Edessa História do Cristianismo Primitivo na outra margem do Eufrates

May 29, 2017 | Autor: Ricardo Gomes | Categoria: Gnosticism, Syriac Christianity, Gospel of Thomas
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Edessa História do Cristianismo Primitivo na outra margem do Eufrates

Trabalho Final: Seminário da História do Cristianismo Antigo e Medieval Docente: João Luís Inglês Fontes Discente: Ricardo Gomes

Universidade Católica 2016 1

Índice

Introdução.................................................................................................................................... 3 1.

Fontes Históricas e Metodologia ........................................................................................ 4

2.

O Contexto Histórico do Evangelho de Tomé................................................................... 5

3.

2.1

O Espaço Social ........................................................................................................... 6

2.2

Os Vínculos Sociais...................................................................................................... 8

2.3

Vivências e Mentalidades.......................................................................................... 11

O núcleo da mensagem de Tomé ...................................................................................... 18 3.1

4.

Linguagem e experiência no cristianismo de Edessa ............................................. 20

Conclusão ........................................................................................................................... 21

Anexo I ....................................................................................................................................... 23 Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 26

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Introdução “Jesus disse: Aquele que encontrar a interpretação destes ditos não saboreará a morte” Evangelho de Tomé Logia 1

O evangelho de Tomé tem sido lido e relido ao longo dos séculos, as leituras têm sido literais, figurativas ou simbólicas. Desde os seus primórdios este texto apresenta-se ao seu leitor envolto numa aura de mistério e enigma com mensagens por desvelar e significados por desvendar. No âmbito do seminário da história do cristianismo antigo e medieval foi desenvolvido um esforço de investigação que terá como objetivo situar as vivências e mentalidades do evangelho de Tomé. Vivências estas diretamente associadas ao desenvolvimento do cristianismo primitivo no espaço geográfico da Síria oriental nomeadamente em Edessa. Esta investigação procura responder às seguintes questões: qual foi o contexto histórico deste evangelho, o seu espaço social, os seus vínculos sociais e as suas vivências e mentalidades; qual é o núcleo da sua mensagem e quais são as caraterísticas específicas da linguagem e da experiência no cristianismo primitivo de Edessa a leste do Eufrates. Espera-se assim dar um contributo à compreensão histórica do desenvolvimento do espaço mental cristão no primeiro século. O evangelho de Tomé, em especial a sua cristologia e antropologia, forma uma nova perspetiva a partir da qual será possível observar as origens do movimento cristão e a forma como a figura de Jesus foi retratada nos diferentes contextos sociais e espaços geográficos do mundo antigo.

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1. Fontes Históricas e Metodologia Uma vez que procuramos explorar e situar historicamente o quadro mental do evangelho de Tomé, pareceu-nos necessário sublinhar o enquadramento e receção deste texto na literatura primitiva do cristianismo siríaco. O evangelho de Tomé insere-se na agenda teológica da literatura siríaca primitiva dos séculos 2-3 e.c. partilhando perspetivas teológicas, simbolismos e linguagem técnica. Alguns dos textos que surgem na mesma linha de tradição e no qual podemos enquadrar Tomé são: Odes de Salomão, Hino da Pérola, Atos de Tomé, Ad Graeco de Taciano e Livro de Tomé. Existem dois pontos de interseção na tradição de Tomé que podem ser de grande ajuda na sua interpretação: a tradição da sabedoria personificada por um lado e a tradição cristã siríaca de redentor divino por outro. O evangelho de Tomé corresponde a uma camada primitiva do desenvolvimento da doutrina cristã que surge na teologia dos textos siríacos tardios. Para suportar esta opinião podemos aferir que Tomé se apresenta como uma coleção de ditos aleatórios reunidos sem um plano de composição unificador. Os paralelos literários mais próximos são o livro de Provérbios, o tratado mishnáico do Pirke Avot, com coleções similares a aparecerem no livro de Ben Sirá, Sabedoria de Ahiqar e textos sapienciais de Qumran. Durante o segundo século estes géneros de composições foram gradualmente sendo substituídas por géneros literários mais elaborados como os Hinos de Salomão e o Hino da Pérola que datam aproximadamente do 3 século e.c. refletindo assim um estágio posterior no desenvolvimento da literatura siríaca. Como metodologia iremos situar as linhas de pensamento da literatura produzida nesta época histórica de forma a interpretarmos a mensagem de Tomé, tendo como suporte a caraterização histórica da sociedade de Edessa onde o evangelho terá sido escrito. Definindo a questão literária e social iremos ainda procurar enquadrar o pensamento filosófico que inspirou a textualidade de Tomé. Como hipótese apresentamos metodologicamente a exegese do judaísmo helenista no período intertestamental, a partir da qual iremos estabelecer um quadro comparativo de interpretação do pensamento filosófico de Tomé.

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Vários dos estudos realizados do ponto de vista literário e teológico apresentam o evangelho de Tomé como um texto gnóstico1, porque o texto se situa na biblioteca de Nag Hammadi. Neste trabalho iremos demonstrar, com várias evidências que o provam, que o evangelho de Tomé não apresenta um conteúdo gnóstico. Como metodologia será importante ler o evangelho de Tomé como um documento teológico no seu próprio direito de expressão, e não lê-lo em relação às tradições sinópticas ou em relação aos sistemas gnósticos desenvolvidos no II século. Este estudo propõe dar uma voz ao evangelho de Tomé, primeiramente para entender o que ele transmite, a sua teologia e a sua forma particular de entender a vida cristã.

2. O Contexto Histórico do Evangelho de Tomé

O evangelho de Tomé foi redigido no espaço geográfico de Edessa na região a leste do rio Eufrates. A data do evangelho de Tomé é de natureza incerta, os académicos propuseram como data mais antiga o ano 60 e.c. até ao máximo 140 e.c., dependendo da identificação do núcleo original dos ditos de Tomé2. De acordo com Richard Valantis a versão completa grega do evangelho de Tomé foi composta algures entre 100-110 e.c.3 Tendo sido influenciada pelas mesmas dinâmicas que produziram o evangelho de João e as cartas de Inácio de Antioquia. A memória de Jesus, que foi cultivada através do evangelho de Tomé, é bastante diferente da memória registada nos quatro evangelhos canónicos4. Isto porque o contexto cultural de Edessa diverge bastante do contexto do Império Romano; Edessa era uma cidade de estado independente. Uma importante cidade comercial onde um grande fluxo de produtos e ideias exóticas se entrecruzavam, este contexto influenciou definitivamente o evangelho de Tomé. O evangelho adequa-se ao ambiente de Edessa e às questões que este coloca. O ambiente exterior ao Império Romano denota na textualidade de Tomé uma ausência de reflexão sobre a morte de Jesus, a apocalíptica e as polémicas antijudaicas. Com isto 1

Piñero. A. Et al. (2005) Evangelhos Gnósticos - Biblioteca de Nag Hammadi Volume II. Lisboa: Editorial Trotta, S.A. Pp. 74-75 2 Valantis. R. (2007) The Gospel of Thomas. New York: Routledge Pp.12 3 Idem Pp.20 4 Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV. Pp.11 5

não devemos apontar uma divergência face à tradição canónica, mas antes uma diferença que apresenta a tradição de Jesus de uma forma alternativa à tradição canónica. A associação do evangelho de Tomé à região da Síria Oriental, mais concretamente a Edessa, surgiu da identificação de Judas Tomé a esse local, tradição esta que aparenta ser muito antiga5. Tanto na sua pretensão apostólica como na sua orientação teológica, este evangelho situase em Edessa, partilhando com outros textos cristãos primitivos redigidos em Edessa uma tendência de ler a tradição de Jesus de forma platónica. Algumas suposições básicas devem ser colocadas no prosseguimento deste trabalho, em primeiro lugar devemos aferir a voz teológica distinta de Tomé; em segundo lugar o que torna a cidade de Edessa distinta em relação às outras cidades do mundo antigo que desempenharam um papel importante na formação das comunidades cristãs.

2.1 O Espaço Social

Durante muito tempo a história do cristianismo focou-se apenas no cristianismo ocidental, mas descobertas recentes têm sublinhado a importância do cristianismo oriental nos primeiros séculos da era cristã. Apesar do novo testamento preocupar-se com a expansão do cristianismo de Jerusalém em direção a Roma, abrangendo o ocidente e parte das suas figuras e literaturas relevantes cercarem a bacia do Mediterrâneo. Outros documentos primitivos provenientes da Síria, como as Odes de Salomão e os Atos de Tomé, mostraram-se difíceis na reconstrução de uma história coerente do cristianismo oriental. Contudo a descoberta do evangelho de Tomé lançou novas luzes no cristianismo siríaco, ao ponto de aferirmos como o cristianismo primitivo na cidade de Edessa se tornou um grande centro da igreja primitiva ao nível de Roma, Éfeso, Alexandria e Antioquia6. Edessa era a capital do principado de Orsoena a leste do Eufrates, situando-se na grande estrada que atravessava o deserto siríaco a sul e as montanhas da Arménia a norte. Os seus habitantes falavam aramaico, sendo a cidade um centro de cultura literária antes do advento do cristianismo7.

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Uro. R. (2003) Thomas Seeking the Historical Context of the Gospel of Thomas. New York: T&T Clark Pp. 10 6 L. W. Barnard (1968) The Origins And Emergence Of The Church In Edessa During The First Two Centuries A.D. Vigilliae Christiane 22 Amesterdam: North-Holland Publishing Co. Pp.161 7 Idem Pp.161-162 6

Ao longo da sua história até ao terceiro século Edessa passou por várias mudanças politicas. O estabelecimento do governo selêucida na região sucedeu à dominação da Pártia e a instauração de uma monarquia; depois seguiram-se a invasão de Trajano e a subsequente rebelião, a invasão de Lucius Verus, a rebelião de Abgar VIII e a sua submissão a Septimus. E finalmente a incorporação da cidade no Império Romano como um município sobre o domínio de Caracalla em 212/3 e.c.8. A resistência de Edessa ao domínio romano, durante o segundo século, pode ser pensada em termos da sua afinidade com o “Oriente” – o reino Parta do qual foi aliado durante dois séculos. A afinidade com Pártia desenvolveu-se durante o período em que Edessa foi governada por uma série de reis com nomes árabes e falantes de língua semita. A ligação a Parta exerceu uma grande influência sobre a cultura de Edessa9. A cultura de Edessa absorveu ainda assim traços da cultura helenista de outras cidades siríacas. Em termos de fontes históricas, o registo literário começa com o trabalho de Bardesanes de Edessa por volta dos inícios do terceiro século, quanto aos registos físicos encontramos vários artefactos da Edessa pré-cristã, religião, arte arquitetura e a organização da cidade. Estes elementos ajudam-nos a desenhar as linhas gerais da sociedade de Edessa e a sua cultura. No entanto não foi descoberto nada que dê uma evidência direta da situação antes do fim do segundo século10. Em termos religiosos Edessa possuía vários deuses gregos e semitas; a vida religiosa da Edessa pré-cristã teve raízes profundas e as suas crenças e práticas não desapareceram com a chegada do cristianismo11. Os governantes de Edessa reverenciavam um panteão de divindades semelhante aqueles que eram adoradas na Mesopotâmia e Síria, sendo possível estabelecermos ainda ligações com as religiões árabe e nabateia12. Os deuses babilónicos importantes, Bel e Nebo, ocupavam um lugar de destaque no panteão de Edessa. Edessa tinha uma comunidade judaica de pensamento helenista. Os judeus em Edessa eram recetivos ao cristianismo, isso refletiu-se na reminiscência histórica do cristianismo de Edessa no seu desenvolvimento tardio.

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Ross. K. S. (2011) Roman Edessa. New York: Routledge Pp.83 Idem Pp.83 10 Idem Pp.84 11 Idem Pp.100 12 Idem Pp.101 9

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A localização de Edessa no tráfego comercial das rotas norte/sul e este/oeste tornaram a cidade num local multicultural no final do primeiro século, onde elementos do oriente e do ocidente, norte e sul se encontraram e se misturaram13. Esta junção de judeus falantes do grego, que emigraram pelas rotas comerciais da Síria – Palestina, foi para se estabelecerem em cidades como Edessa e Nisibis, onde nos primeiros dois séculos floresceram e desempenharam um papel ativo na sua cultura intelectual e religiosa. O evangelho de Tomé representa o desenvolvimento da tradição de Jesus que teria sido no seu contexto, relevante no seu ambiente social. O texto oferece uma perspetiva acerca da vida mundana de uma cidade comercial, as fortunas feitas e perdidas, a tentação do ser humano a emergir por completo na vida superficial do comércio e dos seus vários prazeres efémeros14. “ [Disse Jesus]: Se tendes dinheiro, não o empresteis a juros, mas dai-o […] àqu[ele] de quem não recebereis15; Se não jejuais do mundo não encontrareis o Reino16; Felizes os pobres porque vosso é o Reino dos céus17; Jesus disse: estai de passagem18”

Podemos assim observar como Tomé fala do seu contexto cultural como um entendimento alternativo de como a vida deve ser vivida. A sabedoria contra cultural da tradição de Jesus, revestida da filosofia platónica de renúncia ao mundo, é oferecida como a verdadeira sabedoria de Jesus o Vivente. Como já foi referido Edessa conseguiu manter a sua independência face a Roma até 214 e.c.; durante o tempo da sua autonomia a cidade era um local relativamente pacífico onde judeus e cristãos poderiam integrar-se na vida urbana, livres de conflitos com as autoridades cívicas. Esta experiência foi de facto bastante diferente daquele que os seguidores de Jesus viveram no ocidente, no outro lado do Eufrates.

2.2 Os Vínculos Sociais

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Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV.Pp.21 14 Idem Pp.22 15 Evangelho de Tomé Logia 95 16 Evangelho de Tomé Logia 27 17 Evangelho de Tomé Logia 54 18 Evangelho de Tomé Logia 42 8

A questão dos vínculos sociais é bastante importante uma vez que os textos religiosos espelham os conflitos existentes nas dinâmicas sociais. Um dos temas mais importantes do evangelho de Tomé é a busca pelo “eu” na sua essência, os cristãos de Tomé sentiamse como estranhos num mundo hostil. Sentindo-se alienados desejaram escapar desse mundo, o resultado positivo desta experiência foi uma profunda auto compreensão. O tema da procura do entendimento do ser emerge num conjunto de ditos que estão associados ao tema da perseguição, logia 67-7019. Estes ditos situam-se no coração do evangelho, o logia 67 inicia-se dando ênfase à importância de nos conhecermos a nós mesmos: “Jesus disse: O que conhece o Todo, está privado do conhecimento de si mesmo, está privado do Todo”

Os logia seguintes 68-69 continuam esta busca por auto conhecimento, o logia 68 apresenta-se em forma de beatitude, promete confortar aqueles que são odiados e perseguidos. As condições para a beatitude emergem como consequência da perseguição que os cristãos de Tomé experimentavam. O logia 69 continua o tema da perseguição: “…Felizes são os que foram perseguidos no seu coração. Eles são os que conheceram o pai de verdade.” O foco deste dito passa para a luta interior que os cristãos experimentam, esta luta mostra a intensidade dessa perseguição experimentada pelos cristãos de Tomé. Eles eram perseguidos exteriormente e interiormente, o mundo tinha o poder de os afetar e de os perseguir. Mas através de um processo de separação do mundo, estes cristãos vinham conhecer o Pai. Este era o apelo da mensagem de Tomé para todos os seus ouvintes, estes tinham que escolher entre o Pai e o mundo. Tomé via o Reino como uma realidade presente por descobrir no interior de cada pessoa. Ao separarem-se do mundo estes cristãos tornavam-se solitários (monachos)20 e realizavam-se no Pai Vivente. A mensagem de Tomé destinava-se a um público marginal sedento por conhecimento filosófico e com interesse no ascetismo.

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Hartin. J. Patrick (1999) The search for the true self in the Gospel of Thomas, the Book of Thomas and the Hymn of the Pearl. HTS 55/4. Gonzaga University 20 “Jesus disse: Felizes sois os solitários (monachos) e os eleitos, porque encontrareis o Reino; já que haveis saído dele, a ele regressareis novamente.” Logia 49 9

A máxima “conhece-te a ti mesmo” é bastante antiga na tradição filosófica grega existindo antes de Platão21; a interpretação filosófica vigente no tempo de Tomé, afirmava que o auto conhecimento levava à auto transcendência conhecendo-se também o divino. Ao que parece Tomé torna a solitude uma condição explicita para a salvação (logia 49) apesar dos interpretes dos ditos enigmáticos de Jesus encontrarem no significado dos seus ditos a vida eterna, que os leva a pertenceram ao grupo dos filhos do Pai Vivente. Esta interpretação é solitária e interiorizada não sendo um processo comunitário22. O evangelho de Tomé em termos sociais não se apresenta como um documento preocupado e atento às problemáticas da formação de comunidades cristãs. Antes foca-se num conjunto de atitudes e práticas habituais que sucediam para além dos “movimentos de Jesus”. Tomé enfatiza a necessidade do seu leitor esforçar-se e trabalhar: “Jesus disse: Feliz o homem que sofreu. Encontrou a vida.”23. O tema da busca ativa e a descoberta são apresentados em Tomé como um processo, uma série de estágios ou camadas de perceção24. Aquele que descobriu o significado oculto de um determinado dito, sabe que existe mais trabalho a ser feito, mais segredos a serem revelados. De acordo com o logia 2: “Jesus disse: Que aquele que busca não cesse a sua busca até que encontre e quando encontrar se perturbará e quando se perturbar se maravilhará e reinará sobre o Todo.” São prometidas ao leitor recompensas extravagantes se este decifrar o texto, estando sempre implícito que a tarefa não é fácil nem rápida. A inovação em termos sociais mais notória deste evangelho é o facto de não existir a suposição de que os ditos de Jesus existem na sua forma concreta como um texto escrito. A ênfase que Tomé dá ao trabalho do leitor sugere um processo repetitivo constituído por um conjunto de atividades em que o leitor retorna a um determinado dito e reflete repetidamente no seu significado.

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Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV.Pp.37 22 Arnal, William E. (2013) “Blessed Are the Solitary: Textual Practices and the Mirage of a Thomas‘Community.’” In The One Who Sows Bountifully: Essays in Honor of Stanley K. Stowers , edited by Caroline Johnson Hodge, Saul M. Olyan, Daniel Ullucci, and Emma Wasserman, Pp.271–81 23

Evangelho de Tomé Logia 58 Arnal, William E. (2013) “Blessed Are the Solitary: Textual Practices and the Mirage of a Thomas‘Community.’” In The One Who Sows Bountifully: Essays in Honor of Stanley K. Stowers , edited by Caroline Johnson Hodge, Saul M. Olyan, Daniel Ullucci, and Emma Wasserman, Pp. 273 24

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Em Tomé o leitor evolui durante um certo período de tempo ao ganhar novas perceções e compreensões dos ditos de Jesus. Neste processo o texto escrito de Tomé torna-se o foco de toda a atividade cristã, ao estabelecer o seu caráter secreto em relação a uma circulação abrangente dos seus conteúdos indica que um conjunto particular de ditos, em lugar dos ensinamentos gerais da tradição oral de Jesus, transmitem imortalidade25. Tomé manufatura uma textualidade secreta, cultivando a obscuridade e o mistério de forma a incentivar um esforço hermenêutico de penetração do texto. 2.3 Vivências e Mentalidades

Ao localizarmos o evangelho de Tomé do contexto de Edessa encontramos um ponto de convergência entre a sua textualidade e as vivências e mentalidades dos seus leitores. Alguns elementos tomados por garantidos nos evangelhos sinóticos como a morte e a ressurreição, o cenário apocalíptico, o situar a comunidade cristã no final dos tempos e as polémicas com outros grupos judaicos (fariseus, saduceus e escribas) não estão presentes em Tomé. Estas coisas não estão presentes no evangelho de Tomé porque não foram relevantes para a realidade que o compôs. Aqueles que usaram este evangelho na Síria oriental a leste do Eufrates não enfrentaram a morte nem a perseguição opressiva romana, por isso não refletiram sobre a morte de Jesus. Eles não enfrentaram uma guerra cataclísmica então não se voltaram para cenários apocalípticos que poderiam colocar este tipo de violência num contexto teológico26. Parece-nos também que estes seguidores de Jesus se integraram na comunidade judaica de Edessa de uma forma relativamente harmoniosa, sendo assim desnecessária a polémica anti judaica nos seus textos. O contexto fez a diferença, em Edessa a cidade comercial, um tipo diferente de cristianismo cresceu encontrando uma ressonância nas vidas de homens e mulheres que desejavam seguir a sabedoria de Jesus, de forma a escaparem da superficialidade da vida

Arnal, William E. (2013) “Blessed Are the Solitary: Textual Practices and the Mirage of a Thomas‘Community.’” In The One Who Sows Bountifully: Essays in Honor of Stanley K. Stowers , edited by Caroline Johnson Hodge, Saul M. Olyan, Daniel Ullucci, and Emma Wasserman, Pp. 273 25

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Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV Pp.25 11

mundana do comércio e chegarem ao auto conhecimento que conferia dignidade e valor a cada ser humano como “filho do Pai Vivente”. O evangelho de Tomé demonstra-nos que existiram múltiplas possibilidades de interpretar a tradição de Jesus. A cruz e a ressurreição não eram o único foco possível da pregação cristã primitiva, a vinda do apocalipse não era a única forma de imaginar o futuro e a animosidade para com os judeus não era necessária para a definição da identidade cristã. Os evangelhos canónicos foram redigidos por seguidores de Jesus que viveram como uma comunidade dissidente no Império Romano. Pelo menos três dos evangelhos, Marcos, Mateus e João foram escritos durante ou após a guerra judaica27 e ganharam proeminência durante estes tempos violentos. Estes autores e os seus leitores tiveram uma experiência considerável com a morte violenta, onde o caos da guerra foi uma realidade presente. Na procura de interpretar a realidade à luz da nova fé, a história de Jesus foi contada como uma história de martírio e a sua aparição foi compreendida como parte de um grande plano divino. Neste plano Jesus combate as forças do mal e do caos numa batalha cósmica, os seus seguidores foram vistos como inimigos da sociedade romana que rejeitava o seu Messias. A realidade influencia a religião e neste caso as histórias canónicas foram também um produto da realidade social que as gerou. Aquilo que sublinhamos, como ausente na narrativa de Tomé, está claramente presente nos textos canónicos. Narrar a história de Jesus como um martírio, focando a fé nesse evento específico, fazendo parte de um drama cósmico no qual os “judeus” são inimigos, não são apenas elementos naturais da tradição de Jesus. Foram essencialmente elementos escolhidos pelo seu valor afirmativo do significado dos acontecimentos contemporâneos e a experiência dos seguidores de Jesus como dissidentes do Império Romano28. A teologia da cruz apresentada pelo apóstolo Paulo tornou-se a grande teologia do cristianismo ocidental, a teologia sapiencial que floresceu nas terras a leste do Eufrates foi rejeitadas por aquilo que se veio a tornar o cristianismo ortodoxo. A teologia da cruz paulina pareceu a escolha certa para Paulo porque ele interpretou a sua experiência de

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Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV. Pp. 26 28 Idem Pp.26 12

sofrimento e humilhação, uma experiência que ele creu não ser possível evitar se alguém quisesse abraçar verdadeiramente a vida de Jesus29. No oriente a leste do Eufrates o cristianismo estava a tomar outra direção, outro mundo, um mundo em que os seguidores de Jesus não eram dissidentes; não eram perseguidos pelas autoridades, presos ou martirizados. As suas escolhas teológicas foram diferentes, eles viram Jesus como um mestre de sabedoria, um anunciador de palavras que eram contempladas, interpretadas e seguidas30. O Jesus destes cristãos não era o messias crucificado, no qual Paulo encontrou a fé, este Jesus era o “Jesus Vivente” cujo conhecimento podia guiar os fiéis até à fonte da vida, o “Pai Vivente”. A fé de Jesus não se tornou apenas relevante para aqueles que se encontravam no papel de discípulos dissidentes do messias dissidente crucificado. A leste do Eufrates, para além das fronteiras do Império Romano a fé de Jesus tornou-se relevante de outra forma, as suas palavras tornaram-se a chave para uma forma sábia de viver a vida, e sinalizou a esperança de que o mundo da compra, venda, do abraçar da ambição e até a vida familiar não era o fim de todas as coisas. Conhecer-se a si próprio como “filho do Pai Vivente” era conhecer que havia mais na vida do que estas coisas. Isto representa uma escolha teológica bastante diferente. O cristianismo primitivo em Edessa a partir das fontes que temos disponíveis do II século era profundamente influenciado pelo judaísmo cristão e o seu pensamento foi influenciado acima de tudo pelas especulações antropológicas e cosmológicas do Neoplatonismo. O debate intelectual da época cercava os temas da criação relatados no livro de Génesis. Sendo a exegese destes textos a base teológica da crença religiosa do evangelho de Tomé a um nível antropológico. Os padrões de pensamento presentes no Evangelho de Tomé situam as suas ideias no judaísmo do período intertestamental, nomeadamente nalguns textos escritos nesse período, sem os quais a leitura de Tomé se torna difícil. O tema de buscar e encontrar é muito frequente neste evangelho31; podemos afirmar que esta temática é a base da maior parte do texto sendo um dos seus temas mais unificadores32. 29 Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV. Pp.30 30 Idem Pp.31 31 “Dias virão em que me procurareis e não me encontrareis” Logia 38; “…Procurai e encontrareis…” Logia 92; “Aquele que procura encontrará…” Logia 94 entre outros. 32

Davies. L. S. (1983) The Gospel of Thomas and Christian Wisdom. New York: The Seabury Press. Pp.37 13

“Jesus disse: Aquele que procura não deixa de procurar até encontrar; e quando encontrar, ficará perturbado, e, estando perturbado, ficará maravilhado e reinará sobre o todo.”

O logia 2 não foi colocado ao acaso no início do texto de Tomé, este dito é uma expressão definitiva de um tema que atravessa e unifica todo o texto. Este tema de buscar e encontrar também é o mais comum de todos os motivos na literatura sapiencial. Ben Sirá inicia algumas unidades literárias com o mesmo tema: “Filho, recebe a instrução desde os teus jovens anos e adquirirás uma sabedoria que durará até à tua velhice. Vai ao encontro da sabedoria como aquele que lavra e semeia, e espera pacientemente os seus bons frutos”33. Ele inicia outro material com a declaração: “A sabedoria exalta os seus filhos, toma sob a proteção aqueles que a buscam. Aquele que a ama, ama a vida, e os que vigiam, para a encontrar, gozarão da sua doçura”34. Em Provérbios, a Sabedoria diz: “ Eu amo aos que me amam, e os que diligentemente me buscam me acharão”35. Em Eclesiastes: “Eu me volvi, e apliquei o meu coração para saber, e inquirir, e buscar a sabedoria e a razão de tudo (…) causa que ainda busco, mas não a achei; um homem entre mil achei eu …”36 O logia 2 de Tomé e os outros ditos de buscar e encontrar estão associados a tradição da literatura sapiencial. No Logia 38 encontramos uma expressão: “Dias virão em que me procurareis e não me achareis” paralela a Provérbios 1:28: “…diligentemente me buscarão, mas não me acharão”. É significativo que o logia 2 de Tomé, o primeiro dito de Jesus, tenha esta posição inicial. Uma unidade literária em Ben Sirá inicia-se da mesma forma, com referência à busca: “Quando eu era ainda jovem, antes de me ter extraviado, busquei abertamente a sabedoria na oração. Pedia-a a Deus no templo, resolvido a alcança-la até ao fim.”37 O Livro da Sabedoria de Salomão também utiliza ditos de busca e encontro como introduções: “Brilhante é a sabedoria, e a sua beleza é inalterável; os que a amam, descobrem-na facilmente, os que a buscam encontram-na. Ela antecipa-se a dar-se a conhecer aos que a desejam. Aquele que, para a possuir, se levante de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta.”38

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Ben Sirá 6:18-19 Ben Sirá 4:11-12 35 Provérbios 8:17 36 Eclesiastes 7:25a e 28a 37 Ben Sirá 51:13-14 38 Sabedoria 6:21-14 34

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Podemos constatar que o formato geral do evangelho de Tomé insere-se implicitamente na tradição sapiencial, e o primeiro dito introdutório em Tomé “Jesus disse” é um dito típico introdutório na literatura sapiencial tardia39. Ainda no logia 2 jesus afirma que “encontrar” resulta nas seguintes condições: ficar perturbado, maravilhado e a reinar sobre o todo. As expressões “repouso” e “reino” são termos teológicos paralelos40; repouso, anapausis, é utilizado na Sabedoria de Salomão para descrever a condição do homem justo após a morte: “ Porém, o justo, mesmo que morra antes da idade, gozará de repouso.”41 A imortalidade é a recompensa dos justos na Sabedoria de Salomão; o autor escreve: “Por ela terei a imortalidade, e deixarei memória eterna à minha descendência (…) Entrando na minha casa, nela repousarei…”42. “Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará. Aparentemente, estão mortos aos olhos dos insensatos, a sua saída deste mundo é considerada uma desgraça, a sua morte como uma destruição mas eles estão em paz (anapausis). Se eles, aos olhos dos homens, foram atormentados, a sua esperança está cheia de imortalidade.”43 A ocorrência da palavra “repouso” no logia 2 está de acordo com a tradição, seguindo a logia 1 situa o evangelho de Tomé, no que diz respeito à conjunção da imortalidade com o repouso, no mundo mental da tradição de Sabedoria Judaica. “Porque o que me achar” diz a Sabedoria em Provérbios “achará a vida”44; a ideia de que quem encontra a sabedoria “reinará” é comum na tradição sapiencial. Ben Sirá por exemplo diz “Os seus grilhões serão para ti um firme apoio, e as suas cadeias, para ti um motivo de alegria. O seu jugo será um ornamento de ouro, e os seus vínculos cordões purpúreos. Qual manto de glória, vesti-lo-ás, qual fúlgido diadema a cingirás”45. “A glória de Deus é encobrir as coisas; mas a glória dos reis é esquadrinhá-las”46 por reis podemos aqui ler os homens sábios, porque é um ideal da tradição sapiencial que o sábio discirna a verdade oculta47. Na Sabedoria de Salomão as ideias de reinar e de imortalidade

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Davies. L. S. (1983) The Gospel of Thomas and Christian Wisdom. New York: The Seabury Press. Pp. 38 40 Idem. Pp.39 41 Sabedoria 4:7 42 Sabedoria 8:13 e 15 43 Sabedoria 3: 1-4 A estrutura paralela destas passagens implica que repouso e imortalidade são termos equivalentes. 44 Provérbios 8:35 45 Ben Sirá 6:29-31 46 Provérbios 25:2 47 Davies. L. S. (1983) The Gospel of Thomas and Christian Wisdom. New York: The Seabury Press. Pp.40 15

são combinadas: “Porque o seu princípio é um sinceríssimo desejo de instruir, e desejar instruir-se é já amá-la. Mas amá-la é obedecer às suas leis, e obedecer às suas leis é a garantia da imortalidade. E a imortalidade faz que habitemos junto de Deus. Desta forma, o desejo da sabedoria conduz ao reino!”48 Este tema em Tomé começa a aclarar-se a descoberta da sabedoria é a descoberta do reino. Reinar é uma metáfora para aquele que descobriu a sabedoria. Em suma o logia 2 do evangelho de Tomé é na sua essência um breve sumário de algumas das ideias principais da tradição sapiencial especialmente exemplificadas na Sabedoria de Salomão. Aquele que encontra a Sabedoria irá descansar e reinar. A teologia do evangelho de Tomé toma por base não o mito gnóstico da criação49 mas antes as narrativas da criação relatadas em Génesis, melhor dizendo, a exegese interpretativa dessas históricas. A exegese que o texto de Tomé apresenta era amplamente conhecida pelos seus contemporâneos, sendo até partilhada por vários grupos de leitores destas narrativas. Desde os judeus que viviam no Egito50 e liam a septuaginta á luz da filosofia grega51, até pessoas envolvidas em práticas herméticas. A sua exegese viaja atrás no tempo antes da criação cósmica, abordando Génesis 1:3 para explicar que quando a luz primordial apareceu no “primeiro dia”, depois da criação do mundo, apareceu nessa luz a forma do antrophos primordial – que o logia 7752 de Tomé identifica com Jesus – de onde todas as coisas surgiram. Grande parte da teologia de Tomé baseia-se na interpretação de Génesis 1:26-27 que descreve a criação da humanidade à imagem de Deus. De acordo com o logia 84 Jesus declara aos seus discípulos “quando virdes as vossas imagens, que chegaram a ser o vosso começo…” o começo da criação do mundo, 48

Sabedoria 6:17-19 O mito gnóstico implica a figura de um deus inferior que criou uma criação imperfeita – Demiurgo – e governa o mundo através de forças malignas que afetam a alma humana e dominam o corpo. Em Tomé não existe um tratamento negativo para com a criação, encontramos ditos enigmáticos inseridos no contexto das tradições sapienciais de Israel. Uma criação perfeita a partir de uma luz primordial. Pela investigação realizada até à data podemos apreciar o evangelho de Tomé como um exemplo entre muitos de uma variedade de Cristianismo autêntico que surgiu numa interseção crítica de vários percursos do cristianismo formativo. Os mesmos percursos que produziram o evangelho de João e as cartas de Inácio, metodologicamente será prudente não inseri-lo na categoria da ortodoxia ou heresia, mas trata-lo como uma manifestação do cristianismo primitivo. 50 Os judeus helenistas de Alexandria principalmente, Fílon de Alexandria representa o pensamento vigente desta corrente judaica, em Alexandria. 51 O pensamento Platónico, nomeadamente o neoplatonismo que reinterpretou as obras de Timeus e Parménides 52 Logia 77: Jesus disse: Eu sou a luz que os envolve a todos. Eu sou o Todo. O Todo saiu de mim, e o todo regressou a mim. Rachai madeira, aí estou eu; levantai uma pedra aí me encontrareis. 49

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na luz primordial/antrophos. Logia 22 e 61 sugerem que Génesis 1:27b “macho e fêmea os criou” retratam a perda subsequente da condição singular e original da humanidade e a sua substituição por uma condição “dividida” privada da imagem divina. Aqueles que superam esta divisão (exemplificada em especial por divisão sexual; Logia 11 e 61) recuperam a sua identidade original com o “inteiro” – o singular primordial antrophos (logia 4;11) – e assim reconhecem-se como “filhos do Pai vivente” Antes da criação humana (Logia 77) antes de todas as coisas existia uma luz primordial – a luz que apareceu no “primeiro dia” (Génesis 1:3). Esta luz primordial impregna e imbuí toda a criação, estando debaixo das pedras ou nos madeiros. Antes da criação esta luz manifestou-se de facto numa forma humana, porque a logia 77 personifica a luz divina que fala na primeira pessoa com uma voz humana. Esta exegese concebe a luz como um ser antropomórfico. Este ser [Jesus vivente] que aparece na luz primordial é humano ou divino? No Logia 50 que também se refere a Génesis 1:3, descreve o lugar onde a luz procedeu de si mesma. Poimandres diz que de acordo com Génesis 1:3, Deus chamou-se a si próprio (ou a uma emanação de si) à existência; o logia 77 identifica o ser que aparece na luz primordial como anthropos e theos de forma misteriosa. O texto de Tomé tem o Jesus vivente a falar através dessa luz divina que simultaneamente imbuí o universo, brilhando por todos os lugares. O que Deus chamou à existência em Génesis 1:3, é na exegese de Tomé, uma emanação do seu próprio ser – luz que simultaneamente manifesta o divino, o protótipo do ser humano e a energia manifesta em “todas as coisas”. A questão deste logia 50 acerca da identidade dos discípulos é ainda pertinente de se enquadrar em Génesis 1:3 e 2:2, se o sinal do Pai é um movimento e um repouso. A atividade de Deus durante a criação nestes versículos inicia-se com o movimento do espirito de Deus sobre as águas que continua pelos seis dias da criação e o repouso divino no sétimo dia. Assim o grupo de logia que interpretam Génesis 1 direcionam aqueles que procuram Deus através da imagem divina dada na criação. De acordo com o logia 24 53, Jesus repreende aqueles que tentam procurar Deus noutro lugar. Ao perguntarem o lugar onde Jesus se encontrava ele redireciona a questão para a luz oculta no interior. “Há luz dentro de um homem de luz e ele ilumina o mundo inteiro” ele não direciona os discípulos na direção dele como faz Jesus em João 14:6 mas em direção á luz oculta dentro deles. Se esta luz ilumina o mundo inteiro e é a luz primordial então essa luz é ele. O logia 83 explica que “Os seus discípulos disseram: Indica-nos o lugar onde estás, Porque temos necessidade de o procurar. Ele disse-lhes: Quem tiver ouvidos, oiça! Há luz Dentro de um homem luminoso, e ilumina o mundo inteiro. Se não ilumina, é escuridão.” Logia 24 53

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“as imagens revelaram-se ao homem e a luz que há nelas oculta-se na imagem da luz do Pai. Manifestar-se-á e a sua imagem (ficará) oculta pela sua luz.” Este dito sugere que mesmo ao ver a imagem divina, o discípulo não conseguirá ver a sua radiância completa. Ao analisar estes versos nota-se que o evangelho de Tomé não tem o tom do mito gnóstico que diz ao discípulo para procurar a sua “origem divina” de acordo com o qual a humanidade ou alguma parte dela é naturalmente divina. Em vez disso o discípulo é instruído a recuperar a forma da criação original. Aqui temos duas mentalidades completamente diferentes no quadro do pensamento do II século. A teologia de Tomé e a sua antropologia não pressupõe um mito gnóstico genérico, a fonte da sua convicção religiosa é Genesis 1, e a exegese que nele realizou, que como vimos era bastante comum no seu tempo54. Em suma as mentalidades e as vivências de Tomé registam-se numa experiência comunitária e não ascética como muitos autores defendem. A ascese de Tomé é interna, o cristão em Tomé experimenta uma oposição que emana do mundo que o rodeia; e experimenta uma luta interna para se descobrir a si mesmo55. Os logia assinalados demonstram que os cristãos em Tomé são chamados a descobrirem-se através das decisões que tomam no seu dia-a-dia. Eles escapam do mundo concentrando-se em si mesmos. Ao se concentrarem em si mesmos e nas suas lutas internas, descobrem a sua verdadeira natureza. Os impulsos para uma compreensão correta do ser, esta nova perceção concede-lhes aquilo que lhes permite não experimentarem a morte. Todo o processo de interiorização e de oposição aos valores sociais exteriores leva a uma vivência de sofrimento e conflito. Quem se conhece a si mesmo, conhece que é filho do Pai Vivente, esta é a mensagem situada no coração de Tomé; a interpretação dos seus ditos leva a vivências de sofrimento e a realização pessoal. “Jesus disse: Felizes são os que foram perseguidos no seu coração. São esses os que conheceram o Pai em verdade. Jesus disse: Quando o tiverdes gerado em vós, o que é vosso vos salvará; se não o tiverdes em vós, o que não tendes em vós vos matará.” Logia 69a e 70

3. O núcleo da mensagem de Tomé

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Pagels, H. E. (1999) Exegesis of Genesis 1 In The Gospels of Thomas and John. Journal of Biblical Literature 477-496. Princeton University 55 “Jesus disse: Feliz do homem que teve de penar, pois encontrou a vida.” Logia 58 18

“Eles disseram-lhe: Diz-nos quem és, para que acreditemos em ti. Ele disse-lhes: Analisais a face do céu e da terra, mas o que está diante de vós, não o conheceis e não sabeis analisar o momento presente” Logia 111

Na logia 111 temos conceitos como o espaço, a pessoa e o tempo combinados, os discípulos não apreenderam nenhum destes corretamente. Seria uma grande ambição propormos ou definirmos o núcleo da mensagem de Tomé. O texto em si com as suas imagens e conteúdos simbólicos transmite várias mensagens e apresenta várias vias de interpretação viáveis. Talvez aquilo que mais se destaca neste evangelho seja a sua essência protológica. Tomé não tem ideias escatológicas, na sua conceção teológica o Reino é uma realidade presente mas despercebida pela maioria dos homens. As coisas secretas em Tomé estão presentes num estado de manifestação potencial se não forem percebidas corretamente; elas estão presentes num estado de manifestação atual se forem percebidas corretamente é disto que se trata a logia 5. “Jesus disse: Conhece o que está diante dos teus olhos, e o que te está oculto ficará descoberto na tua frente; pois nada existe de oculto que não venha a manifestar-se.” Logia 5

Historicamente a nível das ideias temos uma conceção de mensagem do Reino dos céus completamente diferente daquela que nos é apresentada nos evangelhos canónicos. O reino em Tomé é a luz, é a Sabedoria, é o próprio Jesus, o Reino é uma realidade que se percebe corretamente. É um estado mental que se alcança através da interpretação dos ditos do Jesus Vivente, refiro-me a um estado mental porque a exegese textual têm lugar a nível das mentalidades. Apesar do texto ter sido apropriado no Egito para fins ascéticos o seu início teve em vista provavelmente uma ascese intelectual que alterava os vínculos sociais a partir da perceção que “o filho do Pai Vivente” começava a ter da realidade.

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3.1 Linguagem e experiência no cristianismo de Edessa

Um dos aspetos mais importantes em termos de linguagem e experiência no cristianismo primitivo retratado no evangelho de Tomé é a doutrina da deificação56. O evangelho Tomé apresenta uma forma cristã primitiva de deificação paralela à deificação de Jesus no evangelho de João57. O evangelho de Tomé apresenta Jesus como ser divino assim como o evangelho de João, no entanto no evangelho de Tomé os traços divinos também se aplicam aos eleitos. “Jesus disse: O que beber da minha boca chegará a ser como eu. Eu também chegarei a ser como ele e as coisas ocultas ser-lhe-ão reveladas.”58

Este dito expressa a identificação do discípulo com o Jesus divino, esta identificação entre Jesus e o eleito ocorre através de um beijo íntimo onde as águas da vida fluem da boca de Jesus para a boca do discípulo. O simbolismo do beijo alude à câmara nupcial: “Jesus disse: Há muitos que estão junto à porta, mas os solitários são os que entrarão na câmara nupcial”59 esta união com Jesus é também retratada em João 17:21 “a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós”. Em Tomé esta união é mais radical e mais mútua, Jesus torna-se como o discípulo assim como o discípulo torna-se como Jesus. Todos os eleitos tem em si o potencial interior de se tornarem gémeos de Jesus60, Jesus em Tomé dirige o discípulo não para si como o Jesus de João61 mas para a luz escondida no interior do discípulo. A salvação é assim a

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A deificação é uma teoria soteriológica desde há muito presente na teologia patrística, esta teoria implica quatro ideias básicas: (1) não existe uma diferença infinita entre o divino e o ser humano; (2) a divindade manifesta-se por intermédio de vários seres e qualidades; (3) os humanos podem participar nessas qualidades e até partilharem a identidade de uma divindade particular; (4) esta participação é “realista” no sentido que o ser humano se torna verdadeiramente parte da classe dos seres divinos. Ver Litwa. D. M (2015) “I Will Become Him”: Homology and Deification in the Gospel of Thomas. Journal of Biblical Literature, no 2 Pp.428 57 Litwa. D. M (2015) “I Will Become Him”: Homology and Deification in the Gospel of Thomas. Journal of Biblical Literature, no 2 Pp.427 58 Evangelho de Tomé Logia 108 59 Evangelho de Tomé Logia 75 60 Uro. R. (2003) Thomas Seeking the Historical Context of the Gospel of Thomas. New York: T&T Clark Pp. 10-15 “Diz-lhes Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim.” Evangelho de João 14:6 61

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realização pessoal da luz interior que é o próprio Jesus62, esta realização leva à identificação com a natureza divina de Jesus63. A linguagem de Tomé expressa-se em tonalidades místicas do foro íntimo do discípulo em relação a Jesus. Esta relação íntima depende dos recursos internos numa viagem em direção à transcendência, algo que seria mais tarde recolhido pelos pais da igreja, como por exemplo Clemente de Alexandria64 e os padres do deserto.

4. Conclusão

A descoberta do evangelho de Tomé abriu o caminho da compreensão do modo como a tradição de Jesus se pôde desenvolver de formas completamente diferentes; mas também levou a uma maior compreensão dos textos familiares e as tradições que ficaram no novo testamento. Paulo, João e os evangelhos sinóticos moldaram a forma como compreendemos as origens do cristianismo tornando impossível imaginar estas origens de forma diferente. O kerigma paulino da morte e ressurreição era aparentemente o kerigma do cristianismo primitivo, os ditos de Jesus enquadravam-se na história da sua vida, morte e ressurreição. Esta foi a forma como assumimos no ocidente que era a religião de Jesus e aquilo que ela essencialmente tratava, mas contra esta perspetiva temos outra alternativa no evangelho de Tomé. Com isto podemos concluir que a tradição de Jesus foi cultivada nos anos posteriores à morte de Jesus de forma diferente. A vida, morte e ressurreição de Jesus representou uma escolha, uma resposta à experiência comum de ser um seguidor dissidente do messias dissidente no leste imperial romano. A religião do Messias crucificado nasceu na provação do protesto e da resistência, mas a tradição de Jesus tinha mais potencial teológico. Encontramos nos ditos de Jesus uma tradição sapiencial que oferece uma compreensão acerca da vida vivida profundamente, sem levar em conta aquilo que é meramente “Jesus disse: Eu sou a luz. A que está acima de todos. Eu sou o Todo. O Todo proveio de mim e o Todo chegou a mim.” Evangelho de Tomé Logia 77 63 Litwa. D. M (2015) “I Will Become Him”: Homology and Deification in the Gospel of Thomas. Journal of Biblical Literature, no 2 Pp.445 64 “For the Word of God is intelligible, according to which the image of the mind is seen in the human being alone, by which also the good man is deiform and dei-similar in his soul, and God, in turn, is anthropoform. For the formo f both is the mind, by which we are fashioned.” Strom. 6.9.72.2 ver Patterson. J. S. (2013) The Gospel of Thomas and Christian Origins. Leiden: Koninklijke Brill NV. Pp. 225-31 62

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transitório. Uma vida que observa Deus no fundamental do dia-a-dia, o reino de Deus, “espalhado por toda a terra”, esperando que as pessoas o vejam. A tradição de Jesus era e é polivalente; Marcos, Paulo, João e Tomé representam cada um o elemento do potencial desta tradição para trazer visão a uma variedade de experiências humanas e circunstâncias.

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Anexo I A Cristologia do Evangelho de Tomé

O evangelho de Tomé não tem propriamente uma cristologia no sentido do termo, ao longo do seu texto não aparecem expressões como “cristo”, “Senhor” ou “salvador”. Para compreendermos a forma como os ditos de Tomé se referem a Jesus é necessário discernir o padrão de pensamento do texto. No evangelho de Tomé Jesus fala como um sábio, mas ele não é caraterizado apenas como um sábio, ele é por vezes a própria Sabedoria a falar. Uma íntima de Deus, agente na criação, reveladora dos mistérios divinos, a luz dentro da qual a imagem de Deus se oculta – estas são todas as caraterísticas de Jesus como Sabedoria no evangelho de Tomé. Neste evangelho Jesus ocupa um lugar distinto de todos os outros mensageiros de Deus que o precederam. Neste contexto concreto do logia 5265 a expressão “aquele que é vivo” aparece na logia 5966 e na logia 11167 nestes três ditos são os únicos que utilizam esta expressão. É dito ao leitor para viver por aquele que é vivo, que ele é a alternativa para a morte. Aqueles que não olham para ele nem vivem por ele falham, “falam sobre os mortos”, “morrem e falham em vê-lo”, e “experimentam a morte”. Pelo texto os discípulos parecem não compreender a identidade de Jesus, ele partilha uma natureza com a luz interior que permeia o mundo inteiro e com a essência do tempo presente. O lugar de Jesus em Tomé é o lugar da luz. Jesus habita naqueles que têm luz e é a luz do mundo. Os discípulos podem ser a luz do mundo ao encontrarem Jesus. Esta noção deriva da tradição sapiencial podemos chamá-la de cristologia sapiencial como expressa a logia 7768. Ele não é um mensageiro sábio, nem um amigo da sabedoria, ele é a própria Sabedoria, criando, iluminando e penetrando todas as coisas. Em referência à existência humana, Jesus é a Sabedoria, a luz interior daqueles que têm a luz. “A sabedoria é mais ágil que todo o movimento; atravessa e penetra tudo graças à sua pureza. Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Logia Omnipotente; por isso, não se pode

“Os seus discípulos disseram-lhe: Vinte e quatro profetas falaram em Israel e todos falaram por ti. Ele disse-lhes: Deixais na vossa frente aquele que é vivo e ponde-vos a falar dos mortos.” 66 “Jesus disse: Olhai para aquele que é vivo, enquanto estiverdes vivos; não vá acontecer que morrais, e tenteis então vê-lo, sem o poderdes ver.” 67 “Jesus disse: Os céus enrolar-se-ão e também a terra, diante de vós, e aquele que é vivo vindo do Vivo não verá a morte nem [medo]…” 68 “Jesus disse: Eu sou a luz que os envolve a todos. Eu sou o Todo. O Todo saiu de mim, e o Todo regressou a mim. Rachai madeira, aí estou eu; levantai uma pedra, aí me encontrareis”. 65

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encontrar nela a menor mancha. Ela é o resplendor da luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus, e imagem da sua bondade.”69 Ao lermos esta passagem encontramos certamente vários paralelos com a caracterização de Jesus em Tomé, a luz interna e também exterior que atravessa todas as coisas num movimento constante. Sendo uma imagem, da vida de Deus, é a própria luz que liga o humano ao divino, a luz primordial de onde o Todo surgiu e para onde o Todo regressa. Aqui não temos uma ideia pantiteísta, temos uma tradição sapiencial judaica que atribui á Sabedoria este papel de atravessar e estar em todas as coisas como uma imanência divina no mundo e no homem. Em Provérbios 8:1-21 a Sabedoria chama o ser humano à instrução, pedindo que a procure e encontre. Assim também Jesus aparece na terra em Tomé com um chamado para aqueles que são chamados a encontra-lo. A vinda de Jesus neste contexto tem um aspeto cosmológico. A vinda da Sabedoria ocorreu no tempo primordial antes da criação, este é o ponto central do poema da Sabedoria em Provérbios 8:22-31. Para encontrar Sabedoria o ser humano num certo sentido deve regressar á época primordial, o tempo antes do tempo. A vinda de Jesus/Sabedoria ocorrida no tempo primordial permite ao cristão que encontrou a Sabedoria ou ‘Aquele que vive’ a existir no presente no início; assim na logia 19 Jesus pode afirmar “Feliz aquele que já era antes de ter existido”. O ambiente intelectual de Tomé pode aprofundar a nossa perceção da sua cristologia, o termo “luz” em Tomé é equivalente a “logos” e demonstra que Tomé interpreta Génesis 1-2 da mesma forma que Fílon de Alexandria70. A “luz” no Génesis descreve o início do início, a primazia do termo logos pressupõe mais especulação filosófica do texto inaugural da bíblia. No primeiro dia tudo o que existia era luz e na perspetiva de Tomé essa luz nunca partiu, os logia 2471 e 7772 expressos em termos de logos declaram que o logos é aquilo de onde todas as coisas proveem e se estendem. O logos é imanente no mundo e existe dentro do ser humano, através do logos no interior do ser, o eleito

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Sabedoria 7:24-26 Davies. L.S (1992) The Christology and Protology of the Gospel of Thomas. Journal of Biblical Literature Volume 111, No4 71 “Os seus discípulos disseram: Mostra-nos o lugar em que estás, uma vez que nos é necessário procura-lo. Ele disse-lhes: O que tiver ouvidos para ouvir, que oiça. Há luz dentro de um homem de luz e ele ilumina o mundo inteiro. Se ele não ilumina, há trevas.” 72 “Jesus disse: Eu sou a luz que os envolve a todos. Eu sou o Todo. O Todo saiu de mim, e o Todo regressou a mim. Rachai madeira, aí estou eu; levantai uma pedra, aí me encontrareis”. 70

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apreende o logos presente no interior do mundo73 e consequentemente torna-se conhecido como uma criança de Deus (logia 3). Em suma Jesus em Tomé é concebido com a Sabedoria na tradição judaica, que a concebe de múltiplas formas, por esse motivo Jesus também é concebido em múltiplas formas no texto de Tomé. Este evangelho não tem uma cristologia analítica e sistemática, Tomé trabalha com símbolos e metáforas que convidam á reflexão e ao esforço mental da interiorização. Este evangelho não convida o seu leitor a converter-se a uma verdade dogmática, antes pressupõe uma auto descoberta, uma mudança de perceção da realidade e do divino podendo a metáfora de iluminação adequar-se a este momento de “conversão” em Tomé.

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“Jesus disse: Se os vossos guias vos disserem: Olhai, o Reino está no céu, então os pássaros do céu vos precederão. Se vos disseram: está no mar, então os peixes vos precederão. Mas o Reino está dentro de vós e está fora de vós. Quando vos chegueis a conhecer a vós próprios, então sereis conhecidos e sabereis que vós sois os filhos do Pai vivente. Mas se vós não vos conhecerdes, então ficareis na pobreza e sereis a pobreza.” Evangelho de Tomé Logia 3

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