musical, atualmente disponível em doze idiomas, “A meta do Last.fm sempre foi tornar mais democrática a cultura musical: que cada pessoa possa escutar a música o que quiser, quando quiser. Sem um intermediário que diga do que cada um tem que gostar” (SITE LAST.FM). Poder-se-ia ainda especular qual será o destino final desta empresa, cujo slogan reza “the social music revolution” e que conta com mais de quinze milhões de usuários, uma vez que no ano passado – 2007 – foi adquirida em 208 milhões de dólares pela Corporação CBS. No momento de divulgar publicamente a venda do Last.fm, um de seus criadores, Martin Stiksel, declarou que a CBS havia adquirido “uma comunidade muito vibrante e ativa”. Os diretores da Corporação CBS – explicou então Stiksel – “querem passar de uma companhia baseada em conteúdos a uma companhia cuja base seja as audiências, outorgando o controle a estas e aprendendo destas. Esta é a razão pela qual Last.fm era sua opção” (BBC, 30 maio 2007). A compra deste serviço musical parece estar no mesmo caminho das compras realizadas anteriormente pelas companhias News Corporation, de Rupert Murdoch, e Google Inc. Em 2005, a News Corporation adquiriu por 580 milhões de dólares o MySpace, um site com mais de 26 capítulos nacionais, baseado na criação de comunidades privadas que compartem músicas, fotografias, diários e interesses diversos. Nas páginas de MySpace é possível encontrar um sem número de artistas e bandas Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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musicais dos mais diversos lugares do mundo. Por sua vez, em 2006, a empresa criadora do motor de busca mais utilizado internacionalmente, Google Inc., pagou 1.650 milhões de dólares pelo site de publicação gratuita de vídeos YouTube. Fundado em 2005, este site se transformou em uma grande plataforma de promoção. A maior parte dos arquivos que conformam a coleção do YouTube são curtas de aficionados, ainda que, nos últimos meses, profissionais do audiovisual, estações de televisão, partidos políticos e casas discográficas5 também tenham publicado vídeos no site. Os acordos pelos direitos autorais assinados com grandes companhias provedoras de conteúdos (como as majors Universal Music Group, Sony Music Group e Warner Music Group) prepararam o terreno. A aquisição “a toque de caixa” destes sites, que aglutinam uma importante massa crítica de conteúdos, dá a seus novos proprietários uma grande quantidade de informações sobre ativos usuários das novas tecnologias da informação e da comunicação, geralmente pertencentes a setores econômicos médios e altos. Uma valiosa informação na hora de elaborar perfis socioculturais e descobrir tendências de todo tipo. Estes movimentos de compras protagonizados por grandes companhias da informação e da comunicação na paisagem digital coexistem com a presença de projetos altruístas de caráter fundamentalmente cultural. É o caso de Overmundo, site que adota como política geral de publicação uma licença Creative Commons. Patrocinado pelo Ministério de Cultura do Brasil e pela empresa Petrobrás, Overmundo é um site gerado a partir da colaboração de usuários cuja finalidade é “servir de canal de expressão para a produção cultural do Brasil e de comunidades de brasileiros espalhadas pelo mundo afora tornar-se visível em toda sua diversidade” (SITE OVERMUNDO).

PRÁTICAS SOCIAIS E CONSUMO MUSICAL O panorama geral do setor musical, com suas tensões e agentes colaborando e lutando entre si, não estaria completo sem nos referirmos aos consumidores de conteúdos musicais. Em geral faltam informações e análises qualitativas que indaguem sobre as práticas de consumo e as motivações associadas aos consumidores.

5 Ver, por exemplo, a secção de Universal Music Group: http://es.youtube.com/user/ universalmusicgroup?ob=4 Acesso em: 1 ago. 2008.

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Nesse sentido, me pareceu reveladora uma pesquisa realizada em abril de 2007 pela consultora Dnx. Com a finalidade de conhecer as opiniões dos usuários da internet e suas práticas em relação com o aceso e consumo de música (filmes e séries de televisão). Para isso, se aplicou uma pesquisa online entre espanhóis com aceso à internet, cujas idades oscilaram entre os 14 e os 45 anos de idade. Em síntese, o estudo (DNX, 2007) concluiu que: 1. Quase a metade dos entrevistados – 47,7 por cento, exatamente – entende que a compra e os downloads gratuitos são formas complementares de consumo musical. Se bem que 89 por cento dos entrevistados manifestou haver baixado “algo” – por meio de programas p2p como Emule ou BitTorrent – e 47 por cento reconheceu haver copiado música – de mp3, iPod ou CD – , 49 por cento manifestou haver comprado CDs nos últimos seis meses, e cerca de 17 por cento pagou pelo download de canções por meio de sites como Amazon ou iTunes. 2. Os downloads gratuitos ajudam a descobrir novos artistas e criadores: (cito textualmente o informe) “Os usuários da Internet valorizam as vantagens que a rede oferece e as aplicações de troca de arquivos (P2P) na hora de conhecer e ‘provar’ sem custos novas músicas e artistas. De fato, os internautas adquirem CDs principalmente quando conhecem a música ou o artista (‘quando sei que vou gostar’) ou quando têm que dar um presente”. 3. Os sistemas anticópia inibem a compra, tanto de bits como de suportes, porque atentam contra uma das principais demandas dos usuários: a versatilidade de reprodução. 4. Os elementos que compõem o CD como objeto físico (caixa, capa, extras, etc.) têm uma importante dimensão simbólica que motiva sua compra como presente ou para coleção. 5. A maioria dos entrevistados reconhece que, com os downloads, gasta menos dinheiro na aquisição de música, mas também afirma que agora frequenta mais festivais e shows ao vivo. 6. Existe um claro gap entre os sistemas atuais de comercialização de conteúdos audiovisuais e as expectativas e possibilidades que os usuários percebem no uso das novas tecnologias: “O estudo permitiu pôr em evidência a postura crítica dos internautas em relação às empresas fonográficas e sociedades de direitos autorais, assim como o desprezo às formas atuais de comercialização representadas pelas políticas de preço e as restrições de consumo que implicam os suportes físicos e os sistemas anticópia”. 7. A despeito das críticas ao atual modelo jurídico-comercial de propriedade intelectual que se aplica aos bens musicais, os internautas entendem que os direitos de criadores e intérpretes devem estar protegidos e que o pagamento é uma das maneiras de levar isto a cabo. No entanto, o estudo revela um gap entre os preços do mercado e as expectativas de pagamento dos entrevistados.

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REFLEXÕES FINAIS Para finalizar minha intervenção, de forma sucinta, gostaria de assinalar que o processo de digitalização das indústrias culturais tem atingido a fase de distribuição e isso vem afetando de forma significativa o conjunto da produção cultural e informativa. As mudanças são múltiplas e abrangem diferentes níveis. Nessa nova paisagem os custos envolvidos, a disponibilidade de conteúdos, a escala dos mercados ou as relações com os consumidores estão sendo alteradas. O setor musical revela-se um interessante estudo de caso para analisar as mudanças que podem abranger em breve ao resto das indústrias culturais. Além disso, é necessário assinalar que o processo de digitalização integral do setor musical ocorre num contexto de alta concentração empresarial, em nível internacional, do mercado de fonogramas. Neste marco de relações desiguais, as mudanças – especialmente importantes na fase da distribuição das gravações – ameaçam as posições dos atores dominantes, as majors multinacionais do setor. Como assinalamos no começo deste capítulo, as mudanças sofridas pelo setor musical a partir de sua completa digitalização desembocam num cenário instável nos aspectos tecnológicos, econômicos e sociais. No entanto, a queda do consumo da música gravada em suportes físicos está acompanhada por um incremento do consumo de música digital. Ao mesmo tempo, verifica-se o crescimento dos chamados “mercados derivados”. O consumo de música por meio de redes e dispositivos móveis e os shows ao vivo apresentam-se como espaços emergentes na nova paisagem da música digital. Nesses espaços encontramos a presença de novos atores e modelos de negócio, e relações de colaboração e competência entre “velhos” e “novos” agentes. Mobilizados pelo medo de perder o controle do negócio, os principais atores do mercado fonográfico vêm atuando junto às sociedades gestoras de direitos autorais para defender o tradicional modo de funcionamento do setor. No entanto, do nosso ponto de vista, “ainda quando resulta simples atribuir a diminuição de ingressos à pirataria, pode-se afirmar que a situação responde a um modelo de negócio que está se tornando obsoleto. [Para alguns] A indústria deve adaptar os modelos de negócio a um novo contexto que exige evoluir da venda de discos à venda de música” (GAPTEL, 2006: 10). A breve história de websites de grande sucesso, cuja base reside em comunidades numerosas de usuários que compartilham gostos e interesses, sinaliza três movimentos que devem ser estudados mais detalhadamente: por um lado, temos a inserção de formatos publicitários (patrocínios, links, recomendações);

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por outro, o aporte de conteúdos dos maiores produtores das indústrias culturais; e, finalmente, a venda destes sites a grandes empresas multinacionais. Existe um gap entre as práticas sociais de uma importante parte dos consumidores de conteúdos musicais e os interesses comerciais das principais companhias. Fica bastante evidente na internet, que a indústria e consumidores de conteúdos musicais têm percepções diferentes do significado dos downloads gratuitos: “as medidas repressivas e as mensagens contra a pirataria tratam a todos os internautas como culpados por igual, independentemente se os downloads gratuitos são feitos para gerar benefícios econômicos ou não. Esta postura contrasta radicalmente com a dos consumidores com acesso à internet, que consideram que os downloads gratuitos não são ilegais”. Complementarmente, as críticas direcionadas às sociedades privadas arrecadadoras de direitos autorais servem como uma espécie de autolegitimação da prática de downloads gratuitos. Um significativo número de Estados vem resguardando por meio de ações legislativas, judiciais e policiais os interesses corporativos do setor musical. No entanto, a formulação de novos impostos ou a criminalização da grande parte das práticas sociais que realizam troca de conteúdos geram também críticas oriundas do setor econômico, como a realizada pelos fabricantes de equipamentos de informática, bem como a realizada frequentemente por significativos segmentos de consumidores de conteúdos musicais. Quanto tempo e em que condições devem permanecer as obras criativas no domínio de exploração comercial privada? Quando estas obras devem passar ao domínio publico?... Quem deve arrecadar o dinheiro gerado pelos direitos autorais? Sociedades privadas ou o Estado?... Quais são os mecanismos de arrecadação adequados? Estas são importantes indagações que merecem ser colocadas na agenda de debate público. Neste sentido, entendemos que se devam formular urgentemente políticas públicas em benefício dos compositores e intérpretes musicais, os quais têm o legitimo direito a viver de suas criações. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer também que a sociedade como um todo tem direito de usufruir das criações musicais e da produção cultural de modo geral. Assim, é preciso haver compromisso do Estado na digitalização dos conteúdos de domínio público, e sua presença nas redes digitais por meio de uma oferta de qualidade que considere as necessidades dos diferentes setores sociais.

REFERÊNCIAS

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A convergência digital e os desatinos do sistema mundo capitalista RUY SARDINHA LOPES Tratar a convergência digital do ponto de vista da economia política crítica requer o esforço analítico de apreendê-la em suas relações recíprocas com a atual fase de desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, relembremos, inicialmente, velhas lições que de tão sabidas correm o risco de cair no esquecimento. A primeira delas, retirada do próprio Marx, diz respeito ao caráter progressista, revolucionário mesmo, do capitalismo. Tal caráter reside na tendência ao desenvolvimento universal das forças produtivas, o que o torna diferente dos demais modos de produção. Nas palavras do próprio Marx, no Manifesto Comunista: A burguesia, durante seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passadas em conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando na terra como por encanto quem século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social? (MARX) Assim, o incrível desenvolvimento das forças produtivas microeletrônicas (do qual a convergência digital é um subproduto) é apenas o capítulo atual desta tendência inerente às leis de funcionamento do modo de produção capitalista. Entretanto, e esta é a segunda lição a ser relembrada, trata-se de uma tendência que não pode ser cumprida, e isto pelas próprias leis de reprodução do sistema que lhe acionou. Sendo o capitalismo um sistema que tem a valorização do capital como fim primeiro e último, suas decisões, inclusive aquelas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, visam sempre à maximização do retorno sobre o capital investido na atividade econômica. Assim, embora o desenvolvimento das forças produtivas gere externalidades positivas passíveis de serem aproveitadas por um espectro mais amplo da população, a lógica que rege tal desenvolvimento (e implica, por exemplo, altos investimentos em P&D) prevê, numa disputa concorrencial, a conquista de posições de mercado. Em outras palavras, a lógica de reprodução do sistema impede que a riqueza representada pelo desenvolvimento das forças produtivas seja universalizada, ainda que os ganhos obtidos por esta lógica excludente sejam incontestáveis. Existe, pois, uma inter-relação dialética entre riqueza e pobreza, caráter construtivo Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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e destrutivo, universal e particular posta pela necessidade de se subordinar as conquistas sociais aos ditames da lei do valor a qual a análise crítica tem o dever de apreender e explicitar. Desta forma e aqui se apresenta o ganho epistemológico da economia política em relação às demais correntes analíticas é preciso afirmar que as tecnologias não possuem valor intrínseco ex-ante, mas determinam-se e devem ser avaliadas a partir de suas articulações com determinadas instituições e convenções sociais. Afirmar a manutenção, nos dias atuais, da lei do valor e, portanto, a necessidade de se pensar as eventuais potencialidades libertadoras das novas forças produtivas referenciadas às relações de propriedade com fins de acumulação não significa, e aqui vai mais uma daquelas lições, que os velhos princípios pelos quais esta lei operava no início do capitalismo continuem em vigência e que os mecanismos de geração do sobrevalor sejam os mesmos. Em outras palavras, é preciso reconhecer que se a forma-valor continua válida, seus conteúdos mudaram. É, pois, sobre as condições renovadas da acumulação capitalista e suas relações dialéticas com as forças produtivas oriundas da chamada Terceira Revolução Tecnológica que a atenção analítica deve se assentar para melhor vislumbrar o papel e os desafios da convergência digital. Não é o caso, aqui, de esmiuçarmos as características da grande transformação da ordem capitalista que se cristalizou no último quarto do século XX e que, entre outras consequências, implicou um reordenamento geopolítico, a reengenharia do setor produtivo, a desregulamentação financeira e, no que nos interessa mais de perto, conferiu inaudita centralidade econômica às novas tecnologias de informação e comunicação. E isto não só por elas (as TICs) constituírem a infraestrutura necessária para que o capital se libertasse das amarras do modelo anterior, dito fordista (tanto no que se refere à esfera produtiva, agora tornada mais “flexível”, quanto na conquista da intensa mobilidade do capital financeiro), mas por constituírem novas territorialidades de acumulação. Expliquemo-nos melhor. Se, seguindo as sugestões de Robert Brenner (2003), entendermos a grande transformação como uma resposta ao crônico problema capitalista de sobreacumulação, veremos que diante da incapacidade do capital ser absorvido e valorizado nas territorialidades tradicionais (como os espaços fordistas de produção) este se viu obrigado a alçar voo para regiões mais “imateriais”, como a cultura e os serviços, ou fazer da esfera financeira um dos mecanismos hegemônicos de contenção da crise. Desses novos espaços de acumulação as TICs despertaram grande interesse por parte dos investidores não só por permitirem, através da “anulação do espaço pelo tempo”, a diminuição do tempo de giro do capital, a integração em tempo real de todos os mercados financeiros e contribuir para a precarização do trabalho vivo, mas também por constituir um dos importantes mecanismos de absorção de capital e trabalho excedentes através da criação de “infraestruturas físicas e sociais fixas” (Harvey, 2005). Embora grandes tenham sido os investimentos, sobretudo do setor financeiro, nesta área (em 1997, por exemplo, a maior empresa de gestão de fundos dos

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EUA, Merril Lynch, gastava cerca de 1,5 bilhão de dólares em telecomunicações) (Schiller, 2002, p.34) a colonização deste novo espaço não foi, entretanto, tarefa fácil. Assim como ocorrera inicialmente nos mercados financeiros, para tornar as empresas do setor das infocomunicações (Fransman, 2002) mais competitivas vários entraves, internos e externos, tiveram de ser superados, como a quebra de monopólios, a restrição do “poder de mercado significativo”1 das antigas empresas monopolistas e uma legislação favorável à atuação transnacional das mesmas. Várias e importantes análises do processo de desregulamentação deste setor têm sido produzidas no âmbito da EPC e não caberia, aqui, retomá-las. Gostaria apenas de lembrar que esse processo é parte integrante de uma nova política econômica que justamente nesse período ganhava força: a passagem de uma economia extensiva para a intensiva. Quer, entre outros fatores, pelos altos custos de produção fixos, representados, sobretudo pela maquinaria, instalações e base material e pela ausência de investidores particulares que fornecessem os recursos necessários para o desenvolvimento do setor, quer pela presença de uma visão que ligava o espaço eletromagnético aos “interesses e soberania nacionais”, quer ainda se por considerar o setor das telecomunicações um monopólio natural, o fato é que, tradicionalmente, imperava a caracterização do setor por estruturas de monopólio e bem público, implicando a adoção dos princípios da acumulação extensiva: economia de escala, efeitos dos “clubes abertos” (onde as externalidades positivas aumentam com a quantidade de participantes) (cf. Herscovici, 2003), lógica espacialmente homogeneizada e tecnicamente estandardizada dos sistemas de infraestruturas, continuidade dos serviços, ausência de discriminações, controle de tarifas, necessidade de planificação etc. É certo que o desenvolvimento tecnológico – como, por exemplo, a digitalização das redes e dos serviços, a utilização de fibras óticas, o barateamento da utilização de micro-ondas e satélites, o aumento da capacidade de processamento dos computadores etc – contribuiu para a derrubada da tese do monopólio natural do setor e permitiu, através do barateamento dos custos de produção, que a iniciativa privada ingressasse em massa neste setor. Entretanto, ele [o desenvolvimento tecnológico] de per si não é capaz de explicar o abandono da política econômica extensiva em prol de outra, intensiva, em que a lógica de inclusão não se faz mais presente. Como se verificou em outros ramos da economia, a adoção da lógica dos

1 No caso da Comunidade europeia, como nota Ricardo de Moraes: “ O conceito de poder de mercado significativo estava ligado a uma perspectiva preventiva, de controle exante de comportamento que, a partir de análise dinâmica do mercado, envolvendo elementos de risco e probabilidade, tinha-se como possíveis de prejudicar a concorrência existente ou potencial. As autoridades nacionais reguladoras concluíam que, em regra, existia uma empresa com poder de mercado significativo quando sua participação em um mercado relevante de telecomunicações era igual ou superior a 25%, adotando-se como critério geográfico a totalidade ou parte do território de um Estado-membro”. (MORAES, 2008) Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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serviços em atividades competitivas no ramo das infocomunicações, ao abrir mão (ou, melhor dizendo, ao reconfigurar) das externalidades ligadas ao volume da demanda, pôs se a explorar determinados segmentos – os mais rentáveis – adotando a lógica de acumulação intensiva (ou de clubes “fechados” cfme. Herscovici). Neste sentido, as vantagens econômicas e tecnológicas (os premium networks) ficam cada vez mais distantes dos consumidores insolváveis. Não que, a bem da verdade, a economia de escala, visando o público de massas, seja totalmente descartada por parte das empresas. Como podemos observar no caso específico da telefonia móvel no Brasil que se expandiu graças à oferta do serviço pré-pago, diante do baixo rendimento obtido por esse serviço em relação ao pós-pago2, a receita vem da massa de usuários desse serviço: 80% da base de assinantes. Além do que, ao funcionar como uma espécie de reciclagem tecnológica, confere sobrevida aos produtos já ultrapassados numa economia de obsolescência programada e voraz. Nos termos em que vimos tratando o assunto, a convergência digital representa, pois, uma das respostas dada pelas empresas de infocomunicação às novas condções da acumulação capitalista. Uma vez que a busca de dinheiro suplementar continua sendo a mola mestra desse processo e “a conquista permanente de posições monopólicas capazes de gerar lucros extraordinários” (Fiori, 2004, p.44) ainda constitui o sonho dourado dos capitalistas individuais, as diversas fusões empresariais, alianças estratégicas e a chamada convergência tecnológica acabaram possibilitando a formação de conglomerados empresariais de escopo múltiplo e poderosos oligopólios. Assim, o aumento da portabilidade e mobilidade de aplicações e conteúdos, a criação de arquiteturas comuns de rede, a busca por padrões tecnológicos abertos ou compatíveis, o desenvolvimento de interfaces como a Transmisson Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) aumentando a interoperabilidade entre redes radicalmente diferentes, a possibilidade de um mesmo dispositivo comportar diferentes tecnologias de rede de acesso etc. trouxeram, consequentemente, a possibilidade de se interligar campos e conteúdos informacionais até então relativamente separados e possuidores de lógicas produtivas e de distribuição distintas, como as telecomunicações, a radiodifusão, a automação industrial e a informática e a produção de conteúdos conferiram um novo contorno às empresas do setor e impuseram mudanças na dinâmica dos mercados. A possibilidade de uma mesma empresa fornecer serviços e produtos variados e “customizados” não só respondia a certa similaridade das tecnologias de hardware presente nos telequipamentos, fazendo com que a atenção gerencial se deslocasse para prestação de serviços e com isso melhor respondesse às exigências da chamada “economia do acesso” (Rifkin), permitindo também o desenvolvimento

2 De R$ 70,00 a R$ 90,00 por cada linha pós-paga, contra apenas R$15,00 a R$20,00 por cada linha pré-paga (cf. Dantas, 2008)

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de estratégias múltiplas de fidelização do consumidor3, como tornou possível a recuperação de uma certa economia de escala (ainda que agora assentada sobre serviços variados) e, sobretudo, a intensificação de economias de escopo. A necessidade de se oferecer um leque diversificado de produtos e serviços que requerem, para o seu desenvolvimento, altos graus de investimentos iniciais e conhecimento aplicado, além de posicionar estrategicamente as atividades de P&D no centro do desenvolvimento econômico (que, cada vez mais, ao invés de serem realizadas endogenamente às firmas têm seus custos reduzidos ao serem “externalizadas”) e introduzir uma complexa relação entre os interesses dos acionistas e a temporalidade necessária às atividades de P&D, faz com que a estrutura de oligopólio seja a mais indicada, uma vez que dificilmente uma empresa isolada reúne as competências e recursos necessários para atender às demandas do setor4. Oligopólios estes que, como mostra Marina Szapiro (2007), apoiada sobretudo nos trabalhos de Mytelka e Delapierre (1998), se caracterizam por constituírem oligopólios de rede baseados em conhecimento. Neste sentido, as barreiras à entrada interpostas à concorrência passam a se referir, sobretudo, à geração, uso e controle sobre o processo de transformação do conhecimento realizados por estas redes de firmas (em vez de firmas individuais), passando também, entre outras estratégias, pela luta jurídica por direitos de propriedade intelectual. Assim, se o controle de tais forças produtivas – o conhecimento e a informação incluídas – associa-se, como antes, à lógica da concorrência e implica vantagens monopólicas, nas atuais condições de acumulação ao mesmo tempo que significa barreiras à entrada aos concorrentes impõe, simultaneamente, estratégias de cooperação e complementaridade. 3 Embora as estratégias de lock-in (custo financeiro de mudança) ainda sejam utilizadas, a convergência torna muitas dessas estratégias tecnologicamente inviáveis, gerando mecanismos outros, “compensatórios”, de “captura” do consumidor, como os programas de fidelização. 4 A fragmentação e o desinvestimento do setor nas atividades de P&D podem ser observados, de forma paradigmática, com o ocorrido em solo americano com o Bell Labs, que reduziu em 2000 seus investimentos em pesquisa para US$115 milhões, contra uma média de US$350 milhões na década anterior. Segundo Rob Calderbank, a existência de uma integração vertical em serviços de infraestrutura dentro de um monopólio de comunicação garantia um retorno dos investimentos e possibilitava o uso de recursos para financiar a pesquisa básica. Assim, a fragmentação do setor em diferentes camadas horizontais aliada à fragmentação da própria pesquisa (hoje praticamente a pesquisa em telecomunicações é realizada nos laboratórios da AT&T, Telcordia, Lucent Technologies, Avaya Systems e Agere Systems) seria uma das causas do desinvestimento. A outra se relaciona ao que A. Noll chama de “dilema da pesquisa”: a necessidade que as empresas, em mercados competitivos e principalmente em períodos de crise financeira, têm de lucros rápidos, o que dificulta investimentos de longo prazo, como as atividades de Pesquisa básica. Dessa forma, reconhecendo a importância da Pesquisa básica para o desenvolvimento nacional, A. Noll reivindica a presença forte do último monopólio restante – o Estado. (ver a matéria publicada pelo Wall Street Journal, do dia 23/05/2003, “At Bell Labs, hard times take toll on pure e a do Boletim Inovação, da Unicamp disponível em http://www.inovacao.unicamp.br/ inovando/ inovando-bell-labs.shtml Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Ao realizarem suas atividades de maneira complementar, funcionando como uma única empresa, podem ao mesmo tempo ter garantidos, entre outros fatores, suprimentos de insumos, economia de escopo, redução dos custos de transação, acesso a informações privilegiadas (desenvolvidas no interior das empresas integradas), conquistando com isso importantes vantagens competitivas e posições de mercado. Da mesma forma, ao se inserir em mercados geograficamente diversos ou inserirem processos e produtos diversificados no mesmo mercado, as dificuldades oriundas de diversas fontes – culturais, jurídicas, de demanda etc. – podem ser, senão sanadas ao menos amenizadas pelas estratégias colaborativas. Ou seja, concentração, barreiras à entrada, e integração vertical, horizontal, diversificação, complementaridades etc., articulam-se numa lógica econômica e política inaudita trazendo uma maior complexidade ao processo de concorrência entre as empresas do setor, requisitando, inclusive, a edição de novos instrumentos regulatórios. De fato, a integração de segmentos altamente concentrados e aqueles potencialmente competitivos, comum no setor das infocomunicações, constitui, como aponta Mário Possas, um sério desafio regulatório. E isso não só pelas características estruturais do setor – que em muitos casos se aproxima das estruturas de monopólio natural – e por suas assimetrias inerentes, donde a dificuldade de se reverter (ou regular) o poder de mercado de empresas já consolidadas e as diversas práticas anticompetitivas verticais, mas também pela falta de instrumentos, inclusive legais, de deem conta, de maneira abrangente e satisfatória do novo cenário5. Por outro lado, ao ter sua trajetória tecnológica e econômica vinculada à fusão de várias outras trajetórias desenvolvidas por firmas em separado e subordinarem seus rendimentos à mercadorias tão peculiares quanto a informação e o conhecimento – que impõem importantes constrangimentos ao processo de valorização capitalista6 tais oligopólios não podem lograr o mesmo tipo de estabilidade que os oligopólios tradicionais apresentavam. Assim, ainda que a atual lógica da acumulação e o advento da convergência digital coloquem inauditos desafios aos capitalistas individuais e gerem um ambiente em que crises e instabilidades sistêmicas sejam recorrentes, estas novas territorialidades da acumulação têm se mostrado um excelente negócio, ao menos àqueles que conseguem responder satisfatoriamente a tais desafios: segundo o relatório do IDATE, em 2006 se venderam mais de 1.000 milhões de 5 Neste sentido, a experiência britânica com a criação do Ofcom (Office of Communication), um espaço de regulamentação e fiscalização comum para os serviços de telecomunicações e radiodifusão, pode trazer alguma luz no sentido da construção de marcos regulatórios em cenários de convergência digital. Ver a esse respeito Rothberg e Kerbauy (2008) 6 Ver a esse respeito o capítulo 2: “ Conhecimento, Informação e acumulação capitalista” em LOPES (2008). Ainda que devido a pressão sobre os preços os dividendos tenham se reduzido. Por exemplo, o incremento de 20% nas vendas de celulares representaram um crescimento de 6% das receitas (IDATE – DIGIWORD 2007)

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telefones celulares, 235 milhões de computadores pessoais, mais de 60 milhões de assinaturas de banda larga e 50 milhões de televisores de tela plana em todo o mundo7. A conjunção destas performances e possibilidades abertas pelas forças produtivas infocomunicacionais – aqui representadas pela chamada convergência digital - e os modos atuais de (des)regulação do sistema capitalista aqui sugerida demonstra o tour de force necessário para se adequar tais potencialidades aos limites da lógica valorativa. Destarte, se do ponto de vista do capital a conquista desta territorialidade implicou a (des)regulamentação dos mercados, depredação dos ativos, desinvestimentos nas infraestruturas, quebra de monopólios estatais (como ocorreu, no caso brasileiro com a privatização do sistema TELEBRÁS ) e, como procuramos apontar, a substituição de uma política extensiva para o setor caracterizado como “bem público” pela ênfase na concorrência mercantil, assentada nos parâmetros de uma economia intensiva; do ponto de vista de uma perspectiva que busque a emancipação democrática, ou, para voltamos aos termos iniciais desse artigo, a universalização dos ganhos trazidos pela convergência digital, os desafios são ainda maiores e não temos como sequer arrolá-los. Em todo caso, passam tanto pela exploração dos constrangimentos que o processo de digitalização traz à acumulação capitalista quanto pela luta por políticas públicas de inclusão social e reconquista do território nacional eletromagnético ou pelo menos sua retomada como bem público.

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7 Os dados referentes a 2007, num cenário de redução do crescimento do PIB mundial, também apontavam um crescimento do mercado mundial das TICs (5.8% em relação à 2006) movimentando 2,75 bilhões de euros no conjunto do setor (IDATE-DIGIWORD 2008). Ver a esse respeito Bolaño e Santos (2007). Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Indústria Cultural, Economia Política da Comunicação e Televisão Pública VIVIANNE LINDSAY CARDOSO JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO A TELEVISÃO PÚBLICA E SUAS POTENCIALIDADES COM A TECNOLOGIA DIGITAL Desde o seu surgimento, em meados da década de 1940, o conceito de indústria cultural tem sido amplamente difundido, contextualizando e caracterizando perfis de sistemas capitalistas que envolvem a cultura, a arte e a comunicação, criticando posturas sociais, mercadológicas e políticas adotadas, cujo objetivo é o consumo incessante para obter o lucro destinado a uma minoria hegemônica. Diversas são as teorias e os estudos que trabalham norteando suas pesquisas nos conceitos de indústria cultural. Entre elas, a Economia Política da Comunicação, fundada a partir dos conceitos de Karl Marx, que utiliza a indústria cultural para criticar e propor opções alternativas de condutas social, política, cultural e econômica. Ao se pensar na influência que a comunicação midiática possui em uma sociedade, o que se propõe aqui é a utilização da televisão sendo o principal veículo de comunicação difundido no Brasil e com maior capital envolvido – como instrumento de educação, conscientização e participação social, mas atuando de modo alternativo ao modelo arraigado. O que se sugere é a valorização e expansão das televisões pública, educativa, universitária e comunitária em contraponto à televisão comercial. Com a chegada de novas tecnologias ligadas à comunicação, como a internet, o espectador tem aberto caminhos para o acesso e um espaço no qual pode vir a compreender, aprender, desejar e se tornar um espectador ativo e participativo no processo comunicacional. Diante da transição tecnológica que a televisão vem vivenciando do sistema analógico para o digital, a interatividade passa a ser outro grande atrativo. Pode ser criada a possibilidade de o cidadão interessado agir por meio da televisão pública aplicando novas linguagens, novos formatos e conteúdos que atendam aos interesses da sociedade onde esteja inserido, que não estejam voltados ao lucro e ao acúmulo de capital e poder tão característicos nos veículos de comunicação inseridos nesta indústria cultural, mas sim voltados à educação, cultura e consciência crítica. A multiprogramação pode se tornar importante

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instrumento de geração de conteúdo alternativo neste processo, segmentando a programação da televisão pública, destinando canais específicos para tal finalidade. Neste cenário o Estado tem papel fundamental para promover uma regulação que garanta tal direito ao cidadão. Silva e Gobbi (2010) argumentam que a conjuntura atual de transição tecnológica vivenciada no Brasil enseja a democratização da televisão brasileira, modificando a posição marginal da televisão pública e criando a oportunidade de o telespectador passar à condição de verdadeiro produtor de informação, já que a digitalização propicia um leque de novas funcionalidades que tornam mais dinâmica a relação do cidadão com a televisão, possibilitando a veiculação de conteúdos interativos, envio customizado e individualizado da informação, entre outras potencialidades de agregação junto à programação. A possibilidade de múltiplas funções, por meio da multiprogramação, otimiza o espectro e permite que sejam incluídos novos segmentos sociais na produção e distribuição de conteúdos audiovisuais. E é tendo como princípio a inclusão social que as televisões públicas, principalmente as universitárias, estão tomando a dianteira nessa questão, porque vislumbram a possibilidade de alargar o universo das pessoas atendidas pelos programas de educação a distância ou mediadas pelas novas tecnologias, notadamente através da oferta de formação profissional a diversas categorias, por meio da multiprogramação de TV. (Silva; Gobbi, 2010) Moragas e Prado (2003) argumentam que, diante do novo contexto tecnológico, a televisão pública pode superar limites e encontrar novas oportunidades para cumprir seus objetivos programáticos e a função de instrumento de dinamização social e cultural. A multiprogramação, neste cenário, favorece a multiplicação de oferta de produtos audiovisuais. No entanto, para que a multiplicidade de canais seja instrumento de conteúdo alternativo, consideram a necessidade de que a televisão pública se envolva na geração de novos programas. Para isso, avaliam que é preciso haver uma garantia de igualdade de oportunidade de acesso aos bens culturais de todos os cidadãos e não apenas aos que podem pagar respeitando o princípio do acesso universal. Além disso, faz-se necessário identificar os segmentos de interesse que não sejam cobertos pela oferta geral e que permitam garantir a diversidade de conteúdo, integrados aos canais abertos e como parte dos pacotes básicos de qualquer dispositivo de oferta de multiprogramação. La multiplicación de canales, que parece no conocer límites en la era digital, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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supone la ruptura y la fragmentación de las grandes audiencias, lo que afectará, cada vez más, a la capacidad de la televisión pública de actuar como eje vertebrador, como instrumento de producción del consenso y de reproducción cultural, en definitivo, disminuirá de forma sensible su capacidad de representar la identidad. Ya hemos dicho que la ruptura de las fronteras en el estadio actual de la transformación tecnológica es un hecho consumado. No es imposible establecer emisiones dirigidas a un territorio determinado, pero es imposible cerrar este territorio a la entrada de otras emisiones. (Moragas; Prado, 2003) O que se propõe é a expansão de alternativas, de valorização de veículos de comunicação que deem a opção de o espectador escolher o que quer ver em uma televisão aberta e tenha a chance de intervir nela, como a televisão pública pode viabilizar. Neste contexto, no entanto, é preciso considerar duas questões fundamentais no processo de escolha dos canais pelo telespectador para o sucesso de produções alternativas: a real geração de conteúdo de interesse do público e a efetiva produção de conteúdo alternativo. Não basta apenas a implantação de “mais do mesmo” nos canais de multiprogramação, nem de conteúdos alternativos com qualidade precária ou linguagem pouco atrativa. É preciso que as alternativas de geração de conteúdo sejam efetivamente diversificadas, de qualidade e atrativas, mesmo que destinadas a um público segmentado. Moragas e Prado (2003) consideram que o traço característico da televisão pública deve ser a qualidade, entendida por eles como um tratamento informativo orientado por critérios profissionais que dão apoio ao pluralismo político, social e cultural, estabelecendo, assim, os mecanismos e as garantias de independência. Além disso, consideram qualidade a preservação de parcelas de informação independentes da influência da espetacularização, valorizando informações contextuais, significativas e indispensáveis para a evolução da sociedade. Do mesmo modo, consideram qualidade programas de análise sobre temas complexos para esclarecimento, experimentação de fórmulas modernas e inovadoras de tratamento informativo que consigam o máximo de interesse sem desvirtuar os conteúdos. Outro ponto que consideram qualidade para televisão pública é a oferta de programas sobre atividades parlamentares, campanhas eleitorais, debates, educação, cultura, arte, folclore e programas sobre minorias. Por meio da qualidade, Moragas e Prado (2003) avaliam ser favorável, por fim, a criatividade, resultando em propostas inovadoras, com novos formatos, permitindo a adaptação da audiência à novidade, resultando em máxima audiência. Os autores pontuam a importância da manutenção da identidade cultural na geração de consumo

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comunicativo, com programas de qualidade e competitivos, portadores de valores culturais e com marcas de identidade. Únicamente la existencia de programas de calidad y competitivos, portadores de valores culturales y marcas de identidad, permitirá a la televisión pública cumplir con sus finalidades como instrumentos de dinamización cultural y social. Este rol lo puede desarrollar directamente para proveer su oferta multiplicada o indirectamente promoviendo el tejido industrial. (Moragas; Prado, 2003) Neste cenário de transição com a nova era digital e de valorização da televisão pública, contraponto e como alternativa à televisão comercial para Moragas e Prado (2003) os serviços públicos de informação parecem mais necessários do que nunca, visando garantir uma produção informativa de interesse social e não só que responda aos interesses e às lógicas comerciais. Faz-se necessário para facilitar o acesso desse interesse a toda população sem discriminação; garantir os valores clássicos de políticas democráticas de comunicação (pluralismo, acesso e identidade), além do processo de bem-estar social. Consideram ainda fundamentais nos interesses sociais a garantia do serviço universal de telecomunicações; favorecer a sinergia e planificar o futuro de forma sustentável, em benefício da coletividade e não dos interesses conjunturais das iniciativas privadas sem responsabilidade coletiva e, por fim, por meio da era digital, os espaços públicos de comunicação como ambiente compartilhado por todas as pessoas de uma mesma sociedade, sem discriminação. Considerando a relevância e potencialidade da televisão pública com a tecnologia digital, este artigo apresenta o conceito de indústria cultural de Adorno e Horkheimer e a contextualização dela na Economia Política da Comunicação para que seja possível compreender de modo mais claro a importância de se pensar em alternativas à comunicação como instrumento de democratização.

A INDÚSTRIA CULTURAL DE ADORNO E HORKHEIMER Ao refletir sobre a realidade vigente do século XX, a partir da década de 1940, o musicólogo e filósofo Theodor Wiesengrund-Adorno (1903-1969), em parceria com outros pesquisadores contemporâneos, como o filósofo Max Horkheimer (1895-1973), percebeu que a realidade econômica vivida estava modificando e influenciando a própria cultura, onde o homem perdia, a cada dia mais, sua Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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autonomia. O comércio se fortaleceu com a revolução industrial europeia, consolidando definitivamente o capitalismo, apoiado por novas descobertas científicas e avanços tecnológicos que intensificaram o domínio da razão técnica e dos interesses econômicos, deixando de lado valores humanos, permitindo a padronização pela produção em larga escala. A sociedade passou a ser gerida pela lei do mercado, em uma corrida ininterrupta pelo ter, intensificando o consumo individual por meio da mercantilização dos bens simbólicos, elemento que dá vida à indústria cultural. Neste contexto, tudo se torna negócio, explorando bens, inclusive, considerados culturais, onde o homem passa a ser mero instrumento para o trabalho e para o consumo, um objeto manipulado e massificado sob uma ideologia dominante, não tendo o trabalho sequer de pensar, apenas o de escolher, em um estado de obscurecimento da percepção, valores e ideologias, propiciando apenas necessidades de consumo padronizadas. Previu-se algo para cada um a fim de que ninguém possa escapar. Cada setor da produção é uniformizado e todos são em relação aos outros. A civilização contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. A indústria cultural fornece por toda a parte bens padronizados para satisfazer às numerosas demandas, identificadas como distinções às quais os padrões da produção devem responder. Por intermédio de um modo industrial de produção, obtémse uma cultura de massa feita de uma série de objetos que trazem de maneira bem manifestada a marca da indústria cultural: serialização-padronizaçãodivisão do trabalho. (Mattelart; Mattelart, 1999). O conceito de indústria cultural foi criado em meados da década de 1940, por Adorno e Horkenheimer, difundido pela primeira vez em 1947, na obra Dialética do Iluminismo, com o objetivo de analisar a “produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria” (Mattelart; Mattelart, 1999). O conceito surge de estudos realizados a partir da sociologia funcionalista que considera os meios de comunicação como mecanismos de ajuste e, especificamente, escolas de pensamento crítico que se interroga sobre “as consequências do desenvolvimento de novos meios de produção e transformação cultural, recusando-se a tomar como evidente a ideia de que, dessas inovações técnicas, a democracia sai necessariamente fortalecida”. Neste cenário, “os meios de comunicação tornam-se suspeitos de violência simbólica, e são encarados como meios de poder e dominação.” (Mattelart; Mattelart, 1999). “O terreno em que a técnica adquire seu poder sobre a sociedade é o terreno dos

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que dominam economicamente.” (Adorno; Horkheimer, 1969 apud Mattelart; Mattelart, 1999). Anos antes, Horkheimer e Friedrich Pollock fundam na Alemanha, com apoio e subsídio da comunidade judaica, o Instituto de Pesquisa Social, afiliada à Universidade de Frankfurt, com o objetivo de estudar inicialmente a economia capitalista e a história do movimento operário sob a orientação da filosofia marxista. Hitler, ao assumir o poder, destitui, em 1933, todos os membros judeus do instituto, o que obriga Horkheimer a se exilar e fixar seus estudos na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, local onde inicia suas pesquisas com Adorno, a partir de 1938. Após a guerra, ambos voltam à Alemanha e o Instituto é reaberto em 1950, dando continuidade à pesquisa sobre indústria cultural iniciada fora do país. Ao longo de seus estudos sobre o conceito estiveram envolvidos veículos de comunicação de massa e a arte que ambos consideravam dotados de alto poder de alcance e/ou reprodução, como jornais, quadrinhos, revistas, rádio, cinema, discos, entre outras formas de comunicação e manifestação culturais, pois, para ambos, a manipulação voltada ao lucro envolvia diretamente a comunicação e a arte desvirtuando a cultura. Conforme descrito por Mattelart e Mattelart (1999), “a indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria (...) a produção industrial sela a degradação do papel filosóficoexistencial da cultura”, manipulando a opinião, a padronização, a massificação e a atomização do público, tornando-se um “consumidor de comportamento emocional e aclamatório”. Ao assumir o poder na Itália em 1922, Mussolini usou o rádio e o cinema, veículos de comunicação, como instrumentos de massificação e consolidação de seu poder. Para isso, criou a Cineccittà, empresa de filmes do Estado italiano. Hitler repetiu, de certa forma, a estratégia já desenvolvida por Mussolini, utilizando o rádio como instrumento de propaganda do nazismo. “Os dois ditadores desenvolveram políticas de comunicação que podem ser consideradas as mais competentes que já existiram.” (Fadul, 1993). Adorno e Horkheimer conheceram a propaganda nazista e viram nela relevante instrumento de massificação. (...) a origem desse conceito, indústria cultural, é, de um lado, o nazismo (...) e de outro, a sociedade de massa americana e sua cultura. Trata-se de uma sociedade que eles aprenderam a conhecer a partir de 1933 e que nunca deixou de representar o desprezo que intelectuais europeus exilados tinham pelos Estados Unidos, que se traduzia no horror pela cultura de uma sociedade que, de certa forma, trazia uma série de elementos complementares desconhecidos Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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na Alemanha no mesmo período. (Fadul, 1993). Para Adorno e Horkheimer (2002) a indústria cultural passa a se concentrar, fundamentalmente, em assumir a técnica de sistematização reprimindo a consciência individual para o consumo em série, conforme demanda. Técnica e economicamente, propaganda e indústria cultural mostram-se fundidas. A publicidade é seu elixir da vida, fortalecendo o caráter publicitário da cultura em puros signos privados de qualidade. Manifestações artísticas individualizadas passam a ser integradas pela indústria antes mesmo que sejam apresentadas, moldando desejos espontâneos. “O estilo autêntico se desmascara, na indústria cultural, como o equivalente estético da dominação” (Adorno; Horkheimer, 2002). A arte torna-se elemento sem sonho, adequada ao idealismo sonhador do consumo. A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e seminários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos entre si. (...) Filme e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. (...) se autodefinem como indústrias. (Adorno; Horkheimer, 2002) A indústria cultural torna-se a sistemática de classificar e organizar os consumidores com a finalidade de padronizá-los, “as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente” (Adorno; Horkheimer, 2002). Há a liberdade de manifestação e comportamento espontâneos, mas devem seguir padrões determinados por índices estatísticos e seguir a categorização que tenha sido determinada para consumo de produtos de massa que foram preparados para “seu tipo”, não há mais nada a classificar ou racionalizar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado, ou seja, uma categorização e padronização do ser humano que passa a ser reduzido a material estatístico, dividido em mapas geográficos de escritórios técnicos, sendo o mundo todo um crivo da indústria cultural, “a violência da sociedade industrial opera nos homens de uma vez por todas”, sendo consumidores mesmo em estado de distração, vigiados constantemente para garantir tal manipulação, conforme definem Adorno e Horkheimer (2002). Os próprios produtos (...) são feitos de modo que a sua apreensão adequada se exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, por outro lado é feita de modo a vetar, de fato,

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a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente. (Adorno; Horkheimer, 2002) O termo indústria cultural, de acordo com Passos (2011), não deve ser tomado ao “pé da letra”, conforme alerta de Adorno, pois trata-se de uma metáfora. Indústria cultural remete a incorporações das formas industriais de organização “como a racionalização do trabalho em atividades econômicas não industriais - à produção da cultura no âmbito dos meios de comunicação num contexto de um capitalismo monopolista.” (Passos, 2011). Para o autor trata-se do primado total da eficácia calculada, sendo que toda a prática da indústria cultural reveste o lucro de formas culturais. No entanto, o domínio da indústria cultural para os filósofos vai além do consumo cultural, envolve o próprio ritmo e sistemática de vida para lidar, inclusive com a relação entre trabalho e lazer, tornando ambos mecanismos econômicos de manipulação e lucro. Envolvido pelo sistema, torna-se um consumidor incessante, vivendo sempre de modo insatisfeito, querendo consumir, constantemente, cada vez mais, transformando seu trabalho em instrumento de viabilidade de consumo e o lazer um elemento a ser consumido em um processo completo de mecanização. “A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto que sem resistência sucumbem ante tudo o que lhes é oferecido.” (Adorno; Horkheimer, 2002). O homem não se deve dar ao trabalho e nem adquirir a faculdade de pensar de modo autônomo, basta seguir sinais, evitando qualquer conexão lógica que possa vir a desenvolver. O homem deve possuir um tempo restrito, guiado e disciplinado de lazer, sendo que este deve estar ligado aos clichês da rotina que o prendem ao sistema. A indústria cultural torna-se responsável pela indústria do divertimento, ditando o que deve ser consumido nos momentos de lazer reprimindo e sufocando a individualidade. Neste contexto, apodera-se da arte, desvirtuando-a para atender seus interesses de massificação e lucro. A indústria cultural pode-se vangloriar de haver atuado com energia e de ter erigido em princípio a transposição – tantas vezes grosseira – da arte para a esfera do consumo (...) a verdade se encontra na própria cisão: que pelo menos exprime a negatividade da cultura a que as duas esferas, somando-se, dão lugar. Hoje mais do que nunca, a antítese deixa-se conciliar, acolhendo a arte leve na série e vice-versa. É justamente isto que a indústria cultural procura fazer. (Adorno; Horkheimer, 2002). Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Mesmo assim, para Adorno e Horkheimer (2002), a arte é o instrumento libertador do homem das amarras do sistema, colocando-o como um ser autônomo e, assim, um ser humano. Na arte ele se torna um ser livre para pensar, sentir, agir, enquanto para a indústria cultural, o homem é um simples objeto de trabalho e consumo. A arte liberta o homem do princípio da utilidade, do valor de troca. “Falar de cultura foi sempre contra a cultura. O denominador “cultura” já contém, virtualmente, a tomada de posse.” (Adorno; Horkheimer, 2002). “Quando fui confrontado, a exigência de “medir a cultura” vi que a cultura deveria precisamente ser essa condição que exclui uma mentalidade capaz de medi-la” (Adorno; Horkheimer, 1969 apud Mattelart; Mattelart, 1999). O segredo para o caminho de tal libertação está na própria falha do sistema com suas limitações e ao tentar padronizar a cultura e estereotipar a arte, elementos que não permitem tal submissão em sua essência. Para ambos, é evidente que se poderia viver sem a indústria cultural, “pois é enorme a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores” (Adorno; Horkheimer, 2002), o que pode, inclusive, resultar em sua intenção. Mesmo assim, Mattelart e Mattelart (1999) fazem uma crítica do conceito, ao analisar fenômenos culturais, com sua perspectiva da arte como instrumento de salvação, pois considera que Adorno e Horkheimer perceberam apenas um aspecto fundamental: a conjunção entre a arte e a tecnologia, superestimando a arte como termômetro revolucionário, os impedindo de perceber outros aspectos. Mattelart e Mattelart (1999) lembram que, para Habermas, a solução encontrada é a restauração das formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade. Reconhecendo tal limitação do conceito, três meses antes de morrer, em 1968, Adorno realizou uma conferência denominada ‘Tempo Livre’ em uma rádio alemã, afirmando que, quando ele e Horkheimer criaram o conceito, cometeram alguns equívocos, não sendo este o conceito ideal para designar a nova realidade. A constatação se deu após fazer uma pesquisa sobre a televisão alemã e a cobertura do casamento da princesa Beatriz da Holanda e um diplomata alemão. A conclusão foi que os alemães não deram a menor atenção ao casamento, apesar da grande cobertura da televisão alemã. “Adorno encerrou a conferência afirmando: “A televisão ainda não se apropriou da consciência dos alemães, existe ainda um espaço de liberdade, existe um espaço que nós podemos trabalhar.” (Fadul, 1993). Nesta perspectiva, partindo do conceito de indústria cultural definido por Adorno e Horkheimer, amplia-se aqui a reflexão, a partir de uma perspectiva crítica, contextualizando a realidade brasileira, sobre a valorização e expansão de alternativa para ampliação de uma televisão mais criativa, inovadora e autônoma.

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A ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO A Economia Política da Comunicação é uma base teórica que “se interessa pelo estudo da totalidade das relações sociais que formam os campos econômico, político, social e cultural, objetivando compreender a mudança social e a transformação histórica e como ela repercute e se imbrica com o mundo da comunicação em todos os sentidos” (BOLAÑO, 2007). Ao analisar as relações sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, distribuição e consumo de recursos, incluindo os recursos de comunicação, tornase o estudo do controle e da sobrevivência social, com o objetivo de entender as mudanças sociais e as transformações históricas que a sociedade vivencia. (MOSCO, 2006). As três linhas da teoria – a da América do Norte, a Europeia e a de Terceiro Mundo -, assim definidas por Mosco (1996, 2006), desde o surgimento das indústrias de mídia no século XX, buscam compreender os personagens que envolvem as indústrias culturais e suas relações com processos econômicos sociais mais amplos abarcando poder, Estado, dinheiro, a sociedade e valores humanísticos. A Economia Política da Comunicação se destacou por sua ênfase em descobrir e examinar o significado das instituições, especialmente empresas e governos, responsáveis pela produção, distribuição e intercâmbio das mercadorias de comunicação e a regulação do mercado de comunicação. (Mosco, 2006). Para Mosco, a introdução de modernos meios de comunicação exerce papel relevante para colaborar com a mudança nas estruturas sociais familiares e políticas que devem ser consideradas nas perspectivas de mercantilização, espacialização e estruturação. Para Mattelart e Mattelart (1999), na perspectiva desenvolvimentista, as mídias constituíam recursos que, aliados à urbanização, à educação e a outras forças sociais, poderiam estimular a modernização econômica, social e cultural dos países subdesenvolvidos. A mídia era vista como um índice de desenvolvimento, e o objetivo era construir uma economia de mercado, sendo os meios de comunicação instrumentos para isso. (Fonseca, 2007). A Economia Política da Comunicação busca estudar e analisar como a propriedade, formas de financiamento e as políticas governamentais podem influenciar o comportamento e o conteúdo da mídia, além da própria sociedade. Os pesquisadores Bolaño e Brittos (2007) discutem o modo de lidar e fazer comunicação em relação à estrutura de poder na sociedade capitalista tão característica no Brasil, relacionando as indústrias culturais e a própria regulação do mercado como Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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peças relevantes do sistema de consumo. A reflexão da teoria ligada às políticas públicas tanto na perspectiva regulatória, quanto de funcionalidade, envolve o jogo de interesses atrelados ao poder e lucro governamental, privado e público e os interesses e necessidades sociais. (Frey, 2000). Tendo Marx como referencial, as relações de força e poder são reflexos de condições materiais de existência, formando a sociedade civil, produzindo uma existência na qual “os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças materiais atendendo suas necessidades” (Marx, 2008). Assim, o “modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não há consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência” (Marx, 2008). Tornando assim, para Marx, o indivíduo na sociedade como um resultado histórico que cria poderes políticos para atender suas necessidades econômicas. A Economia Política da Comunicação estudada na América Latina considera a indústria cultural como uma peça chave na compreensão do sistema social em que o Brasil está inserido. Partindo do que define Adorno e Horkheimer, Bolaño (2010) apresenta a indústria cultural como: ...uma área da produção social no capitalismo avançado que deve cumprir uma dupla condição de funcionalidade, a serviço do capital individual monopolista em concorrência (função publicidade) e do capital em geral, ou do Estado (função propaganda), servindo como elemento-chave na construção da hegemonia. Para isso, deve responder também a uma terceira condição de funcionalidade (função programa), ligada à reprodução simbólica de um mundo da vida empobrecido de suas condições de autonomia. (Bolaño, 2010) Para Bolaño (2010) o relevante é que, em cada momento e lugar determinado, essa indústria cultural assuma uma feição particular, que pode ser compreendida, em nível analítico, conforme a definição de um modelo de regulação setorial; cada indústria cultural particular adotará uma feição, desde que, no conjunto, as condições gerais de funcionalidade sejam cumpridas. Essa mediação se dará pela dinâmica concorrencial que se constitui no seio de cada indústria cultural. Nesta condição, cada empresa individual “adotará estratégias de segmentação, que são adequadas, de um lado, aos interesses de diferenciação de produto e seus anunciantes, aos quais vende determinada mercadoria audiência, e, de outro, às necessidades de diferentes estados do público consumidor” (Bolaño,

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2010). Tais necessidades sempre serão criadas no interior do jogo dialético do mútuo engendramento entre produção e consumo, amparadas pelos sistemas econômico e político adotados pelo Estado, no qual as empresas culturais têm de empregar um tipo especial de trabalho, “cuja subsunção no capital é limitada, e isso determinará as características distintivas dos processos de trabalho e de valorização no setor cultural, em oposição à produção material” (Bolaño, 2010). Bolaño e Brittos (2007) consideram que nas últimas décadas do século XX, as indústrias culturais passaram por uma importante mutação, que faz parte das transformações mais gerais do conjunto do modo de produção e, no século XXI, encontra um amplo programa global de reestruturação de todo o campo econômico da comunicação e da cultura. Entre essas transformações, uma das principais, se não for a maior, é o desenvolvimento de novas tecnologias, criando novas formas de comunicação, onde se está vivendo um processo de transformação, inclusive social, que tem obrigado a indústria cultural e a própria comunicação a repensarem sua conduta para garantir sua abrangência hegemônica dos veículos dominantes. A comunicação e a informação tornam-se elementos-chave da racionalidade produtiva atual, penetrando a atividade industrial, sem mudar a essência da relação entre cultura e economia no capitalismo. Mas os caminhos da tecnologia são criados historicamente, não compõem um processo inevitável e alteram os dados do problema, num nível mais concreto de análise. (Bolaño; Brittos, 2007) A internet é o veículo de comunicação mais inovador neste contexto, criando um novo processo midiático de convergência e interatividade com seus usuários, tornando-os receptores ativos e produtores de conteúdo. Neste cenário, ainda em processo de expansão e popularização, a internet caminha em convergência à televisão, o veículo de comunicação que ainda se mantém dominante em abrangência e faturamento.

A FORÇA DA TELEVISÃO Na última década, Moraes (2008) apresenta que na América Latina as quatro maiores empresas de comunicação foram: Globo do Brasil, Televisa do México, Cisneros da Venezuela e Clarín da Argentina. Nas áreas de mídia e entretenimento retêm 60% do faturamento total dos mercados de audiência. Brasil, México e Argentina reúnem mais da metade dos jornais e das emissoras de rádio e televisão Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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e 75% das salas de cinema da região. Os Estados Unidos ficaram com 55% das rendas mundiais geradas por bens culturais e comunicacionais, a União Europeia com 25%, o Japão e Ásia com 15% e a América Latina com apenas 5%. Neste contexto, 85% das importações audiovisuais para a América Latina provêm dos Estados Unidos. “Se duas dezenas de corporações respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos mundiais, evidentemente a descentralização se inscreve mais na órbita das exigências mercadológicas do que propriamente nas diferenças qualitativas de conteúdos.” (Moraes, 2008). Tal realidade faz com que um processo de produção e de reprodução mecânica, idealizada e gerida por um pequeno grupo hegemônico de comunicação, garanta a continuidade do que propõe a indústria cultural. “Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado. Acréscimos ao inventário cultural experimentado são perigosos e arriscados.” (Adorno; Horkheimer, 2002). ...suas inovações típicas consistem sempre e tão só em melhorar os processos de reprodução de massa, não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio abandonados. (Adorno; Horkheimer, 2002) Para Moraes (2008), as sociedades passam a ser guiadas pela astúcia do marketing e dos planejamentos estratégicos – ambos possuídos pela fixação de manter o capital em rotação e rentabilizá-lo ao máximo. “A exacerbação consumista interfere na cotidianidade e nas relações humanas, formando marcas distintivas entre pessoas e grupos, na mesma proporção em que conclama ao individualismo e à apatia” (Moraes, 2008). Entre os veículos de comunicação existentes, tão fortemente influenciados e dominados pela indústria cultural, o mais abrangente em todo o território nacional, latino-americano e até mesmo mundial é a televisão. Neste cenário de ampla aceitação, abarca a hegemonia de duas dezenas de corporações comerciais que respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos mundiais, o que resulta em uma comunicação movida pela audiência, pela força da indústria cultural. Já em meados da década de 1940, quando Adorno e Horkheimer pensaram sobre a televisão ainda em processo de consolidação, perceberam seu imenso potencial como veículo de comunicação. A televisão tende a uma síntese do rádio e do cinema, retardada enquanto os

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interesses ainda não tenham conseguido um acordo satisfatório, mas cujas possibilidades ilimitadas prometem intensificar a tal ponto o empobrecimento dos materiais estatísticos que a identidade apenas ligeiramente mascarada de todos os produtos da indústria cultural já amanhã poderá triunfar abertamente. (Adorno; Horkheimer, 2002) A televisão adota e utiliza com plena naturalidade, facilidade e liberdade por produtores e reprodutores, uma linguagem característica da indústria cultural, na qual o novo é ligado a velhos estigmas da relação com a imagem e a vida cotidiana determinada pelos padrões determinados. “Tudo que surge é submetido a um estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e reconhecido. ...O sempre igual ainda regula a relação com o passado” (Adorno; Horkheimer, 2002) e o mais crítico, abarca a insatisfação como rotina aceita e referenciada. A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. O indivíduo deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado. As situações cronicamente desesperadas que afligem o espectador na vida cotidiana, tornam-se não se sabe como, na reprodução, a garantia de que pode continuar a viver (...) A sociedade é uma sociedade de desesperados... (Adorno; Horkheimer, 2002) Bolaño e Brittos (2007), ao analisarem a indústria cultural na televisão brasileira, afirmam que “cada capital individual no interior da indústria cultural terá uma estratégia de ação própria, definida de acordo com sua posição em uma dada estrutura de mercado e com as possibilidades que essa situação lhe impõe”. Para eles, a história da indústria televisiva determina a existência de sistemas, estruturas e padrões tecnoestéticos que buscam consolidar e romper barreiras à sua entrada, o que faz dela o veículo mais abrangente no Brasil. Pelo fato da televisão brasileira chegar a quase todos os lares em todo o território nacional, para Fadul (1993), torna-se impossível compreender a sociedade brasileira sem compreender este veículo, pois “buscar compreender a cultura e a educação brasileira, sem passar pela indústria cultural na qual a televisão está inserida, é cometer um grande equívoco”. Fadul (1993) argumenta que não se pode esquecer que todas as informações Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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contemporâneas são mediatizadas pelos meios massivos e pela indústria cultural e, por isso, é preciso entender os desafios que os meios de comunicação têm representado, inclusive a televisão pela força social que possui. Só através da compreensão da indústria cultural que se pode propor uma nova política educacional, cultural e comunicacional capaz de fornecer subsídios para, inclusive, alterar a própria indústria cultural. “E só por meio da informação de alunos críticos, que tenham conhecimento dela que se pode ter a possibilidade de interferir para aperfeiçoá-la e melhorá-la. Não para piorá-la.” (Fadul, 1993). Em face da concentração monopólica e transnacional das indústrias culturais, a possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações depende não somente da capacidade criativa e reativa dos indivíduos, como também de direitos coletivos e controles sociais sobre o desmedido poder da mídia. Portanto, a diversificação simbólica guarda estreita proximidade com a comercialização em grandes quantidades lucrativas. Não me parece exagero sustentar que o campo da produção cultural está imerso na lógica do lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a toda a vida social. Integrada, como as demais áreas produtivas, ao consumismo, a esfera cultural torna-se componente essencial na lubrificação do sistema econômico. (Bolaño; Brittos, 2007) Com a chegada da tecnologia digital e a popularização da internet tornando seu usuário agente ativo e produtor no processo de comunicação, o espectador passa a buscar uma televisão interativa, cujo papel deixa de ser passivo e dominado por um sistema e uma grade de programação que atenda aos interesses mercadológicos voltados para a audiência ‘a qualquer preço’, seguindo os princípios arraigados da indústria cultural existentes na televisão comercial nacional. Nesta perspectiva, o espectador busca mais do que escolher entre um programa A ou B, um personagem que permanecerá ou sairá de um reality show, ele busca intervir efetivamente e até mesmo produzir uma programação diferenciada, que atenda aos seus interesses, que ‘fale sua língua’ e que divulgue a cultura local na qual esteja inserido com suas particularidades e peculiaridades, compartilhando, inclusive, o que produz com outras culturas regionais em um processo contínuo de fluxo de informação autônoma, independente e livre das amarras padronizadas de um sistema que atenda aos interesses comerciais de uma minoria. De modo consciente, que lhe permita assistir, intervir, produzir e compartilhar conteúdo inovador.

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A FUNÇÃO DA TELEVISÃO PÚBLICA A televisão não deve ser um instrumento de massificação e manipulação da indústria cultural, que provoque a degradação da educação, da cultura e da sociedade. Nesta perspectiva, a televisão pública deve ser um contraponto tornando-se, exatamente pela força da televisão no Brasil, um instrumento de democratização alternativo à televisão comercial. “Os desenvolvimentos tecnológicos envolvendo os meios de comunicação, como é o caso da televisão digital, podem criar novas possibilidades de se democratizar a comunicação no País e as emissoras públicas podem ser importantes personagens neste processo.” (Bolaño; Brittos, 2007). Não só sugerida, mas necessária é a democratização da comunicação com a ampliação da televisão pública, a partir da tecnologia digital e uma nova regulação a ser adotada, em polos regionalizados em todo o território nacional, viabilizando a organização e as regulações dos meios de comunicação para que incentivem a produção e o acesso de seus conteúdos de forma democrática, sendo realizado no âmbito da sociedade o exercício pleno dos direitos à cidadania e, principalmente, não categorizando a sociedade como simples mercadoria de audiência apropriada pelo capital como instrumento de trabalho, poder e lucro. A televisão pública e educativa no Brasil, desde sua implantação, por meio do Decreto- Lei nº 23611, tem como dever destinar a divulgação de programas educacionais mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. As emissoras de rádio e televisão, por sua vez, devem ter como princípio, conforme determina o artigo 222 da Constituição Federal Brasileira, finalidades educativas, culturais e informativas. Por ser uma concessão pública, para as emissoras associadas da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais Abepec ela deve – “educar, informar, entreter e divertir os telespectadores, observando os direitos das pessoas, principalmente das crianças, e os valores da solidariedade, fraternidade e igualdade” (ABEPEC, 2010). Pensando em âmbito internacional, ao encontro dos anseios de uma televisão pública de qualidade no Brasil, Martín-Barbero (2003) considera que, por causa da fragmentação da informação introduzida pelo mercado, se torna necessária uma televisão que se dirija ao conjunto de cidadãos de um país, que compense na medida do possível um balcão da sociedade nacional, que ofereça a todos os públicos um lugar de encontro, que permita, entre outros, a convergência de 1

Decreto-Lei nº 236, instituído em 28 de fevereiro de 1967.

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matrizes culturais e formatos industriais. Martín-Barbero (2003) considera que uma televisão pública deve ser também cultural criando cultura a partir de suas próprias potencialidades expressivas, que mantenha função de meio expressivo e operante com a acelerada e fragmentada vida urbana, seja alfabetizadora da sociedade de novas linguagens, destrezas e escrituras audiovisuais e informáticas em conformidade com a complexidade cultural de hoje; além disso, ela deve trabalhar com qualidade em uma concepção multidimensional de competitividade com profissionalismo, inovação e relevância social de produção, com articulação técnica e competência comunicativa para a interpretação e construção do público respeitando a diversidade cultural, social e ideológica, buscando construir linguagens comuns e mantendo uma identidade institucional clara com uma proposta de programação e linguagem audiovisual diversificada, sendo reconhecida por estudos qualitativos e de audiência. Para o autor, a televisão pública pode nos ajudar a ser cidadãos do mundo sem que isso nos desvincule da cultura latino-americana e de nossas culturas mais locais. Moragas e Prado (2003) consideram que a televisão pública deve ser a garantia de um sistema de comunicação para todos, evitando um sistema de vozes limitadas, sendo um contrapeso do grande processo de concentração que determina a nova convergência entre os setores financeiros de telecomunicação e os mass media. E, em plena era digital, a defesa da televisão pública deve ser baseada no cumprimento de sua missão (política, social, econômica e cultural) formada por um conjunto de quatro pilares que, além da missão, integra o financiamento, o controle e a autoridade independente com supervisão parlamentar. Entre as funções correspondentes a esta missão os autores propõem que atue com: garantias democráticas (especialmente em defensa do pluralismo), com política de estímulo à participação cidadã, cultural, tenha garantia de identidade, qualidade de programação e dos conteúdos, ser educativa, social e de bem-estar social, valorize o equilíbrio territorial, econômico e de desenvolvimento, seja um motor da indústria audiovisual com inovação e experimentação criativa, seguindo o princípio humanista e seja moralizadora, divulgadora e socializadora do conhecimento. Além de outras funções como: as funções estratégicas de desenvolvimento das comunicações, garantia de acesso universal para todos, produtora de informação socialmente necessária, guia e mediadora diante da multiplicidade de oferta de informação, instrumento de equilíbrio e freio dos novos oligopólios de comunicação e de telecomunicação, motor dos processos de convergência entre o setor da comunicação e outros setores sociais como cultura, educação, saúde, bem-estar social, entre outros.

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Para a concretização de tais funções, Moragas e Prado (2003) sugerem uma revisão do modelo de televisão pública considerando como temas prioritários a obrigação de estabelecer, além de uma missão, um contrato de programas específicos, políticas de financiamentos estáveis, novos âmbitos de atuação com a diversificação de canais e serviços de comunicação, novas políticas de produção que contemplem tanto a produção que seja externalizada como a venda de produção própria para terceiros, novas formas de autoridade, gestão e controle, assim como novas formas de cooperação entre os diversos âmbitos da televisão e serviços públicos de informação, sejam eles locais, estaduais ou internacionais. Para avanzar en esta dirección podemos seguir la pauta establecida por diversas declaraciones de la Unión Europea, especialmente de su Parlamento, en la línea de lo que estableció hace unos años (1993) la Unión Europea de Radiodifusión (UER) al enumerar la especificidad del servicio público audiovisual: “una programación para todos, un servicio de base generalista con ampliaciones temáticas, un foro para el debate democrático, libre acceso del público a los principales acontecimientos, una referencia en materia de calidad, una abundante producción original y un espíritu innovador, una vitrina cultural, una contribución al refuerzo de la identidad europea, así como a sus valores sociales y culturales, un motor de la investigación y del desarrollo tecnológico”. (Moragas; Prado, 2003) No caso do Brasil, ao contrário do que ocorreu na Europa, de acordo com Leal Filho (2007) as tímidas iniciativas para implantar serviços públicos de radiodifusão foram sempre subordinadas ao modelo comercial, assim atuando de forma complementar a ele, ocuparam os espaços que não atraíam os interesses da iniciativa privada, o que resultou em uma história da radiodifusão pública no Brasil “minguada”. Com a ausência de uma televisão pública forte, Leal Filho (2007) argumenta que houve um impedimento da formação de um público mais crítico em relação à televisão comercial, resultando na falta de modelos alternativos, o que também impossibilitou “a criação de uma massa crítica capaz de exigir da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais que determinam a prestação de serviços de informação, cultura e entretenimento” (Leal Filho, 2007). Entre os momentos relevantes da história da televisão pública no país, o autor destaca a Constituição de 1988, em seu artigo 223, de que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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complementaridade dos sistemas público, privado e estatal” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, 1988), além da promulgação da lei 8.977, de 1995, conhecida como Lei do Cabo que possibilitou a existência das emissoras de acesso público: legislativas, universitárias e comunitárias. “Um passo importante rumo à ampliação das ofertas televisivas, mas ainda restrito à parcela minoritária da população que tem acesso a esse tipo de serviço.” (Leal Filho, 2007). E quanto à circunstância da rede pública assegurar a prática da democracia, trata-se de algo auto-evidente. O histórico do modelo de televisão de mercado imposto à sociedade brasileira estabeleceu uma forma de pensamento único, reprodutor das ideias dominantes e disseminadas a partir dos centros do capitalismo global. O individualismo e o consumismo, sustentados e impulsionados pelo neoliberalismo tornaram-se matrizes ideológicas da produção televisiva. A elas, no modelo hegemônico, não cabem alternativas. A saída, respeitado o jogo democrático, é a TV Pública. (Leal Filho, 2007). A televisão no Brasil passa por um processo de reestruturação tecnológica, transitando do sistema analógico para o digital, que abre possibilidades reais para uma nova perspectiva de atuação, abrindo um novo segmento de conteúdo e programação gratuito, aberto e alternativo ao sistema adotado pelas televisões comerciais. O sistema é baseado no padrão japonês de sinais do Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) – serviço integrado de radiodifusão digital terrestre, sendo adaptado e desenvolvido tecnologicamente no país, a tecnologia permite a transmissão digital em alta definição High Definition Television (HDTV), simultânea para a recepção fixa, móvel e portátil e a interatividade2. Desde sua criação envolvendo as questões legais e de regulação, a implantação tem sido marcada pela constante preocupação com a questão da educação, acessibilidade e desenvolvimento social, iniciada a partir da instituição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) pelo decreto nº 4.90133. Entre seus objetivos, está descrita no artigo 1º, inciso I, a finalidade de “promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio de acesso à tecnologia, visando à democratização da informação”; no inciso II, “propiciar a criação de rede universal 2 O modelo de televisão digital está regulamentado no Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, que determina o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) e o conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens. 3

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Decreto nº 4.901², de 26 de novembro de 2003. IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa da ComunICação E tElEvIsão PúblICa

de educação à distância” e no inciso IX, “contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicação”.

A TELEVISÃO PÚBLICA E A MULTIPROGRAMAÇÃO A partir desta tecnologia, um novo serviço de comunicação está sendo disponibilizado para o País: a multiprogramação que é definida como “a transmissão simultânea de vários programas dentro de um mesmo canal de 6MHz” (Norma nº1/2009). A multiprogramação também é conhecida como “a ocupação compartilhada de um canal (6MHz) por diversas emissoras, sendo que cada emissora possui um espaço próprio, autônomo, dentro desse canal, como se fossem sub-canais”, conforme consta no Relatório do Grupo Temáticos de Trabalho ‘Migração Digital’, do I Forum Nacional de TVs Públicas (2007). O relatório aponta que a multiprogramação pode ser um “modelo estratégico para as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as demandas da sociedade” com os seguintes benefícios: ampliação do número de canais – mais conteúdo, possibilidade de alternar alta definição (banda) e multiprogramação (divisão de banda em quatro ou mais programações standard) – conteúdo diferenciado. Regulamentada pela Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital nº 01/2009, a multiprogramação é autorizada a ser utilizada exclusivamente pela União Federal, com o objetivo de transmitir assuntos ligados ao Poder Executivo, educação, cultura e programação ligada a interesses regionais. A postura do Estado diante da restrição causa divergência ao modelo democrático proposto para a televisão digital, beneficiando o modelo comercial vigente. “A ideia foi melhorar a qualidade do vídeo, ampliar os dispositivos de recepção (com a mobilidade), para manter tudo como está, sem mudar o modelo de negócio”. (Cruz, 2008). Mesmo assim, Barbosa e Castro (2008) propõem que o papel da televisão pública neste novo cenário - que prevê a liberação da multiprogramação - pode se tornar a grande alavanca para que a sociedade atinja objetivos relevantes em uma sociedade democrática como o cumprimento da regra constitucional, por meio da socialização dos bens culturais, democratização da informação, difusão do conhecimento e cidadania; oportunidades que poderão surgir no mercado audiovisual pelas novas maneiras de acesso à informação, à cultura e ao entretenimento; atendimento à qualidade das relações sociais na medida em que rediscute a noção de espaço público, assim como a visibilidade das relações Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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público-privadas, de seu agendamento, troca simbólica e modificação do eixo de poder resultante; diversidade de ideias, os espaços de relacionamento, as possibilidades de se estabelecerem novos pactos sociais através da inclusão de novos atores e a consequente divisão do poder sobre a informação. No Brasil a televisão é um meio de comunicação muito mais popularizado por suas características de entretenimento do que de desenvolvimento social. Podemos dizer que as características da indústria cultural são explícitas, chegando até ao apelativo, em muitos momentos. “A Televisão pública deve se destacar pelo estímulo à produção de conteúdos digitais interativos e inovadores, a multiprogramação é um modelo adequado para bem realizar a sua missão.” (Pieranti, 2009). O Relatório do Grupo de Trabalho ‘Migração Digital’ do I Forum Nacional de TVs Públicas4 , realizado em 2006, destaca que cabe à “televisão pública contribuir para integrar a maioria da população aos benefícios da tecnologia, bem como eliminar diferenças de acesso à capacidade de produção de conteúdos” e avalia a multiprogramação como um “modelo estratégico para as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as demandas da sociedade” com os benefícios de ampliar o número de canais para mais conteúdo e de modo diversificado. O relatório de contribuição do Intervozes ao II Forum Nacional de TVs Públicas, divulgado em maio de 2009, do ponto de vista econômico, apresenta a multiprogramação preconizada pela televisão digital como um gerador de impactos significativos para a estrutura de mercado da televisão. A multiplicação de programações (multiprogramação) possibilita a entrada de novos agentes em áreas onde o espectro já se encontrava saturado. Se por um lado isto surge como ameaça aos operadores comerciais, uma vez que a diversificação atinge a divisão do bolo publicitário, por outro abre importante oferta de agentes públicos do setor. (INTERVOZES, 2009). A desmassificação provocada pela televisão digital e suas potencialidades geram uma nova realidade reflexiva apresentada pelos autores Bolaño e Brittos (2007) como o reconhecimento da existência de uma pluralidade de interesses, 4 Em 2006, o Ministério da Cultura convocou a sociedade civil interessada, profissionais e pesquisadores para do 1º. Fórum Nacional de TV’s Públicas buscando reunir todas as experiências concretas de produção e veiculação de televisão não comercial, realizar um diagnóstico do setor e apontar caminhos para a sua consolidação.

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relativos a consumidores, emissoras e outros setores da indústria brasileira que, para serem atendidos, devem alterar sua lógica social até então adotada. Neste cenário de possibilidades, no entanto, a TV Cultura foi a única emissora não governamental a ter a autorização especial para a implantação da multiprogramação (MINISTÉRIO, 2010) no Brasil, a partir de decreto especial, com objetivo de funcionamento em caráter científico e experimental. A emissora é gerida pela Fundação Padre Anchieta - FPA, que atua com o objetivo de oferecer uma televisão pública com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, conforme determinam os artigos 222 e 224 da Constituição Brasileira, buscando universalizar o direito à informação e à comunicação, em um trabalho contínuo de inovação e experimentação (FPA, 2010). Recentemente sua experimentação no ambiente tecnológico e educacional tem sido com a implantação de dois canais na multiprogramação: o Multicultura e o canal Univesp TV, iniciados em 26 de agosto de 2009. A implantação da multiprogramação pela TV Cultura é um momento relevante na história do País, em especial do estado de São Paulo – estado sede da emissora – pois a multiprogramação poderá provocar transformações na televisão e a TV Cultura pode se tornar um referencial na implantação da multiprogramação voltada para os interesses educativos, culturais e de capacitação social, contribuindo para o aperfeiçoamento da emissora pública e para a discussão sobre as políticas públicas reguladoras da televisão digital, pública e educativa vigentes. Mesmo sendo uma emissora educativa e pública, foi necessária ampla negociação entre o Ministério das Comunicações, por meio do então ministro Hélio Costa, e o ex-presidente da FPA, Paulo Markun, responsável por romper a própria legislação vigente por acreditar na potencialidade e inovação da multiprogramação e colocar no ar os dois canais. “A FPA está oferecendo um canal digital que, de fato, inaugura a televisão digital no país. Vamos apresentar o caminho para oferecer mais cultura, conhecimento e educação para que a televisão digital seja mais que um salto de tecnologia, seja um salto de conteúdo e oportunidades”, declarou Paulo Markun durante a cerimônia de lançamento da multiprogramação pela emissora em 26 de agosto de 2009 (TV CULTURA, 2010). Para ele, a ordem na TV Cultura é experimentar, acreditando que os novos meios de comunicação fossem prioridades de sua gestão e a emissora viabiliza isso por não ser uma rede comercial, permitindo acertar e errar gastando pouco. A TV Cultura pode representar um elemento importante nesta quebra de entraves e resistências que as emissoras privadas vêm colocando por interesses econômicos e comerciais, sendo que pode servir de modelo para outras televisões públicas. As questões referentes à implantação da multiprogramação no país vão Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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além dos interesses da TV Cultura, envolvem questões comerciais e de domínio de mercado que o Estado deve superar. As emissoras Rede Globo, SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e Rede Record, por meio da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), são contra o mecanismo. Já a Rede Band, a Rede TV! e o Grupo Abril são favoráveis. (EBC, 2010). As regulações determinadas pelas políticas públicas são fatores determinantes no processo de desenvolvimento da multiprogramação e sua devida utilização junto à sociedade como alternativa ao sistema até então hegemônico. Em relação às políticas públicas voltadas à comunicação social, enfim, há uma resistência dos empresários de comunicação e do governo quanto à sua implantação, pois estes segmentos veem nas emissoras públicas e comunitárias uma concorrência pelas receitas de publicidade e um espaço para a formação de um pensamento político independente. (Lins, 2002. p. 18) O Brasil vive um período de transição e adaptação no modo de fazer televisão que pode alterar características de sua estrutura capitalista consolidada e cada dispositivo criado para abrir caminhos de mudança nesta estrutura merece ser avaliado, registrado e estudado. Por considerar que a cultura de uma sociedade capitalista reflete as normas e valores da classe social, que possui propriedade dos meios de produção, Karl Marx teria observado no “mundo da Comunicação” a manifestação necessária de “forma da consciência social”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar em alternativas para novos modelos de comunicação aos consolidados pela indústria cultural demanda duas ações fundamentais: disposição da população e, fundamentalmente, do Estado que tem o papel e a capacidade de regulamentar uma legislação que viabilize ao cidadão espaços de manifestação popular. Para Bolaño e Brittos (2007) não há uma neutralidade do Estado. Cada tomada de decisão determina atitudes ou em benefício à sociedade de modo democrático ou ao mercado que implica a “tomada de posição em benefícios dos detentores do capital, o que significa, na medida em que inexiste concorrência perfeita, benefício para as empresas que controlam o mercado, produzindo assimetrias recorrentes, num jogo controlado pelo poder econômico” (Bolaño; Brittos, 2007). Por outro lado, os autores consideram que o cumprimento da função de hegemonia acaba abrindo, ao mesmo tempo, brechas para a ação de agentes não hegemônicos. E

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são essas brechas que devem ser incentivadas. Mosco (2006) propõe um interessante conceito de desregulamentação: um modo de recapitalizar a mídia eletrônica, não eliminando o papel do Estado, mas reorganizando- o para melhor representar o capital e seus interesses. Em resumo, o ente estatal não é um lugar neutro, onde os interesses grupais competem, como sugerido pelos instrumentalistas, mas um espaço “capitalista que ativamente organiza forças de conflito no interior do capital, incluindo aqueles na mídia eletrônica.” (Bolaño; Brittos, 2007). Nesta perspectiva, com a chegada da tecnologia digital e a utilização da televisão pública como instrumento de acesso à educação, cultura, informação e lazer, cria-se uma possibilidade de rompimento com a padronização da indústria cultural não como um opositor, mas como elemento alternativo - que conviva em harmonia de modo planejado e sustentável - ao processo de comunicação midiático. É notório que para os poderes hegemônicos da indústria cultural tal alternativa será uma força de conflito aos seus interesses, mas cabe ao Estado o papel de mediador e regulador do equilíbrio entre ambos. É preciso haver a superação da dicotomia educação, consciência social, cultura e informação crítica versus indústria cultural. O que se faz necessário é o processo consciente de inserção e garantia de alternativas ao sistema no qual esteja inserido. É claro que a indústria cultural permanecerá. E nem se espera o contrário. As novelas brasileiras, os filmes e seriados americanos, os programas de auditório populares, as músicas com poucas letras e refrões marcantes, repletas de danças sensuais, as canecas de porcelana à venda carregando imagens de obras de arte, tudo faz parte do que se define como indústria cultural que é, em muitos momentos, muito bem recebida pela sociedade. O que precisa haver é a opção, a liberdade de encontrar canais abertos, ou seja, gratuitos e alternativos com uma finalidade social e não comercial. Para isso, a televisão pública deve agir com capacidade plena de seus potenciais tecnológicos e ideológicos - como a multiprogramação regulamentada para as televisões públicas -, a sociedade ser participativa e o Estado garantir tais direitos, pois é preciso que ele assuma uma postura favorável e legalizada visando ao desenvolvimento da tecnologia com políticas públicas federais e estaduais que incentivem e se voltem a um modo diferente de fazer televisão, buscando conciliar o perfil tradicional e arraigado das emissoras brasileiras, fundamentalmente comerciais e, ao mesmo tempo, abrindo caminhos e possibilidades para que novos canais surjam, aproveitando o potencial da nova tecnologia, buscando suprir as carências intelectual, educacional e cultural do país. No entanto, enquanto houver inércia entre os envolvidos, a indústria cultural agirá com plenitude para prejuízo da sociedade. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Possibilidades da interatividade da TV digital no campo da educação VALÉRIO CRUZ BRITTOS1 NADIA HELENA SCHNEIDER INTRODUÇÃO Atualmente, o crescente avanço dos elementos tecnológicos na sociedade exige um alto investimento intelectual, com base educacional, que contemple tanto o domínio técnico quanto a reflexão crítica e a autoconsciência. Embora a educação busque acompanhar os movimentos históricos, numa relação de cumplicidade com as necessidades e os objetivos da demanda social vigente, verifica-se que presentemente, em especial com o crescente desenvolvimento da tecnologia, ela está longe de contemplar seus objetivos, entre eles, o de ofertar uma formação de qualidade para todos. Para sanar essas deficiências, pensar sobre uma proposta de educação para e pela mídia é, sem dúvida, primordial, não só para o domínio desses avanços, mas para o fortalecimento crítico dos indivíduos, frente às mensagens veiculadas através dos meios de comunicação, favorecendo o entendimento das complexidades do mundo atual e a busca de superação da crescente desigualdade social. O desafio que se apresenta é o de contrabalançar essas problemáticas com uma educação que promova propostas pedagógicas transformadoras, capazes de ampliar a compreensão dos educandos a respeito dos sistemas e engrenagens de poder que atuam no modo de produção capitalista, no qual a mídia ocupa posição central na difusão da informação e do conhecimento. Cabe ressaltar o papel da televisão aberta e gratuita, que é o meio de maior audiência e, muitas vezes, a única fonte de informação, entretenimento, educação e cultura, portanto, merecedora de reflexão e questionamento. Diante desse cenário, o presente artigo tem o propósito de refletir sobre a relação televisão e educação, com foco na TV digital interativa, por ser ela um importante meio de comunicação, que aponta para um novo modo de saber e um inovador processo de construção do conhecimento. A relevância do tema pautase na constatação de sua grande audiência e da asserção de que é inegável sua força como produtora de sentidos e significados, principalmente como agente de socialização, visto que legitima valores e estimula comportamentos, através de seus programas, imagens e mensagens, ocasionando uma reconfiguração sociocultural, da qual faz parte, como aparelho midiático inserido no capitalismo, 1 Este capítulo é uma publicação póstuma. Valério Cruz Brittos faleceu em julho de 2012, durante o processo de editoração do presente volume. A primeira versão do texto foi preparada em 2009. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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com funções econômico-político-culturais específicas. Ao mesmo tempo em que é agente de reforço e expansão do sistema, a mídia também pode servir para experiências democráticas e libertadoras. Por isso, vislumbram-se, com a televisão digital interativa, alternativas de expansão do conhecimento e um novo instrumento pedagógico no ambiente escolar, capaz de favorecer uma educação inclusiva e convergente com as necessidades de uma sociedade em constantes transformações tecnológicas. Entretanto, para isso é preciso a ação humana consequente, demandando políticas públicas democráticas e inclusivas, pois o mercado, por si próprio, não só não resolve o problema, como o agrava (na medida em que, inclusive, foi seu criador).

TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO Verifica-se que temas como tecnologias, educação, propriedade intelectual, sustentabilidade e diversidade cultural, entre outros, são evidenciados em várias referências de encontros, tais como o “Compromisso de Dakar”, de 2000, que aponta caminhos do desenvolvimento no âmbito de uma “educação para todos”. O Relatório Delors, de 1996, registra a preocupação e medidas norteadoras para proporcionar uma educação mais qualitativa e eficiente para o século XXI2. Com a mesma preocupação tem-se também a “Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre a Sociedade da Informação”, de 2003, e os temas de ação-chave da “Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável” de 2005-2014. Buscando uma reflexão sobre a TV, vale mencionar, aqui, um documento chamado Carta Para o Século 21, assinado pelos professores reunidos no Fórum de Ciências e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Internacional da Imagem & Cultura, em abril de 1998, que busca um entendimento sobre o assunto e formas de avançar através de possíveis práticas efetivas: Carta para o Século 21 Considerando que a cultura audiovisual (fragmentada, multifacetada, polissêmica) se opõe à cultura escolar; - considerando que a televisão é onipresente no mundo inteiro e que essa presença ocupa, na vida das crianças, lugar preponderante; 2 “O Relatório Delors, ao propor os 4 pilares – Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Ser e Aprender a Viver Juntos – como eixos norteadores da educação para o século XXI, já havia percebido a importância de uma política multicultural de educação. A educação tem por missão, afirma o relatório, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomarem conhecimento da semelhança e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta. [...] Os fundamentos para uma nova educação propostos pelo Relatório Delors foram ampliados por Edgar Morin, num texto de elevado alcance pedagógico e social, elaborado a pedido da UNESCO e editado no Brasil sob o título ‘os sete saberes necessários à educação do futuro’. Neste trabalho, Edgar Morin chama a atenção para a importância de se ensinar a compreensão”. (UNESCO NO BRASIL)

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- considerando que a escola não é mais o único lugar legítimo do saber e que o livro não é mais o centro que articula a cultura, os professores reunidos no Fórum de Ciências e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Internacional da Imagem & Cultura, em abril de 1998 recomendam: - que se priorizem pesquisas centradas na recepção à TV, nos diferentes grupos etários e sociais; - que se intensifiquem as ações dirigidas ao receptor, visando à formação do telespectador - a “alfabetização para a mídia” e do professor; - que se promova uma mobilização social objetivando a exigência de maior qualidade na produção televisiva oferecida pelos meios de radiodifusão; - que se desenvolvam programas e projetos voltados para a formação do professor e do comunicador, numa perspectiva de educação para a imagem e para a mídia; - que os educadores trabalhem as novas “linguagens audiovisuais” como linguagens pedagógicas, admitindo que são tão legítimas quanto a linguagem escrita. (MEDIATAMENTE, 1999) Todos atentam para as tecnologias de informação e comunicação, bem como para a diversidade cultural e a compreensão intercultural entre os povos. Diante do exposto, nota-se a grande preocupação com o desenvolvimento da humanidade frente aos avanços tecnológicos e a necessidade de proporcionar uma educação não só para todos, mas uma educação de qualidade, responsável e ética. Atualmente, com a chegada da tecnologia digital, vivenciam-se grandes expectativas em diversas áreas, que futuramente refletirão em outros segmentos sociais. Apesar disso, ao mesmo passo em que proliferam as tecnologias da informação e comunicação, percebe-se o crescimento de um contingente cada vez maior de infoexcluídos, o que, consequentemente, fortalece a divisão entre as classes sociais e a disparidade nas relações de poder, o que, por sua vez, dificulta a ampliação da cidadania. Com essa preocupação, Druetta e Sierra (2005, p.176) propõem que: Um discurso pedagógico que analisa globalmente o impacto das novas tecnologias na educação não pode reduzir-se a explorar seu potencial em relação com os processos individuais de aprendizagem. Requer, também, analisar as novas tecnologias em relação às interações sociais, políticas e culturais que promovem no interior de nossa sociedade e, em consequência, identificar as responsabilidades e ações educativas implicadas, de modo a promover uma maior justiça social e o progresso democrático. Para tanto, um dos muitos desafios está em descobrir, no espaço privilegiado do processo pedagógico, as possibilidades de interação que ocorrem na relação Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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professor, aluno e conhecimento, mediadas pelas ofertas das tecnologias de informação e comunicação (TICs), em especial da TV. Da mesma forma, é mister desenvolver as potencialidades educativas e culturais na órbita da televisão digital, visto ser a TV a mídia que mais atinge a população brasileira e a sua principal fonte de informação e entretenimento. Dentro desta perspectiva, é primordial, frente às mudanças provocadas pela digitalização, também investigar como estão sendo desenvolvidas as políticas públicas, notadamente o instrumental legal relativo à TV digital, em sua (eventual) conexão com a promoção de melhorias no processo educacional, com decorrente inclusão social. Ressalta-se que, no Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), o papel na inclusão social dos cidadãos, é citado logo nos dois primeiros objetivos do Decreto Presidencial 4901: “I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; e II - propiciar a criação de rede universal de educação à distância” (BRASIL, 2003). No campo educacional, observa-se que o processo de trabalho pedagógico procura, de alguma forma, acompanhar as transformações que ocorrem na interrelação entre cultura e educação mediada pela mídia, para que a prática educativa não fique totalmente distanciada da realidade social e do novo modo de ser dos sujeitos. Nesse sentido, a escola, para não ficar alheia a essas mudanças, busca refletir sobre a integração do meio televisual no espaço escolar, em sua dimensão de ferramenta pedagógica, a fim de promover uma educação midiatizada. Contudo, é importante ressaltar que a televisão não pode ser vista como uma concorrente da escola, mas sim, uma parceira. Pensando dessa maneira, a maior expectativa, no campo educacional, com a TV digital, está – além da criação de um canal específico para a educação – na possibilidade da interatividade, citada no artigo 6 do Decreto 5.820, (BRASIL, 2003) uma característica dos novos meios, que vai ao encontro dos caminhos da escola em busca de inovações nas práticas pedagógicas. Desse modo, diante das demandas sociais, conforme Lima; “é importante verificar como se expressam os interesses do Estado através dos mecanismos de regulação da educação nacional, em relação às políticas públicas de educação e comunicação”, assim como: faz-se necessário a universalização e democratização do uso dos diferentes meios de comunicação, do rádio à internet, na educação, articulando políticas públicas nas duas áreas de conhecimento, nos diferentes níveis de ensino e processos educativos que conformam o sistema educacional nacional. (Lima, 2008, p.110) Dito isso, é oportuno refletir sobre as possibilidades da TV digital interativa no ambiente escolar, no sentido de promover a utilização dos recursos próprios da linguagem audiovisual e a exploração de determinados conteúdos da televisão como um conhecimento específico a que poucos têm acesso de forma clara e

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consciente. Isto visto que a mediação escolar é de fundamental importância no desenvolvimento, junto ao telespectador, de capacidades que permitam a leitura crítica de suas mensagens e o uso participativo de suas informações na construção de novos conhecimentos, capazes de conscientizá-lo do seu papel de cidadão. Para tal, é relevante diferenciar os termos interativo e interatividade, a fim de melhor compreender o processo comunicacional da TV digital. O termo interativo é comumente usado para tentar descrever qualquer coisa ou sistema que permite ao usuário algum nível de participação ou de suposta participação. A palavra ganhou projeção com o advento da internet, mas também com os programas da televisão aberta ditos interativos, até mesmo quando a interação se resume apenas às respostas dos telespectadores por telefone a uma determinada questão. Exemplo: a eliminação de participantes do programa Big Brother Brasil, da TV Globo. A palavra interatividade, derivada do neologismo inglês interactivity, foi cunhada para denominar uma qualidade específica da chamada computação interativa (interactive computing). Segundo Fragoso, a palavra interatividade nasceu no contexto das interações entre usuários e computadores; assim, os fenômenos relacionados à interação usuário-sistema, os estudos de Interação HumanoComputador (Human- Computer Interaction, ou HCI) foram inicialmente norteados pela capacidade dos usuários se adaptarem ao computador, comunicando-se em linguagem de máquina ou em linguagens de comandos (Fragoso, 2001). As promessas de uma interatividade diferenciada e que permita respostas e ações mais ativas dos telespectadores sobre os conteúdos da TV é uma característica da TV digital. Na concepção de Lemos, o que se compreende hoje por interatividade é nada mais que uma nova forma de interação técnica, de característica eletrônicodigital, e que se diferencia da interação analógica, que caracteriza a mídia tradicional (Lemos). Quanto à interatividade da TV, Lemos sugere a seguinte classificação baseandose na evolução tecnológica que são: interação nível 0, que seria o estágio em que a televisão expõe imagens em preto e branco e dispõe de um ou dois canais, na qual a ação do espectador resume-se a ligar e desligar o aparelho, regular volume, brilho ou contraste e trocar de um canal para outro; o nível 1 seria o zapping, um antecessor da navegação contemporânea na World Wide Web (WWW ou Web); a interação de nível 2 seria com os equipamentos acoplados à televisão, como o videocassete, as câmeras portáteis e jogos eletrônicos; no nível 3 já aparecem sinais de interatividade de características digitais e o telespectador pode então interferir no conteúdo a partir de telefones, fax ou correio eletrônico; no nível 4 é o estágio da chamada televisão interativa, em que se pode participar do conteúdo a partir da rede telemática em tempo real, escolhendo ângulos de câmera, diferentes encaminhamentos das informações, etc (Lemos). Nota-se que, ao longo de sua história, a televisão tem evoluído também em termo de viabilidade de interatividade, ainda que muitos passos necessitem ser dados para que ela se dê de forma mais plena e com resultados públicos mais efetivos.

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TELEVISÃO E POTENCIALIDADES A história da televisão digital no Brasil acompanha a tendência internacional de transição dos sinais analógicos para digitais, que, entre outros benefícios, trariam melhor qualidade de recepção de imagens, interatividade e possibilidade de distribuição de conteúdos próprios da internet. Consoante Bolaño e Brittos (2007, p.68): “A TV digital terrestre se apresenta, à semelhança da internet, como um novo desafio para os atores hegemônicos, nos diferentes mercados da chamada convergência entre audiovisual, telecomunicações e informática”. Foi no governo do ex-presidente Fernando Collor, em junho de 1991, que se deu a primeira iniciativa governamental acerca da proposição de políticas para a implantação da TVD no Brasil, com a instituição, por parte do Ministério de Estado das Comunicações, da Comissão Assessora de Assuntos de Televisão (COM-TV) (Bolaño e Vieira, 2004). Entre 1994 a 2002, no governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, as negociações seguiram, mas foi no Governo Lula, em 2003, que ganhou forma uma mobilização em torno da ideia de desenvolver um sistema nacional de TV digital. Para tanto, na época, o governo disponibilizou R$ 80 milhões para financiar as pesquisas em universidades e laboratórios brasileiros, R$ 48 milhões dos quais foram investidos na criação de equipamentos para codificar o sinal em hardware e software, que seriam usados nos decodificadores (Pires). Encerrada a fase de estudos, em 2006, no dia 29 de junho, o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 5.820, que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T) e estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digitalizada do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão. Ficou oficializado o modelo japonês (ISDB) como o padrão de televisão digital a ser adotado no Brasil e um prazo de 10 anos para migração do sistema analógico para o digital. O governo brasileiro adotou um modelo de TV digital que poderá integrar transmissão terrestre de sinal, satélite, telefonia fixa e internet em banda larga, a fim de oportunizar aos usuários a convergência de texto, som e imagem. É fato que a nova televisão permanecerá predominantemente comercial e atenderá às lógicas de mercado do sistema capitalista prevalecente; mesmo assim, (ainda) há possibilidade do governo ampliar as vozes, permitindo, na regulamentação, espaço para a inserção de grupos menos privilegiados economicamente, bem como associações e comunidades não voltadas aos interesses mercantilistas. Verifica-se que, na busca de avançar nessa direção, o governo movimenta-se lentamente, não obstante alguns caminhos já possam ser observados. A fala do ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins, no 20º Fórum do Planalto – realizado dia 16 de agosto de 2007, depois da fusão da Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás) e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que criou a TV Pública de nome

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TV Brasil, segundo a Lei 11652 de 07/04/2008 –, projeta que a meta seguinte do governo é efetivar o Canal da Educação, previsto no artigo 13 do Decreto 5.820, que implantou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTD-T). O Canal da Educação, em fase de planejamento, objetiva uma programação destinada ao desenvolvimento e aprimoramento do ensino à distância de alunos e capacitação de professores, entre outros, e ficará sob a coordenação do Ministério da Educação. Dentre as possibilidades, a maior expectativa está na interatividade, mas sua implantação efetiva requer investimentos significativos, tanto para os consumidores, quanto para a indústria, fabricantes, produtores e radiodifusores. Para uma compreensão mais detalhada do potencial tecnológico da TV digital, seguem as suas possibilidades, as quais não necessariamente serão implantadas. Qualidade técnica de imagem e som - Resolução da imagem – Os primeiros receptores apresentavam 240 linhas de vídeo. Hoje, um monitor analógico de boa qualidade apresenta entre 525 e 625 linhas. Na TV digital de alta definição, chega-se a 1080 linhas com o padrão HDTV. - Novo formato da imagem – As telas dos monitores analógicos possuem formato 4:3, a TV digital possui formato 16:9, mais próximo do formato panorâmico de uma tela de cinema. - Qualidade do som - A televisão iniciou com som mono (um canal de áudio), evoluiu para o estéreo (dois canais, esquerdo e direito). A TV digital, contará com seis canais (padrão utilizado por sofisticados equipamentos de som e home theaters). Acessibilidade - Facilidades para gravação de programas – A introdução de sinais codificados de início e fim de programas facilitará o acionamento automático de videocassetes ou gravadores digitais. - Gravadores digitais incluídos nos receptores ou conversores – Alguns modelos de aparelhos receptores ou mesmo os conversores poderão incorporar gravadores digitais de alto desempenho (semelhantes aos discos rígidos utilizados nos computadores), que poderão armazenar muitas horas de gravação e permitir que o usuário escolha a hora de assistir o programa que desejar. - Múltiplas emissões de programas – A transmissão de um mesmo programa em horários descontínuos em diversos canais permitirá que o usuário tenha diversas oportunidades para assistir ao programa desejado em um horário escolhido. Recepção - Otimização da cobertura – A tecnologia digital possibilita flexibilidade para ajustar os parâmetros de transmissão de acordo com as características geográficas locais. Com este recurso, um programa pode ser transmitido (com sinal menos robusto) de modo a ser recebido em locais mais favoráveis, através de antenas externas, por exemplo, enquanto outra atração ou o mesmo programa do mesmo Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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canal é transmitido (com sinal mais robusto) com uma menor resolução de imagem para recepção em todos os pontos da área de prestação do serviço. Isto permite que terminais portáteis ou móveis (instalados em veículos) possam receber sem problemas as transmissões. Interatividade - Interatividade local – Na TV digital o conteúdo é transmitido unilateralmente para o receptor de uma só vez. A partir daí, o usuário pode interagir livremente com os dados que ficam armazenados no seu receptor. Um novo fluxo de dados ocorre somente quando é solicitada uma atualização ou uma nova área do serviço é acessada. - Interatividade com canal de retorno não dedicado – A interatividade é estabelecida a partir da troca de informações por uma rede à parte do sistema de televisão, como uma linha telefônica, por exemplo. O recebimento das informações ocorre via ar, porém, o retorno à central de transmissão se dá pelo telefone, seguindo o modelo citado. - Interatividade com canal de retorno dedicado – Com a expansão das redes de banda larga, pode ser desenvolvido um meio específico para operar como canal de retorno. Para desfrutar desta possibilidade, o usuário da TV digital necessitaria não apenas de antenas receptoras, mas também de antenas transmissoras, e o sistema, a capacidade de transportar os sinais até a central de transmissão.

CONVERGÊNCIA E CAMINHOS Uma das possibilidades, ainda em discussão, é a disponibilidade do canal de retorno para o telespectador, que, tecnologicamente, oportunizaria uma participação mais ativa. A capacidade de interação entre o usuário e a emissora, através do conversor, ou set top box, é uma inovação que pode trazer ampla repercussão, no campo da educação, com a implantação da TV digital interativa. Agregando possibilidades técnicas e de linguagem comuns às da web e cinema juntos, a televisão digital apresenta-se como novo suporte e meio de veiculação da informação e programas de entretenimento com tecnologia capaz de proporcionar que, em um mesmo canal televisivo, possam ser transmitidos até quatro programas e vários aplicativos. Além desta possibilidade, há a via de interação com outros aparelhos, como o leitor de discos blue-ray, mídia de alta capacidade de armazenamento (quatro vezes superior à dos atuais DVDs), e videogames de nova geração, abrindo ainda mais o leque de opções aplicativas de uso. Essa convergência disponibilizada pela televisão digital, principalmente a capacidade interativa, permite considerar, preliminarmente, quais seriam os recursos que poderiam ser explorados no campo educacional, nos processos de ensino-aprendizagem, pela apropriação dos elementos de linguagem e possibilidades técnicas para a produção e transmissão do conhecimento. Como

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exemplifica Maurício: Vale lembrar que a interatividade se divide em local e plena. A local permite que o telespectador interaja com conteúdos previamente armazenados pela emissora, como o acesso a um texto que dê mais informações sobre uma notícia dada e vídeos adicionais que deem mais detalhes, por exemplo, sobre a rotina de um animal num programa sobre vida selvagem (ou o exemplo mais fácil e barato de produzir, a disponibilização das imagens captada por outras câmeras durante um jogo de futebol ao vivo para o telespectador escolher); e a interatividade plena permite que o telespectador interfira na programação que está sendo enviada para todos, votando, enviando informações e e-mails, etc. (Maurício, 2009) Ressalta-se que a chegada de um novo aparato tecnológico sempre gerou grandes expectativas. Com a televisão analógica e a web foi assim e, atualmente, com o vislumbre das possibilidades da TV digital, não é diferente. A proporção do impacto da tecnologia digital ainda é uma incógnita, no entanto, não reconhecer que nela há um potencial significativo é ignorar sua capacidade de interação, que pressupostamente alterará, em alguma medida, a maneira dos telespectadores assistirem à televisão. Paralelamente, observa-se que as ações para efetivação da tão esperada interatividade nem sempre caminham com a agilidade esperada. Foi o que ocorreu com a homologação e disponibilização do middleware brasileiro Ginga3. Esse fato evidencia a pouca clareza da política governamental em relação à TV digital interativa. Outra questão é abranger os telespectadores, um dos grandes desafios, atualmente, da inclusão digital. Conforme Maurício: O canal de retorno do telespectador para a emissora pode ser por um telefone fixo (presente em 55,2% dos domicílios), telefone celular ou internet, inclusive por banda larga via rede elétrica – que ainda não é considerada ideal por alguns técnicos, mas acaba de ser regulamentada pela Anatel (em 13 de abril) e espera regulamentação pela Aneel. Movimentos que lutam pela democratização das comunicações vêm defendendo o uso do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, proveniente da cobrança de 1% da conta telefônica) para levar banda larga a todos os municípios do Brasil, permitindo que este canal de retorno seja via internet. Mas não há indicação alguma de que isso venha a acontecer. (Maurício, 2009) Neste sentido, há poucas evidências quanto à sociedade civil participar das 3 Middleware é o programa de interface que permite a interação de diferentes aplicações de softwares, geralmente sobre diferentes plataformas de hardware e infraestrutura para troca de dados. No caso em discussão, o middleware deve fazer a interface dos aplicativos de software para permitir o funcionamento da TV digital. (Mariz, 31 jan. 2006) Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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reflexões e decisões regulatórias e, sobretudo, das influências e possibilidades desta na democratização e na regionalização da produção dos conteúdos audiovisuais. Observa-se que a utilização da televisão como importante ferramenta no processo educacional, na diversidade cultural, no fortalecimento da democracia e no desenvolvimento da ciência e tecnologia, merece um olhar mais atento. Caso contrário, nas palavras de Maurício (2009): Toda uma tecnologia desenvolvida para que os telespectadores como um todo possam interagir com os emissores, feita para a TV aberta que hoje é o meio de comunicação acessível a praticamente todos os brasileiros, será desperdiçada. Em vez de democratizar as comunicações, estaremos novamente atendendo apenas a quem tem mais dinheiro e, com isso, fazendo bons negócios – o interesse público fica em segundo lugar. Diante do exposto, a TV digital interativa, enquanto possibilidade de processos de ensino-aprendizagem e uso de produções específicas, pode significar um avanço, que compõe, num mesmo meio, recurso e sistemas de informação que exploram determinados assuntos, assim como os respectivos processos de avaliação relacionados ao tema desenvolvido. A ferramenta possibilita o fluxo completo das atividades educativas suportadas num meio específico e com o apelo das transmissões televisivas, permitindo “serviços para a tele-educação que têm como eixo uma pedagogia comunicacional de apoio ao professor em sala de aula, apoio ao estudante em casa e interação pais-escola” (Amaral e Pacata, 2003). Aliás, educar através da televisão digital exige que educadores e comunicadores abracem alguns objetivos, como a compreensão intelectual do meio, a leitura crítica de suas mensagens, o domínio da tecnologia e a capacitação para sua utilização livre e criativa. Diante dessas possibilidades da TV digital interativa, cabe pensar em torná-la parte da educação, pois, através da interatividade, a importância da televisão no processo educacional muda radicalmente, mormente por causa da sua abrangência e da sua audiência. Destaca-se que a TV digital, como meio tecnológico que possibilita a interatividade, está sendo pesquisada no campo educacional para difundir conhecimentos e informações, nomeadamente devido ao seu potencial em promover a interação de seus telespectadores. Reforça-se que o fenômeno da interação é elemento fundamental para a aquisição do conhecimento. Segundo Piaget (1996, p.39): Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito (conhecimento somático ou introspecção), nem do objeto (porque a própria percepção contém uma parte considerável de organização), mas das interações entre sujeito e objeto, e de interações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneas do organismo tanto quanto pelos estímulos externos.

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Logo, o conhecimento é construído interativamente entre o sujeito e o objeto, na medida em que o sujeito age e sofre a ação do objeto, pois sua capacidade de conhecer se desenvolve, enquanto produz o próprio conhecimento. Sendo assim, no ambiente escolar, observa-se que várias pesquisas já foram feitas e muitos pesquisadores universitários já se debruçaram em estudar o assunto e mostram-se dispostos a avançar sobre ela. Todavia, na análise de Moran, referente à utilização da TV digital, “um fator complicador é o ritmo lento, complexo e descontínuo da gestão pública, com recursos, mas dificuldade na implementação, na continuidade das políticas, sem falar na corrupção, que diminui o impacto dos recursos na ponta, na escola” (Moran, 2007). A todos estes fatores colocados, somam-se a falta de professores produtores criativos e conhecedores do sistema digital interativo, que sejam capazes de inovar os processos pedagógicos e didáticos. Já o setor empresarial tem investido e realizado algumas experiências com a TV digital interativa, como é o caso da Globo que tem desenvolvido aplicativos de interatividade há cerca de três anos. No início de abril de 2009, a emissora demonstrou um aplicativo, criado pela Central Globo de Produção, que transmitia, simultaneamente ao capítulo convencional da novela Caminho das Índias, enquetes e descrições de personagens, que podiam ser acessados pelo controle remoto e ocupavam parte da tela do televisor (Ribeiro, 13 maio 2009). Segundo Maurício (2009), a partir de entrevistas realizadas, junto a atores envolvidos com a TV digital, há pouca preocupação quanto à questão de efetivar a interatividade, pois ela está sendo mais um problema do que uma oportunidade do ponto de vista econômico, por não traz aumento de receita para as emissoras. Já para a venda de produtos a interatividade é vista com mais simpatia, para tanto sendo necessária a disponibilidade do middleware Ginga. Outra questão que amarra a interatividade é o fato do alto custo de produzir um programa interativo. Isso porque várias opções de conteúdo requerem ser produzidas, já que nem todos os telespectadores passam a consumir a mesma versão do produto.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS Diante do exposto, conclui-se que a interatividade da TV digital, sua importância e capacidade de transformações na relação entre receptor e emissor, ainda estão numa etapa inicial no país. O próprio governo pouco tem se manifestado a respeito, protelando interferências mais diretas na questão. Trata-se de buscar um modelo de TV digital cabalmente sintonizado com as exigências do desenvolvimento sociocultural, educacional e tecnológico do país. Segundo a análise do pesquisador de Telecomunicações do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações de Campinas (CPqD) e especialista em TV Digital, Daniel Pataca, “a interatividade na TV digital ainda é um aprendizado. Mesmo no Exterior, ela não tem um impacto grande, por enquanto. É preciso achar esse novo modelo” (Guaiume, 16 fev. 2009). É de se supor que soluções pertinentes, gradativamente, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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sejam propostas e viabilizadas, em níveis cada vez mais complexos, à medida que essa tecnologia for implantada efetivamente.

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A economia política do coronelismo eletrônico: categorização dos líderes políticos proprietários de radiodifusão em Minas Gerais1 LUIZ FELIPE FERREIRA STEVANIM SUZY DOS SANTOS Na abertura da I Conferência Nacional de Comunicação – Confecom, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamava atenção para a necessidade de se coibir o avanço de emissoras de rádios outorgadas a instituições sociais que servem de fachada para o controle de políticos tradicionais de várias regiões do país. O Presidente defendeu a necessidade de “agir corretamente para que as rádios comunitárias possam atender verdadeiramente os interesses comunitários”. Se, em um primeiro instante, essa fala poderia sinalizar para uma ruptura na lógica das políticas de comunicação nacionais, a continuidade do discurso tratou de arrefecer a esperança: “e nós sabemos que todas essas coisas têm que passar pelo Congresso Nacional” (Silva, 2009). Com uma expressiva quantidade de radiodifusores entre os seus membros, o Congresso Nacional é locus primordial da rede de relações entre os poderes locais, regionais e nacionais que fundamenta o sistema que temos chamado de coronelismo eletrônico (Santos, 2006, 2007, 2008; Santos, Capparelli, 2005). Esta categoria resgata o conjunto de enunciados do sistema denominado de coronelismo, na tradição analítica nascida em Victor Nunes Leal (1997), como herança conceitual conveniente para o estudo das políticas de comunicação no Brasil. No intuito de desenvolver um aparato teórico-metodológico para compreender as dinâmicas assimétricas de poder e negociação neste cenário, busca-se concatenar o papel dos meios de comunicação como elemento de ruptura ou continuidade no sistema político nacional e as especificidades geopolíticas do mercado brasileiro de comunicações. Dessa forma, o Congresso Nacional é, como dissemos, locus primordial para o diagnóstico das relações entre política e meios de comunicação. Este artigo pretende articular considerações preliminares para uma genealogia 1 Este trabalho é parte do projeto Coronelismo Eletrônico versus Convergência das Comunicações: poder e negociação na relação entre democracia e novas tecnologias e representa um primeiro exercício de categorização das distintas naturezas dos líderes locais proprietários de radiodifusão no Brasil. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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dos atores políticos ligados às comunicações no país a partir da análise dos deputados federais mineiros detentores de outorgas de radiodifusão na última legislatura completa (2007-2010). Busca-se demonstrar, nesse estrato do Congresso Nacional, continuidades e (re)semantizações do sistema coronelista eletrônico, no qual o controle dos meios de comunicação é o cerne da análise por assumir forma similar ao que foi a posse da terra na Primeira República. O controle dos meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico pode ser relacionado à debilidade da distinção entre interesses público e privado.

MINAS GERAIS: HIBRIDISMO ENTRE TRADIÇÃO VERSUS MODERNIDADE É muito difícil precisar o número exato de políticos detentores de outorgas de radiodifusão no país. O caráter estratégico da radiodifusão na vida política e os estratagemas usados para encobrir irregularidades tornaram este um dos menos transparentes sistemas nacionais. A publicação das listas de acionistas das empresas é recente, com pouco menos de uma década, e os dados oficiais nem sempre permitem uma visão clara. Há outorgas com informações desatualizadas, incompletas, com erros e, principalmente, é comum o subterfúgio de estarem registradas em nome de parentes, afiliados ou sócios dos verdadeiros donos. É importante destacar também que o campo da comunicação no Brasil tem parca tradição no manejo de dados primários. Os dois bancos de dados conhecidos sobre o tema, Donos da Mídia e Transparência Brasil – Excelências, são mantidos por organizações externas ao ambiente acadêmico. Esses bancos de dados são complementares já que as metodologias são distintas. O Donos da Mídia cruza as informações dos sistemas eletrônicos disponibilizados pela Agência Nacional de Telecomunicações e dados do Ministério das Comunicações sobre os sócios e diretores de outorgas com as listas de prefeitos, governadores, deputados e senadores em todo o país. Assim, considera apenas outorgas em nome dos próprios políticos, ficando de fora aquelas em nome de parentes e afiliados. O banco de dados também não analisa vereadores. Ao todo, o Donos da Mídia lista 271 políticos radiodifusores no país. Apesar do total de políticos radiodifusores ser semelhante no Transparência Brasil – Excelências (270 em todo o país), a metodologia é completamente distinta. Nesse, contabilizase apenas parlamentares, excluindo membros do Poder Executivo. O universo engloba o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas de 21 estados – não fazem parte da amostra: Acre, Alagoas, Distrito Federal, Roraima e Tocantins – e, por fim, as câmaras municipais de Curitiba, Natal, São Paulo e Rio de Janeiro.

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As fontes dos dados também diferem. Para se chegar aos relatórios finais, são consultadas as declarações de bens à Justiça Eleitoral e os perfis informados pelos parlamentares nas suas Casas legislativas. Assim, para uma amostra mais completa da rede de relações entre radiodifusão e política em um determinado espaço geográfico, são necessários outros levantamentos além desses disponíveis, como, por exemplo, cruzar as listagens oficiais com os nomes de esposas, pais, filhos e sócios dos políticos. A restrição desse artigo aos deputados federais mineiros justifica-se por algumas razões. Em primeiro lugar, desde que as outorgas deixaram de ser de competência exclusiva do Presidente da República, o Congresso Nacional tornou-se o principal gestor do espectro de radiodifusão brasileiro. Os parlamentares federais são também os atores centrais no processo clientelista entre Executivo e Legislativo, que transformou concessões de rádio e televisão em moeda corrente da política nacional desde o fim da ditadura militar. Uma vez que se pretende verificar como se dá a relação entre município e federação no coronelismo eletrônico, a Câmara dos Deputados é um elemento mais frutífero que o Senado já que os membros deste não estão, normalmente, vinculados a uma única base municipal. Dos Estados da Federação, Minas Gerais é o que se apresenta mais complexo para a análise. É o Estado brasileiro que tem maior número de deputados federais radiodifusores (11), o maior número de políticos radiodifusores (38, segundo o banco de dados Donos da Mídia, 2011), o maior número de licenças de retransmissão de televisão outorgadas a prefeituras (800). Em termos políticos, o estado agrega características diversificadas. É a região em que a tradição patrimonialista das famílias governamentais (Horta, 1956; Iglésia, 1986) melhor expressa a sua continuidade. No entanto, difere da imagem construída em torno do coronelismo na qual se fantasia o sistema como pertencente a regiões atrasadas, isoladas, sem acesso aos recursos tecnológicos. Pelo contrário, Minas Gerais tem traços claros dos centros urbanos característicos do capitalismo avançado (Harvey, 2006). Diferente da ideia de um espaço árido, tão retratado em tons sépia, a especificidade do coronelismo eletrônico é justamente a complexificação espacial associada à comunicação social eletrônica. 2 O perfil dos líderes políticos mineiros passou por alterações ao longo dos últimos cem anos – assim como mudaram as condições econômicas do estado e a natureza dos regimes políticos vigentes no país. Desde a República Velha até a fase de redemocratização posterior à Constituição de 1988, além de duas 2 Adotamos aqui a perspectiva que compreende tanto espaço material quanto representações do espaço e espaços de representação (Harvey 2004, 2006; Levebvre, 2003a, 2003b). Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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ditaduras (a do Estado Novo e a de 1964), as figuras mineiras com atuação no cenário nacional deixaram de ser exclusivamente homens ligados à terra, para desenvolver uma complexa rede de negócios, não raro com subsídio público. Dos 53 deputados federais mineiros eleitos em 2006, dez efetivos e um suplente possuem alguma ligação com instituições concessionárias de rádio e televisão, seja pelo próprio nome ou por meio de parentes e sócios. Exceto por um dos casos, o de Carlos Melles, oriundo da cidade de São Sebastião do Paraíso, todos os demais estão ligados a emissoras de rádio, o que aponta para a centralidade do veículo como formador de opinião em cidades pequenas e médias. Nenhum dos municípios com outorgas relacionadas a deputados federais possui mais de 400 mil habitantes – o maior deles, Montes Claros, terra de Humberto Guimarães Souto, tem cerca de 350 mil e o menor, Medina, tem pouco mais de 20 mil.

TABELA 1: LISTA DOS DEPUTADOS MINEIROS DA 53ª LEGISLATURA LIGADOS A INSTITUIÇÕES CONCESSIONÁRIAS DE RÁDIO E TELEVISÃO3

3 Há ainda os deputados federais Mário de Oliveira (PSC-MG), presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular, e Carlos Willian (PST-MG), membro da mesma igreja, aos quais estão ligadas três outorgas de rádio FM, duas em Belo Horizonte e uma em Ipatinga. Esses casos não serão analisados nesse trabalho, por adequação de foco, uma vez que a relação entre o político e os meios de comunicação passa pela mediação da igreja, o que constitui um vínculo de tipo social específico. Assim, também não consideraremos o caso de Mateus Leme, município da região central de Minas Gerais, onde a Igreja Sara Nossa Terra, ligada ao deputado Robson Rodovalho (DEM-DF), possui uma outorga de TV educativa.

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Ainda que sejam líderes com projeção nacional, a fonte de poder para esses políticos provém de suas cidades ou regiões de origem – é nesses locais que se constituem como lideranças de voto e de opinião, nos quais ainda reside parte considerável da família e onde se batizam ruas e se erguem monumentos em homenagem a seus antepassados. Não seria nota casual o fato de que pelo menos uma das concessões de rádio e TV da qual são responsáveis esteja baseada em seus próprios domicílios eleitorais, exceto pelo caso de Rodrigo de Castro, natural de Viçosa, na Zona da Mata mineira, e concessionário de uma rádio FM no município de Medina, localizado no Vale do Jequitinhonha. Há dois perfis de origem biográfica entre os deputados radiodifusores: aqueles cuja atuação na política descende de famílias tradicionais, como os Andradas ou os Coelhos, cada um deles com pelo menos um século de participação em governos; e os de caráter personalista, cujo histórico político se concentra em um único ator ou, no máximo, em duas gerações de ocupantes de cargos eletivos (em geral pai e filho), o que torna difícil supor se esses líderes gerarão herdeiros para seu capital político.

A MANUTENÇÃO DO PATRIMONIALISMO: FAMÍLIAS E PODER As famílias que desfrutam de histórico político são uma característica relevante da difícil distinção entre interesses público e privado. A tradição analítica de matriz weberiana tem farta produção acerca da relevância da estrutura familiar nas lógicas constitutivas do patrimonialismo e de suas formas derivadas, como o mandonismo (Bearfield, 2009; Marques, 2002; Carvalho, 1997, 2005; Campante, 2003; Jorge Cruz, 2004; Brinkerhoff & Goldsmith, 2002; Satzewich, 1996). O poder político patrimonialista se organiza e se legitima caracterizado pelo poder arbitrário e se perpetua pela tradição. Neste contexto, as estruturas familiares – baseadas na parentela, no compadrio e no filhotismo – são a essência do modelo. No Brasil, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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além das raízes patrimonialistas arraigadas, o personalismo e a estrutura familiar são elementos perenes da vida política nacional. Segundo Francisco Iglèsias, O fato é explicável, pelas características de formação da sociedade brasileira. Teve-se no país mais uma versão do mundo patriarcal, em que em torno de uma figura – o patriarca – se desenvolve um universo: a esposa, os filhos, netos, irmãos, primos e sobrinhos, cunhados, genros e noras, sogros e sogras, além dos dependentes, agregados e outros, que se acolhem à sombra do poder de quem é não apenas chefe de c1ã natural, mas também político, dono da economia – fazendeiro ou empresário –, subjugando direta ou indiretamente os chefes religiosos, que também se acolham sob o seu manto (1986, p.111-2). No caso das famílias mineiras, o vínculo com o município mostra-se ainda mais orgânico, sendo a história do lugar indissociável do sobrenome: os Andradas em Barbacena, os Coelhos em Ubá, os Neves em São João Del Rey (dona de um conglomerado de mídia na cidade, que reúne jornal, rádio e televisão educativa, essa família atualmente tem como principal representante Aécio Neves, exdeputado federal e governador de Minas Gerais (PSDB, 2003-2010), neto do presidente Tancredo Neves). Entre as famílias radiodifusoras, como se trata de um poder simbólico historicamente entranhado no imaginário da sociedade local, não se faz necessário que um membro ocupe sempre um cargo eletivo – embora a permanência no poder garanta a perpetuação da rede de influências e da posição social. É o caso da família Coelho, cuja ocupação mais recente de posto público se deu durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando o então deputado Saulo Coelho foi nomeado primeiro ouvidor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Com a missão de tornar mais transparente a instituição encarregada de fiscalizar as comunicações no país, Coelho assumiu o cargo tendo em sua cidade de origem uma rádio, uma TV educativa e um jornal. Tradicional família da Zona da Mata mineira, os Coelhos atuam na política desde a República Velha, tendo Levindo Eduardo Coelho sido senador estadual entre os anos de 1915 e 1930. Seu filho, Ozanam Coelho, depois de liderar o PSD no estado na década de 1950, chegaria mais longe, ao assumir o governo de Minas Gerais de 1978 a 1979, no posto deixado por Aureliano Chaves. Em sua terceira geração na política, a família alcançou a presidência da Telemig (Telecomunicações de Minas Gerais S/A), com o deputado federal Saulo Coelho, depois nomeado ouvidor da Anatel pelo ministro Pimenta da Veiga – não causalmente também mineiro e integrante do mesmo partido (PSDB).

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Antigos proprietários de terras em Ubá, os Coelhos fundaram a Faculdade Ozanam Coelho (FAGOC), em homenagem ao patriarca do clã. A família também compõe o quadro societário da Fundação Ubaense de Educação e Cultura, mantenedora de uma rádio FM, da TV Folha do Povo, afiliada da Rede Minas, e de um jornal de mesmo nome. Embora ainda permaneçam como donos de terra (Fazenda das Palmeiras), os Coelhos não são o único caso de líderes políticos que ampliaram sua rede de negócios para faculdades privadas, ao lado de empresas de mídia, capitaneando verdadeiros conglomerados regionais de conhecimento e comunicação. Outro grupo familiar, descendente direto de José Bonifácio de Andrada e Silva, o “patriarca da Independência”, os Andradas fundaram a Universidade Presidente Antonio Carlos (UNIPAC), espalhada por mais de 100 cidades de Minas Gerais com cerca de 200 cursos de graduação4. Quem está à frente da família é Bonifácio José Tamm de Andrada, deputado por sete legislaturas (1979-2010), reitor licenciado da universidade e pai do deputado estadual Lafayette Andrada (2007-2010). Talvez se trate, dentre os políticos analisados, daquele cuja rede de influências alcança o maior número e a maior diversidade de municípios. Ainda que possua ligação com terras, Bonifácio Andrada sempre figurou como homem de letras, tendo sido inclusive professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) entre 1981 e 2001. No setor de rádio e televisão, Bonifácio Andrada possui em seu próprio nome somente a Rádio Correio da Serra, com outorga de AM, em Barbacena, seu município de origem. Porém, um emaranhado de instituições revela que o deputado também é proprietário da TV educativa da cidade. Eis a teia: por meio de consulta pública na Anatel, verifica-se que a Fundação José Bonifácio Lafayette de Andrada (FUNJOB) mantém a TV Campos das Vertentes, afiliada da Rede Minas, e uma rádio FM. Os diretores dessa organização, que também gerencia a Faculdade de Medicina de Barbacena-FAME, são Antonio Benedito de Araújo e Evandro José Santos de Almeida. Até aí nenhuma relação com o deputado, a não ser pela razão social da fundação, em homenagem a um de seus antepassados – fato corriqueiro, mas não indiferente, na cidade dos Andradas. O vínculo está no fato de que a Faculdade de Medicina da FUNJOB é subsidiária da FUPAC (Fundação Presidente Antônio Carlos), mantenedora da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC) – isto é, trata-se de duas fundações educativas, uma diretamente ligada ao deputado, outra não, que se integram na prática. A persistência do patrimonialismo não é, contudo, uma continuidade inabalável

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Dados da própria instituição. Fonte: http://www.unipac.br

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de um fenômeno pré-capitalista. Esta antiga forma de organização social, que fragiliza o poder do Estado e hipertrofia o poder privado, não deve ser tomada como um sinônimo de coronelismo. Ela é uma forma mais ampla, o coronelismo é sistema derivado, logo mais específico. O sistema coronelista, na concepção do primeiro autor que se debruçou sobre ele, referia-se à inter-relação dos elementos componentes do poder, em um momento específico de transição entre duas estruturas políticas diferenciadas. Seria, porém, errôneo identificar o patriarcalismo colonial com o “coronelismo” (...) também não teria propósito dar este nome à poderosa influência que, modernamente, os grandes grupos econômicos exercem sobre o Estado (...) não se pode, pois, reduzir o “coronelismo” a simples afirmação anormal do poder privado. É também isso, mas não é somente isso (LEAL, 1997, p.276). No ordenamento das relações pertinentes ao coronelismo, o papel central é o da articulação entre o município e a federação. Esse sistema nacional de poder específico representava a recomposição do jogo de forças na passagem brasileira da Monarquia para a República. “O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município” (Leal, 1980, p.13). É também usual a confusão entre mandonismo e coronelismo, como se fossem dois nomes para o mesmo fenômeno (Carone, 1973; Pang, 1979). Essa pode ser a degeneração mais nociva à análise já que induz à figura do coronel como um senhor absoluto, quase mitológico, que inverte a ordem conceitual. O coronelismo se inscreve como um momento particular do mandonismo, “exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo” (Carvalho, 2005a, p.133). Para Victor Nunes Leal e para José Murilo de Carvalho, mandonismo é mais abrangente, ocorre em diversos momentos e lugares, aproxima-se mais da ideia de caciquismo. Leal contradiz com veemência essa sinonímia: Não há uma palavra sequer no meu livro pela qual se pudesse atribuir o status de senhor absoluto ao coronel (...) Em nenhum momento – repito – chamei o coronel de senhor absoluto. Nem jamais me passou isso pela cabeça. Ao contrário, divergindo da noção corrente, digamos, da noção vulgar de coronelismo – que punha ênfase no mandonismo, e apresentando sempre o coronel como um homem valente, destemido, desafiador da autoridade

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pública, um homem rico, poderoso, condutor de exércitos privados – , o que procurei acentuar, como característica dominante na Primeira República, foi, ao contrário, a decadência socioeconômica dos senhores rurais – montados numa agricultura decadente, numa agricultura depredadora – , incapazes, portanto, de solucionar os próprios problemas que a agricultura colocava para eles. Esse personagem da vida local, o que me pareceu sobretudo foi um homem mais fraco do que forte (1980, p.13). O mandonismo, na precisa definição de José Murilo de Carvalho, Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política (1997). Para compreender a lógica das políticas de comunicação no Brasil, é primordial diagnosticar as estruturas regionais e locais de poder detalhando suas funções e reciprocidades aparentes bem como as funções latentes e as necessidades camufladas. Com base neste detalhamento é que será possível a futura construção de uma metodologia de análise do sistema coronelismo eletrônico nas comunicações brasileiras. Neste intuito, deve iniciar pela análise dos “tipos” diferenciados de atores, neste estudo, dos “tipos” de parlamentares radiodifusores. O membro de família tradicional é, talvez, o tipo mais perene de concessionário de radiodifusão brasileiro. A base familiar é tão consistente que gerou outro tipo, as famílias radiodifusoras que gerem os principais veículos de comunicação nacional, como os Marinho, os Saad, os Sirotsky, os Mesquita etc. Como aponta André Heráclio do Rêgo Foi no Brasil que a família atingiu, talvez, o mais alto grau de interação com o poder […] Desde os começos da formação do país, o exercício do poder político ligou-se ao fato de que os primeiros grupos a conquistarem a terra o fizeram como empresas militares familiais. A economia política por eles legada aos descendentes testemunhou assim uma grande dependência no que se refere à família e aos laços de parentesco (2008, 55). Além dos membros de famílias tradicionais, temos outra espécie de parlamentar

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radiodifusor que se define como “empresário”, um tipo personalista. Esta figura é confundida em muitas definições, com a figura do capitalista tradicional. Mas não se trata disso. Diferentemente do capitalista liberal, os negócios do parlamentar radiodifusor brasileiro “empresário” seguem a matriz do sistema coronelista tradicional: a) lógica clientelista com alto grau de dependência das redes familiares; b) ganhos financeiros oriundos de favores ou benesses indiretas; c) administradores recrutados e promovidos como premiação para conexões com lideranças políticas; d) políticas econômicas que regularmente favorecem grupos específicos através da distribuição direta de recursos.

OS ‘NEGÓCIOS’ DO CORONEL: TERRA, RADIODIFUSÃO, FACULDADES... Em Muriaé, na Zona da Mata mineira, reside o exemplo mais genuíno de político de primeira geração, cujo poder de influência se concentra na figura de uma única persona: Lael Varella, eleito por cinco legislaturas (1987-2010), é também o nome com o maior patrimônio declarado entre os deputados mineiros radiodifusores (R$ 5.751.547,18, segundo dados declarados à Justiça Eleitoral em 2006). A rede de negócios sob sua tutela abarca desde setores de informação, como uma faculdade privada e empresas de comunicação, até empreendimentos com elevado respaldo social, como o Hospital do Câncer de Muriaé, além de um conjunto de firmas de natureza estritamente comercial (transportadoras e revendedoras de pneus e caminhões), com filiais espalhadas por cinco estados brasileiros5. Ainda que não possua tradição histórica na política, como nos exemplos dos Andradas e dos Coelhos, a família se faz presente como elemento constituidor da rede de negócios do deputado: a diretoria da Fundação Cristiano Varella, criada em homenagem ao filho morto em um acidente de automóvel, é composta por quatro de seus descendentes – é essa entidade que administra a Faculdade de Minas (Faminas), com campi em Muriaé e Belo Horizonte, e mantém a concessão de uma emissora de televisão educativa, afiliada da Rede Minas, enquanto as duas rádios da família, que compõem o grupo de mídia Rede Atividade, possuem um perfil declaradamente comercial (Rádio Princesa da Mata LTDA). Diante desse complexo de empresas, pode-se questionar se Lael Varella é antes um empresário do que um político. No entanto, o que seria de sua iniciativa mais pujante, a Fundação Cristiano Varella, sem o vínculo com o poder público? Por estar à frente do Hospital do Câncer de Muriaé, a entidade recebeu cerca de 14 5

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Consulta em http://www.empresaslaelvarella.com.br A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis

milhões do Orçamento da União, desde 2006, com algum montante de verbas liberadas pelo próprio Lael Varella6. De perfil filantrópico, o hospital foi construído tanto com patrimônio da família quanto com investimento estatal e é mantido pela mesma instituição que gerencia uma faculdade privada, em última instância com fins lucrativos, e uma concessão de TV educativa. Como definir os limites entre o público e o privado em casos como esse? O vínculo com propriedades de terra, embora não seja motor central do sistema como na República Velha, permanece em todos os casos de deputados federais radiodifusores de Minas Gerais. Em um dos exemplos, o de Carlos Melles, ministro dos Esportes durante o governo Fernando Henrique (05/2000-03/2002), a relação com a Fundação Educacional e Cultural do Sudoeste Mineiro, concessionária de uma TV educativa, dá-se por meio da Cooperativa Regional dos Cafeicultores de São Sebastião do Paraíso, da qual o deputado figura como presidente: um dos diretores da fundação, Adilson Salviano de Paula, é membro do Conselho Diretor da Cooperativa, enquanto o outro, Maurício Landi, trabalha como jornalista responsável pelas publicações da instituição. Eis, portanto, uma conexão indireta, mas considerável. O município, com pouco mais de 64 mil habitantes, possui não apenas uma, mas duas concessões de educativas: a mais antiga delas, a TV Paraíso, ligada a um adversário político de Melles, chegou a sair do ar diante da concorrência com a TV Sudoeste, que também retransmitia a programação da rede pública. Como mostram Venício Lima e Cristiano Lopes (2007), a desobrigação das outorgas de radiodifusão educativa de passarem por licitação constitui uma das brechas por meio das quais políticos burlam o sistema legal e tornam-se radiodifusores7. De fato, as cinco emissoras de televisão de deputados federais mineiros são educativas, todas elas distribuídas quando Pimenta da Veiga era ministro das Comunicações (1999-2002). Dentre os deputados federais que só possuem emissoras de rádio, Humberto Guimarães Souto é o que dispõe do maior número de outorgas: duas em Montes Claros (AM e FM) e uma em Porteirinha (AM), ambos os municípios localizados na 6 Correio Brasiliense (03 jul. 2006). Em consulta ao banco de dados da Câmara dos Deputados, verificamos que a Fundação Cristiano Varella recebeu 5,2 mi de Emendas ao Orçamento em 2006, sendo que 2,5 mi foram aprovados pelo próprio Varella. Em 2007, foram 3,15 mi e, em 2008, mais 8,5 mi destinados ao Hospital do Câncer, mantido pela Fundação que leva o nome do fi lho do deputado. Além do próprio Varella, as emendas parlamentares foram assinadas pelos deputados Leonardo Mattos (PV-MG), Isaías Silvestre (PSB-MG) e Gilberto Nascimento (PMDB-SP). 7 Segundo o parágrafo 1º do Artigo 13 do Decreto 2108 de 1996: “É dispensável a licitação para a outorga para a execução de serviço de radiodifusão com fins exclusivamente educativos.” Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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região norte do estado, onde o político exerce influência. As três licenças, vencidas desde a década de 1980, mas ainda em funcionamento, encontram-se no nome do próprio deputado – aliás, o registro direto é mais comum no rádio do que na televisão, pois enquanto nenhuma das outorgas de TV está no nome do próprio chefe político, é o que acontece em cinco casos de concessões de rádio (Bonifácio Andrada, Cleuber Carneiro, Humberto Guimarães Souto, João Lúcio Magalhães Bifano e Rodrigo de Castro) e somente dois em nome de parentes (Lael Varella e Jaime Martins Filho). Se para alguns nomes, como Lael Varella e Bonifácio Andrada, a ligação com o setor rural é apenas complementar em sua posição econômica, há outros casos em que o político se destaca como representante ruralista. Jaime Martins Filho, com zona de influência no Centro-Oeste de Minas, fundou o Sindicato Rural e a Cooperativa Agropecuária de Divinópolis e possui participação em propriedades rurais nessa cidade e em Nova Serrana, onde sua família dispõe de duas outorgas de rádio AM. O ex-ministro do Tribunal de Contas da União (1995-2002) e líder do governo Collor (1991-1992), Humberto Guimarães Souto, tem terras em Montes Claros (Fazenda Rio Verde) e em Ocidental, no Distrito Federal (Fazenda Bebedouro), somando mais de 900 cabeças de gado, segundo dados declarados à Justiça Eleitoral em 2006. João Lúcio Magalhães Bifano, sócio direto da COMCEL (Comunicações Culturais e Evangélicas LTDA), beneficiária de uma concessão de rádio AM no município de Manhuaçu, na Zona da Mata, é pecuarista e cafeicultor. O limite entre o legal e o ilícito torna-se tênue no terreno do uso político de recursos públicos: três dentre os deputados radiodifusores (Cleuber Carneiro, Jaime Martins Filho e João Lúcio Magalhães Bifano) estiveram envolvidos em pelo menos uma denúncia de favorecimento próprio ou de aliados com verbas governamentais. O suplente de deputado Cleuber Carneiro, natural de Januária, no norte do estado, foi acusado em 2006 pelo Ministério Público Federal de participar do “Esquema das Sanguessugas”, que condicionava licitações com recursos para municípios aliados a empresas indicadas pelo deputado. Os filhos de Carneiro são diretores da Rádio Progresso FM e da fundação mantenedora da TV Norte, afiliada da Rede Minas, enquanto a Rádio Voz do São Francisco LTDA, com uma outorga de AM, pertence diretamente ao deputado8.

8 Jaime Martins Filho foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar de um esquema de desvio de verbas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para favorecer aliados e prejudicar adversários. Bifano também participaria do mesmo esquema, segundo o MPF, cobrando propinas de prefeitos para liberar Emendas ao Orçamento para determinados municípios.

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A posse de uma emissora de rádio ou de televisão não garante a um político a sua continuidade no poder: podemos nos questionar quais os benefícios revertidos em voto que uma rádio FM, em um município de pouco mais de 20 mil habitantes, pode trazer para um nome como Rodrigo de Castro, herdeiro político do pai, Danilo de Castro, tradicional liderança da Zona da Mata e Vertentes e secretário de Estado do governo Aécio Neves. Não se pode pensar aqui em uma relação de causa e efeito, ainda porque em todos os casos analisados os políticos tornaramse concessionários de radiodifusão depois de estarem no poder. O sistema de ligação entre políticos e meios de comunicação, que chamamos de coronelismo eletrônico, encontra-se sedimentado nas relações sociais estabelecidas no município e naturalizado no imaginário da população local. Em seus territórios de influência, não causa estranhamento o fato de um deputado possuir uma emissora de rádio ou de televisão – livres das investidas dos cidadãos comuns e de aliados, críticas podem vir apenas de adversários, não raro também radiodifusores.

CONCLUSÕES INICIAIS A complexidade dos atores sociais relacionados às políticas de comunicações dificulta que se chegue a um tipo ideal de político-radiodifusor, capaz de representar as características comuns a todos eles – o que se pretendeu aqui foi antes uma fotografia das relações de poder estabelecidas por líderes políticos regionais com projeção nacional, a partir da esfera local, isto é, o próprio município no qual se abrigam seus principais negócios, dentre eles as empresas de comunicação. O passo inicial para se estabelecer um conjunto de lógicas e orientações, com vista a construir uma metodologia de análise do coronelismo eletrônico avança com a genealogia destes atores sociais a partir de um estado que abriga características diversificadas, como Minas Gerais, nem tão rural nem tão urbano, nem tão patrimonialista nem tão instrumentalista e com expressividade perene na política nacional. Percebe-se que embora tenha um certo equilíbrio entre os dois tipos distintos de deputados federais radiodifusores, os oriundos de famílias tradicionais e os empresários/personalistas, as heranças patrimoniais da história nacional se fazem claramente presentes. A terra ainda ocupa um lugar fundamental nos “negócios” dos coronéis. Não há uma migração de um modelo rural para um modelo urbano, pelo contrário, percebemos nos contextos municipais a continuidade do modelo patrimonialista tradicional. O interesse dos políticos locais, em especial os de natureza autoritária, por veículos de comunicação não é novidade dos tempos atuais. Grande parte Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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da bibliografia sobre coronelismo e mandonismo no país traz relatos de coronéis que mandavam imprimir cordéis e panfletos, que expulsavam jornalistas das cidades ou que manejavam habilmente as relações com jornais e revistas das capitais como forma de pressão política aos governos federais ou inimigos de ocasião. E há razões claras para o interesse dos líderes políticos locais nos meios de comunicação, em especial os eletrônicos: t

O papel similar ao que foi da terra na cooptação de votos;

t Garantia de renda, através de incentivos fiscais, financiamentos e publicidade oficial; t Garantia de proteção nos mercados locais contra predadores concorrenciais; t Ferramenta de divulgação dos outros ‘negócios’ sob influência dos líderes políticos; t

Importante ferramenta de construção de imagem mítica;

t

Controle do fluxo de informação;

t

Arma fundamental contra os inimigos políticos.

Há um vetor comum que aponta para a modernização do coronelismo, ao passo em que se mantêm as mesmas estruturas de dominação social e patrimonialismo. Ainda ligados à terra, mas não mais dependentes do setor rural, em cidades cada vez mais urbanizadas, os políticos radiodifusores tendem a expandir seus negócios para a economia da cultura, do conhecimento e da comunicação, gerando capital social em torno de seus próprios nomes.

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A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis

A reedição do difusionismo diante da brecha digital: o desafio das regiões na sociedade da informação1 FRANCISCO JAVIER MORENO GÁLVEZ Apesar dos debates suscitados acerca das dimensiones e consequências das transformações que vêm experimentado as sociedades contemporâneas, é inegável que nas últimas décadas fomos testemunhas da configuração de uma nova forma de ordem mundial em que se reorganizam as relações entre os atores tradicionais ao mesmo tempo em que surgem novos protagonistas também fortes. Isso resulta em algo complicado, uma vez que é pouco rigoroso apontar um determinado acontecimento ou delimitar em uma data específica a origem de tais mudanças. Sem dúvida parece consensual situar como ponto de inflexão a crise capitalista dos anos 1970 e a posterior reestruturação produtiva encaminhada para recuperar a lucratividade das economias mais desenvolvidas. A partir desse momento, é inaugurado um novo sistema de relações, não mais internacional mas global, pois as coordenadas geopolíticas não abrangem unicamente os limites estabelecidos pelas fronteiras físicas e imateriais do Estado-nação, elas se abrem a uma nova articulação do global com o local. A globalização vem acompanhada de novas formas de entender o mercado, os intercâmbios comerciais, o mundo financeiro, a força de trabalho, as relações políticas, o papel do Estado, a função dos partidos políticos, os conflitos bélicos, os direitos humanos, os processos migratórios, o meio ambiente, a saúde, os intercâmbios culturais, etc. Igualmente, o mundo se contrai espacial e temporalmente, novos cenários e atores aparecem na luta pela hegemonia, naquilo que desde a teoria sistêmica se convencionou chamar sistema-mundo (Arrighi e Silver, 2001). Diante da ascensão de novas superpotências como China, Brasil, Japão ou Índia, que fazem frente à superpotência dos EUA, os novos organismos globais tomam posições e, ainda que não se desliguem da luta interestatal, transcendem a mesma e prefiguram um novo sistema de dominação, uma nova ordem global, baseada na preeminência da economia sobre a política. Essa rearticulação do Estado-nação vem também determinada pela crescente importância das regiões infra e supra estatais, que protagonizam um processo de reorganização territorial que esvazia por cima e por baixo, as instituições do 1

Tradução de Mateus Yuri Passos.

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Estado. Tal movimento transformador está marcado por uma dupla dinâmica de descentralização e recentralização econômica e política, que torna obsoleto o ato de referir-se unicamente às distinções tradicionais de Primeiro e Terceiro Mundo ou Norte e Sul, para fazer referência à atual configuração da desigualdade. Em todas essas modificações, as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tiveram e ainda têm um papel central. A mudança tecnológica, em parte impulsionada pelas necessidades do capitalismo durante as últimas três décadas, trouxe consigo transformações radicais na economia, política e cultura, que também reconfiguram o espaço público. Surgem então novos desafios e problemas, pois a relação atual entre progresso técnico e mudança social, muito longe de ser uma panaceia para o desenvolvimento das economias periféricas, apresenta geralmente uma ampliação do abismo socioeconômico, ampliando a desigualdade existente entre os centros e as periferias do capitalismo, com a aparição de uma nova divisão que vem somar-se às já existentes: a lacuna digital. Chegamos assim ao modelo conhecido como sociedade da informação (junto com o complemento ocasional “e do conhecimento”) na qual, como aponta Garnham (2000, p. 69-70), uma teoria comunicativa que engloba o desenvolvimento das TIC se converte em uma proposta global de explicação para o modelo de sociedade atual. Embora possamos situar a gênese do termo “sociedade da informação” nos anos 1970, somente na década de 1990 haveria um salto qualitativo ao desdobrar-se no projeto conhecido como Global Information Society, de clara hegemonia estadunidense e que possui a mesma origem do projeto European Information Society. Nas próximas linhas trataremos de dar conta, assumindo a impossibilidade de tocar todas as teclas desta nova ordem global, daqueles fenômenos relacionados à reconfiguração espacial resultante da reestruturação do capitalismo, nos detendo no papel que possam adotar as regiões no novo cenário global, e prestando atenção especial à reedição das estratégias difusionistas e desenvolvimentistas, que se tornaram moda desde a II Guerra Mundial. Finalmente, trataremos de enquadrar esses elementos dentro do projeto ideológico que compreende a sociedade da informação e os mitos a ela associados.

O SURGIMENTO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO NO MARCO DA CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO CAPITALISMO Remeter-se à crise do capitalismo não é uma novidade nos tempos atuais; como tampouco o seria falar da histórica capacidade que o capitalismo teve para superar suas crises mediante estratégias de reestruturação que acabaram

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por transformar não apenas as relações produtivas e as formas de obtenção de beneficio pelas economias capitalistas, mas também as relações políticas, sociais e culturais em uma escala cada vez maior. Cada processo de crise e reestruturação inaugurou uma nova fase dentro do modo de produção capitalista, uma nova forma de desenvolvimento resultante da combinação entre um determinado regime de acumulação e um modo concreto de regulação. Dessa forma, as crises, longe de apresentar rupturas definitivas, não trouxeram nada além de mudanças qualitativas no modo de funcionamento do sistema capitalista. Nesse sentido, a crise dos anos 1970, cuja gênese situamos simbolicamente na alta dos preços do petróleo em 1973, apresenta o ponto de inflexão entre um modo de desenvolvimento fordista e outro a que chamaremos neofordista2. A reestruturação levada a cabo durante aqueles anos buscava reconverter radicalmente o tecido industrial e o processo produtivo frente à configuração de uma nova divisão internacional do trabalho como “proceso de reorganización radical del sistema mundo moderno en que cambian sustantivamente el carácter de los elementos del sistema, la forma en que éstos se relacionan entre sí y el modo en que el sistema funciona y se reproduce” (Arrighi e Silver, 2001,p. 28). Trataremos em primeiro lugar de descrever a passagem do modo de desenvolvimento fordista para o neofordista a partir da distinção entre paradigma tecnológico, regime de acumulação e modo de regulação em ambos os modelos3. O paradigma tecnológico que iria dominar o fordismo estava caracterizado pela produção em massa protagonizada pela grande empresa oligopólica como unidade produtiva básica e com o petróleo barato como fonte-chave de energia. Sua organização do trabalho estava dominada pelos princípios de normalização, racionalização e planificação próprios da dinâmica taylorista e pelo princípio de organização científica (divisão de tarefas em todas as áreas e separação de funções de execução administrativas e de pesquisa e desenvolvimento). O controle patronal iria além do processo de trabalho e também determinaria a produção da demanda 2 Preferimos utilizar o termo neofordista frente ao pós-fordista no sentido defendido por Luis Enrique Alonso (1999) a partir do trabalho do economista Christian Palloix. Desse modo: “el término neofordismo trata de reflejar que las alternativas actuales de modificación en la organización tradicional de las tareas, si bien marcan una nueva pauta de fabricación industrial general, no representan una ruptura radical con el taylorismo y el fordismo dominantes, sino que su reformulación está orientada a adaptarse a unas nuevas condiciones de cambio tecnológico, de composición de la fuerza de trabajo y de configuración del mercado actual” (Alonso, 1999, p. 53). 3 Para os parágrafos que seguem, tomamos como referencia as obras de Alonso (1999), Arrighi, Barr e Hi-sajeda (2001), Castells (1998 y 2005), Delgado (1998), Harnecker (1999), Herscovici (2005) e Lash y Urry (1998).

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a partir de um modelo de consumo de massas. A produção se articulava em torno das grandes cidades industriais, apresentando um cenário de concentração espacial e de economias de aglomeração nos espaços urbanos. Já no neofordismo, veremos como nas economias desenvolvidas caem os setores tradicionais que haviam sido a imagem de marca do fordismo (aço, produções mecânicas e elétricas, automóvel), devido sobretudo à relocalização da produção em países ou regiões periféricas com vantagens comparativas (salários, condições laborais, entraves ambientais, etc.), enquanto se alcança o auge de outros setores como a microeletrônica, a informática ou as telecomunicações, que ocuparão um lugar estratégico no novo paradigma tecnológico devido, acima de tudo, ao aumento das capacidades de processamento de dados e informação, que proporcionam e permitem manter os processos de controle e coordenação da produção com aquelas regiões periféricas que dão abrigo às atividades deslocalizadas. Igualmente, essa disponibilidade de informação leva consigo um conjunto de inovações tecnológicas e organizacionais que buscam recuperar a rentabilidade perdida com a crise por meio da generalização do modelo de flexível de produção em massa caracterizado pela integração, fruto de intensificação na utilização das máquinas graças aos procedimentos informatizados, e pela flexibilidade, que se desenvolve a partir da utilização dos avanços tecnológicos, que permitem uma maior coordenação e adaptação da produção. Assistimos, assim, à passagem do sistema de corporações multinacionais verticalmente integradas e organizadas burocraticamente, também chamado de sistema de empresa corporativa, ao surgimento da empresa-rede flexível, que descentraliza os processos e áreas de produção, mas centraliza o controle sobre a produção, o mercado e os recursos tecnológicos e financeiros.

O regime de acumulação característico do fordismo é o de aumento sustentado da produção por indivíduo e do volume de capital fixo per capita, acompanhado de um incremento da demanda, de uma ampliação do poder de compra por parte dos assalariados e do aumento do trabalho no setor diretamente produtivo, tudo isso como produto das políticas públicas keynesianas. Nessa nova fase, a produção em massa cede lugar a uma progressiva segmentação do mercado que demanda uma elaboração individualizada do produto, algo possível graças à reestruturação organizacional do processo de produção e à interconexão em tempo real entre a oferta e as tendências da demanda. Igualmente, assistimos ao fim das políticas públicas de corte keynesiano, que buscavam o objetivo de emprego pleno. Este movimento não significa que o Estado deixe de 113

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intervir, porém que agora já não intervém para regular mercados, mas para os estimular mediante políticas fiscais e monetárias. Acaba-se assim com o regime de acumulação fordista mediante um menor consumo massivo, maior economia e maiores benefícios. Por último, o modo de regulação que sustenta o fordismo se baseou em uma série de mecanismos socioinstitucionais de regulação adaptados às necessidades dos grandes mercados para amortizar os altos custos fixos derivados. Por um lado há o custo dos acordos coletivos que garantiam salários mínimos pelo Estado e contratos de larga duração e, por outro, a intervenção crescente do Estado, cujas políticas públicas serviam para garantir o crescimento econômico, a estabilidade, o emprego pleno, os serviços sociais, etc. Implantou-se assim o que se conhece como Estado de bem-estar, baseado no consenso keynesiano a partir do pacto capital/ trabalho e que implicou ao aparato estatal, às associações de empresários e aos grandes sindicatos. Por sua parte, o novo modo de regulação se caracteriza precisamente pelo abandono daquele consenso e pelo desmantelamento do Estado de bem-estar à partir da adoção de políticas de privatização do setor público e desregulação do setor privado. Um dos âmbitos que mais notou a magnitude das mudanças na passagem de um modelo a outro é o de empregos que, marcado pela perda progressiva de força dos sindicatos tradicionais, adotou uma tendência de precarização e flexibilização numérica e funcional. Não obstante, se no neofordismo as formas institucionais que dão coerência e estabilidade ao regime de acumulação têm de se adaptar à necessidade de superar o marco do Estado-nação, poderíamos dizer que ele é, todavia, um processo inacabado, pois não existem instituições nem um compromisso social que deem respaldo ao novo modo de regulação, embora se faça patente uma série de tendências como a progressiva retirada do Estado ou a crescente flexibilização dos mercados. Culmina dessa forma uma transição que, embora em processo de estabilização e com muitos de seus aspectos ainda por desenvolver, nos ajuda a desenhar os contornos de uma nova fase do capitalismo que receberá numerosos apelativos, entre os quais se destacam o de sociedade informacional ou sociedade-rede (Castells); terceiro entorno ou Telépolis (Echevarría); sociedades do conhecimento (UNESCO); sociedade da informação (UIT); sociedade imperial (Negri e Hardt); capitalismo desorganizado (Lash e Urry) sociedade pós-industrial (Bell; Touraine); terceira onda ou sociedade superindustrial (Toffler); sociedade telemática (Nora e Minc); sociedade do conhecimento (Drucker; Pierre Lévy); sociedade Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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da comunicação (Vattimo); era da pós-informação (Negroponte); revolução informacional (Miège); sociedade tecnotrônica (Brzeninski); segunda ruptura industrial (Piore); novo Estado industrial (Galbraith); etc (Crovi, 2004a: p. 40; Tezanos, 2001: p. 51) Ressalta o feito de que essas novas definições do cenário global coincidem ao apontar o caráter central que a gestão da informação e do conhecimento ocupam no novo modo de desenvolvimento. É certo que o papel da informação e o conhecimento sempre ocupou um lugar importante no desenvolvimento do capitalismo; sem dúvida a originalidade da situação atual deriva do feito de que agora se erige como a principal fonte de produtividade que se aplica de novo a aparatos de geração de conhecimento e processamento da informação/ comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a inovação e seus usos. Graças às TIC tornaram-se possíveis a flexibilidade e diversidade requeridas por um sistema capitalista que precisa fazer frente a uma série de desafios derivados da globalização da produção, da gestão, da comercialização e do consumo. As possibilidades tecnológicas permitirão um reajuste na organização do processo de trabalho não apenas dos setores em auge, mas também aqueles ligados à indústria tradicional e à agricultura. Igualmente, possibilitarão a comunicação e a coordenação em tempo real entre as sedes empresariais centrais e suas unidades descentralizadas com fórmulas de controle a distância e com a rapidez e eficiência dos transportes (Delgado, 1998; Castells, 2005). Será oportuno aprofundarmos a discussão sobre o papel das novas tecnologias na superação da crise capitalista e no surgimento do novo modo de desenvolvimento que se estende até nossos dias. É indubitável que a superação dos limites para a criação de um mercado global ou as transformações no mundo do trabalho não teriam sido possíveis sem as portas abertas pela revolução tecnológica informacional. Não obstante, é necessário pontuar acerca da inter-relação entre reestruturação capitalista e revolução tecnológica. Esta não é produto daquela; cair nesta afirmação seria incorrer em um mecanicismo e em uma simplificação; as origens da mudança protagonizada pelas TIC se situam algumas décadas antes da queda dos preços do petróleo de 1973. Posteriormente, a reestruturação capitalista se serviu da potencialidade mostrada pelo desenvolvimento e pela convergência dos setores da microeletrônica, das telecomunicações e da informática para encarar sua tarefa de recuperação da lucratividade e dos índices de crescimento das economias capitalistas desenvolvidas, dando lugar assim a um modelo de acumulação flexível. Dessa maneira, as TIC facilitaram a reestruturação econômica

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e organizativa ao tornar possíveis as necessidades crescentes de armazenamento e processamento da informação, de individualização coordenada do trabalho ou de articulação de processos de centralização e descentralização na tomada de decisões. De fato, para evitar equívocos é necessário apontar que esse novo paradigma tecnológico apresenta importantes continuidades com respeito ao paradigma que dominou a cultura industrial, pois seus elementos definitórios – estrutura reticular, flexibilidade e convergência (Castells, 2005) –, não fazem senão reproduzir as relações de dominação e submissão que caracterizam relações de poder já clássicas entre os integrados e os excluídos (cidadania e territórios) de um capitalismo que demostrou uma alta capacidade de transformação e adaptação em virtude de suas necessidades de reprodução e legitimação. Assim, a nova ordem global reorganiza os territórios e rearticula as antigas desigualdades em lugar de fazêlas desaparecer e nos deparamos com o fato de a dinâmica de deslocalização produtiva em busca de vantagens fiscais ou salários mais baixos ser acompanhada por uma tendência de relocalização de atividades e de concentração espacial dos fluxos comerciais, financeiros e de inversão em torno aos territórios melhor dotados (Castells, 2005; Delgado Cabeza, 1998: Lash e Urry, 1998).

GLOBALIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Para entender o papel dos territórios no novo cenário que podemos designar como sociedade da informação, será necessário nos aprofundarmos sobre o processo de crescente interconexão e interdependência conhecido como globalização, um fenômeno de dimensões econômicas, políticas, culturais e sociais que organiza praticamente a totalidade do planeta em uma dinâmica de exclusão/ inclusão e que, como assinalamos anteriormente, rearticula as relações entre agentes políticos ao mesmo tempo em que reorganiza a posição dos territórios no sistema-mundo. Falar de globalização pressupõe adentrar um terreno de areias movediças devido à polêmica que rodeia o termo quando, carregado de conotações ideológicas, é apresentado como um processo naturalmente benéfico graças ao qual se cumprirão algumas das utopias de democracia e igualdade que haviam dominado a arena política da modernidade. Não cabe duvidar que, como aponta Octavio Ianni (2001, p. 81-88), o termo “globalização” nos remete a uma ruptura histórica (e também epistemológica) de vastas proporções que sacode os marcos de referência, sociais e mentais, dos coletivos e dos indivíduos e que constitui uma realidade original, desconhecida e desprovida de interpretações. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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A primeira coisa que se deve ter em conta nessa mudança qualitativa, é que a configuração dessa sociedade global apresenta um desafio para os paradigmas interpretativos clássicos que tomavam como ponto central de referência o Estadonação4, que vê suas competências minadas por uma nova forma de relação que liga o global ao regional/local (glocalização) sem necessidade de se passar pelo filtro da sociedade nacional5. Isto não quer dizer que o Estado desapareça ou mesmo que não seja uma peça determinante nas transformações em curso, mas que atravessa também um momento de crise e reestruturação em seus papéis tradicionais, pois é “demasiado grande para suministrar el poder concentrado de personal y de información de la ciudad global, y demasiado pequeño para gobernar los bloques continentales” (Mosco, 2009, p. 299). A expansão capitalista que começa na década de 70 passa a gerar imensos fluxos transnacionais de capital, dinheiro, bens, serviços, pessoas, informação, tecnologias, políticas, ideias, imagens e regulações que são relativamente independentes do Estadonação (Lash e Urry, 1998, p. 373). Igualmente, a ruptura do pacto keynesiano capital/trabalho, que havia presidido as relações intra e interestatais no modo de desenvolvimento nos países mais desenvolvidos, completa esse processo e pressupõe o desmantelamento do Estado de bem-estar e o auge de um novo modo de regulação presidido pelos princípios do discurso empresarial que preconiza a saída do Estado de toda intervenção na economia que não seja a de facilitar uma progressiva liberalização, desregulação e privatização daqueles setores que ainda assim escapam às forças do mercado. Realmente, não apenas o controle da economia escapa do Estado; também outros âmbitos como fluxos migratórios, o Direito ou a cultura reproduzem o mesmo processo de escape das limitações, físicas e imateriais, impostas pela estrutura estatal. 4 Evidentemente, quando falamos do papel protagonista dos Estados-nação na constituição da nova ordem global nos referimos somente a um grupo reduzido deles, situados principalmente no centro do sistema capitalista em torno ao eixo Atlântico Norte–Japão. 5 Podemos visualizar a subordinação do paradigma clássico fundado na sociedade nacional pela reflexão da sociedade global com os novos conceitos e siglas que dominam os debates políticos e científicos atuais: “geopolítica, integración regional, sistema-mundo, economía-mundo, tercer mundo, cuarto mundo, fin de la guerra fría, fin de la historia, nueva división internacional del trabajo, fábrica global, ciudad global, aldea global, shopping center global, Disneylandia global, planeta Tierra, norte y sur, ONU, UNESCO, UNICEF, FAO, FMI, BIRD, GATT, OTAN, NAFTA, Mercosur, Casa de Europa, Estados Unidos de Europa, espacio europeo, espacio del Pacífico, imperialismo, postimperialismo, dependencia, nueva dependencia, interdependencia, multilateralismo, multinacional, transnacional, ascensión y caída de las grandes potencias, Occidente y Oriente, ciclo Kondratieff, telecomunicaciones, midia mundial, industria cultural, cultura internacional popular, marketing global, globalización y fragmentación, nuevo mapa del mundo, modernidad-mundo, posmodernidad” (Ianni, 2001, p. 89).

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Temos de recordar que a interdependência no espaço mundial, a globalidade irreversível como a denomina Beck (1998), é algo que vem se desenvolvendo desde antes da origem da própria modernidade; não obstante, a novidade da situação atual é que, até agora, os estados e as economias nacionais não haviam representado um estorvo; pelo contrário, geralmente estimulavam o desenvolvimento do capitalismo. Os governos nacionais foram determinantes para a implantação do modelo de globalização neoliberal, que desde o impulso das gestões de Reagan nos Estados Unidos e de Tatcher no Reino Unido se estenderia sem maiores dificuldades por todo o mundo, superando seu último obstáculo com a implosão da União Soviética em 1991. Porém, o Estado não foi determinante somente para a configuração das novas regras do jogo; também reorganizou suas funções para se adaptar ao novo cenário global. Independentemente das competências que cede a organismos supranacionais ou de âmbito regional, ele manterá um papel muito ativo em competências fiscais, laborais, culturais ou identitárias; na defesa e organização das forças repressivas; em assuntos jurídicos e diplomáticos; etc (Alonso, 1999; Delgado, 2002). Precisamente, o Estado tomou e toma um papel ativo no ordenamento da globalização em favor do capital, dispondo o necessário em infraestruturas, telecomunicações, recursos humanos e P&D para o desenvolvimento dos setores mais dinâmicos no modo atual de desenvolvimento pois, como recorda Castells, “fue el Estado, no el empresario innovador en su garaje, el iniciador de la revolución de la tecnología de la información” (2005, p. 102). O que fica no ar acerca das continuidades ou descontinuidades em torno ao Estado-nação é se, uma vez percorrido esse caminho de renúncia de determinadas competências, poderá se reverter o processo quando bem quiser ou quando se converter em algo contraproducente para o próprio modelo de crescimento capitalista. Nesse esvaziamento do Estado tem uma grande importância o surgimento não apenas de um sistema de dominação protagonizado pelas corporações transnacionais, mas também a aparição de fenômenos de regionalismos subnacionais6. A globalização não pode ser entendida sem a tendência, complementária para uns, contraditória para outros, de regionalização ou 6 Região é uma palavra que pode se referir a espaços supranacionais ou subnacionais, tendo exemplos de ambos casos na União Europeia e na Andaluzia, respectivamente. No presente trabalho vamos no centrar numa definição restrita utilizada pelo Direito e a Economia que entende as regiões como “colectividades territoriales del ámbito intermedio entre el espacio de un Estado y el espacio local, con un sentido más funcional y geográfico que político, y sin perjuicio de que el espacio regional pueda ser un Estado federado, una nacionalidad o una región” (Jaúregui, 2000, p. 266, Zallo, 2002a, p. 26).

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localização, configurando-se assim uma nova articulação espacial que recebe o nome de glocal7 e que remete a um processo de crescente interdependência no qual o global inscreve seus processos econômicos diretamente nos territórios, sendo esses os espaços privilegiados no aspecto político. Efetivamente, o regional representa um espaço de proximidade onde são possíveis as maiores cotas de participação, nas quais se produzem os processos de identificação e reapropriação dos recursos para o desenvolvimento endógeno e se constroem dinâmicas de aprendizagem coletiva (Rofman et al., 2004, p. 156). Mas o regional não se destaca somente no político, também se erige como um ator privilegiado de relação econômica por representar um espaço mais flexível no momento de se adaptar às condições modificadoras dos mercados e dos imperativos tecnológicos e culturais; por constituir um espaço versátil a partir do qual se geram projetos de desenvolvimento concretos ou se negocia com companhias multinacionais para atrair investimento estrangeiro direto. É precisamente essa posição privilegiada a que origina uma disputa entre regiões para ver quem é capaz de atrair os efeitos modernizadores que a globalização pode impor sobre cada território (Alonso, 1999, p. 126). O quadro desenhado com a dupla tendência de globalização e regionalismo se completa com outra dualidade contraditória na nova ordem global: a dinâmica de descentralização e a de recentralização ou localização (Zallo, 2002a; 2002b; 2005b). Essas duas tendências vão determinar em grande medida como as regiões encaram a globalização e como a descentralização constitui uma contra tendência compensatória a ela e a sua expressão recentralizadora, que relega as regiões a um plano secundário. Assim, nas últimas décadas fomos testemunhas da evolução para um modelo no qual a tendência dominante é a da recentralização e desregionalização das economias e do poder político. Essa tendência provoca uma articulação espacial que privilegia determinadas localizações no modelo de desenvolvimento vigente (geralmente, coincidem aquelas regiões ou cidades que já contavam com uma vantagem comparativa no fordismo), inaugurando uma nova reorganização hierárquica dos territórios e aprofundando a desigualdade entre as regiões. Nesse contexto, as regiões hão de enfrentar o fenômeno da metropolização ou concentração de recursos e de sedes empresariais (sobretudo aquelas que têm maior projeção no novo paradigma tecnológico) e organismos de decisão política 7 Renato Ortiz (2005) nos recorda muito oportunamente que o lema think global, act local tem sua origem nas estratégias empresariais de marketing que buscavam a exploração dos mercados locais por parte de corporações principalmente transnacionais. Mais tarde, o pensamento sociológico o tomaria para si, resignificando-a como estratégia glocal.

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em torno a umas poucas cidades que têm interlocução direta com os âmbitos estatais e supranacionais. Contrariamente às previsões de que as telecomunicações descentralizariam a atividade empresarial, surge a aglomeração espacial como uma das principais formas de atividade empresarial, concentrando-se a atividade econômica em Nova York, Tóquio, Londres e outras cidades internacionais (Mosco, 2009, p. 290). Este acontecimento é de tal magnitude que já podemos encontrar grandes cidades que podem chegar a ter populações equivalentes às de países inteiros (chegando-se a comparar, por exemplo, a França com Tóquio ou a Suécia com Londres) (Achcar et al., 2003, p. 59). Esta aglomeração espacial, ao modo de nova hierarquização, constitui uma rede de espaços urbanos interconectados que reúne a empresas, ya sean conectadas o desconectadas por lazos de propiedad, en redes densas de productores, proveedores y consumidores cuya dependencia mutua, consolidada geográficamente en las ciudades globales y dispersas electrónicamente a través del globo, crea formas significantes de poder económico concentrado (Mosco, 2009:p. 290) Esta nova configuração espacial está acompanhada inevitavelmente de uma nova estrutura hierárquica global que traz consigo uma nova articulação da desigualdade regional que poderia tomar o nome, no marco do novo paradigma tecnológico, de apartheid digital (Mattelart, 2002a, p. 161). Delimitam-se assim as diferenças existentes entre: 1. Espaços que controlam as redes de informação e comunicação, os novos setores, a inovação científica e tecnológica, os fluxos globais (zonas de alto consumo, alto dinamismo tecnológico e alta disponibilidade de serviços) 2. Espaços que são vítimas desse mesmo controle. Espaços dependentes e subordinados que serão conectados ou desconectados do espaço econômico transnacional em virtude das necessidades pontuais dos centros integrados. São zonas obscuras onde se gera cada vez mais risco, mais emprego precarizado, menos situações de segurança, nenhuma capacidade de decisão, etc. (Tezanos, 2001, p. 55; Alonso, 1999, p. 97, 128). Temos de esclarecer, sob a luz dos debates que se puderam suscitar, que a existência desse tipo de hierarquização espacial da desigualdade não é nova e já a encontramos nas mesmas origens do sistema capitalista, pois “las relaciones de poder y las diferencias sociales preexistentes se transfieren también en la red” Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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(Martín Cubas, 2001, p. 196; Zallo, 2003, p. 298). Certamente o que se produz desse modo no neofordismo é o aprofundamento dessa desigualdade, assim como da dependência das zonas vulneráveis relacionadas às decisões tomadas nas zonas integradas aos recursos econômicos, tecnológicos, educativos, informacionais e comunicativos destas (Alonso, 1999). Uma vez apresentadas as tendências que afetam os territórios no cenário global, trataremos em seguida da bifurcação diante de que se encontram os territórios no momento de afrontar o desafio de seu desenvolvimento.

3. AS REGIÕES NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: ENTRE O NEODIFUSIONISMO E O DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO Ao nos encontrarmos em um entorno caracterizado pela extensão das novas TIC e no qual, consequentemente, o conhecimento, a cultura e a comunicação são eixos dinamizadores do próprio modo de desenvolvimento, justifica-se retomar o foco da comunicação para o desenvolvimento a fim de compreender o papel do ecossistema comunicacional como vetor de progresso e dispositivo de crescimento e bem-estar socioeconômicos. Nesse sentido, podemos afirmar que a revolução das tecnologias infocomunicacionais se desenvolve atualmente, em coerência com o projeto de Global Information Society, sob princípios de modernização, desenvolvimento, inovação e progresso herdados da teoria difusionista8, uma perspectiva que protagonizou as estratégias de desenvolvimento impulsionadas por organismos internacionais até bem entrados os anos 1980 e que suscitou um árduo debate que envolveu o campo dos estudos em comunicação. Se nas décadas de 1960 e 70 eram apresentadas as estratégias de desenvolvimento como forma de preencher uma lacuna e atualizar as regiões subdesenvolvidas por meio de uma dinâmica de imitação daquilo que era apresentado como o moderno, avançado, ou civilizado e que se expressava depois em uma massiva transferência de capital, tecnologia e ideologia (Servaes, 2000), hoje a lacuna é chamada de digital e a imitação se produz por meio da transferência de capitais – nova economia –, ideologia – sociedade da informação – e novas TIC. Assim, vemos como se estendem os discursos que situam o acesso às redes tecnológicas e à transferência de tecnologia como a saída já não apenas à exclusão digital, senão

8 Sobre a teoria difusionista, ver Everett Rogers (1962; 1974). Igualmente, no capítulo VII de Mattelart e Mattelart (1999) descreve-se críticamente tanto a evolução da teoria e do próprio Rogers como a emergência do novo difusionismo.

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também à exclusão social, repetindo-se o que Archer (1990, p. 124) descreve com a fórmula “desejo + racionalidade instrumental + tecnologia = progresso”, própria das estratégias neopositivistas e deterministas que configuraram o espírito pósindustrialista e que hoje definem o projeto de sociedade da informação. No neodifusionismo, o papel que adquire a comunicação vai além do uso do espectro midiático para modificar as atitudes de uma determinada população frente a processos de mudança social. Agora se situa como uma variável central das estratégias de desenvolvimento, tomando conta de que o imaterial e o tecnológico são aspectos centrais do novo modelo de desenvolvimento. Vincent Mosco (2009, p. 192-194) afirma que esse neodesenvolvimentismo ou neodifusionismo implica uma adaptação das teorias desenvolvimentistas dos anos 60 e 70 em dois níveis: 1. Em primeiro lugar, o apoio entusiasta aos meios de comunicação de massa se transforma em apoio entusiasta das novas TIC. Agora se trata de afirmar que o desenvolvimento passa necessariamente pela construção de uma infraestrutura informática e telemática porém mantendo o espírito inicial de que essa iniciativa havia de ser tomada sob a direção das empresas, que irão se servir dessa infraestrutura avançada da comunicação para participar completamente da divisão internacional do trabalho. 2. O segundo nível, que surge após reconhecer que parte do fracasso das estratégias desenvolvimentistas foi consequência de sua pouca adaptação às práticas culturais locais, supõe uma maior confiança nas estruturas sociais locais e nas práticas culturais para levar a cabo o processo, porém sem modificar os modelos midiáticos nem a vinculação do desenvolvimento à adoção dos valores ocidentais. O difusionismo e sua versão atualizada implicam na reedição de uma série de motivos recorrentes que giram em torno da imitação do ideal de desenvolvimento e progresso ocidental e que se erigem como concepções dominantes que formam parte da construção da própria modernidade. Dentre esses motivos condutores se destacam, por sua especial relevância na configuração das estratégias de desenvolvimento próprias da sociedade da informação, os seguintes: 1. Modernização. Concebida como um processo de difusão no qual os indivíduos transitam de uma forma de vida tradicional rumo a um modo de vida mais desenvolvido tecnicamente (Servaes, 2000). Em realidade, nos encontramos diante do tradicional debate entre o velho e o novo, dos estágios que coincidem Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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no tempo mas são atravessados pela tendência de evolução desde o primeiro até o segundo mediante estratégias de imitação que implicam capitais, ideologia e tecnologias. Desenvolvimento. Resultado do processo de evolução anterior, o 2. ideal de desenvolvimento, que toma força sobretudo graças à política exterior estadunidense pós-Segunda Guerra Mundial, representa a cópia do modelo de estado político e de crescimento econômico que se repete nas regiões centrais do capitalismo, convertidos em meta a ser alcançada pelo resto dos países e regiões menos desenvolvidos segundo aqueles parâmetros9. 3. Progresso. Ideia intimamente ligada ao ideal de desenvolvimento e que toma como pressuposto a crença em um avanço continuo da humanidade que se remonta ao passado e que seguirá esse caminho irrefreável no futuro. Um progresso que se apresenta como algo irreversível e como uma evolução sempre positiva, pois não há passado melhor. 4. Inovação. Definida por Rogers como “una idea, práctica u objeto que el individuo percibe como nuevo (…) Se puede desarrollar el aspecto novedoso de la innovación en términos de conocimiento, actitud y decisión de usarla” (1974, p. 18). A capacidade de inovar, diretamente relacionada com o sistema de conhecimento científico e tecnológico, se erige então como um fator fundamental para o desenvolvimento de uma determinada região, tanto para ser competitiva como para ficar relegada à porta dos fundos do desenvolvimento. Competitividade. Consagrada como um princípio intocável que justificaria 5. o restante de motivos condutores, traz consigo a consagração do modelo de desenvolvimento econômico capitalista próprio das regiões mais desenvolvidas. As críticas que se fizeram às teorias difusionistas se podem ampliar hoje, pois parece que os discursos sobre o crescimento e a modernização que acompanham a denominada sociedade da informação podem derivar, como já o fizeram as políticas desenvolvimentistas das décadas anteriores, em uma maior desigualdade e um maior subdesenvolvimento. Igualmente, os motivos centrais anteriormente expostos foram questionados e desmontados numa multidão ocasiões ao cabo dos sucessivos fracassos das estratégias desenvolvimentistas e modernizadoras

9 Cimadevilla (2004, p. 61-79) resume a evolução dos estilos de desenvolvimento e intervenção dos últimos 50 anos em quatro etapas: desenvolvimento econômico e desenvolvimentismo (anos 50); desenvolvimento econômico e social (anos 60-70); desenvolvimento integrado (anos 80); desenvolvimento neoliberal versus desenvolvimento sustentável (anos 90).

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que se puseram em prática no passado. Assim, a história se encarregou de questionar a ideia de que todo progresso implica numa evolução positiva com respeito à situação anterior ou que a competitividade é preferível à ideia de cooperação, princípio regente da produção do comum. O difusionismo trazia consigo a extensão/imposição de um modelo de desenvolvimento etnocêntrico, evolucionista, funcionalista e exógeno que, incapaz de apreender a complexidade dos processos de desenvolvimento e suas inter-relações com as condições estruturais políticas, econômicas, sociais e culturais concretas de cada território, objetivamente impulsionava a ocidentalização das regiões. Nas novas estratégias difusionistas encontramos o herdeiro direto do modelo anterior quando se exagera o papel das novas tecnologias, caindo em uma visão instrumental do conhecimento e positivista do próprio desenvolvimento que esconde na extensão tecnológica uma fórmula para aumentar o consumo (Jambeiro y Ferreira, 2003, p. 175), sem importar nessa implantação a relação com as heranças tecnológicas próprias dos diferentes povos e culturas (Martín-Barbero, 2004, p. 30) nem as necessidades concretas de cada território. Uma vez apontadas as limitações do enfoque neodifusionista e de seus postulados modernizadores, se faz necessário abordar o desenvolvimento a partir de outra perspectiva capaz de incluir outras estratégias que contem, de forma horizontal, com a participação dos agentes implicados ao largo das diferentes fases em que se divide o processo de desenvolvimento. Esse é um dos desafios que há de enfrentar o desenvolvimento regional no contexto atual: a redefinição do modelo de desenvolvimento. Trata-se de trabalhar em torno de um conceito de desenvolvimento alternativo que se construa a partir de cada realidade de maneira endógena e autônoma, a fim de constituir um processo integral, multidimensional e dialético que pode diferir de uma sociedade para outra; um novo enfoque de desenvolvimento que contenha os critérios de auto confiabilidade (que cada sociedade confie basicamente em suas próprias fortalezas e recursos, em termos das capacidades de seus membros e de seu ambiente natural e cultural) e ecologia (Servaes, 2000); um novo enfoque no qual o conhecimento ocupe um lugar privilegiado na construção de uma sociedade da democracia e da cooperação dos saberes (Vercellone, 2004, p. 72); um novo enfoque, em definitivo, que reverta uma perspectiva etnocêntrica para outra contextual e policêntrica, um interesse econômico para outro mais universal e interdisciplinar e uma perspectiva de desenvolvimento administrado tecnocraticamente para formas participativas na resolução de problemas. A superação de definições caducas, entendendo o desenvolvimento como um Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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processo e resultado intangível e não como simples avanços materiais, nos leva a realocar o conceito de desenvolvimento. en un marco constructivista, subjetivo e intersubjetivo, valorativo y axiológico, y, por cierto, endógeno, o sea, directamente dependiente de la autoconfianza colectiva en la capacidad para inventar recursos, movilizar los ya existentes y actuar en forma cooperativa y solidaria, desde el propio territorio, generando, obsérvese, una proalimentación en compensación (Boisier, 2002, p. 30). A crítica e recomposição do conceito de desenvolvimento nos remete a outro desafio para o desenvolvimento regional de igual ou maior importância: a modificação das condições contextuais que colocam o espaço regional como o âmbito privilegiado para um modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento10. A constatação da importância que adquire o conhecimento para o desenvolvimento de uma determinada região há de se completar com uma reflexão acerca das mudanças aquecidas com a globalização e que justificam que as regiões se convertam nos agentes decisivos para o desenvolvimento econômico, a saber: crise do Estado-nação que, como justificamos anteriormente, se vê obrigado a redefinir suas funções tradicionais; constituição de um entorno de fluxos tecnológicos flexíveis e mutantes que afeta não somente os mercados, mas também aos âmbitos tecnológicos ou culturais; configuração de um novo espaço de negociação da intervenção política e de dinamização das economias locais. Nesse novo contexto, ao se tomar conta de que os bens imateriais constituem uma fonte de vantagens competitivas no novo padrão de desenvolvimento, é necessário pensar e atuar a partir de uma perspectiva regional para, aproveitando sua flexibilidade e capacidade de adaptação, extrair todo o potencial da sociedade do conhecimento (Sicsú e Bolaño, 2004, p. 135). Autores como Moulier-Boutang afirmam que o território, em um contexto que denomina de capitalismo cognitivo, deixa de ser apenas um elemento indiretamente produtivo para se converter em outro diretamente produtivo e ator principal em virtude do conjunto de 10 A evolução dos princípios que regem as políticas regionais nas últimas décadas nos serve como mostra de como foram se modificando as variáveis do desenvolvimento. Em Boisier (2002, p. 19), encontramos um quadro que resume essa evolução: “1950/1960: infraestructura como condición del crecimiento económico regional; 1960/70: atracción de actividades externas, polos de desarrollo, base exportadora; 1970/80: desarrollo endógeno, PYMES, competencias (habilidades y atribuciones) locales; 1980/90: innovación, difusión de tecnología, medios innovadores; 1990/00: conocimiento, factores intangibles, aprendizaje colectivo; 2000/10: capital relacional, interconexión, cultural local, e-trabajo.”

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externalidades positivas11 que estende em suas redes de relações; dessa forma, o território apresenta um grau de integração e interdependência tão grande nesse novo contexto que se transforma em uma verdadeira fonte de inovação (2003, p. 50-51). Essa postura, defendida não somente pelos teóricos do capitalismo cognitivo, veio acompanhada de uma série de noções cunhadas para denominar as novas estratégias de desenvolvimento regional na sociedade da informação, como por exemplo regiões que aprendem, territórios produtivos, territórios de excelência, etc. Destacamos o conceito de região que aprende, que expressa a necessidade das regiões de adquirir permanentemente novo conhecimento em um processo de aprendizagem contínuo como medida de inserção na nova fase do capitalismo. Hoje em dia, o desenvolvimento de uma região pode depender mais de aprender a desenvolver-se, de ser capaz de apreender e aprender os fatores informação e conhecimento, que de dispor de recursos para tanto (Román, 2001, p. 2526). Assim, quando falamos de regiões que aprendem nos referimos a regiões com uma vantagem econômica baseada na criação de conhecimento, onde “la infraestructura humana regional y la infraestructura de redes es más importante que la infraestructura física” (Boisier, 2002, p. 12). Essa aprendizagem regional e coletiva se encontra ligada à capacidade de inovar de cada região, para a qual são necessárias grandes quantidades de capital social, compreendido como um tipo de capital “colectivo, cívico, sinergético, relacional, intangible, tácito, de entorno, compartido, enredado, etc.” e entendido como “la capacidad que tiene un grupo social para adquirir información, incorporarla a procesos económicos propios y gestionar tales procesos”, ou, o que dá no mesmo, “la capacidad para transformar la información en conocimiento y el conocimiento en acción” (Román, 2001, p. 36). Precisamente, esse entorno cambiante caracterizado pelo papel do conhecimento e da aprendizagem na competitividade interterritorial introduz outro dos desafios aos que hão de enfrentar as estratégias de desenvolvimento regional: que foi posta em marcha por uma nova divisão internacional do trabalho (NDIT), na qual a variávelchave do crescimento e da competitividade entre regiões deriva de sua proporção de trabalhadores do conhecimento e de atividades de alta intensidade de saberes (serviços informáticos, pesquisa e desenvolvimento, ensino, formação, saúde, multimídia, software, etc.) (Vercellone, 2004, p. 66 – 67). Assim, o novo ecossistema comunicativo condiciona que as diferentes estratégias de desenvolvimento regional procurem ampliar o número de destrezas cognitivas a fim de serem competitivas 11

Sobre externalidades positivas, ver Moulier-Boutang (2004, p. 147).

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em um entorno no qual os territórios se reorganizam e se articulam em função de sua capacidade de produção de conhecimento ou de meios de conhecimento. Com a aparição da Nova Divisão Internacional do Trabalho (NDIT) proliferam os discursos sobre as oportunidades de desenvolvimento daqueles territórios que vinham ocupando posições subalternas pois se defende, em diferentes âmbitos, que os caminhos abertos pela revolução das TIC viabilizariam a possibilidade de se dar um salto qualitativo em seu desenvolvimento sem necessidade de haver ocupado uma posição favorável nos modelos de crescimento anteriores. Para poder lançar luz sobre esta problemática e polêmica questão é necessário remeter-se às tendências, já apresentadas anteriormente, de descentralização e recentralização, que atravessam o processo de reorganização territorial e que determinarão em grande medida como as regiões irão encarar a globalização. Em primeiro lugar, encontramos a dinâmica de descentralização, da qual ademais se podem extrair duas leituras. Por um lado, essa tendência se expressa mediante a deslocalização de certas atividades das empresas (produção, trabalho manual qualificado, tarefas administrativas, P&D, etc.) e a superação das barreiras estatais na conformação do novo modelo de articulação socioeconômica fruto da crise capitalista. É importante compreender que nesse caso, descentralização não implica em diversidade; é possível descentralizar, porém isso não significa mudar a dinâmica de reprodução do sistema. Por outro lado, além de benéfica para os interesses capitalistas, a descentralização pode ser entendida também como o instrumento idôneo para o desenvolvimento local, aumentando a participação popular e propiciando transformações de tendência igualitária na base econômica (Delgado, 2002, p. 56). É neste último sentido que a descentralização, tal como aponta Zallo (2002a; 2002b; 2003), pode considerar-se como uma contra tendência compensatória à globalização e a sua expressão recentralizadora. Assim, o regional adquiriria um novo sentido no paradigma atual, já que os territórios não deveriam seu desenvolvimento econômico e social à globalização, mas apesar dela, expressando um conflito no qual os espaços privilegiados pela globalização seriam os centros mundiais tecnológicos e financeiros (com maiores vantagens em conexão, competência e articulação econômico-tecnológica), os Estados-nação (que mantêm vantagens na articulação política e de poder); e as cidades (que têm a vantagem de serem os espaços idôneos para as economias de aglomeração) restando as regiões e suas políticas discriminadas e relegadas a um plano secundário e ao qual fazem frente, não tanto a partir de fatores econômicos ou geopolíticos, mas sobretudo das variáveis culturais e políticas (Zallo, 2005a, p. 231-232). Observamos nesse sentido como se desenvolve a

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contradição entre a tendência de descentralização e aquela outra dominada pela inclinação à centralização, ou recentralização, se tivermos em conta sua relação com períodos anteriores. Como já assinalamos anteriormente, com as NDIT, não sendo tão importantes para as economias de escala, surgem as economias de inovação e aglomeração de recursos e as sinergias comerciais, financeiras e de lobbying, que animariam essa localização de recursos em torno dos centros de decisão econômica e redistribuição de poder criando-se, dessa maneira, espaços físicos onde se concentram cada vez um número maior de sedes decisionais e fiscais de organismos e empresas estratégicas, especialmente vinculadas aos âmbitos básicos de sociedade da informação, assim como os serviços de alto valor agregado (Zallo, 2002b, p. 286). Transversalmente relacionada à tendência de recentralização, no novo cenário de reorganização territorial se inaugura também uma nova estruturação hierárquica global organizada não em forma de rede, como se pode inferir em alguns discursos sobre a sociedade da informação, mas de círculos concêntricos de dominação e influência determinada pelo grau de integração de cada região na sociedade do conhecimento (Zallo, 2005a, p. 30). A posição a ser ocupada pelas diferentes regiões nessa hierarquização se define a partir de dois possíveis itinerários: o primeiro passa por um desenvolvimento ativo das especificidades cognitivas, culturais e comunicacionais, assim como da imbricação destas com um consolidado sistema de pesquisa, desenvolvimento e inovação ligado ao processo de mudança tecnológica; o segundo consiste na oferta de melhores condições nos processos produtivos tradicionais para o capital (menores salários, menores resistências sindicais, menos entraves à degradação ambiental, etc.). Diante desse entrecruzamento de caminhos, que define dois modelos de desenvolvimento, temos que assinalar a armadilha ideológica a que se veem condenadas as regiões periféricas em relação às possibilidades de desenvolvimento que se abrem com a laureada sociedade da informação e que rompem o mito do salto qualitativo dos territórios dependentes do primeiro dos itinerários apontados. É preciso ter em conta que existe uma profunda diferença no processo de incorporação à sociedade do conhecimento entre as regiões centrais, empenhadas em manter sua posição privilegiada e sua hegemonia produtiva herdadas do fordismo, e as regiões periféricas, que creem ter encontrado uma nova via para seu desenvolvimento. Desse modo, torna-se nítida a linha de continuidade entre a hierarquização territorial da etapa fordista e a nova ordem global, aumentando a distância entre as regiões que já tinham vantagens no modelo fordista ou industrial, pois “los recursos inmateriales no son ajenos a los recursos e infraestructuras” (Zallo, 2002b, p. 285).

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Esse esquema hierárquico, que acompanha a NDIT, impõe um dispositivo de exclusão–inclusão que obriga um bom número de regiões já não apenas a se pôr ao serviço dos centros desenvolvidos, mas a enfrentar uma desconexão forçada do próprio sistema global, configurando-se assim um mapa no qual temos zonas que funcionam como arquipélagos tecnológicos e financeiros e outras igualmente integradas à estrutura global, porém prescindibles y olvidadas en ciertos momentos y fases del ciclo de acumulación, y reintegrables cuando, por sus especiales características (paisaje, fuerza de trabajo barata, recursos turísticos, fabricaciones rentables, argumentos comerciales, etc.), se hacen más atractivas para las grandes estrategias económicas transnacionales (Alonso, 1999, p. 128) Uma vez assinalada a armadilha ideológica a que enfrentam as regiões em relação a suas possibilidades de desenvolvimento sob o impulso das novas tecnologias de informação e comunicação, vamos nos aprofundar sobre o significado da doutrina da sociedade da informação, a ideologia e os mitos que a conformam.

4. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO COMO IDEOLOGIA Ao mito que acabamos de apontar, relativo ao salto qualitativo no desenvolvimento das regiões historicamente dependentes em virtude da implantação do modelo hegemônico de sociedade da informação, fazem companhia outros que atravessam e dotam de sentido esse modo de regulação social. Seguindo a classificação proposta por Lauxen Stefanello (2005, p. 127-178), podemos afirmar que a sociedade da informação funciona como um mitologema, um componente do modelo de ordem da realidade social que se expressa mediante diversas formas de representação míticas (contos, mitos orais, livros sagrados, filmes, obras de arte, relatos jornalísticos, etc.). Os mitologemas, como formas de representação do mundo, satisfazem duas necessidades. Em primeiro lugar, explicam a realidade, sendo utilizados em um momento histórico determinado; essa explicação satisfaz as instituições mediadoras da sociedade. Em segundo lugar, satisfazem o desejo de ordem e coerência dos membros da sociedade, sancionando a ordem social e legitimando-a por meio da superação de suas contradições (Stefanello 2005, p. 169; 178). É nesse sentido que o conceito de sociedade da informação, como apontamos anteriormente, cumpre sua função de legitimação da ordem estabelecida. Dentro das formas de representação míticas encontramos o mitema, unidade

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mínima com significado que constitui um mitologema. O mitologema da sociedade da informação, que se pode relacionar com outros mitologemas que reforçam sua função de controle político e social como o desenvolvimento e a modernização, é constituído e adquire significado a partir de uma série de mitemas, como a inclusão por meio da implantação e do acesso às TIC, a lacuna digital ou a alfabetização digital, que pressupõem uma reedição das já questionadas estratégias neodifusionistas. Esses mitemas implicam uma recuperação do espírito positivista de fé no progresso tecnológico, materializada no acesso às novas tecnologias, que se apresenta como garantia de desenvolvimento para aquelas regiões e comunidades que continuam atrasadas na nova ordem global. O mitema da inclusão digital equipara de fato o acesso tecnológico a integração e desenvolvimento, incorrendo no determinismo tecnológico de esquecer a importância das relações sociais e a efetividade da comunicação necessárias para que se produza um processo integral de inclusão digital (Crovi, 2004a, p. 37-38; Ortiz, 2005, p. 66–67). Encontramos aqui um contraste entre o prometido pelos discursos hegemônicos e o devir real de um modelo de sociedade caracterizado pela desigualdade e a exclusão no acesso e apropriação das TIC. Busaniche (2005, p. 65) denuncia que as políticas postas em marcha sob a bandeira de se conseguir superar a lacuna digital escondem um panorama caracterizado por algumas poucas grandes empresas globais, as únicas capazes de assumir o desafio de abordar os problemas estruturais tecnológicos de comunidades atrasadas na sociedade da informação (que se convertem nas receptoras dos fundos públicos de governos e agências de cooperação), e pelo aumento da dívida e dos compromissos dos países ou comunidades receptoras com os créditos concedidos por aquelas mesmas agências públicas de desenvolvimento para a aquisição de avanços tecnológicos. É preciso reconhecer que o mitema da lacuna digital aponta para algo necessário, o acesso às TIC, mas não suficiente, pois são necessárias políticas de outra índole (educativa, sanitária, cultural) para conseguir o mais difícil, porém mais útil para o desenvolvimento endógeno: que as pessoas se apropriem e façam um uso socialmente ativo destas. Para cobrir essas necessidades é necessário superar o mitema da alfabetização digital, que se apresentou como um dos caminhos para eliminar a lacuna digital. A simples aprendizagem sobre o uso dos computadores e a instalação de centros de acesso público à Internet mostra na prática cotidiana uma tendência de fomento consumista da informação e das TIC, sem que isso se traduza necessariamente

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em uma maior democratização12. Esse funcionamento mítico da sociedade da informação não faz senão confirmar seu caráter ideológico13, entendendo ideologia como uma forma específica de consciência social, materialmente baseada e sustentada, e relacionada com a articulação de um conjunto de valores e estratégias rivais que procuram controlar os principais aspectos do metabolismo social (Mézsáros, 2004, p. 65). Disso podemos derivar a existência de uma peleja no campo do ideológico que se desenvolve entre os elementos que cada parte, seja de afirmação ou negação da ordem socioeconômica estabelecida, põe em jogo. Assim, o conceito de sociedade da informação e a lógica que o sustenta se encaixam neste esquema de conflito ideológico ao cumprir uma função de legitimação de uma ordem de coisas que está determinada pela maneira como se desenvolvem as relações de produção. Não poderíamos estar mais de acordo com a necessidade, defendida por Garnham, de analisar a teoria da sociedade da informação como ciência e como ideologia porque aquí tenemos a una teoría de la comunicación que se presenta a sí misma como la manera de entender tanto el momento histórico presente como los cambios que están ocurriendo en la sociedad. Al mismo tiempo, es la ideología favorecida para legitimar a quienes sustentan el poder económico y político (2000: 69-70) Esse discurso hegemônico e ideológico não provém do nada; é antes herdeiro daquelas posturas que, retomando o ideário do pensamento positivista, relacionam mecanicamente progresso, bem-estar e ausência de conflito (Becerra, 2003, p. 53), chegando a identificar na atualidade a felicidade individual com a capacidade de estar conectado, ideia própria de uma concepção instrumental da sociedade da informação que tende a assimilar que esta só existe onde há dispositivos tecnológicos. Certamente existe algo de novidade na noção de sociedade da 12 Encontramos uma proposta alternativa à alfabetização digital no conceito de capital informacional esboçado por Cees Hamelink (2000) e que, além de comprender a capacidade financeira para pagar a utilização de redes eletrônicas e serviços de informação ou a habilidade técnica para manejar as infraestruturas dessas redes, supõe também a capacidade intelectual para filtrar e avaliar a informação, bem como a motivação ativa para buscar informação e a habilidade para aplicar a informação à situações sociais. 13 São muitas as referências bibliográficas que apontam que o que se conhece e entende como sociedade da informação não possui correlação com a realidade, tratando-se de uma expressão ideológica. Para o presente trabalho nos centramos principalmente em Becerra (2003); Busaniche (2005); Crovi (2004a); Garnham (2000); Jambeiro e Ferreira (2003); Kumar (1997); Mattelart (2002); Mnemosyne e Burnham (2003); Tremblay (2005); Webster (1995) e Granjon e George (2008).

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informação e é sua função de substituta da ideologia do progresso, que após a crise dos anos 70 foi duramente questionada pela incapacidade das diferentes estratégias desenvolvimentistas de acabar com as desigualdades e as injustiças sociais. Desse modo, a ideologia do progresso foi substituída pela ideologia da comunicação, que retoma os mesmos mitos que haviam caracterizado a primeira, embora agora “para progresar, todos debemos comunicar” (Mattelart, 2001). Podemos identificar essa substituição e sua evolução nas três últimas décadas com o que Mézsáros (2004) define como a estratégia ideológica do sistema capitalista diante das desigualdades estruturais que carrega consigo. O ato de denunciar o caráter ideológico ou a auréola mítica que rodeia o projeto de sociedade da informação não quer dizer que não existam, e deve-se reconhecêlo, novidades na evolução do modo de desenvolvimento. Trata-se de pôr em juízo não a existência de uma mudança, mas a interpretação e consequências que se inferem dessa mudança por parte de determinadas posturas que escondem certos aspectos indesejados da citada transformação. Falamos então de uma alteração de dimensões qualitativas, porém não de ruptura, mas adaptação e configuração de uma nova fase do capitalismo fundamentada em antigas raízes e surgida como resposta às necessidades de acumulação capitalista. Esse novo modo de desenvolvimento, “cuyo capital básico es la inteligencia colectiva y la información, distribuida en todos lados, continuamente valorizada y puesta en sinergia en tiempo real” (Crovi, 2004a, p. 43) e no qual as TIC adquirem um papel protagonista, apresenta-se diante das regiões como uma bifurcação entre dois caminhos possíveis que podemos resumir em maior autonomia ou maior dependência e que, como vimos, situa os territórios em uma nova estrutura hierárquica global atravessada por dinâmicas de descentralização e recentralização. O que assim parece evidente é a necessidade de uma redefinição das políticas públicas de comunicação e cultura para fazer frente a todas as transformações que se agrupam sob o apelo de sociedade da informação, posto que o marco regulador existente na atualidade é incapaz de dar uma resposta democrática, em termos de pluralidade e construção de cidadania, aos desafios que se abremcom o novo sistema de redes digitais.

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O local é o diferencial

O papel do rádio na era da conexão planetária LEANDRO RAMIRES COMASSETTO O RÁDIO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO A transformação operada nas comunicações, sobretudo a partir das últimas três décadas, chama à reflexão sobre o futuro do rádio local. A pergunta que vem à tona é até quando os meios que atuam em âmbito local, voltados à discussão das problemáticas do entorno mais imediato, resistirão ao processo de concentração fomentado pela onda de fusões e convergências, que favorece os maiores grupos de mídia, potencializando suas ações tanto em termos de abrangência quanto de exploração de novos negócios. A comunicação, na atualidade, é um negócio que transcende os veículos tradicionais. Conjuga ferramentas informáticas e telecomunicacionais e transita da informação ao entretenimento. Está dominada por conglomerados que atuam em redes ou cadeias, seja em nível nacional ou internacional, que absorvem os veículos menores ou os tornam dependentes de seu conteúdo. Quanto maior as facilidades tecnológicas, maior a ação das corporações e de suas agências, mais fácil a obtenção do material disseminado por elas e maiores os riscos de os meios locais distanciarem-se de suas comunidades. No que confere ao rádio, mesmo países que até recentemente mantiveram posição muito reservada quanto à abertura comercial da mídia, como era o caso na Europa, não resistiram à privatização do setor. Multiplicou-se o número de emissoras, novas ofertas programáticas foram criadas, e a publicidade assumiu papel decisivo na sustentação e desenvolvimento do meio. “A partir dos anos 80, o rádio europeu transformou-se em uma indústria” (MARTÍNEZ-COSTA, 2004, p. 332), não fugindo à tendência das fusões, da concentração da propriedade por parte dos grandes grupos e da formação de redes. Consequentemente, “duas décadas depois, sucumbiram muitas das iniciativas pensadas para satisfazer um público local” (FRANQUET, 2003, p. 141). Em países como França, Itália, Inglaterra e Portugal, “as rádios locais que conseguiram sucesso comercial deixaram de ser locais para se transformar em redes, e as que permaneceram locais por opção ou falta de alternativa enfrentam crescentes dificuldades” (MEDITSCH, 2001, p. 129). Mas nada se compara ao ocorrido nos Estados Unidos, onde desde o início imperou a lei do comércio e da propriedade, intensificada, sobretudo, a partir de 1996, quando a lei das telecomunicações aboliu as regras que limitavam a 20 AMs e 20 FMs o número de emissoras por parte das companhias e indivíduos. “O resultado foi uma onda de compras e fusões nessa área” (DIZARD Jr., 2000, p. 156), acarretando “o agrupamento de estações em pequenas ou médias cadeias que, com o tempo, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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seriam absorvidas por conglomerados multimídia” (FRANQUET, 2003, p. 142). Só no ano de 1998, cerca de 4.000 das 10.000 estações de rádio então existentes no país mudaram de mãos, em acordos que totalizaram aproximadamente US$ 32 bilhões. Foram criadas redes regionais, nacionais e até internacionais de rádio, e os mercados locais, hoje, são, em boa parte, dominados pelas grandes companhias, com a afiliação das estações locais. As que resistiram encontram dificuldades para se manter. Em 2001, um quarto do total de emissoras existentes, todas pertencentes às grandes redes, concentrava 80% da publicidade em rádio (FRANQUET, 2003). No Brasil, desde o início, os meios de comunicação foram controlados por oligarquias familiares, favorecidas, até os anos 1990, pela forma de concessão a cargo do poder Executivo, sob acentuada interferência política. Estudo de 2001 dava conta de que grupos políticos exerciam ascensão direta sobre mais de 60% das emissoras de rádio e televisão brasileiras. A ação estende-se, inclusive, sobre as emissoras comunitárias. Mais recentemente registra-se acentuada presença de entidades religiosas no controle da mídia. Os últimos levantamentos dão conta de que, sem contar as comunitárias, evangélicos e católicos controlam mais de 1.000 emissoras de rádio e TV em todo o país. Desde 1996, alteração na lei que regulamenta os serviços de radiodifusão tenta inibir a interferência política na concessão de novos canais, que estava suspensa desde 1990 e foi retomada só em 1998. A partir dessa data, as outorgas são emitidas mediante licitação pública, que diz levar em conta a melhor proposta de programação (tempo destinado ao jornalismo, aos serviços noticiosos, aos programas culturais e artísticos produzidos na localidade) combinada ao melhor preço oferecido. No fundo, o poder de mercado passou a ser decisivo, e a medida acaba por favorecer os grupos empresariais já constituídos e consolidados, que tencionam ampliar sua atuação, o que estimula a formação de redes e favorece a concentração de propriedade. Desta forma, além de interesses partidários e religiosos, ainda em evidência, sobressai-se o interesse comercial, o que tem estimulado a constituição de redes, sobretudo no mercado das FMs. Estima-se que hoje 50% do setor radiofônico do país opere por este sistema, vantajoso sob o ponto de vista econômico, pelo fato de uma emissora cabeça-de-rede produzir a programação retransmitida pelas demais praticamente sem custos. O sistema, por um lado, contribui para a modernização do rádio, na medida em que favorece a especialização em algumas áreas. A possibilidade de abranger público significativo com o recurso das redes ajuda a consolidar as emissoras especializadas em notícias ou gêneros musicais específicos, o que se torna difícil, senão praticamente impossível, para uma rádio independente operando em cidade do interior, com abrangência restrita e público variado, mas reduzido. O principal problema das redes é que, ao abrangerem regiões as mais diversas, não mantêm identificação com as comunidades locais, ignoram sua cultura e não discutem as problemáticas de seu entorno.

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A QUESTÃO LOCAL Por mais que se argumente em favor da “aldeia global”, da eliminação das distâncias, do espaço de fluxos, do deslocamento de imaginários, o lugar, físico e próximo, ainda exerce importância significativa para a maioria das pessoas. Como reconhece Castells (2001, p. 447), “o espaço de fluxos não permeia toda a esfera da experiência humana na sociedade em rede. Sem dúvida, a grande maioria das pessoas nas sociedades tradicionais, bem como nas desenvolvidas, vive em lugares e, portanto, percebe seu espaço com base no lugar”. A hipótese pós-moderna de que a relação proximidade/distância perdeu seu significado e, dessa forma, a proximidade não tem mais sentido, não pode ser aplicada de forma taxativa. Por mais que as forças dominantes e as articulações de poder na sociedade da informação deem-se através da rede de interações, organizada no espaço de fluxos, e a dominação estrutural de sua lógica altere de forma fundamental o significado e a dinâmica dos lugares, a vizinhança, o bairro, a cidade ou a região urbana ou rural ainda constituem pontos de referência relativamente estáveis. No mundo inteiro, as pessoas, para as mais diferentes necessidades, ainda dependem umas das outras; constroem vínculos e relações; compartilham valores, emoções, alegrias e dificuldades; reclamam, reivindicam e se organizam para resolver os problemas da vida diária e dificilmente dispensam da memória a sensação de enraizamento num lugar (BOURDIN, 2001). A relevância exercida pelo espaço local, portanto, requer e reforça a necessidade de meios de comunicação que contemplem essa realidade. Os veículos locais têm, neste sentido, papel insubstituível, mas que, mais que uma obrigação, deve ser visto como oportunidade. Num contexto em que a proliferação de meios e canais e a dificuldade de competir em escala mais abrangente com os conglomerados de mídia obrigam à descoberta de novos nichos de mercado, o espaço local não pode ser desprezado. Pelo contrário, esse é o lugar que se abre para o diferente, que comporta e requer o diferencial que a grande mídia dificilmente vai dar e que, por isso mesmo, apresenta-se como alternativa aos veículos que, por suas limitações técnicas e estruturais, correm risco de sucumbir à crescente expansão dos meios globais. Especialmente o rádio, por suas características, tem potencial para atuação mais destacada nesse meio. É acessível, identifica-se facilmente com o público e carrega consigo a experiência adquirida de uma relação histórica com o local. Atributos não lhe faltam. Impõe-se o desafio de mostrar-se hábil, capaz e criativo para sobreviver e mesmo sobressair em meio à nova realidade.

O FORMATO DO RÁDIO LOCAL A popularização dos satélites, a voracidade das redes e as seduções midiáticas que se multiplicam em todos os lugares ameaçam os meios locais. Parte da crise, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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todavia, deve-se ao amadorismo praticado pelas emissoras, o que, no entender de Meditsch (2001), sugere um repensar da estrutura e do jeito de fazer rádio local. A chegada e a popularização da televisão, a migração dos anunciantes e a concorrência imposta pelo próprio rádio, sobretudo a partir do advento das FMs, afetaram a arrecadação e a capacidade de investimento das emissoras. O rádio perdeu qualidade, baixou de nível e tornou-se, especialmente no caso das AMs, um veículo apelativo, tratando questões por demais pessoalizadas, com exagero na emoção e apelo ao sensacionalismo, quando não descambando para a “baixaria”, em função de demasiada atenção às ocorrências do submundo das cidades, a violência, o crime, os desastres. Associado a isso, muitas emissoras encontraram na redução das equipes, no jornalismo de gilete-press ou dos conteúdos disponibilizados na internet e na terceirização de horários para instituições religiosas e outras entidades a fórmula para a sobrevivência. Momentaneamente saídas para a crise, estratégias dessa natureza são vistas com restrições por estudiosos da radiodifusão, para quem o rádio, a exemplo do que já estaria ocorrendo com os demais meios, frente à tendência concentradora da mídia, não conseguirá fugir ao profissionalismo, à especialização das equipes e à oferta de conteúdo diversificado, que atenda às preferências e necessidades dos ouvintes. Para Del Bianco (2004), ainda mais diante dos recursos (de imagens, textos, melhoria da qualidade sonora e ampliação do espectro) impostos pelo sistema digital, ou o rádio firma-se com programação de fato atrativa ou sucumbe. No entender da autora, a sublocação de horários para conteúdos deslocados do interesse da audiência, como veiculações de entidades religiosas, está com os dias contados, bem como os programas de entretenimento barato, com pouca ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Aqueles que continuarem arraigados a um modo antigo de fazer rádio, acomodados em posições obsoletas e sem base no perfil do público, “vão perder espaço para os que souberem oferecer informação e serviço de qualidade” (p. 321). Na mesma linha de pensamento, Barbeiro (2004) critica o excesso de improvisação e coloquialismo e condena as orientações politiqueiras, a falta de pluralidade e o jornalismo tendencioso. Para o autor, “só a notícia de qualidade é capaz de salvar o rádio do redemoinho provocado pelas novas tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas que ativam outros meios” (p. 144). No caso do rádio do interior, onde o tamanho do público não favorece a segmentação, o formato mais aconselhável, na opinião dos especialistas, é o generalista, já adotado pela maioria das emissoras, embora nem sempre com a qualidade desejada para um veículo que se pretende que sirva à sua comunidade. Uma definição mais ou menos precisa do que se entende por rádio local é dada por Cebrián Herreros (2001b, p. 146): A rádio local é uma emissora de programação especializada dentro de uma concepção generalista de enfoque geral sobre tudo o que concerne à localidade em que está situada. Uma rádio que atende aos interesses, responde aos gostos

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e necessidades de serviços de comunicação. Está centrada na vida social, econômica, política e cultural de sua área de abrangência e também em tudo o que ocorre em seu exterior e que tenha repercussões na vida da comunidade. Como emissora de formato generalista, compete à rádio local, além da cobertura dos acontecimentos e discussão das problemáticas de sua região de abrangência, a atenção ao entretenimento, em especial a música e o esporte, à prestação de serviço e à utilidade pública. Nas emissoras mais sintonizadas com a nova realidade do rádio, especialmente nas manhãs predominam os programas de variedades, conduzidos por comunicadores de forte empatia com o público, com perfil “muito próximo ao de um âncora, com conhecimento dos fatos e capaz de passar credibilidade, gerando retorno de audiência” (MARCONDES, apud MARANINI, 2001, p. 66). A informação, complementada por repórteres que percorrem a cidade ou intervêm no estúdio, é o principal elemento do programa que, por atender a um público heterogêneo, é aconselhável que se dedique também ao debate, à opinião responsável, às informações de serviço, ao esclarecimento sobre questões de interesse do público e, obviamente, ao entretenimento.

A INFORMAÇÃO COMO EIXO DA PROGRAMAÇÃO A informação sempre fez parte do cotidiano do rádio. Apesar da resistência inicial da imprensa americana, que temia a concorrência imposta pela instantaneidade das ondas sonoras (FAUS BELAU, 1981), o noticiário falado difundiu-se rapidamente, as agências de notícias criaram serviços especiais para as emissoras de todo o mundo, e o jornalismo passou a ser um setor comum nas estações de radiodifusão. Num primeiro momento, até pela centralidade do rádio, havia predomínio das informações nacionais e internacionais. A chegada da televisão obrigou o rádio a voltar-se para seu entorno, e os fatos mais próximos ganharam a atenção do veículo. A proliferação de meios, a convergência e a concorrência imposta por mídias melhor estruturadas e mais sedutoras terminaram por afetar outros produtos antes exclusivos do rádio, entre eles, a música. E os fatos internacionais, nacionais, regionais e, em alguns casos, mesmo locais, são cobertos com eficiência por meios especializados. Ao rádio local não restou alternativa senão estreitar ainda mais seus laços com as comunidades em que está inserido e acentuar o trabalho jornalístico realizado nesses lugares. Tanto nos programas de variedades quanto no restante da programação, a informação é elemento indispensável, pois é o que de fato confere identidade e fortalece a presença do rádio nas localidades. De acordo com Chantler e Harris (1998, p. 21), A força do jornalismo numa emissora de rádio local é o instrumento que dá a ela a sensação de ser verdadeiramente local. Estações de rádio locais que querem atingir grande audiência e ignoram o jornalismo correm riscos. Num Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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mercado cada vez mais disputado, o jornalismo é uma das poucas coisas que distinguem as emissoras locais de todas as outras. Vale reforçar, porém, que a informação de real interesse do rádio local é a que está relacionada aos acontecimentos da proximidade, aos valores, situações e vivências próximas. Quanto mais se ativer a isso, maior será, na opinião de Cebrián Herreros (2001b), a sobrevivência do rádio local. “O mais importante é cobrir as notícias que os demais não dão” (p. 181), mesmo que menos sensacionais. Ao rádio não convém querer competir com quem, por ter mais recursos, pode oferecer produtos mais espetaculares (p. 157). Para Montesinos Civera (2003, p. 91), “a chave está em se conseguir com a proximidade tudo o que os demais oferecem com conteúdos”. A necessidade de proximidade, entretanto, não pode ser confundida com falta de criatividade, atendo-se as emissoras apenas ao relato do factual, dos acontecimentos triviais do dia-a-dia e que, a médio e longo prazo, podem se tornar maçantes ao ouvinte, sempre tentado pela multiplicidade da oferta na era da conexão planetária. É por isso que o profissionalismo e o investimento em equipes jornalísticas capacitadas, além de âncoras de talento, são fundamentais para um maior número de variações e novidades. Reportagens especiais, novos ritmos e formatos diferentes ajudam a quebrar a monotonia e a garantir a audiência. Sobretudo no rádio generalista, pensar que só variar o repertório musical significa inovação é bobagem, na opinião de Herreros, que destaca a crescente inserção de espaços ou programas humorísticos, entre eles os que, de forma inteligente e responsável, satirizam os políticos. Por fim, sempre é importante lembrar que, por maior e mais diversificada que seja a proliferação de canais informativos, em vista das novas mídias e da especialização dos veículos tradicionais, nenhum bate o rádio na intimidade e facilidade com que trata e discute as questões que estão mais próximas da audiência, favorecido que está pela proximidade geográfica (não está se tratando de emissoras de rede, obviamente), mas também pela agilidade com que pode pôr no ar as informações. A dispensa de aparatos sofisticados na cobertura dos acontecimentos dá mobilidade ao veículo, reconhecido pela imediaticidade com que põe o ouvinte em contato com a realidade.

COMERCIAIS VERSUS COMUNITÁRIAS A saturação de mídias tem sido uma das principais queixas dos empresários da radiodifusão e que, na opinião de alguns estudiosos, ameaça a própria sobrevivência das emissoras locais. O curioso é que, nesta entrada de século, o meio vê-se ameaçado pelo próprio meio, inclusive por emissoras, em princípio, identificadas com o mesmo propósito de servir às comunidades próximas. A preocupação deve-se à disputa pelo já saturado mercado publicitário.

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A multiplicação de canais é uma realidade que diz respeito não apenas ao Brasil. Praticamente, o mundo inteiro debate esta situação, nem sempre vista de forma positiva. Na Europa, onde a exploração comercial do rádio e da televisão é processo recente, há alegações de que a chamada democratização das comunicações, ao invés de fortalecer a radiodifusão local, acabará por comprometê-la. Este é o ponto de vista, por exemplo, de um dos mais respeitados pesquisadores do rádio no mundo, o espanhol Angel Faus Belau, para quem “a proliferação incontrolada – inclusive alentada – de emissoras ilegais, piratas, livres, comunitárias, associativas, independentes, etc., põe o rádio privado local contra as cordas e ameaça gravemente sua liberdade de ação” (2003, p. 75). Na avaliação do autor, a proliferação de canais, mesmo que de ordem pública ou comunitária, mas com direito à exploração comercial ou à busca de apoio cultural, agrava-se, sobretudo, nos municípios ou regiões com capacidade limitada de anunciantes, o que estaria contribuindo para empurrar o rádio local para o domínio das redes. Na Espanha, menos de 10% das emissoras privadas (e legalizadas) são independentes e totalmente locais. Cebrián Herreros (2001b) complementa que a fragilidade econômica do rádio de proximidade, seja privado ou municipal (gerido por recursos públicos e publicitários), acarreta o risco de este se tornar “um rádio pobre de ideias, preso ao passado musical, por falta de recursos para sua atualização, ou limitado à cópia dos programas das grandes cadeias” (p. 159). No caso das rádios municipais, aponta, entre outros problemas, o uso político das emissoras para a autopromoção do grupo governante. No Brasil, a preocupação do setor privado com a multiplicação de canais tem se acentuado após a regulamentação da radiodifusão comunitária, cujas emissoras atendem, especificamente, a pequenos municípios e comunidades, bairros ou vilas, com o objetivo de difundir ideias, elementos culturais, tradições e hábitos locais, além de estimular o lazer, a integração e o convívio e prestar serviços de utilidade pública nas comunidades em que as emissoras estão inseridas, algo que, na maioria das vezes, ao menos em parte, tem sido deixado de lado pelas rádios comerciais. Os números mais recentes dão conta da existência de 4.500 emissoras de caráter comunitário operando legalmente. É difícil precisar, entretanto, o número exato de rádios ainda não autorizadas, as chamadas clandestinas ou piratas, em funcionamento no país. A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) fala em 20 mil, número muito superior ao estimado pela Anatel, a agência encarregada de fiscalizar o setor, para quem existem de cinco a sete mil emissoras dessa natureza, ou seja, operando de forma irregular. Segundo a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), órgão que congrega o setor privado, “pelo menos 50% das emissoras ilegais operando no país veiculam propagandas e têm no interesse monetário o único ideal que possa ser notado”. A Associação intensifica a pressão sobre o governo e os órgãos fiscalizadores para que as restrições legais sejam impostas à “pirataria”, alegando prejuízos incalculáveis ao setor, tendo em vista que as emissoras clandestinas Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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“ganham competitividade por meio da sonegação de tributos e da desobrigação de cumprimento de regras” (ABERT, 2002, p. 47). O uso político e religioso (doutrinário) é o maior responsável pelas críticas dirigidas às rádios comunitárias e pelo descrédito a que foram levadas muitas dessas emissoras desde seu surgimento. Em todo o Brasil, são frequentes as denúncias dando conta de rádios que, sob o disfarce de comunitárias, são, na verdade, extensões de entidades religiosas e instituições com interesse partidário, revelando-se, na prática, menos comunitárias que as comerciais. Apesar das distorções existentes, as rádios comunitárias, em sua essência, não têm essa finalidade e nem por princípio a disputa de mercado com as emissoras comerciais. Ainda que a ideia de “democratização da informação” seja algo discutível numa era regida pelo capital organizado e, no caso das comunicações, cada vez mais dominada pelos grandes grupos de mídia, o rádio comunitário, ao menos nos países em desenvolvimento, é resultado do processo de abertura política e do fortalecimento das instituições democráticas, após décadas de luta em favor da inclusão social e da liberdade de expressão. Em princípio, visa basicamente à manifestação democrática de todos os setores da comunidade em que atua e ao desenvolvimento local, entendido em sua amplitude, desde a promoção de valores artísticos e culturais até a discussão de problemas e reivindicações de melhorias em benefício do bem-estar social, diferente, portando, dos meios comerciais, que têm por princípio primeiro o lucro. Por isso, no entender da Abraço, as distorções havidas não invalidam a importância da regulamentação da radiodifusão comunitária no país. O que a entidade defende é o aperfeiçoamento da legislação “para que esse tipo de emissora cumpra, de fato, o papel (social) a que se propõe” (DETONI, 2004, p. 279). Além disso, há que se considerar que, levando-se em consideração a lógica que permeia o perfil do ouvinte na atualidade, tendo em vista a proliferação de emissoras e a concorrência estabelecida entre elas para conquistar a audiência, o que tem resultado em programação de melhor qualidade, o desgaste das emissoras usadas de forma indevida é inevitável. No médio prazo, tendem a cair no descrédito da audiência e a enfrentar o repúdio da comunidade. Desde que bem utilizadas, porém, podem prestar relevantes serviços à população, fortalecendo o viés comunitário e local.

AS INCERTEZAS DO DIGITAL A transição do sistema analógico para o digital, que já começa a chegar à TV brasileira, ainda é uma incógnita para o rádio, que praticamente já definiu pelo sistema americano IBOC, mas está inseguro quanto à eficiência do sinal. O modelo em questão permite a mesma frequência no dial, mas ainda apresenta problemas de propagação. Por isso, a adoção de um outro padrão internacional não está descartada. De qualquer forma, as estimativas mais otimistas preveem um tempo de ainda cinco anos ou mais para que o sistema venha a se consolidar.

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Já implantado em alguns países, o rádio digital enfrenta dificuldades para alcançar popularidade. Na Europa, onde funciona há mais de quinze anos, a Inglaterra é o país com melhor aceitação, graças ao empenho da rádio BBC, que criou cinco canais com conteúdos diversificados exclusivamente para o digital. Ainda assim, estima-se que apenas um quinto da população tenha migrado para o sistema. Na Alemanha, embora o alcance seja de 80% da população, a audiência é de apenas 1%, situação parecida com a da Espanha, onde faltam incentivos governamentais e iniciativas empresariais para a popularização do digital. Sem atrativos diferenciados, os ouvintes continuam optando pelo analógico. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, país que criou o sistema por ora mais aceito no Brasil. Estimava-se recentemente que apenas meio milhão de usuários em uma população de 300 milhões tenha aderido ao padrão digital (DEL BIANCO, 2009). Ainda que pairem dúvidas sobre a eficiência do sistema, o maior desafio para a sobrevivência do rádio com o advento do sistema digital não é técnico, mas operacional. Implica, sobretudo, em programação de qualidade, compatível com os recursos proporcionados pelo avanço tecnológico e, mais importante, a produção de conteúdo voltado aos interesses da audiência. Sem isso, a mudança pouco significado terá para o ouvinte, cada vez mais exigente e seletivo. Fidler (1998), em sua tese sobre a metamorfose dos meios, já observava, a respeito dos jornais, que O mais importante não é se os futuros diários serão publicados em papel ou em algum novo meio de apresentação eletrônica. O que importa é que continuem tendo a capacidade de informar em forma conveniente e responsável às pessoas nas comunidades que atendem; que ofereçam fóruns acessíveis para o discurso público e o intercâmbio de diversos pontos de vista; que convalidem e deem sentido às informações díspares e conflitantes; que facilitem a difusão da informação e de experiências que estreitam os laços da comunidade, que denunciem as más ações e deem o alarme quando está em perigo a nossa liberdade, nossas comunidades e nossas vidas, e que continuem deleitando e surpreendendo os leitores com o inesperado e o extraordinário (p. 379). A mesma observação vale para as demais mídias, entre elas o rádio, que hoje, ressalvadas poucas exceções, não tem projetos nem planos para melhor aproveitamento do meio com a tecnologia digital. E não só no que tange à melhoria da qualidade do sinal, que oferecerá áudio estéreo, com definição de CD e livre de interferências, nem no que se refere aos recursos adicionais ao som (gráficos, mapas, textos e até imagens úteis principalmente para agregar dados referentes ao trânsito, localização geográfica, meteorologia, indicadores econômicos, informações sobre a programação, etc.), cuja veiculação será possível. A questão mais desafiadora diz respeito mesmo à programação de melhor qualidade, atrativa e verdadeiramente útil, ainda mais tendo em vista o desdobramento dos canais pela fragmentação do espectro. Dependendo da tecnologia a ser adotada, as frequências atuais serão Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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multiplicadas por até cinco vezes, ficando sob domínio das mesmas emissoras, que poderão veicular programações diferentes simultaneamente. Os novos recursos, por certo, estimularão “parcerias e alianças estratégicas com provedores de conteúdo, para desenvolver serviços complementares e agregar valor à programação do rádio” (DEL BIANCO, 2004, p. 310), o que já vem ocorrendo na internet, mas não a ponto de convertê-lo num meio plenamente audiovisual, sob pena de transformá-lo num primo pobre da televisão, do cinema, do vídeo e comprometer sua mobilidade. Tudo leva a crer que o rádio, a título complementar, estará cada vez mais aberto às novas possibilidades, à sinergia proporcionada pelas tecnologias e pela convergência de mídias, mas, mais importante que tudo, é que continue sendo rádio e correspondendo às necessidades sociais da audiência. E isso significa continuar sendo um meio preponderantemente sonoro e capaz de demonstrar profissionalismo em uma proposta que atenda às necessidades do público.

A EXPERIÊNCIA NA WEB Apesar de a internet ainda ser considerada inviável comercialmente para os radiodifusores, hoje já não se concebe a total ausência na rede. Numa época em que cada vez mais as pessoas procuram ter sua página pessoal na web, a presença na internet ganhou status de certidão de identidade e, ainda que carregada de conotação ideológica comercial, o slogan “se não se encontra na rede, é porque não existe” afirma-se como verdade incontestável. Inicialmente presentes apenas de forma institucional, como qualquer outra empresa, com o objetivo de oferecer informações sobre a emissora e a programação e divulgar a marca, as rádios, logo que as condições técnicas permitiram, passaram a disponibilizar na rede também o áudio da programação que veiculam no dial. Para os empresários da radiodifusão, o ganho mais evidente foi o de possibilitar à emissora, independente de seu tamanho, estrutura ou potência, a possibilidade de fazer-se global, ainda mais numa época em que se acentuam os contatos entre pessoas do mundo inteiro e o intercâmbio de ideias e valores culturais. O rádio, desta forma, pode servir como instrumento útil para a obtenção de informações e saciar a curiosidade sobre outras culturas, preferências musicais, costumes, estilos de vida, etc., e, mais importante ainda, como meio capaz de pôr em contato com sua terra e suas origens pessoas que, por qualquer razão, encontram-se em regiões distantes das suas ou mesmo em outros países. Mas o fato é que a internet pode servir de laboratório de conteúdos para o rádio digital, tendo em vista que os recursos que oferece em muito se assemelham ao que será possível com a implantação do novo sistema. Os estudos mais recentes sobre o rádio, aliás, chamam a atenção para isso e também para as possibilidades proporcionadas pela web, que, embora tire muito da mobilidade que o rádio, apenas enquanto som, permite, alcança hoje um notável número de adeptos que recorrem ao computador para ouvir, e até ver, rádio.

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Estima-se que 33 milhões de americanos sintonizam uma estação de rádio pela internet semanalmente e 54 milhões se tomar por base a audiência mensal, segundo estudo da Arbitron e Edson Media Research realizado em 2008 nos Estados Unidos. Em média, um em cada cinco americanos diz ouvir rádio online. O hábito não é restrito a jovens, alcança todas as faixas etárias. Quinze por cento dos americanos em idade de 25 a 54 são ouvintes de rádio online (DEL BIANCO, 2009). A mesma pesquisa apontou que a internet, sobretudo para os adolescentes, é o principal lugar de descoberta, inclusive de novas músicas. Aos poucos, não mais o rádio das ondas sonoras, mas o rádio que se faz na internet, e que pode ser ouvido no computador, iphone, ipad, ipod, mp3 e no aparelho celular, é que se consolida como o lugar de referência da juventude, inclusive em países emergentes, como o Brasil, onde mais da metade da população já tem, de alguma forma, acesso à web, utilizada principalmente para lazer e diversão, quesito em que a audiência de rádio se insere. Quando se fala em rádio na internet, há que se diferenciar os canais criados exclusivamente para a web, muitos dos quais apenas veiculando músicas ou programação semelhante às emissoras convencionais, das rádios que, de alguma forma, incorporaram a internet como parte de seu leque de atrativos ao ouvinte. Mais, portanto, que apenas disponibilizar o sinal na rede. Em se tratando exclusivamente de radiowebs, iniciativas de caráter comunitário começaram a se fazer presentes na internet no fim da década de 1990. Com a demora para a outorga de emissoras comunitárias, algumas comunidades visualizaram a rede como ferramenta eficaz para a divulgação de seu trabalho. Outras aglutinaram na rede o sinal das rádios comunitárias já implantadas, como é o caso do portal “Rede Viva Favela”, do Rio de Janeiro. O rádio comercial, por sua vez, demora a se utilizar das ferramentas digitais, ainda que o futuro aponte para novos hábitos de “ouvir” rádio. “Os programadores e webdesigners ainda não descobriram as incontáveis possibilidades proporcionadas pela radiofonia na internet e repetem ainda, em muitos casos, a fórmula hertziana nas páginas da web” (PRATA, 2008). No meio digital, o rádio pode ganhar novos contornos, propiciar novos canais de interação com o ouvinte e até veicular textos e imagens complementares ao áudio e que satisfazem a curiosidade da audiência. Iniciativas bem sucedidas nesse sentido já estão se proliferando, com sites bem produzidos, informações detalhadas sobre a programação, canais de interação com o ouvinte e disponibilização de fotos e vídeos². Tudo isso sem deixar de ser rádio, porque o principal atrativo continua sendo o áudio, permitindo a mesma mobilidade ao ouvinte, que recorre à internet apenas quando procura informação complementar ou deseja se comunicar com a rádio. O rádio, de forma paralela à evolução das sociedades, vive momentos de reorganização, em função do ambiente de convergência multimídia e de integração de sistemas e suportes, o que põe em vantagem, num primeiro momento, os grupos Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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que já congregam diferentes mídias e que dispõem de recursos e profissionais para abastecer as emissoras com conteúdo diversificado e complementar ao áudio. Mas nada que não seja possível também às emissoras de menor estrutura, desde que usem de vontade e criatividade para conjugar os recursos colocados à disposição pela web, antecipando o que será uma tendência com a implantação do sistema digital. Embora lentamente, algumas iniciativas, como as das Rádios Aliança, Rural e Atual FM, no interior de Santa Catarina, vem alcançando bons resultados no que se refere à aceitação da audiência. Desde 2009, além de textos, arquivos em áudio, infográficos e fotografias, já disponibilizados anteriormente, os sites das emissoras oferecem também vídeos de algumas de suas principais reportagens, com destaque para a editoria de segurança pública, cujas imagens despertam maior curiosidade. Numa cidade de 60 mil habitantes, os sites (www. radioalianca.com.br; www.radiorural.com.br; www.atualfm.com.br) das rádios chegam a ter mais de vinte mil acessos num único dia, dependendo da matéria veiculada. E o curioso é que, em alguns casos, as rádios chegam a fornecer algumas de suas imagens para as repetidoras de televisão da região, que as veiculam em seus noticiários locais. Para isso, as emissoras, de programação eminentemente local, com acentuado viés jornalístico, não estabeleceram estruturas diferenciadas das que mantinham antes da veiculação também pela internet. Pelo menos no primeiro dos casos citados, a iniciativa partiu da própria equipe de reportagem, que, na realização de todas as coberturas, sempre leva consigo uma máquina de fotografia portátil, com recurso também de filmagem. A qualidade da imagem é satisfatória, mas suficiente para saciar o desejo do ouvinte por algo além do áudio.

PROFISSIONAIS MULTIMÍDIA O novo momento está provocando também uma mudança no perfil profissional dos trabalhadores da comunicação. Se, no passado, era comum cada um se ater à sua especificidade ou especialidade, hoje começam a predominar nas emissoras os funcionários multifuncionais. Além de serem bons comunicadores, é importante que eles saibam manejar com destreza os equipamentos informáticos e se especializem na criação e produção de novos produtos. Os perfis criativos, dedicados à investigação de novos produtos, novas audiências e de mercados de negócios radiofônicos estão entre os mais valorizados pelas empresas do setor, que, ainda que haja controvérsias sobre a necessidade da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, começam a perceber a importância do profissional formado, com domínio das técnicas de todas as mídias, conhecimento científico e criatividade para fazer diferença nesse novo contexto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Uma das questões mais emblemáticas desta época é a que diz respeito ao sentido do local frente a uma realidade que se impõe cada vez mais globalizante. É fato que as transformações imprimidas ao tempo e ao espaço, por ocasião das novas tecnologias da informação, encurtaram distâncias, ampliaram relações e negócios em escala planetária e fizeram tudo parecer muito próximo. Tanto que o próprio conceito de local ficou prejudicado. Na atual conjuntura, já não há estranheza em se estender esse entendimento aos limites do mundo, que, aos olhos do homem contemporâneo, já não é visto de maneira muito diferente da qual os antigos aldeões concebiam as vilas que habitavam. O olhar tornou-se mais abrangente, e problemáticas as mais longínquas, territorialmente falando, ocupam o imaginário e as preocupações do sujeito. Mas nem por isso as questões próximas e localizadas perderam seu significado e importância. Tanto num sentido geográfico quanto antropológico, continuam despertando fascínio e interesse. As pessoas, por mais acentuada que esteja a desterritorialização, ainda vivem em lugares, cujas relações e acontecimentos têm interferência direta em suas vidas e nos seus afazeres diários. O rádio, por suas características, é o meio que melhores condições reúne para atender o seu entorno imediato, contemplando, desta forma, os assuntos que os demais não dão. No caso do rádio local, é isso que o diferencia dos outros meios e canais, confere-lhe identidade e justifica sua existência num ambiente de extrema concorrência. Ocupa espaço significativo, senão de forma tão intensa quanto no passado, quando reinava absoluto bem dizer como único instrumento de comunicação, continua sendo referencial na comunidade, na medida em que se volta à realidade próxima, retrata as problemáticas de interesse imediato e põe na ordem do dia as questões que dizem respeito ao cotidiano da audiência. O rádio local representa um diferencial em meio ao contexto multimidiático que se evidencia, em relação às novas e atrativas mídias, à multiplicação de canais, às cadeias que aceleram a concentração do setor. Pode sim resistir a tudo isso e continuar prestando relevantes serviços às comunidades em que atua. Mas, tal qual observa Cebrián Herreros, o rádio local dos novos tempos nada mais tem a ver com a antiga rádio de reprodução de discos, de baixo custo e quase nenhum profissionalismo. O novo rádio, ainda mais tendo em vista as novas tecnologias que batem à porta, a promessa cada vez maior de qualidade sonora e recursos adicionais, terá que corresponder também com profissionais mais qualificados, equipes melhor estruturadas e informação mais adequada às necessidades da audiência, cujas preferências deverão ser diagnosticadas com métodos mais científicos. Estes são os desafios que se impõem ao rádio local, um rádio que, por certo, vê-se ameaçado, mas ainda não sucumbiu ao curso globalizador. A concretização da aldeia global, por si só, não acarreta o desaparecimento da aldeia local. A aldeia local não perdeu sua relevância e continua sendo ponto de referência para a maioria das pessoas, e o rádio, enquanto instrumento de comunicação voltado a este meio, segue sendo a voz da aldeia. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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A digitalização, a convergência e as novas interfaces do Rádio ANTONIO FRANCISCO MAGNONI JULIANA GOBBI BETTI O RÁDIO E A DIGITALIZAÇÃO TARDIA Desde a década de 1980, que processo de digitalização de suportes, de conteúdos e de atividades das comunicações, gráfica, sonora e audiovisual, começou a ganhar relevância e volume ascendente no mercado midiático brasileiro, com a introdução experimental de computadores nas redações de veículos impressos e em estúdio de emissoras de rádio e de televisão. Primeiramente, os computadores serviram como ferramenta para escrever e formatar textos. Em seguida, surgiram as gerações de equipamentos informatizados de desenvolvimento, gravação, edição e distribuição de conteúdos sonoros, imagéticos e gráficos, que atendiam todos os tipos de linguagens e de veiculação. Hoje é quase impossível produzir conteúdos radiofônicos sem o uso de equipamentos digitais ou sem possuir conexão com a internet. Nos grandes veículos e grupos midiáticos concentrados em polos metropolitanos, nas grandes “praças” publicitárias, a substituição de antigas ferramentas, de processos comunicativos e de funções profissionais, por equipamentos e programas informáticos, ocorreu relativamente rápido, conforme os proprietários de veículos ou de grupos midiáticos puderam ter oferta com custos mais acessíveis, de novas tecnologias importadas (ou até contrabandeadas) e com a comprovação da eficácia operacional e da redução de despesas com pessoal, propiciada pelos novos recursos digitais de produção simbólica. A informatização automatizou um grande volume de tarefas e extinguiu muitas funções profissionais e milhares postos de trabalhos, em praticamente todos os veículos e atividades de comunicação, como exemplifica Cebrián Herreros: hay categorías laborales en plena regresión hasta llegar a su desaparición. En unos casos, como la de locutores, por la organización y modificación de las funciones en beneficio de los dominadores de los contenidos. Con ello se ha perdido calidad de voz, dominio de idioma y riquezas fonéticas. En otros casos por la implantación técnica. Se produce una caída de categorías técnicas tradicionales como las de los operadores y emergen otras que requieren amplios dominios informáticos. Otras categorías sufren tales transformaciones que reclaman una reconversión y un reciclaje continuos de quienes las desarrollan. Recuperan impulso el perfil polivalente del profesional técnico y

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la especialización del personal de producción y creación (2001, p. 245). Para agregar ao conteúdo as possibilidades advindas da digitalização e da migração para a internet outras ferramentas essenciais foram integradas aos processos de produção, como a interatividade e a comunicação multilateral, elementos recentes que ainda estão em evolução e aperfeiçoamento. Este avanço caminha paralelo ao desenvolvimento e ampliação dos sistemas informatizados, que já estão presentes em quase todas as atividades humanas, e vem redefinindo continuamente os padrões nacionais e globais de sistemas técnicos, mercadológicos, políticos, reguladores, conceituais, profissionais e culturais da comunicação midiática, nos âmbitos, público, privado, individual e social. Também, o desenvolvimento intenso registrado nas últimas três décadas, das tecnologias e das ferramentas digitais, dos sistemas e linguagens operacionais informatizadas permitiu que muitos tipos de plataformas computacionais fossem incorporados rapidamente ao cotidiano de bilhões de pessoas, independente da condição econômica, cultural ou da região geográfica em que elas residam. Presenciamos uma progressão contínua do número de indivíduos que adicionam ao seu espaço de vivência, algum tipo de equipamento digital com capacidade de processar informações e de realizar quantidades crescentes de operações comunicativas, ou de outras tarefas cotidianas. Com a digitalização dos meios, suportes e das mensagens de comunicação de massa, nos deparamos com um contexto de reinvenção dos processos comunicativos modernos, que haviam sido desenvolvidos e absorvidos socialmente, desde a primeira revolução industrial. Um novo cenário se estabelece ainda sem definições conceituais e processuais consolidadas, em um movimento célere que questiona ou reposiciona as fronteiras historicamente delimitadas pelas diversas formas de organização e desenvolvimento produtivo, econômico, político, cultural e comunicativo das sociedades contemporâneas.

AFINAL, TEREMOS RÁDIO DIGITAL NO BRASIL? AS DEMANDAS E OS CUSTOS DA DIGITALIZAÇÃO O rádio brasileiro, pioneiro e o mais popular dos meios de comunicação de massa, ainda não conseguiu definir o padrão tecnológico para o sistema nacional de transmissão e recepção digital. Em plena “sociedade informática”, o governo e os concessionários vão adiando seguidamente a negociação de uma agenda política, econômica e regulatória, para definir o padrão da nova plataforma nacional e, assim, organizar a definitiva atualização tecnológica do veículo. Del Bianco (2011, p. 373) relembra que a discussão sobre a digitalização no país começou em 1998, liderada pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão a partir da demonstração do DAB – Digital Audio Broadcasting durante seu congresso anual. Entretanto, ainda não há quem diga publicamente, de quais bolsos sairão os recursos para custear novos transmissores para milhares de emissoras comerciais, públicas e

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comunitárias, a partir do momento em que a escolha do padrão do novo Sistema Nacional de Radiodifusão Digital. Atualmente o Brasil possui o segundo maior mercado radiofônico, contando com 3.123 emissoras comerciais (AM e FM), 176 emissoras educativas e 4.449 emissoras comunitárias de acordo com dados de maio de 2012, divulgados pelo Ministério das Comunicações1. É evidente que se considerarmos a potencialidade do cenário mercadológico a digitalização aponta, num primeiro plano, para vastas possibilidades profissionais e tecnológicas que poderão revigorar o veículo rádio nas áreas artístico-culturais, informativas e de prestação de serviços, bem como no campo publicitário e de formação e disputa pela opinião pública. Por outro lado, custear em escala nacional a substituição dos transmissores de milhares de emissoras em AM e em FM, não é uma iniciativa econômica tão amena2. Além disso, a transmissão digital vai transformar em sucata alguns milhões de receptores analógicos adquiridos durante décadas a fio, pelos ouvintes brasileiros. A transição tecnológica irá gerar imensas despesas, que terão que ser rateadas criteriosamente entre o governo, concessionários privados, anunciantes e a sociedade. Será preciso definir claramente quem deverá pagar a maior parcela do vultoso investimento. Do contrário, os atores dominantes irão tranquilamente colocar as despesas de implantação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD) diretamente na conta dos consumidores e contribuintes brasileiros. Os testes para a definição da plataforma de digitalização da radiofonia continuam a ocorrer sem repercussão política e social significativa, embora tratem de escolher o projeto que irá afetar profundamente o mais popular e influente veículo de comunicação nacional. Daí a necessidade de se preservar no rádio digital as diversas formas de produção e recepção radiofônica, que hoje são reconhecidas pelos diferentes setores sociais. O evento da digitalização do rádio deveria ser tratado pelo Governo Federal quase com um assunto de segurança nacional, exatamente por se tratar da remodelagem de um veículo tão estratégico para muitos aspectos da cultura, da política e da economia brasileira. Além dos tantos apontamentos anteriores, há um debate que precede e também se emparelha com o processo de digitalização dos transmissores das emissoras e das implicações econômicas da introdução de tantas inovações simultâneas no mercado radiofônico interno e em toda a cadeia midiática, publicitária e tecnológica do veículo. Na prática, o rádio ainda não conseguiu consolidar

1 Ainda de acordo com o Ministério das Comunicações existem 386 emissoras (AM/FM) funcionando em caráter provisório. Os Estados Unidos, maior mercado radiofônico mundial, possuíam 10.807 emissoras de rádio em março de 2002 (dados da Federal Comunications Comission, disponíveis em: http://www. fcc.gov/working-papers/radio-industry-review-2002-trends-ownership-format-and-fi nance). 2 De acordo com o relatório Rádio Digital no Brasil – Mapeamento das condições técnicas das emissoras de rádio brasileiras e sua adaptabilidade ao padrão de transmissão digital sonora terrestre, 2009-2011, aproximadamente 81% das emissoras não possui, nem de perto, US$ 150 mil para investir na digitalização.

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uma padronização teórica e profissional relativamente universal para executar suas tarefas de digitalização e de convergência de conteúdos, de adequação das linguagens, formatos e grades de programação para os novos ambientes comunicativos dotados de interfaces interativas, multimidiáticas e multilaterais. Hoje, quase todas as rádios brasileiras (e cremos que tal movimento do veículo é mundial) ainda procuram formas mais viáveis de trafegar no ciberespaço, de serem ouvidas em diversas plataformas da internet, em dispositivos domiciliares ou portáteis. Em tempo de incertezas conjunturais, com tantos desafios e dificuldades, aparecem até previsões pessimistas de extinção do veículo. Simultânea ao eco alarmista, a rápida multiplicação de inovações das tecnologias digitais vai introduzindo mudanças ainda empíricas, experimentais nos antigos modelos de programação e também nos sistemas técnicos de difusão e de recepção radiofônica. Os computadores, televisores, aparelhos celulares e tocadores multimídia são dispositivos receptores (e também emissores) que se renovam todos os dias e potencializaram o alcance e as possibilidades das emissoras e que estão introduzindo modificações em formatos, linguagens e nas formas de consumo de conteúdos sonoros e audiovisuais. A forma de recepção que predomina em diversos dispositivos digitais, já é não linear, e a fruição dos conteúdos ocorre de maneira individualizada e diferida. Não é mais preciso ouvir rádio em tempo real e em receptores específicos. A escuta simultânea deixou de ser obrigatória e a recepção (e a interação) em suportes digitais pode vir com texto e imagens adicionadas. Embora as empresas de radiodifusão mantenham a transmissão de conteúdos abertos como produto principal para os ouvintes, hoje uma mesma emissora pode possuir site, blogs, twitter, serviços SMS e plataformas especiais para terminais mais sofisticados, como smartphones e tabletes. Em oposição aos prognósticos pessimistas sobre o futuro da radiodifusão, também desponta um cenário aparentemente tão inovador para o veículo, que estimula os entusiastas a vislumbrar um revolucionário Rádio 3.0, que deverá ser difundido simultaneamente nas ondas hertzianas e na web, com programação segmentada e multimidiática, com recursos comunicativos muito mais cativantes do que os conteúdos sonoros analógicos.

O FANTASMA DE VARGAS NO ESPECTRO RADIOFÔNICO No Brasil, ainda predomina a concepção getulista de rádio comercial, que moldou a radiodifusão nacional como serviço e negócio privado. Desde os anos 1930, o rádio comercial ajudou a criar consumidores para as mercadorias nacionais. Além disso, o veículo ajudou a forjar a unificação cultural, política e territorial do País. Embora os radiodifusores sejam concessionários de frequências geridas pelo Estado (concedidas em nome de toda sociedade), eles entendem que as emissoras são, em primeiro lugar, “negócios” que precisam de investimentos em imóveis, em Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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equipamentos, veículos etc. e têm que gerar receita suficiente para remunerar as pessoas envolvidas em toda a cadeia produtiva radiofônica, além de garantir os lucros particulares dos “empresários” da radiodifusão. Por isto, que o processo de digitalização suscita tanta discussão sobre a nova cadeia de valor, a partir da implantação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital. Será necessário detectar como são constituídas as diversas fontes de faturamento, os critérios e recursos de remuneração para todos envolvidos no processo produtivo da radiodifusão digital e quais serão os índices de lucratividade dos “empresários” da comunicação eletrônica, dentro da denominada economia da informação. Afinal, a digitalização conseguiu romper o longo ciclo técnico e econômico da radiodifusão analógica civil, que começou logo depois do final Primeira Guerra Mundial. No atual mercado da Comunicação, o rádio analógico ocupa o 6º lugar em investimento publicitário com 4% da receita total, ficando na frente apenas da publicidade Out-of-home, Guias e listas, e Cinema. No ranking nacional do mercado de comunicação eletrônica aberta, ele é o terceiro e disputa com a televisão, que detém a enorme parcela 63,3% do mercado interno e lidera em todos os segmentos, seguida da ascendente internet, com 56 milhões de usuários3 e uma porcentagem ainda modesta, de 5,1 % do mercado nacional. Os valores de arrecadação publicitária demonstram a brutal assimetria entre a receita do rádio, com cerca de R$1.130 bilhão, e da televisão: os polpudos R$18.011 bilhões4 de faturamento. Ainda, é importante notar que houve um decréscimo de cerca de 0,4% na fatia do rádio entre 2009 e 2011, no total do investimento publicitário nacional destinado ao veículo. É fundamental destacar que grande parte da receita publicitária dos meios de comunicação brasileiros vem do Governo Federal. Se considerarmos o período dos oito anos do Governo Lula o gasto soma R$ 10 bilhões, somente em 2010 foi investido, aproximadamente, R$ 1.6 bilhão em divulgação oficial pelos órgãos e entidades de administração direta e indireta. Desta verba 64,2% (R$ 707 milhões) ficaram para a Televisão, o Rádio ocupa o terceiro lugar, tendo arrecadado R$ 99,9 milhões (6,18%)5. Ainda, de acordo com informações divulgadas, em abril de 2011, pela Secom - Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, foi registrado um aumento de 42,5% na média de investimento governamental em

3 Dados referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2008, disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet2008/internet.pdf. No entanto, atualmente estima-se que o “número de pessoas com acesso à Internet no Brasil chegou a 82,4 milhões no primeiro trimestre de 2012, segundo pesquisa do Ibope, em parceria com a Nielsen Online” (http://br.reuters.com/ article/internetNews/idBRSPE85A04Z20120611) 4 Valores disponíveis em Mídia Dados 2012 - http://midiadados.digitalpages.com.br/home. aspx?edicao=4 5 Fonte: http://oglobo.globo.com/politica/em-8-anos-governo-gastou-10-bi-compublicidade-2907526. Ver também: http://blog.planalto.gov.br/secom-divulga-dados-atualizadosdos-investimentos-em-publicidade/

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publicidade considerando o período dos últimos três anos dos governos Lula e FHC6. Um aspecto que tem chamado a atenção dos autores, e deverá merecer um levantamento específico para pesquisar o assunto, é o crescimento dos grupos privados, políticos e religiosos que exploram emissoras de rádio, sem priorizar aparentemente, as finalidades e potenciais comerciais de seus veículos. Em muitos casos, poderemos nos deparar com muitas emissoras com receitas deficitárias, que recebem subsídios de outras fontes de renda, uma vez que os concessionários não estão interessados objetivamente no mercado ou no negócio da radiodifusão. Eles utilizam suas emissoras para angariar fiéis, votos ou para potencializar outros ramos de negócios. Então, o faturamento indireto propiciado pela ação radiofônica de emissoras que operam em tal contexto não irá aparecer na contabilidade geral dos veículos ou na fatia publicitária nacional. No entanto, o uso intensivo e bem articulado das emissoras deve engrossar substancialmente a receita das igrejas de várias vertentes cristãs; para os grupos políticos, o controle de estações é de grande ajuda para manter a influência ideológica, para conservar ou ampliar o eleitorado, também para angariar base de apoio financeira e estrutura para campanhas eleitorais. Mesmo para diversos grupos privados comerciais, industriais, de serviços, ou mesmo de atividade agropecuária, que se enquadrariam naturalmente no perfil de “empresários da comunicação”, a exploração de rádios tem servido preferencialmente como instrumento de pressão e de lobby, para reforçar a disputa e a expansão de seus setores originais de interesse econômico. Ou seja, nas condições que apontamos, muitas emissoras sob o controle de diversos grupos com interesses dominantes foram transformadas em veículos “laranjas”, para serem utilizados prioritariamente como instrumentos de pressão ideológica, política, judicial, econômica, religiosa e social. Em tais condições, é quase impossível mensurar com mais precisão, os verdadeiros índices e potencial econômico do rádio comercial brasileiro. A falta de dados seguros também dificulta a elaboração de estimativas sobre a cadeia de valor do rádio digital e deixa o veículo sem um projeto estratégico de desenvolvimento perante as demais mídias digitais. Desde a década de 1970, com a expansão definitiva da televisão em rede nacional, o rádio ampliou as perdas de sua renda publicitária. Pouco lhe valeu os antecedentes de ser o veículo pioneiro da comunicação sem fio em tempo real, da mobilidade e da interatividade. A defasagem do veículo foi tanta, que em plena era digital, o rádio não consegue organizar uma agenda política e econômica para definir uma plataforma nacional de digitalização e organizar a migração tecnológica. Embora os debates sobre a digitalização do rádio brasileiro tenham sido iniciados ao final dos anos 1990, o assunto só entrou na pauta oficial com a criação do Conselho Consultivo do Rádio Digital, em março de 2007, com o objetivo de assessorar o Ministro das Comunicações na definição da tecnologia mais adequada para a 6 Fonte: http://blog.planalto.gov.br/comparar-verba-publicitaria-entre-lula-e-fhc-resultaem-distorcao-da-informacao Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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digitalização do sistema brasileiro de radiodifusão sonora. Houve uma sequência de testes técnicos para verificar o desempenho das tecnologias IBOC dos EUA e DRM, da Europa, que foram realizadas por radiodifusores credenciados pelo Governo Federal e por equipes de universidades brasileiras. Das 23 emissoras que iniciaram os testes neste período apenas 12 apresentaram o relatório final, novos testes foram então aplicados pelo governo em parceria com a ABERT e o Instituto Mackenzie em cinco emissoras, durante nove meses (Del Bianco, 2011, p.374). O relatório técnico do Instituto Mackenzie (2008) chegou à conclusão de que a recepção digital oferece um avanço em relação à qualidade da analógica, e foi especialmente positivo para AM em pontos onde a qualidade do áudio analógico foi considerada fraca ou muito ruim. Os resultados apontam para o fato de que a cobertura real das emissoras analógicas, principalmente AM, manteve-se abaixo da estimada pelos modelos de intensidade de campo no momento determinado. Problemas graves foram verificados na propagação desta tecnologia com áreas cinzentas maiores do que aquelas observadas em sistemas analógicos quando usado em AM. Ou seja, o rádio digital não oferece a mesma cobertura do rádio AM analógico com a mesma qualidade, sugerindo que o rádio digital era suscetível ao ruído urbano. (Del Bianco, 2011, p.374) Para dar continuidade às discussões sobre as questões que envolvem a definição do modelo de rádio digital brasileiro o antigo Conselho foi revogado pela nova composição de outro Conselho Consultivo do Rádio Digital, medida publicada em 15 de agosto de 2012, pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Atualmente, as emissoras analógicas começam a enfrentar outra barreira quase intransponível: perdem aos poucos a audiência, seu derradeiro patrimônio. As novas gerações estão deixando de ouvir em “radinhos a pilha”, os programas diários de FM. De acordo com dados do Censo 2010, divulgados pelo IBGE em abril deste ano, o número de domicílios com rádio apresentou uma queda de 6,5 % nos últimos dez anos, alcançando a marca de 81, 4%, valores correspondentes aos divulgados na década de 19807. Em uma pesquisa conjunta sobre os hábitos de consumo do conteúdo radiofônico, realizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo e no município de Frederico Westphalen (interior do Rio Grande do Sul), com estudantes do Ensino Médio, os pesquisadores constataram que, o rádio de caráter musical aparece como principal fator de interesse em todas 7 Não é possível afirmar que exista queda na audiência, mas os valores demonstram a necessidade urgente da medição dos números referentes aos aparelhos portáteis, multimídia e em automóveis. O Censo 2012 revela também um crescimento de 7,9% da posse de aparelhos de televisão, chegando ao total de 95,1% dos domicílios. E, um aumento de 27,7% dos domicílios com computadores, totalizando 38,3% das residências. O acesso à internet está presente em 30,7% dos domicílios, sendo a primeira medição do IBGE

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as cidades pesquisadas, testemunha das interfaces entre as indústrias da música e da radiodifusão sonora. Emissoras dedicadas ao segmento jovem – pode-se supor – aparecem, ainda, como fonte relevante para projetos de construção de identidades individuais e coletivas. O avanço de novos suportes, contudo, embaralha a percepção dos respondentes quanto à recepção de conteúdos radiofônicos, tratados indistintamente, seja via internet ou em ondas hertzianas. Nos grandes centros, os resultados são marcantes: considerando os 40 respondentes, 22 ouvem rádio FM em telefones celulares, 19 em computadores, 17 em aparelhos de som de automóveis, 12 em tocadores multimídia e 11 em receptores a pilha (Ferraretto et. al, 2010, p.13) O Rádio antes da popularização dos “tocadores” digitais portáteis e da internet, era a única fonte de divulgação dos lançamentos musicais, dos hits parade de cada temporada, que eram obrigatoriamente apresentados em todas as emissoras do país, por animadores populares ou pelos DJs “irados”. Os adolescentes e jovens de hoje preferem organizar playlists com músicas capturadas da internet, armazená-las e ouvir diretamente em pequenos dispositivos individuais, muitas vezes multimídia.

OS CONFLITOS ENTRE O RÁDIO, AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O CIBERESPAÇO Os percentuais de crescimento da internet são bastante significativos, quando comparados com os percentuais de outros veículos presentes no mercado brasileiro. Além do crescimento do acesso domiciliar, a popularização das plataformas portáteis tem ajudado a ampliar e individualizar a audiência do ciberespaço. Os dispositivos digitais móveis reproduzem com a internet, semelhanças com o contexto havido durante a disseminação dos receptores transistorizados de rádio. Foi o aparelho portátil que possibilitou a reorganização do perfil midiático das emissoras brasileiras, diante da agressiva escalada de faturamento e audiência das emissoras de televisão. As rádios puderam preservar suas audiências e a força cultural, mesmo com a drástica redução da receita nacional do veículo. O Brasil é principal mercado latino-americano de televisão comercial, com sintonia aberta em 97% dos domicílios brasileiros, o que pode significar audiência próxima de 175 milhões de pessoas. A indústria de conteúdos para a televisão brasileira produz 70 mil horas/ano de programação informativa, de entretenimento, publicidade e prestação de serviços. Quase 70% do conteúdo veiculado é de produção nacional, uma atividade contínua que sustenta mais de 200 mil postos de trabalho, diretos e indiretos. Todavia, há uma diferença crucial entre o rádio e a internet, em relação ao poderio da televisão. O transistor apenas assegurou aos radiodifusores, condições modestas de sobrevivência para suas emissoras. Provavelmente o veículo tivesse sido absorvido pela televisão, se a recepção de suas emissoras prosseguisse apenas nos domicílios, em grandes receptores valvulados e plugados em tomadas. Cunha adverte que o rádio na internet coloca novos paradigmas na relação entre Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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a sobrevivência do meio e sua apropriação pela sociedade o rádio na internet pode servir-se da rede, colocando qualquer programação em escala global. Já é ultrapassado afirmar que a miniaturização é a grande vantagem do rádio e falar sobre as dificuldades da audição radiofônica em computadores de mesa. Emissoras na internet já estão em celulares e palm tops. É o encontro da rede com a miniaturização tecnológica, fazendo um diálogo entre as duas mais importantes características dos dois meios (Cunha, p.5). A internet dispõe concretamente de recursos e de apelo popular para desbancar num futuro próximo, a poderosa televisão aberta brasileira do topo do ranking de faturamento e audiência, especialmente pela disponibilização de conteúdos segmentados e por demanda, que atendem ao mesmo tempo às exigências de diversificação dos conteúdos, com a vantagem do acesso de acordo com a conveniência do público. Possivelmente, as pessoas apreciadoras de comunicação audiovisual estarão satisfeitas com a melhoria de transmissão da TV Digital brasileira. Entretanto, a revolução esperada por muitos não pode ficar reduzida a melhor qualidade de sintonia das tradicionais emissoras de televisão. Este problema poderia ser resolvido com a recepção por cabo ou por satélite. Maior desafio será apresentar as “virtudes” da TVD para os usuários habituais da internet e de outros dispositivos binários. Muitos deles são pessoas com mais escolarização e poder aquisitivo, que esperam que a TVD lhes ofereça recursos mais sofisticados, como interatividade plena, multiformatos, multiprogramação e boa qualidade de sintonia fixa e em dispositivos portáteis. Uma parcela da audiência, que reivindica todas as possibilidades verdadeiramente digitais da televisão, é constituída por adultos profundamente fascinados pelo ciberespaço e que tem certeza de que seus desejos são tecnicamente possíveis. A outra foi criada em plena ‘‘ecologia” do ciberespaço. Portanto, é gente que se interessa apenas por veículos, aparatos e formatos binários com padrões que sua geração está habituada a utilizar. É exatamente por isso que as crianças e adolescentes podem constituir um grupo de alto risco para os articuladores da Televisão Digital. Este segmento sempre foi pouco valorizado pela televisão comercial, porque apresenta um nicho reduzido de consumidores diretos e os custos de produção da programação infantil são elevados. No entanto, é um segmento social constituído por pessoas em formação, que elegem agora os valores, gostos e preferências individuais e grupais, que irão seguir na vida adulta. Objetivamente, a televisão digital não melhorou a qualidade da programação e tampouco aumentou ou diversificou a quantidade de conteúdos disponibilizados pelas redes comerciais. Até agora, a recepção móvel e portátil é única inovação imediata disponível para o público que possui aparelhos celulares e outros dispositivos com captação de sinais abertos. A portabilidade poderá ser uma ferramenta fundamental para a televisão comercial reforçar sua audiência diurna, principalmente entre as parcelas da população que passam o dia trabalhando,

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estudando, ou se deslocando por longos períodos. Foi exatamente a portabilidade que salvou o rádio de um declínio súbito durante o período em que a televisão comercial se desenvolveu. Desde a década de 1990, o desenvolvimento da telefonia celular, da computação e da internet sem fio recolocaram a mobilidade e a portabilidade como as duas grandes inovações agregadas pela comunicação digital. Os dois recursos foram apresentados pelos vendedores de novas tecnologias, como os principais trunfos da presumida “era da informação”. Hoje, os aparelhos celulares multimídia estão no topo da lista dos dispositivos digitais preferidos pelos consumidores, do mesmo modo que os radinhos transistorizados foram os aparelhos eletrônicos analógicos mais baratos e populares desde a segunda metade do século XX. A relação entre o rádio e a internet está suscitando duas vias para de desenvolvimento das emissoras na era digital: uma com ação complementar e outra com ação concorrente. Na primeira perspectiva pudemos incluir a internet como a plataforma protagonista de uma evolução extraordinária para o rádio. Nosso argumento se fundamenta na constatação empírica de que, em pouco mais de uma década, a internet tornou-se a principal hospedeira e difusora de uma série de meios, mensagens e tecnologias desenvolvidas paralelamente e que se juntaram numa plataforma unificada de comunicação multilateral e mundial. Com a expansão da web, o rádio analógico passou a contar com uma plataforma multimídia complementar, que serviu extraordinariamente para as emissoras conseguirem alcance mundial de sintonia, para renovar suas ferramentas criativas e de produção de formatos, além de diversificarem a audiência ao disponibilizarem de modo online, conteúdos com acesso em tempo real ou diferido. Na segunda perspectiva, a internet apresenta um desenvolvimento concorrente ao do rádio. No contexto brasileiro, a digitalização da radiodifusão ainda enfrenta muitas dificuldades, fator que retarda a transição do defasado padrão analógico, para um novo projeto plenamente digital. A persistência de um sistema radiodifusor analógico e anacrônico, principalmente para um grande número de emissoras em AM, abre espaço para o desenvolvimento paralelo de “emissoras” exclusivas de internet. As rádios virtuais não dependem de autorização ou concessão oficial, precisam de poucos recursos de custeio e ainda se beneficiam da cultura criativa e colaborativa dos internautas. Se não houver uma reação rápida dos radiodifusores, elas poderão retirar definitivamente do rádio convencional uma fatia considerável de público e com a utilização de características e estratégias típicas dele. Hoje, as rádios de internet são estimuladas pelas crescentes possibilidades de interatividade e pela difusão simultânea facilitada pela popularização dos terminais móveis, portáteis e multifuncionais da web. Para os usuários que apreciam os dispositivos avançados, a aquisição de um aparelho multiuso pode custar bem mais barato do que “colecionar” vários aparelhos com funções específicas. Afinal, o público experimenta e valoriza cada vez mais, a liberdade de escolha que adquiriu com os meios de comunicação interativos e não lineares. O usuário dispõe de conteúdos em muitos formatos e linguagens, que estão Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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armazenados várias plataformas atendidas por ferramentas bastante amigáveis, que ele pode utilizar conforme suas necessidades ou disponibilidade de tempo para fruição. Pode optar por tempo real ou diferido, não tem mais que aceitar as regras arbitrárias de periodicidade da comunicação impressa ou de grades lineares para difusão em tempo real, de programação de rádio e de televisão. É por isto que pessoas de extratos sociais, cultura e idades diferentes aprendem rápido a usar as plataformas de comunicação. E todas sentem prazer em selecionar os assuntos e em organizar agendas com informações ou entretenimento de interesse individual. Agindo assim, elas se transformam em donas dos espaços de audiência e começam a rejeitar em seus aparatos de recepção, até as inserções obrigatórias de publicidade. Afinal, a prática comercial invasiva persiste nos antigos e novos meios informativos, como o tributo a ser pago pela “gratuidade” dos conteúdos abertos. A perspectiva de ouvir rádio em diferido representa um avanço considerável para a comunicação radiofônica, uma vez que a tecnologia analógica só permite ao veículo, a emissão e recepção instantânea, sem recursos adequados para gravar todos os conteúdos e sem permitir dispositivos de armazenamento e de acesso que possibilite ao ouvinte recuperar as mensagens de seu interesse e de acordo com sua disponibilidade de tempo. É exatamente porque o ouvinte não tem a chance de ouvir de novo, que se recomenda aos profissionais que apresentem narrações objetivas e sucintas no jornalismo radiofônico. A internet oferece ao rádio a possibilidade de armazenar grandes volumes de conteúdos, que poderão ser localizados e recuperados instantaneamente, por ferramentas amigáveis de busca. Ou seja, a digitalização agrega ao rádio bancos de dados online no ciberespaço. O jornalismo tem sua primeira forma de memória múltipla, instantânea e cumulativa. A ironia, é que a tradição de sintonia em tempo real, que sempre foi apontada como uma das principais vantagens do rádio está se tornando obsoleta desde o surgimento da internet. O ouvinte de rádio, pela primeira vez na história do veículo, tem a possibilidade de acessar e ouvir programas de seu interesse, mesmo que o material já tenha sido veiculado ao vivo. Ferraretto (2008) considera que tal característica é mais um benefício ao rádio, do que um prejuízo. Afinal o ouvinte pode ouvir a informação quando desejar. Para Ferraretto, a internet beneficia o rádio de três formas distintas: em primeiro lugar porque substitui qualquer sistema de ondas hertzianas, em segundo porque permite que qualquer emissora seja acessível via celular, e em terceiro porque disponibiliza o conteúdo radiofônico para ser ouvido em qualquer momento, pelo RSS. Outra mudança que deve ser apontada está relacionada à interatividade. O rádio sempre foi o meio mais interativo por possibilitar o acesso dos ouvintes à emissora, por telefone ou carta. Com a internet, essa capacidade de interatividade aumentou consideravelmente. Desde a década de 1920, que a radiodifusão civil deu início ao modelo verdadeiramente moderno de comunicação eletrônica moderna, de sintonia aberta, abrangente, instantânea, sonoro e com grande capacidade de

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interação com o público. Nos anos 1950, a comunicação oral, a interatividade e a portabilidade eram trunfos exclusivos do rádio e permitiram que o veículo acompanhasse os ouvintes, em quase todos os momentos da vida cotidiana. Foi tal flexibilidade comunicativa e a proximidade com o público que permitiu ao rádio brasileiro conservar praticamente intactas, mesmo depois da expansão das redes de televisão, a audiência, popularidade e influência política e cultural, apesar de amargar por várias décadas a rabeira em faturamento publicitário. No atual momento da comunicação nacional, a internet apresenta um nível razoável de interferência nos modelos de negócio de todos os veículos tradicionais. No caso do rádio, ao mesmo tempo em que a rede mundial de computadores força a modificação da antiga cultura administrativa e desarranja estruturas comerciais consolidadas e vitais para o sustento das emissoras, ela também cria novas possibilidades para que o rádio se renove e se mantenha na era da comunicação digital, como um veículo influente e popular. Mais recentemente, o rádio também se beneficiou do crescimento da frota automotora e do consumo generalizado de enorme quantidade de telefones celulares, que trazem embutidos receptores de rádio. Uma pesquisa sobre consumo radiofônico pelos brasileiros, realizada em 2010 pelo GPR (Grupos dos Profissionais do Rádio), apontou que 74% do público ouve Rádio em receptores tradicionais, 63% ouve pela internet, 61% pelo rádio do carro, 37% sintoniza rádio pelo celular, 21% por meio de dispositivos como MP3, MP4 e IPhone; 12% por meio de canais de áudio da TV a cabo e 3% via internet do celular. A pesquisa GPR apresenta números significativos de ouvintes em cada modalidade de dispositivo para recepção radiofônica. São indicadores claros de que um mesmo ouvinte está sintonizando regularmente suas emissoras prediletas em mais de um tipo de receptor de rádio. Ou seja, a pesquisa demonstra a variável “recepção em multi-sintonia”, que deverá ser ampliada assim que a radiodifusão brasileira definir sua nova plataforma tecnológica e concluir o ciclo de digitalização da transmissão e da recepção, que poderá transformar definitivamente o rádio em um veículo com linguagem multimídia. Do ponto de vista noticioso, o rádio não é mais o primeiro veículo a dar informações. A internet é tão instantânea quanto o rádio, e atualmente com a expansão da conectividade no Brasil, há uma tendência de aumento do número de pessoas que se informam primeiramente pela web. Dessa forma, algumas rádios abertas começam a apostar em outra característica para compensar a concorrência do jornalismo digital: aprofundam mais o seu conteúdo com reportagens especiais seriadas e com programas de discussões de questões polêmicas e debates temáticos, formatos que antes eram subestimados pelas emissoras comerciais, em nome da rapidez do veículo e do tempo curto e da atenção superficial do ouvinte de rádio. Os formatos e conteúdos jornalísticos mais complexos também migraram para a internet juntamente com o conteúdo radiofônico das emissoras tradicionais. Isso nos permite inferir que começa a despontar no jornalismo da internet, a Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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especialização e o aprofundamento da cobertura noticiosa, como uma estratégia para atrair audiência. A programação radiofônica difundida em plataformas digitais poderá seguir a tendência e romper com a superficialidade noticiosa, que desqualificou e subestimou o jornalismo em um grande número de emissoras brasileiras. Se observarmos sites e as programações de algumas emissoras na internet, poderemos perceber alguma retomada de um jornalismo radiofônico mais denso. Há uma participação significativa de comentaristas e analistas e se multiplicam as séries de reportagens especiais. É uma tendência que se repete em todos os meios jornalísticos difundidos pela internet, que hoje buscam público e formas de sustentar economicamente as atividades do novo espaço informativo que despontou na web. O fluxo de digitalização e convergência é irreversível para os meios e produtos de informação e comunicação criados desde o desenvolvimento da prensa de Gutenberg. A convergência do rádio se manifesta, sobretudo pela multimidialidade, um ponto ainda polêmico para muitos ouvintes, profissionais e estudiosos do rádio, que permanecem apegados à cultura oral-auditiva do veículo e rejeitam a possibilidade dele incorporar outras formas de linguagem, que ultrapassem a comunicação sonora. No entanto, a possibilidade de o rádio digital “deixar de ser rádio” parece não preocupar mais os concessionários de emissoras e muitos profissionais do veículo. Utilizamos com exemplo a Jovem Pan, uma das mais tradicionais emissoras paulistanas, que usou ostensivamente o slogan “Rádio com Imagens” para destacar ingresso da Panamericana na plataforma multimídia. Hoje, o site “JP online” está agregado ao portal UOL/FSP e apresenta conteúdos da emissora em vários tipos de formatos e linguagens, para ofertar diversos produtos e atrações para seu público. A multimidialidade tem avançado rapidamente no rádio difundido pela internet, uma plataforma naturalmente convergente, multimidiática, interativa, polifônica e colaborativa. Entretanto, quais serão as possibilidades de convergência e de multimidialidade no rádio por ondas, que estarão disponíveis na plataforma de digitalização, que será definida pelo governo e os radiodifusores brasileiros? Será um desafio eleger uma tecnologia que consiga repetir no rádio digital de sintonia aberta, os mesmos níveis de interatividade e de multimidialidade que o veículo apresenta na difusão por internet. A recepção individualizada ou personalizada de conteúdos é uma nova forma de consumo de produtos de comunicação ampliada pela internet, embora tenha sido uma criação, antiga iniciada com a transmissão de informações especializadas pelo telefone e que foi massificada pelos canais de televisão e de áudio por assinatura. A internet, com suas ferramentas de multimidialidade e interatividade, permite que o usuário faça a sua própria programação de rádio e de televisão, leia somente o que lhe interessar e acesse o conteúdo da forma que quiser. Assim, o ouvinte pode receber newsletter com o assunto de sua preferência, e escolher o que lê, ouve e vê. Deste modo, tende a ser, cada vez mais, a grande concorrente

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da programação aberta de rádio e televisão. As grades lineares de programação diversificada concebidas no início da radiodifusão terão que ser reinventadas na era da comunicação digital. Ao iniciarmos a observação empírica sobre a relação entre internet e rádio no contexto brasileiro, buscamos entender como as tecnologias comunicativas do ciberespaço poderiam ajudar ou alterar a cultura radiofônica tradicional, consolidada ao longo de mais de oito décadas, pela profusão de emissoras abrangentes e populares, espalhadas pelo território nacional. Devemos considerar que, apesar de todas as mudanças em curso trazidas pela digitalização dos meios de comunicação, o rádio continua sendo o grande depositário da “cultura do ouvir”. Arlindo Machado (2005) lembra-nos que a televisão tentou “aposentar” o rádio com a ampla disseminação de suas imagens sedutoras. O rádio sobreviveu. Ficou mais pobre, mas continuou influente, popular e muito cobiçado como instrumento de formação de opinião. As três décadas finais do século XX estiveram dominadas pela televisão. Todo o arsenal imagético não conseguiu desvencilhar a televisão do estigma inicial: de rádio com imagens; de um meio híbrido com mensagens que podem ser vistas e ouvidas juntas, ou então, só “escutadas” por ouvintes criados pelo rádio. A internet, por mais sedutora que se apresente, ainda não conseguiu superar a herança sonora e dialógica do rádio. Há coisa nova no contexto digital: ouvir rádio na web também pode ser muito cativante.

INTERATIVIDADE E CONECTIVIDADE RADIOFÔNICAS O rádio é um veículo de tecnologia mais simples e flexível e possui linguagem oral-musical, que se abastece diretamente na cultura coletiva cotidiana. São fatores que permitem ao meio realizar adaptações quase miméticas e camaleônicas diante dos novos contextos e desafios da comunicação social. Desde o surgimento das emissoras em FM no Brasil, na década de 1970, que a nova modalidade de rádio foi desenvolvida com apelo específico para os jovens e passou a utilizar os recursos mais atualizados nos estúdios e nos departamentos de produção artística e de publicidade, para melhorar a qualidade sonora da recepção radiofônica. Desde então, há um esforço contínuo de profissionais jovens e de veteranos, para se adequar a cada tecnologia inovadora e assim fugir da exclusão do mercado da radiodifusão. A transformação técnica do rádio acentuou-se desde meados da década de 1990, quando houve a informatização integral do aparato de produção radiofônica. Logo em seguida começaram a se multiplicar na internet, os sites de emissoras convencionais e virtuais. Naquela década também surgiu com a internet e a telefonia celular, a possibilidade técnica de emitir e sintonizar programação radiofônica em dispositivos informáticos, fixos e móveis. É oportuno observar que inserção do rádio na internet está ocorrendo há mais de uma década, e de duas formas distintas: no primeiro momento a web agregou inovação técnica e ampliou o potencial comunicativo do veículo. Na web, o rádio se incorporou a plataforma multimídia, que adicionou alcance mundial para Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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todas as emissoras, além de agregar comunicação multilateral, capacidade quase ilimitada de armazenamento de conteúdo e memória e possibilidade de oferecer multiprogramação. No segundo momento, a internet também passou a concorrer com as emissoras convencionais. Afinal, a digitalização da radiodifusão brasileira ainda patina e a prevalência de um sistema nacional com emissoras analógicas e anacrônicas favorece o desenvolvimento de “webemissoras” competitivas. O desenvolvimento intenso da tecnologia digital registrado nas últimas três décadas permite que sistemas computacionais sejam incorporados rapidamente aos mais diversos aparelhos eletrônicos presentes no cotidiano de bilhões de pessoas. Presenciamos uma progressão contínua do número de indivíduos que incorporam em seu cotidiano, algum tipo de equipamento com capacidade de processamento digital. Todos os aparelhos digitais presentes nos diversos ambientes humanos têm sempre mais recursos para realizar funções comunicativas, cuja origem está no âmbito cognitivo. Tal fato que permite uma rápida remodelação culturalcognitiva de seus usuários, com resultados semelhantes entre diferentes povos, com distintas situações materiais. Todos eles passam a ter todas as suas relações sociais sempre mais mediadas por recursos de comunicação ubíquos, interativos e multidimensionais. O processo de digitalização é um catalisador técnico que pode integrar ao ambiente informático e ao fluxo de dados dispostos no ciberespaço, qualquer aparato binário ligado à rede mundial de computadores. A internet tornou-se um sistema de comunicação transversal aos demais meios. E a transversalidade da rede não é só tecnológica, mas também de conteúdos e linguagens. É o nexo da comunicação multilateral: o fluxo pode seguir de um para todos; de todos para um; e de todos para todos. Apesar da importância política que o evento da digitalização do rádio brasileiro tem, os testes do novo sistema ocorrem sem repercussão social significativa, embora tratem de uma extensa remodelagem do mais popular e influente veículo de comunicação nacional. Daí a necessidade de não abandonar as diferentes formas de recepção do rádio em diferentes setores sociais. Atualmente, a digitalização apresenta vastas possibilidades profissionais e tecnológicas para que o veículo rádio reconquiste um potencial artístico nas áreas artísticas, informativas e de prestação de serviços, bem como no meio publicitário. Uma tarefa que também cabe aos cursos de formação, aos professores, estudantes e profissionais de comunicação, que precisam perceber no rádio um veículo e um mercado de trabalho tão promissor quanto a imprensa, a televisão e a internet. É preciso repensar as fórmulas de ensino da linguagem radiofônica, estimulando experimentações e discussões que possam formar profissionais críticos que compreender a tecnologia não apenas como fim, mas também como instrumento. Alunos com conhecimento para buscar formas de integrar as linguagens multi midiáticas valorizando suas potencialidades, pois, como afirma Cebrián Herreros “apesar destas melhorias técnicas será o profissional que terá de tomar decisões

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criativas e de conteúdo para obter o máximo desempenho. A técnica em si não proporciona criatividade”, mas permite a integração “de textos, vozes, música e silêncios” (Cebrián Herreros, 2001, p.40). Não há uma comparação objetiva entre a evolução da radiodifusão e da internet. Em primeiro lugar, ambas as tecnologias são muito diferentes, foram criadas e difundidas em tempos históricos distintos, com contextos e finalidades específicas, embora os dois veículos tenham em comum a interatividade, a portabilidade, a utilização de linguagens cotidianas para interagir com o público, além de grande aceitação popular. A internet é uma plataforma digital de convergência de tecnologias, de conteúdos e de linguagens. Foi exatamente a flexibilidade técnica e a diversidade de ferramentas e de recursos comunicativos que atraiu o rádio para o ciberespaço, desde a época que a rede mundial de computadores ainda era uma novidade para o grande público. Nair Prata (2008) postula que a KLIF, uma rádio do Texas (EUA), foi uma das primeiras emissoras de Webradio que transmitiu comercialmente em 1995. No Brasil, a primeira rádio somente iniciou suas transmissões online no ano de 1998. No Brasil, 183 emissoras transmitiam ao vivo pela internet em 1999. De todos os estados brasileiros, São Paulo (48 rádios), Minas (26 rádios), Rio de Janeiro (20 rádios) e Paraná (17 rádios) concentravam mais 60% das programações simultâneas disponíveis na grande rede. Além de uma quantidade significativa de emissoras – 146 no total – operava sites próprios sem transmissões ao vivo, apenas com home page institucional (Moreira, 2002, p.152). As webrádios foram os primeiros modelos de rádio digital, que utilizou pacotes de dados repassados por streaming, para difundir sem ondas hertzianas. Atualmente há sites que “espelham” as transmissões das rádios convencionais e as webrádios, que existem exclusivamente no meio online. Hoje, as “emissoras” se multiplicam na internet; computadores e outros dispositivos informáticos fixos e móveis são os novos terminais de sintonia. A audiofonia digital absorve outros elementos comunicativos. É, exatamente pelo aumento da presença de componentes audiovisuais e escritos na exibição dos conteúdos das emissoras virtuais, que muitos estão dizendo que o rádio digitalizado deixará de ser rádio. Há evidente exagero e especulação sobre o assunto. Uma rádio-web não é radiodifusão e tampouco possui uma recepção tão aberta e diversificada quanto a do rádio tradicional. No entanto, possibilita o exercício da divisão de funções, tarefas e responsabilidades necessárias para manter uma emissora em operação. Afinal, o “ouvinte” de emissoras-web é até mais vigilante do que o ouvinte das rádios tradicionais: cobra imediatamente deslizes, informações “furadas”, músicas que o desagrade etc., e está sempre disposto a participar como coprodutor da programação de seu interesse. A troca tecnológica do rádio poderá durar um longo período de transição, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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até que haja melhor adequação do público e das emissoras, ao novo padrão de recepção digital. Com certeza ocorrerão mudanças significativas na linguagem, nas formas de emissão e recepção e na cadeia produtiva do veículo. É um processo que afetará também os profissionais que produzem conteúdos jornalísticos, de entretenimento, de serviços e publicidade e que administram as emissoras. As empresas radiofônicas comerciais, cujo faturamento é garantido pelos anunciantes, terão que realizar investimentos custosos em novos equipamentos e desenvolver métodos de gestão e de manutenção de seus negócios. No entanto, serão as emissoras educativas e comunitárias, que dispõem de menos recursos para realizarem uma passagem adequada para o sistema digital, as mais abaladas pela transição tecnológica, se não houver investimentos oficiais para sustentar o reaparelhamento da radiodifusão pública. Será preciso registrar e perceber o nível de convergência (e também de divergências), que poderá ocorrer entre o rádio, a televisão digital, os computadores pessoais e portáteis, a internet e as operadoras de telecomunicações e de telefonia digital fixa e móvel. É presumido que a digitalização não irá reescrever totalmente a cultura radiofônica consolidada no trajeto social de um veículo, que resistiu e se adaptou a concorrência do cinema sonoro, da televisão, do videocassete, da informática e de todas suas ferramentas versáteis de comunicação e entretenimento. De imediato, o novo processo apresentará poucas rupturas e muitas readaptações em matrizes clássicas da programação das emissoras, que foram desenvolvidas, copiadas, aperfeiçoadas ou reinterpretadas no Brasil, desde meados dos anos 1930. Mesmo que o rádio digital brasileiro demore mais algum tempo para sair do papel, a digitalização das emissoras já está sendo antecipada pela internet, que continuará a provocar mudanças significativas na linguagem, nos modos de produção de conteúdos, nas formas de emissão e recepção, e também em toda a cadeia econômica e funcional do veículo veterano. Urge concluir o ciclo e digitalizar a transmissão e a recepção das emissoras, para que o rádio ingresse definitivamente na “era da informação”. Enquanto a digitalização plena do rádio não acontece, os ouvintes sintonizam suas estações prediletas em diversos terminais, alguns deles plenamente digitais e dotados de ferramentas multimídia e de recursos para interatividade. É a evidencia de que a radiodifusão, mesmo antes de concluir sua transição tecnológica, já foi capturada pela plataforma convergente do ciberespaço.

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Clivagem da democracia no plano digital da esfera pública JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO ANDRÉ LUÍS LOURENÇO INTRODUÇÃO A democracia possui como premissa a extensão do direito à participação no exercício do poder e na tomada de decisão a todos os cidadãos. No contexto de uma democracia por representação1, aos agentes políticos – ou atores eleitos no sistema político2– é delegada a função de decisão sobre as Políticas Públicas empreendidas nas diferentes instâncias do Poder Estatal. Entretanto, após a escolha dos representantes – por meio das eleições livres, periódicas e diretas –, não há garantias de que as demandas das diversas comunidades ou grupos de indivíduos, sobretudo os “excluídos ou em estado de vulnerabilidade social”3, sejam atendidas. Somado a isso, as experiências de democracia representativa têm revelado um contínuo processo de distanciamento entre os cidadãos e as instâncias do poder decisório, reduzindo a participação política aos eventos de escolha dos representantes. Esse fenômeno denota uma crise do modelo por representação, exigindo seu incremento. Para tanto, Habermas (1997) propõe um modelo de democracia deliberativa, que se baseia no princípio de que as decisões, afetando o bem-estar de uma coletividade, devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre e 1 Modelo aplicado no Brasil, a democracia representativa é aqui entendida por regime de governo no qual os cidadãos transferem seu poder de decisão política a representantes legais eleitos em eleições livres, periódicas e diretas. Portanto, regime no qual a população mantém sua soberania, mas delega seu poder de decisão a terceiros. Esse modelo difere da democracia direta, na qual a própria população detém o poder de decisão política constantemente em seus domínios. Apesar de aparentar ser mais justa, em função de manter a premissa de ‘governo do povo’, a democracia direta se mostra inadequada à sociedade de massa e ao Estado complexo contemporâneo. 2 Entendido segundo Lindblom (1981), em essência, como um sistema de regras que especificam os diferentes papéis a serem desempenhados pelo Presidente da República, Deputado, ou cidadão comum, por exemplo. Indica, ainda, quem pode exercer cada função, de que modo as pessoas devem ser escolhidas para os diferentes papéis, bem como o que é permitido a cada ator. 3 Segundo relatório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicado em 2007, ‘excluídos’ seriam aqueles indivíduos cujo acesso aos serviços públicos ou o trânsito pelos diferentes grupos sociais em uma dada sociedade estariam totalmente cerceados, seja pelo aspecto econômico, de trabalho, étnico, de gênero, religioso ou relacionado à orientação sexual. Já o termo ‘vulnerabilidade social’, conforme o documento, descreve uma situação intermediária de dificuldade de acesso a serviços e trânsito a outros grupos sociais. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente. Isso significa dizer que a sociedade necessita de mecanismos de atuação e discussão política independentes do Estado e das lógicas comerciais, que mantenham o debate sobre a ‘coisa pública’ permanentemente em pauta. De acordo com Habermas (1984, 1997), entre esses mecanismos está a formação de uma esfera pública, considerada um lócus de representações simbólicas no qual a sociedade, diferentes comunidades ou grupos podem tornar públicos anseios do âmbito privado e influenciar, por vezes determinar, as decisões políticas nas esferas administrativas do Estado. No contexto de uma sociedade complexa, como aponta Habermas (1997), uma série de arenas públicas é criada pela sociedade civil no interior da esfera pública; e por meio do embate entre as opiniões consolidadas nas diferentes arenas chegase a uma opinião pública que pode vir a se tornar a própria força de pressão da sociedade sobre o Estado – o que não significa, segundo Lippmann (2008), que se trate de uma única opinião, mas, na verdade, uma opinião comum sobre um determinado assunto. O raciocínio referente à influência da opinião pública sobre o processo decisório é reforçado por Lindblom (1981), que afirma que as decisões políticas são tomadas após o entrecruzamento das opiniões emitidas pelos diferentes atores políticos e indivíduos ou entidades envolvidas no debate público, que disputam uma espécie de ‘competição de ideias’ que visa ao convencimento e ao apoio político com base na persuasão. A competição de ideias ocorre em função de cada setor da sociedade ou ator político possuir uma interpretação específica em relação aos assuntos de relevância pública, por meio de processos comunicativos diversos, e buscar benefícios também específicos. Na concepção de esfera pública de Habermas (1984, 1997), isso significa que, na medida em que existe uma superexposição de um determinado tema – ou uma opinião pública específica – na esfera pública, sendo inevitável sua atenção por parte das autoridades políticas, as demandas de comunidades ou grupos marginalizados ganham destaque e têm maiores chances de receber atendimento – uma vez que se aumenta a chance de a demanda sensibilizar ou ser apoiada por representantes legais do Poder Estatal nas esferas de decisão, fazendo com que determinados temas ingressem na agenda governamental. Entretanto, vale lembrar, ainda que essas mensagens cheguem às instâncias de decisão do Estado, não há garantias de que a opinião pública consiga tal feito. Mesmo que a formação de arenas públicas não determine a efetiva influência da opinião pública na decisão política, é indiscutível que a existência de espaços de discussão e deliberação é fundamental para aproximar a sociedade civil da classe política – uma vez que uma discussão acerca de uma temática específica, cujo início do processo de debate se deu nos pequenos grupos sociais organizados em torno de uma questão também específica da vida cotidiana, passa a contar com a possibilidade de alçar ao debate em outras arenas públicas de maiores amplitudes, de modo que os representantes políticos tomem conhecimento.

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Essas arenas públicas são formadas em diferentes locais, como associações de bairros e comunitárias, universidades, veículos de comunicação alternativos à lógica comercial4, entre outros. Há cerca de uma década, a sociedade tem observado a popularização – ainda que pouco expressiva – de um novo espaço com potenciais possibilidades de promover o debate e conscientização sobre política: a internet. Pouco expressivo, pois na sociedade brasileira, por exemplo, apenas cerca de 37% da população possui acesso a essa ferramenta tecnológica – conforme levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 20095, divulgado em setembro de 2010. Embora fortemente presente na sociedade, ainda que em níveis insatisfatórios em relação aos índices de acesso da população, a internet não possui consenso na Comunidade Acadêmica acerca de sua relação com a esfera pública e as arenas públicas. Essa incerteza está ligada às características dessa plataforma tecnológica de comunicação. Também não há consenso sobre sua função no contexto da democracia por representação. Assim, este artigo analisa a relação entre internet e esfera pública, além de indicar limites e contribuições da Internet, e dos espaços e conversação contidos nessa plataforma, para a participação política da população e para o estabelecimento da democracia deliberativa.

DEMOCRACIA E DELIBERAÇÃO: A FUNÇÃO DA ESFERA PÚBLICA A democracia, como governo do povo, exige a participação política dos mais amplos e variados setores da sociedade. Neste contexto, Gomes (2005a, p. 59) aponta que uma democracia capaz de satisfazer aos requisitos básicos de participação democrática deve contar, em níveis socialmente relevantes, com quatro fatores essenciais: ‘volume adequado de conhecimento político estrutural e circunstancial’; ‘possibilidades de acesso a debates públicos’; ‘meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou grupos de pressão’; e ‘habilidades para e oportunidades eficazes de comunicação da esfera civil’. O primeiro aspecto referido por Gomes (2005a, p.59), ‘volume adequado de conhecimento político estrutural e circunstancial’, trata da existência de um estoque apropriado de informações não distorcidas e relevantes, de modo que os cidadãos possam adquirir subsídios sufi cientes para a compreensão sobre questões, argumentos, posicionamentos relativos aos negócios públicos e ao jogo político. 4 O que está considerado neste argumento é o fato de os veículos de comunicação de caráter comercial não se apresentarem como mecanismos de informação unilateral, alimentando o debate público, mas não promovendo o debate – como seria caracterizada uma arena pública de fato. Aqui, coloca-se o exemplo das rádios comunitárias como possibilidade de formação de arena pública por meio dos veículos de comunicação (Lourenço, 2011). 5 Dados resumidos do levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, divulgado em setembro de 2010, podem ser obtidos em http://www.ibge. gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Como outro quesito, ‘possibilidades de acesso a debates públicos’, o autor sugere que os cidadãos devem ter acesso aos debates públicos já iniciados, além da possibilidade de criar novos debates – podendo, assim, envolver-se em procedimentos deliberativos no interior dos quais possam formar as próprias opiniões e decisões políticas, ou ainda influenciar as opiniões de seus pares, por meio de um processo argumentativo que visa à persuasão. Em relação à exigência de ‘meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou grupos de pressão’, Gomes (2005a, p.59) se refere à oportunidade de participação em espaços que exerçam efetiva construção de decisões políticas. Trata-se, especificamente, da oportunidade de atuar, enquanto cidadão, em espaços de deliberação, como Fóruns, Assembleias, Audiências e Reuniões Públicas, entre outros espaços democráticos. Por fim, sobre questões de participação política, o autor aponta a existência de ‘habilidades para e oportunidades eficazes de comunicação da esfera civil’. Essa exigência se liga à necessidade de proximidade entre a sociedade civil e seus representantes, em níveis diversos, com o objetivo de cobrar explicações e prestação de contas, sugerir mudanças de perspectivas às autoridades políticas etc. Porém, Gomes (2005b, p. 216) salienta que a experiência democrática moderna, sobretudo nos modelos baseados em sistemas por representação, produziu uma esfera de decisão política apartada da sociedade. O âmbito da decisão política é constituído, então, por agentes em dedicação profissional e por membros de corporações dedicadas ao controle e distribuição do capital circulante nesta esfera – os partidos –, dotando-se de altíssimo grau de autonomia em face da esfera civil. Constitucionalmente, as duas esferas precisam interagir apenas no momento da renovação dos mandatos, restringindo-se o papel dos mandantes civis à decisão, de tempos em tempos, sobre quem integrará a esfera que toma as decisões propriamente políticas. É neste contexto que se destaca o fortalecimento da esfera pública para obtenção de oportunidades de participação política, sobretudo das camadas ‘marginalizadas’ ou em ‘estado de vulnerabilidade social’. Essa perspectiva vai ao encontro da construção habermasiana do conceito de democracia deliberativa, cunhada pelo autor em suas obras mais recentes – entre as quais Direito e Democracia (1997). Maia (2001, p. 03) explica que, na visão de Habermas, levando-se em consideração um contexto pluralista, a democracia depende de dois aspectos fundamentais: a “institucionalização das condições necessárias e dos procedimentos para o estabelecimento da comunicação entre os cidadãos” e a “interpenetração entre a tomada de decisão institucionalizada e a opinião pública”, Esta última construída de modo informal, em espaços não institucionalizados. Para a autora (2001, p. 03), a teoria da democracia deliberativa de Habermas é alicerçada em dois planos. Há uma distinção e descrição normativa (a) do processo informal da formação

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da vontade na esfera pública e (b) da deliberação política, a qual é regulada por procedimentos democráticos e é orientada para a tomada de decisão em sistemas políticos específicos. Estas são duas dimensões dependentes. Assim, esclarece Maia (2001, p. 02), Habermas concebe um modelo de democracia que considera de maneira mais ativa a dimensão comunicativa na política, que, por sua vez, favoreceria a circulação de poder. Esse modelo destaca, sobremaneira, a necessidade de formação e fortalecimento de uma esfera pública. Na definição de Habermas (1984, p. 42), a esfera pública é a esfera de pessoas privadas reunidas em um público, cujo espaço representa um canal de reivindicação contra o Estado, porém, regulamentado por ele. Ou seja, as pessoas privadas reunidas num público passam a transformar em tema público a sanção da sociedade como uma esfera privada. A esfera pública de discussão é, portanto, o espaço em que ocorrem interações entre os indivíduos que coabitam numa mesma realidade. Esse espaço também pode ser considerado um lócus de representações simbólicas da própria sociedade eivado de características, modelos e práticas cotidianas e tradicionais, onde a própria sociedade é reproduzida. De acordo com Habermas (1984, 1997), quando ideal, por meio dessa interação entre os indivíduos de uma comunidade, um coletivo representativo pode ser consolidado e, por meio dele, empreender resistência ou apresentar oposição às forças hegemônicas sociais, garantindo-lhe a possibilidade de exercer influência sobre os processos decisórios nos diversos níveis de governo. Segundo Maia (2003, p. 01), trata-se de uma esfera de deliberação no contexto de uma democracia por representação. Para a autora, as concepções deliberativas da democracia baseiam-se no princípio de que as decisões, afetando o bem-estar de uma coletividade, devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre e razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente. Maia (2003, p. 01) destaca ser condição necessária ao funcionamento de um regime dito democrático sob os moldes da participação da população que aquilo que será considerado como o “interesse comum” resulte de um processo de deliberação coletiva. “Deliberação aqui não é entendida como tomada de decisão que se dá num determinado momento, mas, ao invés disso, como um processo argumentativo, intercâmbio de razões feito em público”. Ainda segundo a autora, esse processo visa à obtenção de legitimidade para o exercício do poder público nas principais instituições de uma sociedade, e de racionalidade para tomada de decisão política nas esferas político-administrativas, independente do nível de governo. Assim, Habermas (1997, p. 92) destaca que a esfera pública pode ser apontada como uma rede adequada para a comunicação, tomadas de decisão e opiniões. “Nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos”.

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Numa sociedade complexa, de fluxos de informação oriundos dos diversos setores sociais, a esfera pública, segundo Habermas (1997, p. 107)6, forma uma estrutura intermediária que faz a interlocução entre as instâncias institucionalmente formalizadas do poder do Estado e a sociedade civil, e na qual são definidas e defendidas diversas opiniões públicas, de grupos distintos, debatidas posteriormente. Para o autor, essa estrutura intermediária compreende um ‘sem número’ de arenas – termo utilizado por Habermas (1997) – que se sobrepõem umas às outras e que se articulam de acordo com pontos de vistas específicos e de temas agendados particularmente. O autor afirma que essas arenas públicas formadas no interior da esfera pública são as instâncias que ligam as opiniões consolidadas no âmbito da esfera privada, e que têm o poder de levar as reivindicações e posições da sociedade civil às instâncias do Poder Estatal por meio da esfera pública. Portanto, a rede de fluxos de informação definida como esfera pública, conforme Habermas (1997), também é um fenômeno social emergido da interação empreendida pela própria sociedade civil7. As arenas públicas devem ter por objetivo captar os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, reuni-los e transmiti-los à esfera pública política. Dessa forma, para Avritzer e Costa (2004, p. 709), à sociedade civil cabe a responsabilidade de produzir microesferas públicas associadas à vida cotidiana, ou arenas conforme Habermas (1997), com a função de captarem os anseios da própria sociedade e levá-los ao conhecimento público e, por consequência, à ciência dos representantes da população nas instâncias político-administrativas do Estado. É nesse movimento de condução das opiniões oriundas dos diferentes núcleos da sociedade civil às instâncias do poder político-administrativo do Estado que Habermas (1997, p. 105) defende residir o poder de influência da sociedade civil sobre as decisões políticas, não por meio de atuação administrativa, mas exercendo pressões por meio de mensagens que percorram os mecanismos institucionalizados do Estado constitucional, alcançando os núcleos decisórios. Sob a ótica de interpretação de Habermas (1997), as decisões políticas são tomadas por meio do entrecruzamento das opiniões emitidas pelos diferentes atores políticos. Isso ocorre, conforme Lindblom (1981), devido ao fato de cada 6 Essa perspectiva representa uma reformulação do conceito de esfera pública empreendida pelo próprio Habermas. Enquanto no livro Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa, publicado originalmente em 1962, Habermas afirma a existência de uma esfera pública que abarcaria o debate sobre as questões de interesse público, na obra Direito e Democracia, publicada na década de 1990, o autor – talvez influenciado pelas contribuições das pesquisadoras Nancy Fraser e Hannah Arendt – reformula sua perspectiva e defende a existência de um grande número de arenas que comporiam a esfera pública, donde seriam originadas as opiniões de pequenos grupos de indivíduos e publicizadas nos outros âmbitos da esfera pública. 7 Conforme Habermas (1997, p. 99), a sociedade civil é composta por movimentos, associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, os quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida.

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ator social apresentar sua interpretação em relação aos assuntos de relevância pública e, a partir de cada posição, conflitante ou não, ser empreendida uma competição de ideias – baseada em um processo de persuasão. O mesmo raciocínio, o da existência de arenas públicas, é defendido por Dagnino, Olvera e Panfichi (2006), que afirmam que no âmbito da esfera pública surgem espaços democráticos onde a comunidade recebe e repercute as ‘publicidades’ do Estado e da própria sociedade civil, a partir da influência de determinados agentes formadores de opinião, estatais ou não, com destaque à imprensa de massa, mas com possibilidade de esses espaços serem tomados por grupos comunitários que assumem papel de disseminadores da ideia de participação e discussão horizontal sobre a ‘coisa pública’ ou temáticas de interesse público. Entretanto, Maia (2003, p. 11) salienta que, embora uma esfera pública deliberativa possa constituir certo poder de influência sobre as instâncias políticoadministrativas do Estado, não há garantias de que suas demandas e necessidades sejam atendidas tais como conceberam durante o processo de construção da opinião pública. Isso porque, segundo a autora, existe a possibilidade de que haja, nos processos de tomada de decisão nas instâncias governamentais, formas ilegítimas de poder que envolvam as instituições sociais e determinem seu perfil de atuação – muitas vezes distanciado de seu sentido original. Neste contexto, conforme a interpretação de Maia (2001) acerca do quadro teórico habermasiano reformulado, a comunicação exerce relevante função tanto nas arenas comunicativas da vida social quanto nas instâncias de decisão dos sistemas políticos constitucionais. Daí decorre a importância da mídia, e da investigação acerca de sua atuação, no processo de construção democrática. Por fim, Maia (2001, p. 05) aponta que Habermas (1997) indica a existência de diferenciação entre três tipos específicos de esferas públicas parciais, nas quais emergiria uma trama de arenas comunicativas. A episódica seria composta por espaços informais e não institucionalizados como bares, cafés, encontros de rua, entre outros. Já a de presença organizada ocorreria em momentos como reuniões de partidos e congressos, ou seja, em arenas institucionalizadas. A terceira, denominada de abstrata, seria geralmente produzida pelas mídias, portanto, por meio de veículos de comunicação comerciais, comunitários, alternativos, institucionais, governamentais, entre outros. Porém, aponta Maia (2001), Habermas (1984, 1997) não tematiza o que seria uma ‘esfera pública virtual’, constituída por meio da infraestrutura das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

A INTERNET COMO AGENTE REVIGORANTE DA ESFERA PÚBLICA Tendo-se em vista a perspectiva habermasiana de construção de um modelo

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específico de democracia, a deliberativa8, o esforço, neste momento, passa a ser o de definir as características da internet e compará-las às noções debatidas no tópico anterior, com o objetivo de empreender um debate acerca da caracterização da internet no contexto da esfera pública e das mais diferentes arenas possivelmente contidas nesse espaço virtual. De acordo com Gomes (2001, p. 02), a internet se refere a uma rede extremamente extensa, desnacionalizada e descentralizada de computadores. As circunstâncias de sua criação a constituíram de maneira tal que a massa de computadores em rede funciona como malhas intermediárias conectadas entre si e ao todo ou, numa outra metáfora, como autoestradas que servem ao tráfego eficaz de gigantescas quantidades de informações, enquanto uma miríade de computadores e microcomputadores serve-se dessa fabulosa infraestrutura de rede de redes para enviar e receber informações. A internet seria, então, nada mais nada menos que um meio ou ambiente de interconexão. Dessa forma, o autor ressalta que o fenômeno comunicacional importante envolvido nessa trama seria o da chamada “comunicação mediada por computadores”, que ocorreria de um indivíduo a outro, de um a muitos, de muitos a muitos – e todas as suas consequências em termos de sociabilidade contemporânea. Para Santaella (2010, p. 91), essa comunicação mediada por computadores, e a interação resultante dessa plataforma são capazes de produzir uma realidade paralela que “abriga megalópoles, ou bancos de dados comerciais, e uma infinidade de portais e sites de todas as espécies”, e que tem sido denominada de ‘ciberespaço’. A autora (2010, p. 91) aponta que o ciberespaço consiste em uma realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma realidade global, “sustentada por computadores que funcionam como meios de geração e acesso”. Nessa realidade, da qual cada computador é uma janela, os objetos vistos e ouvidos não são nem físicos nem, necessariamente, representações de objetos físicos, mas têm forma, caráter e ação de dados, informação pura. É certamente uma realidade que deriva em parte do funcionamento do mundo natural, físico, mas que se constitui de tráfegos de informação produzida pelos empreendimentos humanos em todas as áreas: arte, ciência, negócios, política e cultura. Desse apontamento decorre a definição de cibercultura. Segundo Santaella (2010), trata-se da cultura do ciberespaço, ou seja, forjada no ambiente digital a 8 Modelo que atribui à comunicação relevante função tanto nas arenas comunicativas da vida social quanto nas instâncias de decisão dos sistemas políticos constitucionais, e, portanto, defende o fortalecimento da esfera pública e das arenas públicas nela contidas.

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partir das manifestações e experiências humanas nesse espaço. A autora aponta que os conceitos de cibercultura e ciberespaço, até pouco tempo atrás, se referiam à Internet fixa e abarcavam uma série de espaços e iniciativas como redes privadas, centros de informação, blogs, grupos de discussão, entre outros. Porém, com o advento dos dispositivos móveis de acesso, a partir da Internet móvel, as noções de cibercultura e ciberespaço deixaram de apoiar-se ou definir-se em uma realidade apartada da vida cotidiana, na medida em que constituíram espaços que Santaella (2010, p. 92) denomina de ‘espaços intersticiais’. Os espaços intersticiais referem-se às bordas entre espaços físicos e digitais, compondo espaços conectados, nos quais se rompe a distinção tradicional entre espaços físicos, de um lado, e digitais, de outro. Assim, um espaço intersticial ou híbrido ocorre quando não mais se precisa “sair” do espaço físico para entrar em contato com ambientes digitais. Sendo assim, as bordas entre os espaços digitais e físicos tornam-se difusas e não mais completamente distinguíveis. Dessa forma, salienta a autora, a sociedade pode passar a não perceber a distinção entre os espaços físicos e virtuais, já que esses ‘espaços intersticiais’ tendem a dissolver a fronteira rígida até então existente. Esse fenômeno pode ser encarado de forma natural, uma vez que a Internet se configura em uma evolução da comunicação e da sociabilidade contemporânea, passando a ser parte integrante do modo e das formas de interação interpessoal da sociedade. Segundo Gomes (2001, p. 03), a Internet não pode ser considerada propriamente um meio de comunicação, mas a própria conexão ou conectividade material à disposição dos computadores – estes últimos, sim, funcionando como instrumentos de comunicação. Em outras palavras, a Internet se refere a uma ferramenta, ou plataforma, capaz de proporcionar espaço para iniciativas focadas na promoção de debate sobre a ‘coisa pública’ ou difusão de informações de quaisquer gêneros. Para o autor (2001, p. 03), na comunicação mediada por computadores, a qualquer momento, sem autorização social e sem grandes investimentos em recursos, “(a) qualquer sujeito pode se tornar emissor, (b) qualquer receptor pode se tornar emissor e vice-versa, (c) qualquer receptor pode se transformar em provedor de informação, produzindo informação e distribuindo-a por rede ou simplesmente repassando informações produzidas por outro”. Além disso, continua Gomes (2001, p. 03), a internet se destaca pelo grande volume de informações de toda a natureza. Trata-se de extraordinário volume de informações de toda a natureza e sobre qualquer tipo de objeto (a) disponível exclusivamente para acesso on-line, (b) situado de forma disseminada por computadores em rede por todo o mundo, (c) organizados de forma a serem lidos ou vistos e, frequentemente, reproduzidos e distribuídos em linguagens mais ou menos padronizadas e, Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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de qualquer forma, facilmente disponíveis aos usuários da rede. Marques (2006, p. 167) destaca que a internet se apresenta como um espaço apto, inclusive, a atender demandas individuais. Isso porque, por meio dessa ferramenta, cada internauta tem a possibilidade de buscar a informação que deseja, podendo modificá-la ou adicionar suas considerações para uma posterior publicação, sem grandes dificuldades ou custos. Também pelo grande volume de informações, cresce a necessidade de que os internautas desenvolvam capacidade crítica sufi ciente para que não sejam facilmente induzidos ao erro em função de má interpretação ou ingenuidade – ainda que tal afirmação seja bastante controversa, se pensado o caso brasileiro, que enfrenta e convive com defasagens históricas no ensino, sobretudo, o público. Em razão do baixo custo e facilidade de navegação, continua o autor (2006, p.167), a internet teria potencial para exercer papel “revigorante” na esfera pública política argumentativa, uma vez que concede oportunidade de expressão a vozes marginais, sem as barreiras impostas pela censura governamental ou pelos interesses das indústrias do entretenimento e da informação. Marques (2006, p.167) ainda destaca outras barreiras possíveis de serem transcendidas pelo advento da internet, que ofereceria a chance da reciprocidade discursiva advinda da esfera civil. A superação de barreiras como o espaço (a comunicação digital não leva em conta as fronteiras dos países) abre caminho para a participação de usuários em diversos contextos geográficos. O direito de uso da palavra, a isegoria, conforme chamavam os atenienses, o poder falar em “assembleia”, daria à internet, de acordo com as referências acima indicadas, a propriedade fundamental para o estabelecimento de um espaço argumentativo digital, o que tornaria o computador um meio de comunicação diferenciado em termos políticos. Assim, Marques (2006, p. 167) defende que, a partir do momento em que favorecem a troca de experiências e conteúdos, as redes telemáticas9 também atuam, pelo menos em potência, como ambiente propício ao diálogo e ao entendimento. “Falando-se em termos ideais, isso traria aos cidadãos interessados a possibilidade de, novamente, possuir certa influência nos rumos da esfera pública política, encontrando, comodamente, outros cidadãos para discutir questões de interesse público”.

9 Telemática é o termo utilizado para definir o conjunto de tecnologias de transmissão de dados resultante da junção entre os recursos das telecomunicações (satélite, telefonia, fibras ópticas, cabo etc.) e da informática (computadores, softwares, periféricos e sistemas de redes). Esses recursos possibilitaram o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes volumes de dados – em diferentes formatos – em curto espaço de tempo, entre usuários dos mais variados locais do planeta.

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Porém, ainda há uma questão bastante instigante, e controversa, na caracterização da internet no contexto da esfera pública, ou de sua capacidade, enquanto plataforma tecnológica, de abrigar uma série de arenas públicas. Trata-se da questão do anonimato. Conforme Silveira (2009, p. 115), o anonimato se refere à condição ou qualidade da comunicação não identificada, ou seja, da interação entre vários interagentes que não possuem identidade explícita ou que a ocultam. Para o autor (2009, p. 122), a modernidade forjou um sujeito histórico portador de direitos e de uma identidade individual. Trouxe também a comunicação de massas e novos ideais do que seria o legítimo e o ilegítimo em uma interação social. Como bem apontou Zygmunt Bauman, a modernidade tinha um especial horror à indefinição, à incerteza e à ausência de controle. Nesse contexto, o anonimato foi considerado um fator de incerteza em um mundo que clamava por identidades precisas e centradas. Segundo Silveira (2009, p. 128), a principal tese contra o anonimato na esfera pública parte das possíveis consequências negativas da ausência de responsabilidade pelo que é dito. Manifesta-se no que Habermas, em sua investigação sobre a pragmática universal pela busca das condições universais de compreensão mútua, denominou de pretensão de validade de um discurso como verdade (HABERMAS, 1996). Um efeito nefasto do argumento anônimo irresponsável e moralmente repreensível, inverídico, mas apresentado como verdadeiro e correto, é o de gerar uma rápida ação injusta, cujos efeitos não podem ser reparados. Silveira (2007, p. 128) ainda apresenta outra deficiência da internet como espaço de conversação apto a abrigar processos argumentativos de deliberação, indo além da crítica à comunicação anônima. (...) a descorporificação na rede não pode substituir o encontro face-a-face. Nas redes, estaríamos vivendo uma desestabilização generalizada do sujeito. A multiplicação de representações e simulacros no ciberespaço nos leva a um estado de hiper-realidade, conforme descrito por Baudrillard, onde oposições binárias real/ irreal, sujeito/objeto, público/privado, homem/máquina, tenderiam a implodir, e um mundo de simulacros emergiria podendo se tornar a única realidade para os participantes. Desse modo, o uso público da razão comunicativa estaria prejudicado no ciberespaço. Do outro lado, existem autores que não delegam ao anonimato um caráter Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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assaz negativo. De acordo com Gomes (2005a, p.65), um espaço de conversação on-line dispensaria uma série de dificuldades que estão sempre a rondar as discussões off-line. Entre as dificuldades citadas pelo autor estão as superações das injunções, filtros e controles interpostos, geralmente, por parte de instâncias que se estabelecem fora da situação de debate. Outra questão apontada por Gomes (2005a) se refere à ausência de disparidade inicial nas discussões promovidas pelas diferenças de valor relativo de cada indivíduo na sociedade, reduzida justamente pela possibilidade do anonimato, limitações de espaço e tempo que afetam as discussões off-line etc. Dessa forma, Marques (2006, p. 172) faz uma reflexão acerca dos principais aspectos, positivo e negativo, do anonimato aplicado às interações sociais ocorridas na internet. Se o anonimato permite a expressão política de indivíduos tímidos ou que não podem se manifestar por pressões outras (de seus familiares ou dos chefes no trabalho), por outro lado, condiciona os entes do discurso a se tornarem, tendencialmente, menos confiáveis uns aos outros, ou menos confiáveis do que seriam se conversassem face a face: as linhas de um diálogo em batepapo não permitem que se apreenda a entonação da voz, a reação de quem interage quando dado posicionamento é exposto. Sobre a possibilidade de abusos de internautas camuflados pelo anonimato, há que se considerar uma questão adicional que, aliás, é determinante: talvez não haja o anonimato da maneira como se aparenta, ou seja, sob o aspecto da não identificação total e ausência de responsabilizações. Isso porque, salienta Silveira (2009, p. 120), não é possível se comunicar na internet sem um IP (Internet Protocol)10. Na verdade, não é possível abrir uma única página sequer sem um endereço de IP. Embora não haja nenhuma necessidade de vincular uma identidade civil a um número de IP para que a comunicação se estabeleça, é fundamental que se vincule um IP ao computador utilizado cujo local, por sua vez, é passível de identificação. Vale lembrar, neste momento que, atualmente, os internautas possuem informações pessoais suficientes na rede para se tornarem relativamente fáceis os cruzamentos de informações, de modo que a identidade do usuário possa ser determinada ou sugerida como ponto de partida de uma eventual investigação provocada por possíveis abusos. O caso das conexões à internet efetuadas por meio de dispositivos móveis – como telefones celulares, palms e laptops sem fio, entre outros – também não escapa à possibilidade de responsabilização. Santaella (2010, p. 93) aponta que esses equipamentos tecnológicos modernos são denominados de mídias locativas 10 O endereço IP (Internet Protocol), de forma genérica, se refere a uma espécie de endereço que indica o local de um determinado equipamento, normalmente computadores, em uma rede privada ou pública.

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e os define como “tecnologias baseadas em lugares, ou seja, tecnologias sem fio, tecnologias de vigilância, de rastreamento e de posicionamento que permitem que a informação seja ligada a espaços geográficos”. Para a autora, cada vez mais essas tecnologias da mobilidade, sensíveis aos locais, podem acessar a internet e permitir que as informações sejam armazenadas e recuperadas a partir de bases de dados remotas. Diante disso, é possível afirmar que excessos cometidos por internautas podem ser responsabilizados nas figuras de pessoas físicas, por meio de uma investigação relativamente simples – independentemente de conexões efetuadas via Internet fixa ou móvel. Portanto, a questão do anonimato parece não se configurar em um verdadeiro problema à formação de arenas públicas na Internet, uma vez que se mostra de fácil responsabilização. Conforme as diretrizes apontadas, a internet pode ser considerada um novo componente da esfera pública ‘geral’. Ou seja, trata-se de um novo tipo de esfera pública parcial, tal como abstrata, episódica e de presença física. Isso porque se pode encarar a internet como uma grande plataforma que depende da criação de espaços de debate, que seriam as arenas públicas, para poder formar uma esfera pública complementar à esfera convencional analógica e suas esferas parciais. Vale lembrar, a função de criação de arenas seria da própria sociedade civil, ou aquela parcela que possui acesso à tecnologia. O raciocínio vai ao encontro do que afirma Marcondes (2007, p. 08). A autora aponta que a Internet, como um todo, não é uma esfera pública autogerada, ou seja, compartilhada por visitantes regulares transformados magicamente e que lá depositam atitudes, práticas e objetivos que promovam modificações na sociedade. Diante desses argumentos, é possível apontar que existe a possibilidade de que a Internet se torne uma esfera pública parcial, na medida em que sejam criadas arenas públicas por iniciativa da própria sociedade civil, que fomentem o debate sobre a ‘coisa pública’, a troca de experiências e posicionamentos políticos, e que tenham a possibilidade de extrapolarem os limites do universo virtual, de modo que as deliberações e opiniões geradas nos espaços democráticos contidos na internet possam influenciar as decisões políticas por meio da inflamação da esfera pública.

INTERNET, SUAS CONTRIBUIÇÕES E LIMITES, NO CONTEXTO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA Como já afirmado, as experiências de democracia representativa têm demonstrado frequentemente um distanciamento no relacionamento entre a sociedade e as instâncias de decisão política – reduzindo a participação da população no exercício do poder apenas aos eventos periódicos de escolha de representantes. De acordo com Gomes (2005b, p. 218), a alternativa histórica à democracia Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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representativa é a democracia direta. Porém, esse segundo modelo se mostra inadequado à sociedade de massa e à complexidade do Estado contemporâneo, que exige profissionalismo de quem governa e de quem legisla. A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia, que implementem uma terceira via entre a democracia representativa, que retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer inteiramente consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da ideia de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma inspiração. Gomes (2005b, p. 218) aponta, a partir do contexto explicitado acima, o surgimento de uma nova denominação referente à participação da população por meio da utilização da internet. Trata-se da ‘democracia digital’11, que, segundo o autor, se refere às possibilidades de extensão das oportunidades democráticas instauradas pela infraestrutura tecnológica das redes de computadores. Neste contexto, o autor afirma que o termo ‘democracia digital’ se apoia em um conjunto de pressupostos referentes à internet e à participação política da sociedade no exercício do poder. O primeiro pressuposto indicado por Gomes (2005b, p. 218) aponta que a internet permitiria resolver o problema da participação do público na política que afeta as democracias representativas contemporâneas. Isso porque a plataforma tornaria a participação mais fácil, mais ágil, conveniente e confortável. O benefício prático salientado pelo autor se liga à afirmação de, atualmente, a sociedade civil encontrar-se desorganizada e desmobilizada. Outra questão com a qual Gomes (2005b) trabalha indica que a internet teria a capacidade de permitir uma relação sem intermediários entre a esfera civil e a esfera política. Esse fato poderia culminar no bloqueio, ao menos parcial, das influências da esfera econômica e, sobretudo, das indústrias do entretenimento, da cultura e da informação de massa – que notadamente controlam o fluxo da informação política disponibilizada à sociedade. A possibilidade de a sociedade se tornar não apenas consumidora de informação política é o terceiro pressuposto com o qual Gomes (2005b, p. 218) empreende o debate. Segundo o autor, ao menos, a internet impediria que o fluxo da comunicação política fosse unidirecional – o que determinaria uma espécie de restrição sobre as possibilidades de interpretação dos cidadãos. “A internet representaria a possibilidade de que a esfera civil produzisse informação política para o seu próprio consumo e para o provimento da sua decisão”. Com base nos 11 Apesar de utilizar a expressão ‘democracia digital’, Gomes (2005b) também aponta a possibilidade de aparecimento de outros verbetes que se referem ao mesmo fenômeno, tais como democracia eletrônica, ciberdemocracia, e-democracy, entre outros.

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pressupostos apresentados, Gomes (2005, p.218) afirma que “democracia digital se apresenta como uma alternativa para a implantação de uma nova experiência democrática fundada numa nova noção de democracia”. Isso porque a internet se mostra uma ferramenta bastante eficiente na promoção de espaços de conversação, que permitem aos cidadãos e grupos da sociedade interagir, sem mediações institucionais. Dessa forma, como afirma o autor (2005b, p. 220), a internet desempenha importante função na realização da democracia deliberativa, já que pode assegurar aos interessados em participar do jogo democrático dois requisitos fundamentais: informação política e espaços de interação e debate político. Entretanto, o autor admite que apenas o acesso à internet não garante o incremento da atividade política. Flaming, conflitos, fragmentação, inconclusão, tudo isso além de qualquer limite racional, aparecem como constituindo a natureza da discussão online em um grande número de pesquisas empíricas sobre comunicação política por meio da internet. Pesquisas demonstram, ademais, que as discussões políticas on-line, embora permitam ampla participação, são dominadas por uns poucos, do mesmo modo que as discussões políticas em geral. Em suma, apesar das enormes vantagens aí contidas, a comunicação on-line não garante instantaneamente uma esfera de discussão pública justa, representativa, relevante, efetiva e igualitária. Outra questão levantada pelo autor, e que se apresenta como um limite ao ideal de fomento à participação política, está ligada ao fato de o usuário da ferramenta não necessariamente possuir ‘habilidade e tempo’ para organizar e gerenciar o grande volume de informações políticas existente na rede mundial de computadores, tampouco competência para empreender uma leitura crítica dos conteúdos disponíveis. A esse dado é importante acrescentar o fato de que, no Brasil, cerca de 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente – ou seja, são considerados analfabetos funcionais. Esses dados são apontados pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf )12, referente a 2009. Esse número inclui 68% de analfabetos funcionais e 7% de analfabetos absolutos, ou seja, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. Diante desses números, é possível determinar que apenas 1 a cada 4 brasileiros possui capacidade plena de leitura e escrita e de uso dessas habilidades no contínuo processo de aprendizagem. Portanto, uma variável interessante é a 12 O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf ) é um levantamento realizado a cada dois anos em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro (IPM) e a Organização e a Ação Educativa. Dados completos dessa pesquisa podem ser obtidos pelo endereço eletrônico http://www.ipm.org.br. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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capacidade de os internautas selecionarem as informações relevantes em meio a uma imensidão de emissores de opiniões. Além disso, é importante ressaltar que as tecnologias da informação e da comunicação, apesar de tornarem a participação política mais confortável e acessível, não a garantem. Isso porque existem muitos aspectos que devem ser levados em consideração, entre os quais uma possível ausência de interesse político da comunidade de usuários da internet, bem como a limitação de acesso – seja por falta de competência ou possibilidade econômica de acesso. De acordo com dados verificados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, divulgado em setembro de 2010, apenas cerca de 37% da população brasileira possui acesso à rede. Portanto, por si, esse dado relata que se trata de uma restrição à participação da população.

O INCREMENTO DA DEMOCRACIA A PARTIR DO COMPLEMENTO DIGITAL DA ESFERA PÚBLICA A partir da discussão teórica empreendida, é importante destacar alguns apontamentos baseados na análise acerca da função da Internet à esfera pública e ao incremento do regime democrático por representação. A Internet se mostra, sim, como uma ferramenta com potencial revigorante à esfera pública e à democracia, na medida em que oferece a possibilidade de formação de grupos e espaços de discussão política, além de permitir um elevado volume de informações políticas disponíveis aos usuários. Outro aspecto se refere ao fato de a Internet facilitar a transformação do cidadão consumidor de informações políticas em cidadão produtor de informações – o que pode acarretar no incentivo à composição de um número maior de sujeitos ativos politicamente, combatendo o quadro de afasia política notadamente instaurado nas experiências democráticas modernas, com destaque ao caso brasileiro. É evidente que a eficiência e a eficácia da utilização da ferramenta tecnológica para fins de participação política esbarram em deficiências de cunho educacional e de acesso, ou ainda em relação ao interesse dos usuários, ou à falta deles, em atuar em debates sobre a ‘coisa pública’ ou buscar e emitir informações políticas. Essas questões, aliás, se mostram bastante relevantes na presente discussão. Entretanto, não é possível desqualificar o potencial da Internet em razão de falhas existentes na estrutura do Estado, que muitas vezes não oferece condições de igualdade no acesso à ferramenta e nem uma educação formal que favoreça a compreensão da sociedade acerca de aspectos políticos. Também se pode apontar que o interesse político depende da cultura política da sociedade, que é fruto de um processo contínuo de debate e conscientização. Portanto, o fato de a Internet não atingir as expectativas de utilização para a participação política não retira seu potencial. É viável imaginar que as iniciativas existentes a partir da Internet, pelo menos,

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podem ser capazes de atuar de forma pedagógica e educativa sobre seu potencial para a participação política da população. Também se sobressalta a possibilidade de discussões empreendidas nesse espaço virtual alcançarem e, quando ideal, provocarem outros setores da sociedade, sobretudo a classe política – tais como as demais arenas públicas estabelecidas no plano físico. Por manter a mesma lógica das arenas públicas realizadas, ou instituídas, no plano físico, pode-se apontar que a Internet não se refere a uma nova esfera pública, mas um novo componente da esfera pública ‘geral’ já existente, seguindo a mesma perspectiva das esferas públicas parciais – abstrata, episódica ou de presença física –, ou seja composta por diferentes arenas. Isso porque, apesar de inaugurar uma nova era no que diz respeito às possibilidades de participação política e ao estabelecimento de espaços de conversação e deliberação, trata-se de um recurso tecnológico resultante do processo histórico de evolução da própria sociedade. A Internet não se mostra como uma ruptura, mas sim como complemento à esfera pública. Se a Internet representasse uma ferramenta que oferecesse a possibilidade de geração de arenas públicas (blogs, Fóruns, Chats etc) apartadas das arenas públicas reconhecidas no universo físico (encontro de organizações civis, assembleias, Audiências etc), poderia ser considerada uma nova esfera pública. Porém, é possível perceber que as discussões iniciadas no plano digital tendem a extrapolar as barreiras da virtualidade para alcançarem e influenciarem os debates empreendidos no plano físico. Com isso, nota-se que a Internet se configura em um complemento à esfera pública, um possível agente revigorante e catalisador da participação política, mas não se apresenta como uma nova esfera pública. Um exemplo que reforça as afirmações efetuadas é o site Observatório de Botucatu (www.observatoriodebotucatu.com.br) – uma iniciativa oficialmente desvinculada de organizações partidárias. No site existe um Fórum permanente, em que a participação do internauta é irrestrita e anônima – lembrando que, conforme a discussão apresentada nos tópicos anteriores, o anonimato não se configura em um problema à inserção da internet com plataforma tecnológica que abriga arenas públicas virtuais. Com foco na Cidade de Botucatu13, esse espaço se diferencia justamente por restringir a discussão às questões ligadas ao Município e, dessa forma, se coloca como objeto interessante de análise sobre as possibilidades de promover debates políticos locais no ciberespaço. Embora a participação dos internautas tenha como característica o anonimato, existem participantes que indicam preferência ou militância por determinados agrupamentos partidários, por meio do nome com o qual se identifica no referido 13 Botucatu é uma cidade do interior do Estado de São Paulo, com aproximadamente 130 mil habitantes, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2010, e que está localizada cerca de 240 km da Capital do Estado. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Fórum permanente digital. Além do espaço de discussão, o site ainda se propõe a publicar materiais jornalísticos veiculados por Assessorias de Comunicação e Imprensa, como a Prefeitura de Botucatu, a Câmara Municipal de Botucatu, além das universidades locais e organizações civis e privadas. Também disponibiliza um link direto para comunicação com a Ouvidoria da Prefeitura de Botucatu. Conforme o próprio site, o objetivo é o de “oferecer aos botucatuenses ferramentas colaborativas para que todo cidadão engajado possa trazer a conhecimento público informações relevantes, contradições, questões que merecem atenção, erros, violações, análises críticas e propostas de ação”14. Importante ressaltar que o termo ‘engajado’ está colocado pelo próprio site, apesar de qualquer indivíduo com acesso à Internet ter a oportunidade de participar. Ao longo de sua trajetória, que teve início nos primeiros meses de 2009, o site já proporcionou debates abertos com a participação de vereadores, lideranças políticas e representantes do Poder Executivo Municipal, com significativa participação de diferentes internautas – cerca de 450 diferentes pessoas, sejam como debatedores ou observadores do debate, como na última participação dos vereadores da Câmara Municipal de Botucatu (2009-2012) em uma rodada de debate com internautas, ocorrida em março de 201115. Na oportunidade, vale destacar, o debate foi pauta da imprensa local, que repercutiu as colocações e os desempenhos dos parlamentares botucatuenses. A partir da constatação de que a iniciativa conseguiu sensibilizar e provocar representantes do poder decisório local, chamá-los à discussão direta mediada por computadores – além do fato de ter pautado a mídia do Município –, é viável afirmar que os debates empreendidos em espaços de participação não institucionalizados, arenas públicas existentes na Internet, podem alçar ao universo físico e influenciar, por vezes determinar, as decisões políticas nas esferas do Poder Estatal. Portanto, para concluir, ressalta-se que a internet se mostra uma ferramenta revigorante à esfera pública e um potencial de incremento da democracia, e representa uma força empírica à consolidação de um modelo de democracia baseada em processos comunicativos de deliberação por meio da participação política da população.

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Sistema Público de Comunicação: por uma mídia de todos ADILSON VAZ CABRAL FILHO COMPREENDER O DEBATE SOBRE O SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO Um dos debates mais atuais e urgentes no campo da Comunicação no Brasil é o da compreensão e da efetivação do sistema público de comunicação. Incide na apropriação e afirmação do processo regulatório pelos seus realizadores e demais ativistas, na formulação e aplicação de políticas para garantir a viabilidade e a sustentabilidade das iniciativas em curso e de capacitação junto aos distintos atores, e no fomento de novas experiências relacionadas aos mais diferenciados grupos, organizações e movimentos nos mais distintos contextos. O papel da comunicação vem sendo compreendido na afirmação das diferentes áreas sociais, tais como moradia, educação, saúde, segurança, na mesma medida em que novas formas de produção, transmissão, recepção e compartilhamento de conteúdos midiáticos vêm sendo apreendidos por ativistas, contribuindo para dinamizar os modos de fazer comunicação numa perspectiva contra hegemônica, mas também para pautar o debate sobre a regulamentação do setor numa escala mais ampla e incorporando novas questões, como a do financiamento público de caráter estatal. A produção em comunicação por parte de organizações da sociedade civil e produtores independentes de caráter público já era vislumbrada por autores como Brecht, para quem “o rádio seria (...) um fantástico sistema de canalização, se fosse capaz, não apenas de emitir, mas também de receber” (Brecht apud Ortriwano, 1999, p. 2) e Enzensberger (1979, p. 90) que afirmava, em relação às tecnologias de vídeo e filme que já se tornavam acessíveis à população na Alemanha, “cabe perguntar por que tais meios de produção não aparecem maciçamente nos locais de trabalho, nas escolas”. A confecção do Relatório McBride, ainda em 1968, afirmou de modo sistêmico essa concepção numa perspectiva multilateral, quando já levava em conta que “indivíduos e grupos podem (ou poderão proximamente) utilizar os seus meios de comunicação e recursos próprios, ao mesmo tempo que os dos meios de comunicação social” (UNESCO, 1983, p. 349). Desse modo, torna-se real a compreensão do papel da apropriação social das Tecnologias de Informação e Comunicação na confecção de meios próprios com o efetivo barateamento das tecnologias de gravação e edição e a recente facilitação de acesso à veiculação das produções. Na continuidade das experiências de comunicação popular que marcaram os anos 70 e 80 do século passado na América Latina (rádios comunitárias ligadas Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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a movimentos de trabalhadores e moradores, experiências de vídeo popular interligadas em associações nacionais e movimento latino-americano) e das iniciativas que redefiniram as políticas do setor em outras bases a partir dos anos 90 (canais comunitários de TV à Cabo, a partir da Lei 8977, de 1995, e rádios comunitárias legalizadas a partir da Lei 9612 de 1998), os movimentos ligados ao setor vêm formulando estratégias para a implementação do Sistema Público de Comunicação, tal como formulado no artigo 223 da Constituição Federal, que remete à mútua complementaridade na forma do seguinte texto: “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Em artigo publicado no Observatório de Imprensa, por ocasião do falecimento do Deputado Arthur da Távola, o professor Venício Lima (13 mai. 2008) revela a motivação da existência do sistema público de comunicação no texto constitucional de 1988. Para o autor, o parlamentar acreditava que haveria lugar para um sistema “organizado por instituições da sociedade e que funcionasse independente do Estado e do capital”. Um texto posterior, de Mariana Martins (14 out. 2008), cita o artigo de Venício Lima, contrapondo-o aos posicionamentos dos professores Murilo César Ramos e Marcos Dantas, para quem a distinção entre estatal e público é uma confusão conceitual: “Não existe diferença entre ´estatal` e ´público´. O que é estatal é público, pois o Estado é, ou deve ser, público”, de acordo com Marcos Dantas e “a separação entre o público e o estatal transformou-se em uma armadilha normativa que acabou por escapar a todos os especialistas naquele momento”, nos dizeres de Murilo César Ramos. Venício Lima (15 jan. 2009), por sua vez, retoma seu texto anterior, afirmando que o constituinte Artur da Távola já defendia “a ideia de um (sistema) público que represente não apenas o Estado, mas o que houver de possivelmente organizado na chamada sociedade”. Pensava não somente em iniciativas como a BBC britânica, mas outras, cujas concessões eram outorgadas diretamente às universidades, por exemplo. O debate mais recente sobre o tema, no entanto, tem suas origens durante a Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação, realizada em dezembro de 2003, em Genebra, e novembro de 2005, na Tunísia, as organizações da sociedade civil realizaram a Campanha CRIS – Sociedade da Informação pelo Direito à Comunicação, resultando na reivindicação de propostas voltadas para a afirmação da comunicação como um direito humano. No Brasil, como parte dessa mobilização mundial, foi implementado o Capítulo CRIS Brasil, contando com o sistema público de comunicação como um de seus eixos centrais de atuação, no marco do Programa de Governança Global, escrito, além do Brasil, por outros quatro capítulos participantes da Campanha CRIS: Colômbia, Filipinas, Itália e Quênia. O sistema público de comunicação é reivindicado no âmbito das iniciativas que se expandem em todo o país, e que seriam de número muito maior caso não

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houvesse uma repressão tão incisiva pelo Governo Federal, principalmente em relação às rádios comunitárias, mas também o incentivo em relação aos canais comunitários de TV a Cabo e a falta de vontade política em torno dos futuros Canais da Cidadania no contexto da TV Digital, que nem sob a gestão própria das organizações da sociedade foram concebidos, no que se refere ao Decreto 5820/2006, que os instituiu. No contexto da Campanha CRIS, o Sistema Público de Comunicação foi motivo de uma campanha lançada a partir do “Seminário Cris Brasil: O direito à comunicação e o sistema público de comunicação”, em 2005. Se para Taís Ladeira, na época, representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) no Brasil e também coordenadora da Cris Brasil, cabia “mostrar para a sociedade brasileira que há alternativas fora dos sistemas privados e estatais”, João Brant, do Intervozes, declara que “o sistema público de comunicação deve ter mecanismos que permitam à sociedade se apropriar, sem fins lucrativos, da mídia, estimulando a pluralidade e a diversidade dos meios e dos conteúdos” (MOYSES, 2005).

A COMPREENSÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO NO MEIO ACADÊMICO O recente debate no contexto acadêmico busca recompor papel do sistema público de comunicação sob a responsabilidade do Estado, para além do sistema estatal já expresso na Constituição Federal. Considera que cabe ao Estado a implementação de serviços públicos e de iniciativas de interesse público, pautadas pelo caráter público. Duas evidências para a visibilidade desse debate são a Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC, que incorpora, sob a batuta do Estado, aspectos determinantes do que poderia ser a efetivação do sistema público de comunicação no país, visto que responsável pela TV Brasil, chamada de “TV Pública” por governantes, pesquisadores e ativistas, além da configuração do campo público das experiências de TVs e de Rádios, com a participação de emissoras estatais (TV Câmara, TV Senado, dentre outras) e até mesmo privadas, como as de TVs de universidades particulares, vinculadas à Associação Brasileira de TVs Universitárias, ABTU. Este posicionamento – que concebe o Estado como responsável, gestor e empreendedor do sistema público de comunicação para além do próprio sistema estatal pelo qual é naturalmente responsável – é recente pelo que distoa da mobilização das últimas décadas de ativistas e militantes pela comunicação democrática como direito humano, mas resgata uma concepção tradicional do caráter público do Estado, na realização de serviços públicos voltados para o interesse público, numa matriz ideológica que não considera a pertinência da legitimidade reivindicada pelos produtores de mídia que se situam no âmbito do sistema público de comunicação. Dessa maneira sublima o papel da sociedade organizada autonomamente em função da supervalorização do Estado em sua capacidade de gerir processos. Outra face de uma mesma subvaloração da capacidade gestora de organizações Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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da sociedade está manifesta no Decreto 5820/2006 que instituiu a TV Digital no Brasil, ao enquadrar o Canal da Cidadania sob a guarda do Ministério das Comunicações, contra a qual se organizam manifestações recentes de incorporação da programação dos canais comunitários nos canais da TV Digital e da mobilização preparatória para a I Conferência Nacional de Comunicação, na expectativa de obter consensos possíveis em relação ao reconhecimento dessas iniciativas. Em contrapartida, as iniciativas de comunicação comunitária, potencialmente inseridas no âmbito do sistema público de comunicação, necessitam empreender melhor sua capacidade de ocupação dos espaços disponíveis, além de conceber e implementar uma proposta contra hegemônica que incida claramente na política de sua gestão e programação e na estética de suas produções e linguagens, de sustentação e de visibilidade de suas atividades. O governo brasileiro também usa de argumento de desqualificação nessa linha, alegando que as iniciativas de comunicação da sociedade deveriam ter o que mostrar para poder reivindicar faixas de frequência. Tal argumentação equivale à desconstrução que o Mercado costuma afirmar em seus posicionamentos, quando na verdade o próprio governo deveria ser o primeiro ator a impulsionar e estar ao lado dessa apropriação por parte das iniciativas empreendidas pela sociedade organizada. Ainda mais que, historicamente, o papel de governos anteriores que não causam nostalgia à população brasileira foi exatamente o de fomentar a qualidade de conglomerados nacionais a partir da liberação de subsídios estrangeiros, que superaram suas limitações estéticas e técnicas, estabelecendo padrões de qualidade que levaram a sociedade a legitimá-los, praticamente revertendo a afirmação de poder em relação a governantes e parlamentares. Cabe, diante desse cenário, a elaboração de um outro projeto estratégico nacional pela criação de um sistema público de comunicação como mídia de todos, compreendendo que somente a sociedade organizada é quem pode concebê-lo e reivindicá-lo, posto que o conceito está em aberto, no que tange a Constituição Federal, e não regulamentado, na ausência de um processo regulatório direcionado ao setor.

A COMPREENSÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE ORGANIZADA Distinto do estatal e do privado, mas em mútua complementaridade com eles, impulsionado pelo barateamento das tecnologias de produção e de edição, além do acesso facilitado à veiculação e ao compartilhamento de conteúdos, o sistema público de comunicação emerge da afirmação de experiências de diferentes contextos ao longo das cinco últimas décadas de articulação entre grupos de assessoria ou das próprias comunidades nas quais atuam, que realizam iniciativas de comunicação compreendidas como popular, comunitária, independente, alternativa, cidadã além de outras denominações mais recentes como mídia

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radical ou tática. Tal como as emissoras relacionadas ao sistema estatal, se constitui por iniciativas que também promovem o serviço público, imbuídos do caráter e do interesse público no âmbito de sua programação e, especificamente, de seus programas e conteúdos. Destina-se, portanto, ao compromisso com assuntos e abordagens relacionados ao conjunto da sociedade e, especificamente, ao público relacionado a sua área de atuação. Também a gestão precisa assimilar princípios públicos de diversidade e pluralidade na sua concepção e formação, afirmando espaços para o fomento de autonomia, empoderamento, protagonismo social, tendo como referência a concepção dos Pontos de Cultura, no Projeto Cultura Viva, do Ministério da Cultura – MinC. Se, por um lado, parte da necessidade de incorporar espaços já disponibilizados, como canais comunitários de TV a Cabo e fomentar o debate e a participação política em torno da transição para a digitalização da TV e do Rádio, cabe também buscar construir, mas também reivindicar políticas de fortalecimento de suas iniciativas, como sustentabilidade, visibilidade e capacitação, nas quais o Estado possa compreender um papel determinante. Fortalecer iniciativas e experiências nesse sentido é fundamental. Compreender a necessidade de apropriação do processo regulatório é empreender uma dimensão política que expande limites de atuação local, mas tece conexões nas esferas regional, nacional e mesmo internacional, dado que as redes encontram-se em construção desde os anos 90 do século passado. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à sociedade não engajada em iniciativas de grupo, coletivas, mas capaz de compreender a importância dos meios, produtos e processos comunicacionais, cabe identificar diferentes disposições para apropriação das TICs e realização de produtos e processos comuns de diálogo e construção conjunta de políticas a serem formuladas nos mais diferentes espaços (conselhos municipais e estaduais, leis de incentivo a iniciativas de comunicação, etc). Experiência nessa concepção foi realizada em junho de 2008, no I Fórum de Mídia Livre, reunindo por volta de 600 pessoas entre ativistas de mídia, integrantes de movimentos sociais, pesquisadores, professores e demais interessados, que debateram e estabeleceram demandas para efetivar a comunicação democrática como direito humano no país, compreendendo não só a reconfiguração atual do sistema de comunicação no país, mas a efetivação de uma mídia livre e democrática a partir das múltiplas experiências que compõem o cenário daqueles que se identificam em torno da concepção de Mídia Livre. Experiência refeita em dimensão mundial durante o Fórum Social Mundial (FSM) de 2009, contando com participantes de outros países, no qual foi possível estabelecer uma crítica mais ampla ao papel da Comunicação no cenário mundial, na qual “novas formas de resistência e contra-discursos surgem e se disseminam” diante da concentração das grandes corporações de mídia, explicitando o papel desses grupos como suporte do discurso hegemônico, revitalizando o debate promovido nos tempos da mobilização em torno da Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação e da Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Campanha CRIS. Outro aspecto importante a se considerar é o de que a afirmação das demandas sociais relacionadas à área da Comunicação não se basta sufi ciente no âmbito restrito dos movimentos pela democratização da comunicação, carecendo de uma melhor participação de outros setores da sociedade, manifestados através de suas associações e movimentos mais representativos, mas também da incorporação das temáticas relacionadas à comunicação na compreensão de suas agendas mais específicas.

DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA AO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO Para deixar clara a proposta em torno desse artigo, não se trata de igualar sinais entre iniciativas de Comunicação Comunitária tal qual atualmente implementadas, mas de buscar critérios que efetivem a compreensão do que se pode conceber como serviço de caráter e voltado para o interesse público no que diz respeito à Comunicação. A Comunicação Comunitária é própria da comunidade, representada por uma dimensão territorial que tece seus limites e fronteiras. É assim com a Lei de Radiodifusão Comunitária, de 1998, e também com a Lei de TV a Cabo, de 1995. Se a primeira limita ao raio de 25 watts de potência e 1km de distância do sinal, a segunda limita à cidade na qual existe outorga para TV a Cabo. Essas são as compreensões de comunidade e atividade comunitária estabelecidas no âmbito do Legislativo e exercidas pelos grupos interessados implementar suas emissoras e programas. Ou ainda, este é o território em torno do qual as experiências comunitárias se assentam no país. Embora comunidade sempre estivesse relacionada a uma imagem de território e/ou de afinidade de um determinado grupo, o sentimento de pertença consiste num desafio cada vez mais difícil entre os participantes de um dado local. A despeito da abstração conceitual contida na Lei da TV a Cabo, equivalendo comunidade ao contexto de cidades amplas como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte ou Porto Alegre, o movimento de rádios comunitárias, a partir de suas rádios associadas, se ressente de um engajamento mais contínuo dos moradores nas suas localidades de atuação, até pela repressão policial que inibe uma melhor participação das pessoas, o que limita a efetivação de um espírito comunitário ou mesmo de coletividade em torno dos projetos. O sentido do engajamento, fruto da pertença, é justamente a consciência da condição de exploração, mesmo que essa se dê meramente no campo simbólico da necessidade de se expressar a partir da realização de seus próprios programas e processos. Embora esse processo se dê com muita clareza a partir da afirmação de uma condição de classe, também a imposição da força, nos mais variados contextos (gênero, etnia, infância/adolescência, combate às drogas e à pedofilia, dentre outras temáticas), constroem um cenário mais dinâmico do que o movido simplesmente pelas relações entre capital e trabalho.

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Em contrapartida, a necessidade de afirmação da sociedade através dessas iniciativas de caráter comunitário se dá através da contestação, da valorização da autoestima; da afirmação da cidadania e do resgate cultural; da mobilização no caminho contrário da midiatização, cujo simbolismo impregna a sociedade de expressões, personagens e mesmo de toda uma agenda que a torna refém legitimadora ao invés de sujeitos plenos dos processos políticos e culturais que empreendem; da emancipação e da autonomia no contraponto da mercantilização das iniciativas, que recolocam a disposição coletiva na perspectiva da exploração de uns contra outros e da formação de hierarquias nas comunidades; do desenvolvimento de novos modelos bottom-up, nos moldes das recém concebidas mídia radical, mídia tática, etc. Num contexto mais geral, o embate entre a consciência de superar exploração e opressão por parte de grupos e organizações encontra respaldo e amplitude nos chamados novos movimentos sociais e no movimento alterglobalização, que encontra no Fórum Social Mundial um de seus territórios mais expressivos, dada a capacidade de mobilização de pessoas, suas agendas e formas de expressão e protesto de suas ideias em detrimento da apreensão da vitalidade das populações na concepção do chamado terceiro setor, pensado desde sua origem conceitual na mesma estrutura com outros dois setores, o Estado e o Mercado, no âmbito da mercantilização da atividade social. Ao contrário do sistema público de comunicação, concebido como outro distinto do estatal e do privado, no marco do sistema de comunicação no país, o terceiro setor não assume especificidade pública – de serviço, interesse e caráter – dada a inexistência de critérios determinantes de sua gestão e sustentabilidade. A sociedade mantém o Estado e pode almejá-lo, ao participar de partidos e campanhas políticas voltadas para cargos na sua gestão e estrutura. Da mesma forma, mantém o Mercado, nos moldes de dos empreendimentos privados que implementa. Distintos dessas formas de organização, as iniciativas em torno do sistema público necessitam de critérios que os tornem de evidente interesse e acesso para a coletividade, sem distinção, reconhecendo suas particularidades em função da autonomia que afirmam e sustentam. No campo da comunicação esses critérios se dão em torno de componentes como a gestão, a programação das emissoras, a produção dos programas, as linguagens utilizadas, a articulação com movimentos e organizações sociais. A responsabilidade de tais iniciativas fica por conta de organizações da sociedade civil, compreendidas no contexto do sistema de comunicação que não compreende iniciativas estatais ou privadas, mas promove interlocuções com elas. Tais organizações podem ser definidas como pessoas, grupos e organizações sociais excluídos, vitimados ou restritos da participação em processos de produção de comunicação de amplo alcance, especialmente relacionados ao espectro eletromagnético (rádio e TV). No caso, pessoas e grupos relacionados a essa compreensão participam apenas como produtores das emissoras, dada a necessidade de serem geridas por organizações sociais juridicamente constituídas, mesmo que na forma das Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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conhecidas “associações de amigos”.

CONSTRUINDO O MARCO REGULATÓRIO O desafio da construção da Conferência Nacional de Comunicação, que foi programada para 1 a 3 de dezembro de 2009, em suas diferentes instâncias: municipal, estadual e nacional, confronta a sociedade com a necessidade de promover debates e apresentar propostas aos temas relacionados à digitalização das comunicações e à convergência tecnológica. O cenário de construção da Conferência compreendeu um Executivo permissivo em relação à repressão policial e políticas às rádios comunitárias, destituído de vontade política em empreender um padrão brasileiro de TV Digital após ter investido uma verba considerável nas universidades brasileiras, conivente com um Legislativo formado por concessionários de Rádio e TV a despeito da Constituição Federal e que estabeleceu a condição de que a sociedade fizesse a interlocução com o mercado para garantir condições de convocação da Conferência por parte do governo. Os grupos e organizações mais diretamente relacionados com o setor de Comunicação no país necessitam aprimorar sua capacidade de agregar setores da sociedade que também são vitimizados pela concentração dos grupos de mídia no país. O recente episódio da adoção do padrão de modulação da TV Digital Terrestre no país é mais um exemplo disso, na qual o distanciamento e a incapacidade de perceber a centralidade da Comunicação em relação ao conjunto de suas questões específicas enfraquecem a capacidade de conquistar adesões por uma transformação. As diferenças de concepção demarcadas pelo tamanho do distanciamento em relação ao Governo Lula estão proporcionando um refreamento de ações políticas e sociais relevantes e de resultados concretos, como poderia ser a da entrada dos canais comunitários de TV a Cabo nos canais públicos da TV Digital, em virtude da maior ou menor vinculação de componentes do movimento pela democratização da comunicação com a condução e a própria implementação direta das políticas no âmbito governamental. Causa até mesmo estranheza a falta de disposição das organizações da sociedade civil em relação à continuidade da mobilização em torno da ADIN impetrada pelo PSOL, na tentativa de apontar irregularidades no Decreto nº 5.820/2006, que adotou o padrão japonês de modulação a ser implementado no Brasil. Essa opção nunca deixou de existir, e coloca-se como uma alternativa para as organizações da sociedade civil empenhadas na democratização da digitalização das comunicações, mas até o momento não houve efetiva mobilização para dar continuidade ao que deveria ser sua efetiva orientação. Ao entrar no último ano de Governo Lula, a sociedade investiu na elaboração desta Conferência dando novamente um atestado de confiança ao governo Lula, na medida em que suas condições vêm sendo atendidas. Mesmo assim não se vê clareza por parte do governo, no que diz respeito a sua implementação e

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concepção. Anunciada pelo próprio Presidente durante o Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005, o governo, que já mobilizou rubrica na Lei de Diretrizes Orçamentárias e criou Grupo de Trabalho Interministerial para implementar a Lei Geral de Comunicação, deu continuidade a sua política de oferecer expectativas a uma militância que não perdeu a esperança em sua capacidade de empreender uma política democrática para as comunicações no país, apesar de todos os indícios contrários. Exceção feita às iniciativas relacionadas ao Ministério da Cultura, no marco do Programa Cultura Viva, dentre outras realizações, embora caiba salientar que dentro de um orçamento ínfimo que cabe à pasta a cada orçamento aprovado para o Governo Federal.

CONSTRUINDO CONCEPÇÕES DE AUTONOMIA O barateamento dos equipamentos de produção e edição ainda no início dos anos 1980, proporcionou o começo da disseminação do vídeo popular entre os movimentos populares tradicionais, incentivando o surgimento da Associação Brasileira de Vídeo Popular (ABVP), relatado no livro A imagem nas mãos, de Luiz Fernando Santoro (1989). Posteriormente, ainda em torno da ABVP, surgiram diversos projetos de TVs comunitárias e de rua, geralmente por meio de ONGs de assessoria a grupos e movimentos populares. A diminuição de investimentos nesses projetos, provocada pela reorientação de interesses de agências de cooperação e de dirigentes de ONGs locais, além das demandas impostas pela ABVP – que passou a gerar projetos de iniciativa própria, mobilizando tempo e disposição de seus associados –, levaram à desmobilização dos associados e ao fim da entidade. Ao mesmo tempo, os canais comunitários de TV a cabo, surgidos a partir da segunda metade da década de 1990, passam a ser mais acionados para veicular produções de vídeo, mas agora já contando com atores diversificados, mas não necessariamente ligados a movimentos sociais tradicionais. Atualmente diversas atividades de apropriação das TICs no âmbito local ou comunitário são acionadas ou viabilizadas mediante iniciativas de ONGs, de empresas ou mesmo do Governo – como é o caso das diversas redes de telecentros patrocinadas, em todo o País, ou dos já citados Pontos de Cultura desenvolvidos por iniciativa do MinC desde o início da gestão do ex-ministro Gilberto Gil. Muitas dessas iniciativas mais diretamente ligadas às comunidades de baixa renda estão promovendo uma interessante reviravolta no setor, já que assimilam a lógica, a prática e o conhecimento das ONGs empreendedoras de projetos de âmbito local. Geralmente inseridas nas próprias comunidades nas quais atuam e contando com moradores das próprias comunidades nos espaços de direção e gestão das atividades, tais iniciativas eliminam a existência de intermediários no apoio a projetos e fomentam a sustentabilidade de seus próprios projetos, conseguindo até mesmo interlocução direta com a mídia corporativa para ampliar sua visibilidade. Tal como os intelectuais orgânicos concebidos por Antônio Gramsci, tais atores Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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proporcionam a entrada em cena de um novo ator, o marqueteiro orgânico, numa espécie de versão 2.0 do 3º setor, na medida da atuação em rede de iniciativas comuns por parte desses projetos comunitários que buscam sua viabilidade de modo efetivamente autônomo, mas ainda dentro da lógica do mercado do 3º setor. A produção de vídeo por alguns grupos populares – como a Central Única das Favelas, CUFA ou o Nós do Cinema – no início dos anos 1990/2000 é marcadamente definida por tal dinâmica, na qual o morador comunitário usa e é usado pela mídia corporativa, mas em momento algum a enfrenta ou desconstrói. Por isso a assimilação dessas novas Tecnologias de Informação e Comunicação, comum aos projetos apoiados diretamente junto aos moradores das comunidades beneficiadas, não resulta numa contraposição ou mesmo questionamento à mídia tradicional. Não só espaços já disponíveis, como os Canais Comunitários de TV a Cabo, não são aproveitados, como não há disposição desses atores em participar dos debates sobre a democratização do processo regulatório. Apesar disso, tais experiências é que vêm proporcionando a produção dos mais diferentes conteúdos, em histórias e acontecimentos, sobre as periferias do Brasil, em especial das cidades urbanas. Se, por um lado, a mídia corporativa possibilita a construção de uma visibilidade que os legitima junto a empresas estatais, por outro ainda persiste a mesma lógica de concentração e consequente dominação proporcionada pela comunicação no país. Se as TVs Comunitárias dos anos 1980 eram motivadas por um projeto maior do que as comunidades nas quais atuavam (TV Viva, em Recife; TV Maxambomba, em Nova Iguaçu; TV Sala de Espera, em Belo Horizonte; BEM TV, em Niterói, dentre outras), relacionado à apropriação social das TICs, mas também à importância da democratização da comunicação para a sociedade que demandava democracia, as iniciativas atuais revelam imagens e cenas de uma realidade que não aparece na mídia corporativa e somente através de atores como os que implementam tais projetos é que são trazidos ao conhecimento da sociedade em geral esses novos olhares, tendo como diferencial o estímulo ao desenvolvimento de novas carreiras na realização audiovisual. Se tanto iniciativas de comunicação comunitárias como novas experiências relacionadas aos produtores de mídia dos anos 1990 e início do novo século consistem em segmentos do sistema público de comunicação, eles próprios necessitam se engajar na mobilização para o estabelecimento de critérios e procedimentos transparentes e aplicáveis para a melhor compreensão e identificação deste sistema. Um de seus grandes impasses e desafios é o da apropriação dos processos de digitalização das comunicações na expressão da autonomia popular na configuração de suas iniciativas. A relação com a sociedade em geral, que não produz efetivamente conteúdos que garantem e sustentam a programação, mas é potencialmente participante a partir dos mais diversos mecanismos de interatividade, precisa ser estabelecida na formulação de suas bandeiras de luta e perspectivas de adoção de políticas públicas, compreendendo o papel do Estado

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como fomentador do sistema público e reivindicando a efetividade de tal condição.

ECOS DA AMÉRICA LATINA Diversas iniciativas estão em curso na América Latina, evidenciando a amplitude do debate e a compreensão da existência de um sistema público não estatal e não privado, com o qual o Estado assume compromisso em viabilizar. Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner aprovou o Projeto de Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que compreende uma porcentagem significativa de concessões para organizações privadas sem fins de lucro, em caráter equitativo com os setores estatal e privado. No Uruguai, a nova Lei de Radiodifusão Comunitária prevê um terço do espectro destinado a emissoras do setor comunitário. Equador e Bolívia esboçam também a realização de estruturas semelhantes. Por sua vez, a Venezuela consolida uma estrutura em rede de experiências como a Vive TV e a Rede Catia, mais vinculadas ao Governo Chávez, bem como a Asociación Nacional de Medios Comunitários, Livres y Alternativos – ANMCLA, que reivindica a democratização dos meios de comunicação mediante a organização e articulação de um Sistema Público de Comunicação nas mãos das comunidades, tal como publicado em seu site oficial1. Tal como no Brasil, a maioria desses países também conta com movimentos e organizações mais diretamente vinculadas aos governos, sobre os quais recaem críticas de favorecimento em processos de concessão, acesso a verbas estatais, etc.

POR UM PENSAMENTO CRÍTICO EM COMUNICAÇÃO Um dos pontos de partida da formulação de um pensamento crítico, em especial no âmbito da comunicação, cultura e informação, é sua preocupação em ser sistêmico, como também integrado, na composição de diferentes campos (linguístico, político, tecnológico, profissional). A motivação da teoria crítica é a de propor o questionamento e evidenciar o que o capital persiste em explorar. Vulgarizar teoria não é opção mais interessante, tal como fazem algumas tentativas de divulgação científica, mas mostrar continuidade daquilo que é vendido como aparente revolução é extremamente relevante e dialoga com a necessidade de apontar potenciais transformações e procedimentos possíveis dos agentes de transformação. A apropriação dos meios de produção no contexto mais específico dos meios de comunicação visa promover a supressão da contraposição entre produtores e consumidores. Repensar o pensamento crítico nessa perspectiva necessita empreender o fomento à conscientização e à mobilização para o ativismo, não somente midiático, mas tendo, na compreensão da comunicação, a clareza de 1

http://www.medioscomunitarios.org/pag/index.php?id=48

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sua fundamental contribuição na sociedade contemporânea. Compreende-se, portanto, nesse contexto, a contribuição da construção de políticas públicas de comunicação a partir de processos comunicacionais emergentes, dos quais fazem parte as iniciativas de comunicação comunitária. Apesar disso, para efeito da configuração do sistema público de comunicação, uma série de indicadores necessitam ainda ser formulados e afirmados coletivamente como referência e orientação para iniciativas distintas que almejem atuar nessa perspectiva. Trata-se de um longo caminho de compreensão dessas políticas e seus benefícios, mas o engajamento conjunto, a partir de experiências empreendidas desde o início dessa década, através de eventos e mobilizações em torno de causas comuns, permitem persistir na crença de que uma outra comunicação é possível e desejável para o Brasil, da qual faça parte um efetivo sistema público de comunicação, de iniciativas oriundas da sociedade e tendo o Estado como um de seus fomentadores.

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Gestão Pública de Informação do Governo Federal ANGELA MARIA GROSSI DE CARVALHO Entender a gestão da informação como um bem necessário para que se possa ter um melhor desenvolvimento no uso da informação é fundamental. No entanto, a conceituação acerca do que vem a ser gestão da informação nem sempre é clara. De acordo com Valentim (2002), a formação das organizações se efetiva por três diferentes ambientes, sendo o primeiro ligado ao organograma, ou seja, às inter-relações entre as diferentes unidades de trabalho; o segundo à estrutura de recursos humanos, às relações entre pessoas das diferentes unidades de trabalho; e o terceiro à estrutura informacional, à geração de dados, informação e conhecimento pelos dois ambientes anteriores. Assim, os objetivos da gestão da informação podem ser vistos como “obtenção da informação adequada, na forma correta, para a pessoa indicada, a um custo adequado, no tempo oportuno, em lugar apropriado, para tomar a decisão correta” (Ponjuán Dante, 1998, p.135). A gestão da informação é necessária em qualquer instituição para que a organização saiba o que fazer com a informação, se essa informação existe e para satisfazer as necessidades do negócio. Por isso, a gestão da informação de uma organização deve ter o domínio de: Los diferentes tipos de informaciones que se manejan en la organización; La dinâ-mica de sus fl ujos (representados en los diferentes procesos por los que transita cada información); El ciclo de vida de cada informacion (incluída La gestion de la gene-ración de información, donde quiera que ocurra); El conocimiento de las personas acerca del manejo de la información, o lo que es lo mismo, su cultura informacional (Ponjuán Dante, 2004, p. 23)1. A gestão da informação nasce da necessidade de organização, distribuição e aquisição de novas informações, passando pela distribuição de serviços informacionais, até chegar ao usuário que define o que fazer com aquela informação, ou seja, se a utilizará e a adaptará ao seu cotidiano, ou se a recusará. A gestão ainda deve pensar nos seus estoques, os dados a serem adquiridos, armazenados e organizados; na segurança que trata das ameaças, agressões, riscos e manipulações da informação; no acesso, ou seja, em uma arquitetura que 1 Diferentes tipos de informação que manejam na organização; A dinâmica dos seus fl xos (representado em vários processos pelo qual cada informação passa); O ciclo de vida de cada informação (incluindo a gestão de geração de informação, onde ocorre); O conhecimento das pessoas sobre a gestão da informação, ou o que é a mesma, a cultura informacional” (Ponjuán Dante, 2004, p. 23, tradução nossa).

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atenda aos interesses tanto da organização quanto do seu receptor final com uma velocidade desejável. Outros fatores importantes são a qualidade da informação e a utilização dessa informação. Assim, todos os recursos informacionais necessários para o desenvolvimento das funções organizacionais devem ser manejados de forma adequada e sistemática, a fim de que as organizações tenham um nível de qualidade em sua gestão. A partir do momento em que a informação passa a ser organizada e distribuída, passa a agregar valor à organização. O momento histórico em que vivemos valoriza de forma exacerbada a informação, sendo ela o capital para muitas instituições públicas e privadas. De certa forma, boa parte dos governos mundiais já percebeu essa importância e tem buscado, por meio de seus portais, disponibilizar o máximo de informações para a população. No entanto, vale ressaltar que o tipo de informação nem sempre condiz com o que o cidadão necessita. Sendo assim, não contribui para seu exercício de cidadão, ainda que “[…] o provimento de serviços pelo Estado é, inexoravelmente, um bem público, relativo ao cidadão, influenciado em seu desenho por percepções também políticas” (Ruediger, 2006, p. 233). O que se espera da gestão da informação é o uso e disponibilidade adequados de sua base informacional. Quando isso ocorre, o público passa a ser beneficiado, conseguindo alterar seu cotidiano e seu entorno. Há, no entanto, dois tipos de informações: as formais que podem ser definidas como aquelas convencionais que transitam pela organização ou ente as organizações, geralmente estruturadas e as informais, desestruturadas e, geralmente, desprovidas de caráter oficial. “O que difere uma da outra, basicamente, são o suporte e o nível de processamento aos quais a informação foi submetida” (Farias; Vital, 2007, p. 90). Nesse caso, ainda nos referimos às informações formais, aquelas que são manipuladas, pensadas e estruturadas pela organização. A decisão de utilizá-las ou não geralmente passa pela análise de custo-benefício. Outra questão quando se fala em gestão da informação que deve ser observada é o seu processo, descrito em quatro etapas por Davenport (2002, p. 176): Determinação das exigências – Identificar como os gerentes percebem os ambientes informacionais e como compreendem que tipo de informações um administrador realmente precisa. Implica entender o mundo dos negócios e requer as perspectivas política, psicológica, cultural, estratégica e ferramental, além das avaliações individual e organizacional; Obtenção – Obter informações é uma atividade que deve incorporar um sistema de aquisição contínua que, de forma geral, consiste nas seguintes atividades: exploração de informações; classificação e formatação e estruturação das informações; Distribuição – Refere-se às formas de comunicação e divulgação utilizadas; Uso da Informação – Diz respeito à utilização da informação disponibilizada. Está ligado à maneira como se procura, absorve e digere a informação antes de tomar uma decisão.

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Ao analisar essa estrutura proposta por Davenport (2002), percebemos o quanto é importante que o Estado busque trabalhar em suas bases para maior transparência no uso da informação, que só passa a ter importância para o indivíduo no momento em que ele dela necessita. No entanto, deve estar disponível no instante em que essa necessidade se manifestar. Para Farias e Vital (2007, p. 94), a “gestão de informação não é sufi ciente para estabelecer padrões e normas para o fluxo de informação de uma organização, portanto se faz necessário agregá-la a uma política de informação flexível”. A política de informação agrega valor a uma instituição, seja ela pública ou privada. No caso das instituições públicas, pode ser um diferencial para que a política pública funcione verdadeiramente.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A POLÍTICA DE INFORMAÇÃO VOLTADA ÀS TECNOLOGIAS DA INFOMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) As ações da esfera política, também conhecida como administração pública, podem ser entendidas como “o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal” (Bobbio, 1998, p. 10). Sendo essa administração pública a responsável por atender aos interesses públicos e sociais, é fundamental que ela esteja em sintonia com a esfera pública, para a compreensão de suas demandas. Já que a “função da administração pública é atender, sem discriminação, as pessoas que habitam um país ou quaisquer de suas subdivisões” (Tenório; Saravia, 2006, p. 111). A ação política está ligada ao ato de tomar decisões, nele devem ser contemplados todos os setores: público, estatal ou privado. De acordo com Motta (1991, p. 15), Governar significa tomar decisões sobre alternativas de ação para a sociedade. Tais alternativas têm como base, em princípio, o interesse público expressado coletivamente, de acordo com um processo administrativo onde demandas e apoios são convertidos em normas, produtos e serviços. Resultando uma distribuição de direitos e deveres, benefícios e custos, fundamentados na autoridade. A administração pública é a responsável pelas decisões que afetam a vida das pessoas, já que em muitos momentos é ela que toma decisão em nome do cidadão. É quem também utiliza o recurso público, sendo a mesma responsável por atender às demandas sociais. Dentro dessa vertente, existe o que chamamos de política de informação, que é a ação pública² para o uso da informação. Essa política de informação tem sido gestada, nos últimos anos, com o intuito de revelar as ações da administração pública, em busca da transparência pública. Mas ela não significa apenas isso: pode ser considerada ainda um instrumento imbricado na organização para definir os moldes dos sistemas de informações

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utilizados dentro dela. Vista também como “[...] o conjunto de práticas/ações encaminhadas à manutenção, reprodução ou mudança e reformulação de um regime de informação, no espaço local, nacional ou global de sua manifestação” (Goméz, 1997 apud AUN, 2001, p. 4), deve privilegiar o bom uso da informação por parte dos gestores públicos. A literatura sobre política pública de informação é um tanto escassa e, muitas vezes, passa a ser confundida com política de informação, as ações das organizações, majoritariamente privadas. a noção de ‘política de informação’ tende a ser naturalizada e a designar diversas ações e processos do campo informacional: arquivos, bibliotecas, internet, tecnologia da informação, governo eletrônico, sociedade da informação, informação científica e tecnológica, etc. [...] Políticas públicas de informação são norteadas por um conjunto de valores políticos que atuam como parâmetros balizadores à sua formulação e execução. Podem estar “difusas” no âmbito de outras políticas públicas, mas não implícitas. O Estado democrático é, por princípio, incompatível com políticas públicas de saúde, educação, habitação ou informação, que não sejam explícitas. (Jardim, 2008, p. 6). A política de informação está presente em praticamente todas as organizações, já que a informação passa por influências de poder, político e econômico, a todo o momento. Assim, é importante dizer que: Um conjunto de decisões governamentais no campo da informação não resulta necessariamente na constituição de uma política pública de informação. Uma política de informação é mais que a soma de um determinado número de programas de trabalho, sistemas e serviços. É necessário que se defina o universo geográfico, administrativo, econômico, temático, social e informacional a ser contemplado pela política de informação. Da mesma forma, devem ser previstos os diversos atores do Estado e da sociedade envolvidos na elaboração, implantação, controle e avaliação dessas políticas. (Jardim, 2008, p. 06) Em consequência, “a política de informação deve estar de acordo com a estratégia geral da organização [pública ou privada]; deverá haver sincronismo entre o planejamento estratégico da organização e a política de informação” (Farias; Vital, 2007, p. 94). Para Davenport (2002, p. 90), “os jogos de poder ou as disputas pela informação têm sido tratados como uma aberração, e não como um componente natural e inevitável”, fazendo assim com que todas as outras vertentes econômicas importantes da política informacional sejam rejeitadas. A mensuração do valor da informação é algo difícil de quantificar, mas nem por isso devemos negar sua relevância. Se pensarmos na importância de uma política de informação para a gestão Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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informacional, podemos dizer que “a configuração de uma política de informação é o primeiro passo na garantia de uma gestão da informação realmente eficaz. É a política instaurada ou negociada que irá permitir que as fontes de informação necessárias sejam mapeadas e disponibilizadas para os atores ativos dos processos” (Farias; Vital, 2007, p. 96). Mas como nos alerta Davenport (2002, p. 91), “o gerenciamento da informação pode ser utilizado tanto para distribuir poder como para centralizá-lo”. Quando são empregadas técnicas adequadas, a promoção do acesso à informação pode envolver mais pessoas na tomada de decisão, o que acaba de certa forma democratizando o acesso a elas (informações). Entendemos, em vista disso, que a política de informação está diretamente relacionada com a gestão informacional e deve ser priorizada dentro do Estado para que as políticas públicas voltadas às tecnologias da informação e comunicação possam atender às demandas dos cidadãos brasileiros. O papel do gestor público é fundamental, uma vez que as decisões tomadas por ele “afetam as vidas das pessoas, tomam decisões em nome do povo e empregam recursos públicos” (Harmon; Mayer, 1999, p. 33-4). Para Tenório e Saravia (2006, p. 114), “a gestão pública, independentemente da organização que a pratique, deve estar orientada para o público e não para o privado, para o coletivo e não para os indivíduos, para o benefício da comunidade e não dos compadres”. Desde a implantação do Programa Sociedade da Informação no Brasil - Livro Verde -, em (2000), o Estado brasileiro tem apresentado alternativas para uma efetiva implementação da sociedade da informação no país. No entanto, em muitos momentos, percebe-se a incapacidade do Estado em gerir essas alternativas. Contudo, algumas ações realizadas pela política de informática têm estimulado o crescimento do país no desenvolvimento de tecnologia, tanto para hardware quanto para software.

POLÍTICA DE INFORMÁTICA E INCLUSÃO DIGITAL DO GOVERNO FEDERAL A Política Nacional de Informática do Governo Federal existe desde meados da década de 1970, com ações voltadas ao desenvolvimento de tecnologia e estrutura para a área. “A indústria de informática no Brasil […] sobreviveu a um período de transição para um regime consideravelmente novo […] e instituiu um programa de redução do nível e dispersão das alíquotas do imposto de importação” (MCT, 2006). Atualmente, a política brasileira para o setor da informática trabalha em três vertentes: o hardware, o software e a microeletrônica. Todas as ações dessas vertentes objetivam a estruturação do setor, uma melhoria na produção de bens e serviços e o cumprimento das metas estabelecidas pelo programa Sociedade da Informação. Para o hardware, espera-se o desenvolvimento de bens finais que busquem a inovação tecnológica por meio da descentralização regional do conhecimento, buscando a modernização da infraestrutura, além de estimular o desenvolvimento

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de produtos no país. O setor investe em parcerias com a iniciativa privada, no intuito de consolidar a geração de produtos para os mercados de países em desenvolvimento. De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia (2006), uma boa ocupação geográfica pode gerar uma demanda interna dos próprios bens das tecnologias da informação “pela distribuição de riquezas, além de criar base para a atração de novos investimentos para estas regiões, num círculo virtuoso de crescimento econômico, que gera a plataforma necessária para suportar as exportações”. O investimento nas áreas de telecomunicações e informática mostra a preocupação do Governo Federal com setores com potencial para serem explorados, considerados portas de entrada para a sociedade da informação. Com a melhoria no hardware, cria-se também a competitividade produtiva que pode viabilizar a exportação desses bens. Já em relação ao software, estuda-se a estruturação de uma política para seu desenvolvimento, o que não é algo novo no país. Esse setor tem se mostrado muito dinâmico e faz parte do tripé que estabelece a Política Nacional de Informática, pois se “constitui em elemento central no novo paradigma tecnoeconômico, sendo instrumento central na redução dos riscos e dos custos nos processos de produção de bens e serviços” (MCT, 2006). O mercado de software no Brasil tem se apresentado lucrativo e em ascendência nos últimos quinze anos. “Historicamente, o segmento de software no Brasil teve política estruturante, a partir de 1994, baseada no maciço investimento em formação de recursos humanos e distribuição de núcleos e incubadoras pelo País para apoio a empreendimentos nascentes” (MCT, 2006). Em 2001, eram cerca de 320 mil profissionais trabalhando no desenvolvimento de serviços e produtos de softwares. Destes, cerca de 60 mil trabalhavam com atividades de pesquisa e desenvolvimento. Esses dados nos mostram a importância do setor na criação de bens, serviços e pesquisas, e também a preocupação do Governo Federal em dominar uma área até então pouco desenvolvida. O desenvolvimento dessa área é um dos fatores primordiais para o cumprimento das metas propostas pelo Livro Verde brasileiro, tendo em vista que, historicamente, apesar dos investimentos realizados desde a década de 1970, sempre foi deficitária. O Governo Federal aponta que o desafio desse setor é a inserção do país na chamada “economia digital”, que trata da economia globalizada e transnacional, em um cenário altamente competitivo. Por fim, a terceira vertente (microeletrônica) é fundamentada na reestruturação e no desenvolvimento do setor, levando em conta a importância da indústria de microeletrônica, principalmente nos aspectos tecnológico, industrial e comercial que essa vertente possibilita. De acordo com o MCT (2006), a política para o segmento de microeletrônica “apoia-se […] em três focos […], que em conjunto compõem a completam a inserção do País no cenário de produtores de Microeletrônica: política de desenvolvimento de projeto (design); produção de back end e atração de fundições.” Com essas ações, o Governo Federal pretende criar condições para que as tecnologias da informação e comunicação possam ser ampliadas e modificadas no Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Brasil, além de possibilitar uma participação mais ativa no mercado internacional. Os três setores são pensados como um tripé, já que o próprio governo acredita que eles são um somatório e devem caminhar juntos. “A moldura do Programa da Sociedade da Informação […] cria as condições básicas para o engajamento da sociedade no mercado das tecnologias da Informação com óbvia alavancagem dos segmentos produtivos” (MCT, 2006). Esses setores, desenvolvidos em parcerias com a iniciativa privada e com o terceiro setor, podem constituir a infraestrutura necessária para a viabilidade econômica dessa participação da sociedade na economia moderna. A inserção do país no mercado internacional não significa apenas melhor utilização da tecnologia. Significa consequente melhora na vida do cidadão, já que ele poderá consumir os produtos informáticos e também estar presente na sociedade da informação com mais independência cultural e intelectual. Além das políticas pensadas para o setor, o Ministério da Ciência e Tecnologia também desenvolveu o Programa Nacional de Inclusão Digital, que busca a “oferta de instrumentos, meios e facilidades, para os menos favorecidos, facilitando o acesso às oportunidades de emprego, geração de renda ou melhoria da renda através da melhor qualificação profissional” (MCT, 2006). Espera-se que essas ações possam transformar a vida dos cidadãos brasileiros hoje à margem da sociedade da informação, tornando-os participantes ativos do processo de desenvolvimento econômico e social.

INFORMAÇÃO COMO VALOR AGREGADO Fica evidente que o Estado deve garantir o provimento dos serviços, já que é um bem público, relativo ao cidadão e às suas necessidades, que passa a ser influenciado em seu desenho por percepções políticas (Ruediger, 2006). A informação, tanto no acesso quanto na geração, é inegavelmente importante para o cidadão, sendo a responsável pela melhoria na qualidade de vida uma vez que, ao ter informação sobre determinado bem ou serviço, a população não fica à mercê de vontades alheias. De acordo com Ruediger (2006, p. 235) nas sociedades contemporâneas, a informação poderia ser inserida nas discussões sobre a oferta de bens públicos, e seu provimento facilitado pelas novas tecnologias aplicadas na alteração, e não na manutenção do status quo informacional. Quanto menos articulado em redes e em esferas de poder, menos possibilidades de conhecimento o sujeito terá, é o que pode ser caracterizado como “inacessibilidade à informação para grupos majoritários de outsiders [...] que são excluídos da afluência às informações de forma sistêmica” (Ruediger, 2006, p. 235). É igualmente verdadeiro dizer que “grupos socialmente excluídos que há muito

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têm sido privados de oportunidades possuem capacidade muito limitada de participar do processo de transformação da sociedade na qual estão inseridos” (Jóia, 2006, p. 260). Mais uma vez, sem os mecanismos necessários, e nesse caso estamos falando sobre as propostas de como fazer esse sujeito participar mais efetivamente do sistema de redes disponível para ele, o cidadão dificilmente terá condições de transformar seu entorno. Mesmo porque ele não terá elementos informacionais que possam ser utilizados para conscientização do seu papel social. Cria-se, a partir do uso das redes digitais por apenas uma parcela da sociedade, o que chamamos de exclusão digital, ou ainda, com uma nomenclatura menos evasiva, de divisão digital. De acordo com Norris (2001), a divisão digital pode ser de três tipos: tDivisão Global – que envolve as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; tDivisão Social – que aponta para as desigualdades entre a população de uma nação; tDivisão Democrática – que se refere às diferenças entre aqueles que usam/ não usam tecnologias digitais para se engajar e participar da vida pública. Aqui trabalhamos com o segundo tipo, quando tratamos de apontar que a gestão dos projetos de inclusão digital do Governo Federal devem levar em consideração a diversidade de nosso país, bem como as necessidades de cada região e de cada comunidade atendida. Também trabalhamos com o terceiro tipo, ao buscarmos apontar que as TIC podem ser um instrumento facilitador para o cidadão, uma vez que, por meio do uso das redes, é possível haver um maior acesso a todos os tipos de informação, inclusive as públicas, exigindo maior transparência, maior empenho, cobrando e colaborando para o desenvolvimento da nação. É importante que o Estado desperte para a relevância da capacidade cívica e social da promoção informacional, com a possibilidade de desenvolvimento de coletivos inteligentes capazes de estabelecer relações mais democráticas entre governo e sociedade civil, tornando evidente a implementação de mecanismos democráticos como forma de participação no desenho e implementação de políticas públicas (Ruediger, 2006). Como afirma Jóia (2006, p. 260), “o caminho para se entenderem as disparidades existentes na sociedade da informação em países em desenvolvimento passa, inexoravelmente, pela análise contextual da inclusão/exclusão social”. Um exemplo clássico são as lan houses, que se transformaram em um verdadeiro fenômeno, principalmente nas periferias, explicado pelo fato de que são espaços de convivência, de interação, troca de experiências e busca por informações que estão disponíveis na rede. Tirando o uso diversional com os jogos e redes sociais, elas têm sido um importante instrumento para a democratização da rede em comunidades carentes, chegando onde muitas vezes os projetos de inclusão digital, governamentais e não-governamentais, não chegam. Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Discutir sobre o direito e as necessidades de informação, bem como os benefícios que ela traz, é algo bastante complexo, uma vez que se trata de questões subjetivas, não sendo como renda, fome, moradia, elementos palpáveis, objetivos e que interferem na estima e na qualidade de vida do indivíduo. Não havendo uma métrica possível de quanto a informação beneficia ou macula o indivíduo, ela passa a ser algo minorado, deixado de lado, porque não mata a fome, não auxilia na cura de doenças. Será mesmo? É necessário que se faça compreensível que a falta de informação pode agravar a exclusão social, portanto, mesmo não sendo algo palpável, a informação e as condições para o seu acesso são fundamentais para a vida do cidadão.

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Biografia dos autores ADILSON VAZ CABRAL FILHO Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense, junto ao Departamento de Comunicação Social e aos Programas de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano e de Estudos pós-graduados em Política Social. Pós-doutorando em Comunicação na Universidade Carlos III de Madrid. Coordenador do EMERGE - Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência e do Informativo Eletrônico Sete Pontos, além de pesquisador do COMUNI, grupo de pesquisa sediado na Universidade Metodista de São Paulo. Membro associado da ULEPICC - União Latina da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, sendo secretário geral da entidade desde 2010. Graduado em Comunicação Social, habilitação Publicidade e Propaganda, pela Universidade Federal Fluminense (1992), mestre em Comunicação Social (1995) e doutor em Comunicação Social (2005) pela Universidade Metodista de São Paulo. Autor dos livros “Rompendo fronteiras: a comunicação das ONGs no Brasil”, “Ativismo Midiático: as comunidades de compartilhamento social no Centro de Mídia Independente no Brasil” (no prelo) e coautor do livro “Economia Política da Comunicação: interfaces brasileiras”. Tem experiência na área de Políticas de Comunicação, com ênfase em Comunicação Comunitária, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas de comunicação, democratização da comunicação, apropriação social das TICs, comunicação comunitária e digitalização das comunicações que foi a posse da terra na Primeira República. O controle dos meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico pode ser relacionado à debilidade da distinção entre interesses público e privado.

ANDRÉ LUÍS LOURENÇO André Luís Lourenço é graduado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade do Sagrado Coração de Jesus (USC-Bauru) e mestre em Comunicação Midiática pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac-Unesp-Bauru). Já cursou disciplinas como aluno especial no Programa de Pósgraduação em Ciência Política, nível doutorado, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-Unicamp). Integra o grupo de Pesquisadores do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Lecotec). Pesquisa temas concernentes à relação entre Comunicação e Política, com destaque para a análise sobre as formas de participação política por meio da Comunicação Midiática e a influência da Comunicação Comunitária no processo decisório. No exercício da profissão de jornalista, acumula experiência em Jornalismo Diário Impresso e Radiofônico, Jornalismo Magazine e Assessoria de Comunicação. Já no campo acadêmico, atua como docente no curso de Comunicação Social com

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Biografia dos autores

Habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade Eduvale, no município de Avaré-SP, além de integrar seu Núcleo Docente Estruturante (NDE) na função de Coordenador de Atividades Práticas.

ANGELA MARIA GROSSI DE CARVALHO Possui graduação em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (1999), mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2005) e doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010) e pós-doutora em Comunicação pela Universidade de Sevilha-Espanha (2011). Atualmente é pesquisadora do Laboratório de Estudos de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), onde é professora. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Radiojornalismo, Jornalismo Especializado e Tecnologia. Atua principalmente nos seguintes temas: radiojornalismo, informação e tecnologia, C&T, cidadania digital e sociedade da informação.

ANTONIO FRANCISCO MAGNONI Jornalista, professor de Jornalismo Radiofônico, de Projetos Experimentais e tutor do Grupo-PET de Rádio e Televisão no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC-UNESP de Bauru. É pós-doutorado pela Universidad Nacional de Quilmes, em Indústrias Culturais: análise do projeto Brasil-Argentina de implantação da plataforma nipobrasileira de TV Digital; doutorado em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC-UNESP de Marília, SP). É pesquisador na área de “Gestão e Políticas de Comunicação e integra o LECOTEC (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da UNESP. Têm experiência e atuação profissional em Jornalismo, Radialismo e Educação, nas áreas de Comunicação Educativa e Científica; em Política, Economia e Gestão da Informação; em Planejamento e Produção de Comunicação Escrita e Audiovisual.

CÉSAR SIQUEIRA BOLAÑO Possui graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1986) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Atualmente é professor associado II da Universidade Federal de Sergipe. Presidente da Associação Latino-americana de Pesquisadores da Comunicação (ALAIC); Bolsista do programa Cátedras IPEA-CAPES Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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do Desenvolvimento; Diretor da Revista Internacional Eletrônica de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Teoria Geral da Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, economia, economia política, informação e telecomunicações.

FRANCISCO JAVIER MORENO GÁLVEZ Membro do Grupo Interdisciplinario de Estudios en Comunicación, Política y Cambio Social (COMPOLITICAS) e da ULEPICC-Espanha, atualmente trabalha como pesquisador no projeto “Novas tecnologias de informação e participação cidadã. Formas de mediação local e desenvolvimento comunitário da cidadania digital” na Universidad de Sevilla. Licenciado em Comunicação e especialista em Comunicação e Desenvolvimento Local pela Universidad de Sevilla, foi pesquisador visitante na Universidade de Brasilia (UnB), na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e na Université Paris. Recentemente colaborou na edição dos livros “Políticas de comunicación y ciudadanía cultural en Iberoamérica” e “Cultura latina y revolución digital. Matrices para pensar el espacio iberoamericano de comunicación”, ambos pela editora Gedisa. Seu trabalho se vincula aos estudos sobre comunicação e desenvolvimento no âmbito das novas tecnologias de informação e comunicação.

JULIANA GOBBI BETTI Jornalista, Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Substituta da Universidade Estadual Paulista, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Radiojornalismo do PósJor/UFSC e dos Grupos de Pesquisa Processos e Produtos Jornalísticos (UFSC) e Pensamento Comunicacional Latino-Americano (UNESP). Bolsista Assistente de Pesquisa III do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2010/2011).

JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática e do Curso de Jornalismo, líder do Lecotec (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). É diretor de Relações Institucionais do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ). Pós-doutorado em Digitalização e Indústrias Criativas (Universidade de Sevilha, Espanha), doutor em Comunicação Social (Umesp), mestre em Ciência Política (Unicamp) e bacharel em Jornalismo

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Biografia dos autores

(PUC-Campinas).

LEANDRO RAMIRES COMASSETTO Leandro Ramires Comassetto é graduado em Comunicação Social – Jornalismo e Letras – Português e Espanhol, tem especialização em Língua Portuguesa e em Metodologia do Ensino da Comunicação social. É mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é professor adjunto e coordenador do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Unipampa - Universidade Federal do Pampa, em São Borja - RS. Por 19 anos, foi professor da Universidade do Contestado - SC, onde ocupou as funções de coordenador de curso, vice-diretor e diretor de Campus, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e coordenador do NIT - Núcleo de Inovação Tecnológica. Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo impresso, radiojornalismo, texto jornalístico, linguística, imaginário social. É avaliador institucional e de cursos do MEC. Autor dos seguintes livros: As razões do título e do lead - uma abordagem cognitiva do texto jornalístico; A voz da aldeia: o rádio local e o comportamento da informação na nova ordem global; ACCS - Associação Catarinense de Criadores de Suínos - 50 Anos de história.

LUIS A. ALBORNOZ Licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Doutor pelo Departamento de Comunicación Audiovisual y Publicidad I da Universidad Complutense de Madrid (UCM). Professor titular do Departamento de Periodismo y Comunicación Audiovisual da Universidad Carlos III de Madrid (UC3M). Integrante do grupo de pesquisa ‘Televisión-cine: memoria, representación e industria’ (Tecmerin), UC3M. Especialista em políticas de comunicação e nas transformações das indústrias culturais. Foi presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC). Autor de numerosos artigos e capítulos de livro, publicou as obras Al fin solos… La nueva televisión del Mercosur (org., Buenos Aires, 2000), Periodismo digital. Los grandes diarios en la Red (Buenos Aires, 2007), Cultura y Comunicación. Estado y prospectiva de la cooperación española con el resto de Iberoamérica, 1997-2007 (org., Madrid, 2009), Poder, medios, cultura. Una mirada desde la economía política de la comunicación (org., Buenos Aires, 2011), e Televisión digital terrestre. Experiencias nacionales y diversidad en Europa, América y Asia (org., Buenos Aires, 2012). Entre janeiro de 2008 e março de 2010 coordenou o Observatorio de Cultura y Comunicación da Fundação Alternativas (OCC-FA).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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LUIZ FELIPE FERREIRA STEVANIM Natural de Cataguases (MG), Luiz Felipe Ferreira Stevanim é mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na linha de Mídia e Mediações Socioculturais. Graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Desde 2010, trabalha como assessor de comunicação do Ministério da Saúde. É membro do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia Política da Informação e da Comunicação (PEIC/UFRJ). Sua pesquisa de mestrado analisou o debate sobre a televisão pública no Brasil, a partir do processo que levou à criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com o título “Uma política do ver: Negociações de sentido e práticas em torno do público nas políticas de televisão”. Em 2006, recebeu o Prêmio Intercom Vera Giangrande (melhor artigo de iniciação científica) da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Interessa-se por estudar a dinâmica dos atores sociais nas políticas de comunicação, com ênfase nos debates sobre radiodifusão pública, regulamentação, estrutura dos meios de comunicação, coronelismo eletrônico, história da mídia, mediações sociais e ação comunicativa. Contato: lfstevanim@ yahoo.com.br.

MATEUS YURI PASSOS Doutorando em Teoria e História Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desenvolve atualmente pesquisa sobre transmissão cultural e reinterpretação do cânone operístico, com foco produções contemporâneas (Regietheater) da tetralogia Der Ring des Nibelungen, de Richard Wagner. É mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e bacharel em Estudos Literários pela UNICAMP e em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Sua produção anterior dedicou-se principalmente ao jornalismo literário e comunicação pública da ciência.

NADIA HELENA SCHNEIDER Nadia Helena Schneider é Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS - Área de Concentração – Processos Midiáticos (2010), integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS) (apoiado pela Ford Foundation). Possui mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2004), pós-graduação em Gestão Escolar, pela Universidade Castelo Branco (UCB), graduação em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) UNISINOS. Professora da rede estadual de ensino e Coordenadora Pedagógica

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do Projeto Global da Secretaria Municipal de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul. Suas áreas de especialização são economia política da comunicação, políticas de comunicação, educação e tecnologias. Pesquisa sobre a televisão e convergência, nos temas comunicação e educação, audiovisual, tecnologia e sociedade, história da comunicação na educação e processos midiáticos no campo educacional.

RUY SARDINHA LOPES Ruy Sardinha Lopes é doutor em Filosofia pela FFLCH-USP, professor do curso e do programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura da USP, campus São Carlos (IAU-USP), presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Br) e coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre as Espacialidades Contemporâneas (NEC-USP)

SUZY DOS SANTOS Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995), mestrado em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (2004). Atualmente é professora da Escola e do Programa de Pós-Graduação de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 2005, recebeu o Prêmio Intercom (melhor tese de doutorado) da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e, em 1996, recebeu Menção Honrosa (melhor monografia modalidade Rádio e Televisão) como finalista na categoria Graduação da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Líder do Grupo de Pesquisa Política e Economia da Informação e da Comunicação - PEIC, em atividade desde 1995. Suas pesquisas e sua produção concentram-se na área de Comunicação, com ênfase em economia política da comunicação e políticas de comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: televisão, novas tecnologias de comunicação, estrutura dos meios e condições de acesso à informação e à comunicação, regulação. Publicou capítulos de livros e artigos em revistas especializadas em português, espanhol, francês e inglês.

VALÉRIO CRUZ BRITTOS (1963 - 2012) Valério Cruz Brittos graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Pelotas, em 1986, e, um ano depois, em Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas. Recebeu o título de mestre em Comunicação pela PUCRS e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia. Trabalhava como professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE

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Ciências da Comunicação da Unisinos, onde criou e coordenava o Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – Cepos. Tinha vasta experiência na área de comunicação, com ênfase em Economia Política da Comunicação, atuando na pesquisa da televisão e convergência, nos temas comunicação e capitalismo, políticas de comunicação, audiovisual, tecnologia e sociedade, história da comunicação e processos midiáticos, na qual foi autor de vários livros. Foi consultor da Rede de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação, vice-presidente da Unión Latína de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura, coordenador do grupo de pesquisa de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom, entidade da qual foi membro do Conselho Consultivo) e editor da revista acadêmica Eptic On Line. Presidiu o Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura e coordenou o grupo de trabalho de Economia Política e Políticas de Comunicação da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós).

VIVIANNE LINDSAY CARDOSO Vivianne Lindsay Cardoso é Mestre em Comunicação pela Unesp - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” na linha de pesquisa – Gestão e Política da Informação e da Comunicação Midiática. Especialista em Docência no Ensino Superior (Unifeob). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo (Puc-Campinas). Membro do Grupo de Pesquisa Lecotec - Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Unesp). Atua na área de Comunicação, com ênfase em Comunicação Midiária, Televisão Pública, Televisão Digital, Políticas Públicas de Comunicação, Democratização da Comunicação e Economia Política da Comunicação e Cultura. Docente nos cursos de Rádio e TV da Unesp e Publicidade e Propaganda da Faculdade Anhanguera.

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