Edgar Allan Poe, o estranho que escreveu sua vida em contos de terror

August 21, 2017 | Autor: M. Ferreira de Re... | Categoria: Fantasy Literature
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MARIA LUIZA FERREIRA DE REZENDE

EDGAR ALLAN POE, O ESTRANHO QUE ESCREVEU SUA VIDA EM CONTOS DE TERROR

UNIVERSITAS – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ITAJUBÁ ITAJUBÁ – 2006

MARIA LUIZA FERREIRA DE REZENDE

EDGAR ALLAN POE, O ESTRANHO QUE ESCREVEU SUA VIDA EM CONTOS DE TERROR

Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Letras do Instituto de Ciências Humanas e Sociais do Universitas, sob a orientação da Professora M. Sc. Cibele Moreira Monteiro Rosa.

UNIVERSITAS – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ITAJUBÁ ITAJUBÁ - 2006

FICHA CATALOGRÁFICA

Rezende, Maria Luiza Ferreira Edgar Allan Poe, o estranho que escreveu sua vida em contos de terror. Maria Luiza Ferreira de Rezende. Itajubá, 2006, 71 p. Orientadora: M. Sc. Cibele Moreira Monteiro Rosa Monografia de Conclusão de Curso. Letras. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universitas – Centro Universitário de Itajubá. 1. Estranho.

2. Criação Literária.

3. Fantástico.

I. Rosa, Cibele Moreira Monteiro. III. Título. Monografia.

II. Universitas – Centro Universitário de Itajubá

Este exemplar corresponde à redação final da Monografia de Conclusão de Curso apresentada por Maria Luiza Ferreira de Rezende e aprovada pela Banca Examinadora.

Data: ______/______/______.

BANCA EXAMINADORA:

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Ao Motta, meu marido, que me fez refletir sobre um projeto de vida.

Ao amigo José Nogueira de Sá Neto, que enxergou as outras de mim.

Agradeço À Força Criadora que existe em mim, desde sempre.

À professora Cibele, que, com sua silenciosa competência, me orientou tão bem neste gratificante trabalho.

Aos demais professores que, ao longo desses quatro anos, me

presentearam

com

verdadeiros

tesouros

do

conhecimento.

À Christina, prima, amiga, que conheci e amei já nos anos da madureza e que tanto me ajudou e inspirou.

A sólida base de nossa visão do mundo, e também o grau de sua profundidade são formados na infância. Essa visão é depois elaborada e aperfeiçoada, mas na essência não se altera.

Schopenhauer

RESUMO Este trabalho apresenta um estudo sobre a vida e algumas produções literárias de Edgar Allan Poe com o objetivo de refletir e verificar como a morte e a angústia sempre acompanharam a obra do estranho escritor, influenciando-a e até mesmo constituindo o próprio material de sua criação artística. Cinco contos são analisados: “O gato preto”, “A queda da casa de Usher”, “O retrato oval”, “O coração denunciador” e “William Wilson”. O estudo pretende mostrar como Poe trabalhou com os elementos fantásticos de modo a transpor o desamparo vivido para sua obra. O material utilizado consiste na própria produção literária de Poe, em teorias a respeito da narrativa fantástica e da estrutura do conto, bem como teorias psicanalíticas, de forma a se fazer uma intersecção entre a literatura e a psicanálise.

Palavras-chaves: estranho, criação literária, fantástico.

ABSTRACT This paper aims to present a study about the life and some literary works of Edgar Allan Poe in order to consider and verify how death and anguish always followed the work of the strange writer, influencing it and even becoming his very artistic material. Five tales are analyzed: “The black cat”, “The fall of the house of Usher”, “The oval portrait”, “The tell-tale heart” and “William Wilson”. The study intends to show how Poe worked the fantastic elements in such a way he could transpose his helplessness to his work. The worked material consists of Poe’s literary production, theories about fantastic narrative and structure of the tale, as well as psychoanalytic

theories,

tracing

an

psychoanalysis.

Key words: strange, literary work, fantastic.

intersection

between

literature

and

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 CRIAÇÃO LITERÁRIA COMO EXPRESSÃO DA DOR ....................................... 12 1.1.

A essência inalterável

1.2.

Edgar Allan Poe – uma vida marcada pela solidão

O CONTO E A NARRATIVA FANTÁSTICA ......................................................... 23 2.1. Breve histórico do conto 2.2. Estrutura do conto 2.3. Narrativa fantástica PSICANÁLISE E NARRATIVA FANTÁSTICA ..................................................... 34 O ETERNO RETORNO ....................................................................................... 42 4.1. “O gato preto” 4.2. “A queda da casa de Usher” 4.3. “O retrato oval” 4.4. “O coração denunciador” 4.5. “William Wilson“ CONCLUSÃO ...................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 70

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INTRODUÇÃO

A escritora e psicanalista Maud Mannoni (1993) relata que, muitas vezes, indivíduos que viveram uma experiência traumática na infância conseguem transpor o seu sofrimento para uma outra cena: a produção artística. Mas nem todas as pessoas possuem esse notável dom, por meio do qual poderiam partilhar seu sofrimento e se libertar do terror destrutivo. Edgar Allan Poe se enquadra no primeiro caso. Dotado de uma genialidade ímpar, permitiu que o fantástico se instaurasse em toda a sua obra e suas criações tornaram-se um canal para externar a angústia causada pela difícil experiência que viveu em sua infância. Em 9 de dezembro de 1811, a mãe de Poe morreu. Em sua companhia estavam apenas Edgar e sua irmã mais nova. Com apenas três anos de idade, o escritor conheceu a solidão de permanecer com sua mãe morta por muitas horas. Somente no dia seguinte uma amiga da mãe descobriu o horror da situação e recolheu Edgar e a irmã. A partir desse acontecimento, Poe passou a vida reelaborando o trabalho do luto e da morte, prisioneiro para sempre dos olhos da mãe. O conhecimento do trauma vivido por Edgar Allan Poe desperta fascínio e interesse e justifica o estudo e análise de algumas de suas produções literárias que possam revelar o horror vivido por ele em sua infância. Investigar como o talentoso escritor recriou seu sofrimento por meio de suas obras constitui o foco deste trabalho. São analisados e estudados cinco contos de Edgar Allan Poe: “O gato preto”, “A queda da casa de Usher”, “O retrato oval”, “O coração denunciador” e “William Wilson”. A análise se desenvolve mediante um minucioso estudo do conteúdo das

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histórias e da linguagem literária do escritor, buscando sempre a verificação de como Poe conseguiu transpor o desamparo vivido na infância para sua obra. O material utilizado consiste na própria produção literária de Poe, em teorias a respeito da narrativa fantástica e da estrutura do conto, bem como teorias psicanalíticas, de forma a se fazer uma intersecção entre a literatura e a psicanálise. Considerando que todo o trauma do escritor tenha se originado na noite de horror vivida por ele, quando então permaneceu ao lado da mãe já morta, e se agravado pelas turbulências da adolescência, desenvolve-se um trabalho de identificação entre o conteúdo e a estrutura dos contos e os prováveis sentimentos de angústia e solidão que marcaram a vida de Poe.

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1- CRIAÇÃO LITERÁRIA COMO EXPRESSÃO DA DOR

O mundo se compõe de cacos de vidro, que só se juntam pelo ato de escrever. Imre Kertész

1.1. A essência inalterável

Segundo psicanalistas, escritores, filósofos e pessoas em geral, a infância é o palco de dramas que tendem a se repetir por toda a vida. As pessoas crescem, mas carregam consigo a primeira visão de mundo que tiveram, ou pelo menos a visão mais forte, mais profunda. Schopenhauer (apud YALOM, 2005, p. 46) afirmava que, embora essa visão fosse mais tarde elaborada e aperfeiçoada, não se alterava na sua essência, o que equivale a dizer que, a despeito de toda vitória que o homem consiga sobre seus traumas infantis, não poderá jamais se livrar das impressões aflitivas que marcaram seus primeiros anos de vida. Todo desenvolvimento humano e tecnológico que o homem possa atingir não vai livrá-lo de suas dores do passado. Mesmo que se vá à Lua ou a outros planetas, mesmo que a fome seja erradicada da Terra, mesmo que cessem as guerras, cada homem é prisioneiro de suas primeiras experiências dolorosas e deverá tomar seu fardo pesado de lembranças, pois não lhe é possível apagar os dramas vividos em sua época de criança. Assim, encerrado em sua própria impotência, percebe que não tem direito sobre a complexidade das coisas. Resta-lhe a resignação de aceitar os fatos, de saber que estará sempre à mercê daquilo que não pôde e não pode decidir. As escolhas, estas aparecem mais tarde, mas, na primeira infância, não

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existem. As crianças, reféns do saber dos adultos, enxergam o mundo como este lhes é passado. O certo, o errado, o bem e o mal vão se configurar mais tarde, mas certamente, por muito tempo, os conceitos estabelecidos prevalecerão. A este terrível conhecimento de que, na essência, nossa primeira visão de mundo não se altera, soma-se ainda o fato de que as pessoas não são iguais, sua sensibilidade é tão diversa como diversos os acontecimentos que as acometem. Assim, as crianças mais sensíveis tendem a gravar com mais intensidade os fatos marcantes de seus primeiros anos. Em todas as épocas, o mundo foi presenteado com indivíduos notáveis que se tornaram escritores, músicos, pintores e outros gênios que, graças à sua sensibilidade, sobressaíram-se em vários aspectos da arte. Muitos deles fizeram de sua produção artística um verdadeiro canal de expressão da própria dor. Alguns escritores mesclaram vida e criação literária com tamanha intensidade que seria quase impossível separá-las. Dostoiévski escrevia sobre toda a miséria do ser humano, como se escrevesse a sua própria. Descrevia ambientes pobres e medíocres, como aqueles em que vivera; derramava em suas obras toda a amargura experimentada, criando personagens angustiados que pareciam ser ele mesmo. Franz Kafka isolava-se; escondia-se entre seus livros e sonhos, derramando sua angústia em seu diário. Seus trabalhos retratam o desamparo em que vivia dentro da própria família. Edgar Allan Poe, objeto de estudo deste trabalho, teve sua obra dominada por um fascínio pela morte e desamparo. Mas poderia o texto literário, sendo uma expressão de arte, não retratar o belo e o prazeroso? Não seria sua função conduzir o leitor para aragens mais frescas e libertá-lo da realidade dura em que vive? Felizmente a arte está onde está o homem, sempre dividido entre o bem e o mal. Quando o homem se atreveu a sair

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da “Caverna de Platão”, foi por não mais suportar conviver com o comum. Com efeito, as tempestades são, por vezes, mais belas do que as calmarias violentas (ROUDINESCO, 1999). Os tratados de estética em geral preferiam preocupar-se com o que é belo, atraente e sublime, isto é, com sentimentos de natureza positiva, mais do que com os sentimentos opostos, de repulsa e aflição. Mas “por estética se entende não simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das qualidades do sentir” (FREUD, 1996b, p.237). Os conceitos de belo adquirem, portanto, outro caráter. Apresentar literariamente a morte, a angústia e o medo é conceder ao leitor a possibilidade de participar do drama do escritor e também de identificar-se com o horror. E não estaria esse horror também revestido do belo? Para Edgar Allan Poe, a imagem da morte era fundamentalmente necessária e indissociável da arte e da beleza. Dizia ele em versos, posteriormente eliminados e não traduzidos por Mallarmé: “Eu não sabia amar senão onde a morte / Mesclava o seu ao hálito da beleza” (POE apud MANNONI, 1995, p.13). Para um escritor, sempre alimentado de muita sensibilidade, difícil é não arrastar seu “eu”, suas experiências dolorosas, como a imensa cauda de um cometa sombrio e tristonho. À medida que os escritores criam suas obras, vão revivendo seus traumas infantis, usando personagens que, na verdade, são eles próprios, pois representam a sua realidade experimentada. Segundo Maud Mannoni (1995), a criação literária, que não é dom de todos, possibilita que muitos indivíduos marcados pela dor na infância consigam recriar sua experiência inicial de desamparo. E nessa busca incessante por transpor o horror para a criação, ficam à espera de um público que possa partilhar do efeito catártico que lhes é tão necessário. A literatura, quando se reveste dessa função peculiar, permite que autor e leitor assistam à própria vida

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sendo representada, e catarse é o termo que vem designar uma purificação, por meio da qual o individuo alivia suas tensões e equilibra sua saúde. Segundo Bittencourt (2006), Imre Kertész, deportado para Auschwitz, na Polônia, aos quatorze anos, usou essa experiência como fio condutor de toda a sua obra literária. Para ele, é óbvia a diferença entre quem escreve tendo conhecimento de algo trágico e quem o faz baseado em sua própria experiência. Neste caso, a literatura aparece como uma forma de salvação. Numa das passagens de sua obra Liquidação, o personagem Amargo diz que “o mundo se compõe de cacos de vidro, que só se juntam pelo ato de escrever” (KERTÉSZ apud BITTENCOURT, 2006, p.1). De fato, para quem sofreu uma irremediável perda na vida, resta contemplar cacos quebrados, numa inútil e insana tentativa de recompor um absurdo quebracabeça. Mas, à medida que se escreve, as peças tendem a se encaixar. A literatura assume, assim, o papel da psicanálise, pois a escrita, à semelhança da fala, exorciza os demônios aprisionados. Uma reportagem de Raul Juste Lores (2006, p.16) sobre o episódio da guerra das Malvinas apresenta uma entrevista com o ex-combatente e jornalista Edgardo Esteban, que conta sua história em Malvinas-Diario Del Regreso. Interrogado pelo repórter a respeito da existência de acompanhamento psicológico para os sobreviventes, respondeu: Mais de 350 ex-combatentes se suicidaram. Não tivemos nenhum apoio. Os militares queriam nos esconder. Era um fardo, os soldadinhos que chegavam magrinhos, mortos de fome...Nos davam pouca comida, lutando sob 15, 20 graus negativos. Soldados que foram pegos pegando comida no armazém de campanha foram colocados em um calabouço, de castigo. 91% dos ex-combatentes nunca tiveram tratamento psicológico. Também há uma negação de falar de seus fantasmas interiores. Há vários casos de estresse pós-traumático, violência familiar, alcoolismo, dependência de drogas. (ESTEBAN apud LORES, 2006, p.16).

Questionado sobre ter de enfrentar pesadelos, depressão, continuou:

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Não posso me queixar. Sempre tive tratamento psicológico, fiz teatro e escrevi o livro, que foi uma grande terapia. Mas os fantasmas continuam. Fui o primeiro ex-combatente a voltar às Malvinas, em 1999, como jornalista da Telemundo. Pensei que eu passaria por cima da história facilmente, mas a história é que passou por cima de mim. Fiquei com uma angústia terrível, sofri, vi que as feridas voltaram a se abrir. (ESTEBAN apud LORES, 2006, p.16).

Edgardo Esteban encontrou, através da escrita, uma maneira de sobreviver, embora os fantasmas tenham continuado, como ele mesmo diz, pois não é possível apagar as lembranças tristes. Rubem Alves (2000, p.87) dizia que “a psicanálise é uma luta para quebrar o feitiço da palavra má que nos fez adormecer e esquecer a melodia bela”. Da mesma forma, escrever é recordar o canto esquecido. O escritor, ao criar o personagem, identifica-se com este, para poder reviver ou repetir o mesmo drama. Dessa forma, dá-se origem ao “duplo”, uma segurança contra a própria destruição do ego. “Em outras palavras, há uma duplicação, divisão e intercâmbio do eu (self).” (FREUD, 1996b, p.252). Edgar Allan Poe criou em suas obras um estranho que era ele próprio, reelaborando o trabalho do luto e da morte. Sua criação continuou cativa de sua relação imaginária com o outro, que afinal era consigo mesmo.

1. 2. Edgar Allan Poe – uma vida marcada pela solidão

Eu não tinha medo de olhar as coisas horríveis, mas ficava apavorado com a idéia de nada ver. Edgar A. Poe

Edgar Allan Poe foi um escritor de grande genialidade. Passados mais de cento e cinqüenta anos de sua morte, ele continua sendo um dos ficcionistas mais

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lidos e admirados no mundo inteiro. Foi um mestre da literatura policial, dos contos de terror e da poesia. Suas histórias foram sempre calcadas em ambientes escuros, medo, tristeza, desvario, solidão, desamparo, sufocamento, morte, cadáveres expostos, atmosfera aterrorizante. Poe conseguiu ser original em suas criações, que sempre repetiam a cena do terror. Sua obra foi dominada por um incrível fascínio pela morte, que sempre foi sua fiel companheira de vida. Marcado por uma infância difícil, ele transformou sua criação literária em um canal para externar seu desamparo. Em sua insistência em exibir a morte nas mais diversas modalidades, ele sempre procurou por um público que pudesse partilhar de seu sofrimento e lhe oferecer um efeito catártico, absolutamente indispensável. Por toda a vida, Poe reelaborou o trabalho do luto e da morte, transferindo para suas criações seus próprios tormentos. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, a 19 de janeiro de 1809. Filho de Elizabeth e David, atores pobres e ambulantes, foi marcado por dolorosas experiências. Teve um irmão mais velho, William Henry Leonard, deixado com os avós em Baltimore. O desaparecimento do pai de Poe quando este tinha apenas dezoito meses de idade marcou o começo de um mistério da família Poe, a respeito do qual muita especulação ocorreu. Não se sabe ao certo se o pai de Poe abandonou a família ou se morreu, mas, qualquer que tenha sido a causa de sua desaparição definitiva, houve algo a esse respeito que, mais tarde, causou grande incômodo ao filho de Elizabeth. O pequeno Edgar, com apenas dois anos, passou a acompanhar a mãe em suas turnês. A senhora Poe ainda teve uma menina, em 1810, a pequena Rosalie, cuja paternidade permaneceu duvidosa. Logo depois desse nascimento, Elizabeth reapareceu, representando em vários lugares, continuando a luta, agora

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desesperada, para sustentar a si mesma e suas duas crianças, a despeito de sua saúde rapidamente deteriorada. As fadigas das turnês eram enormes e, para uma mulher sensível, com dois filhos pequenos, esse modo de vida era difícil e exaustivo. [...] alguns amigos faziam chegar às mãos dela mantimentos e roupas; sua situação material, na verdade, era tão precária, que o seguinte apelo foi publicado no Richmond Enquirer: “Esta noite, a Sra. Poe, definhando de dor em seu leito e cercada pelos filhos, suplica sua ajuda, talvez pela última vez”. Em 9 de dezembro de 1811, a atriz morreu. Edgar estava sozinho em casa com sua irmã Rosalie [...] O brilho dos olhos da Sra. Poe, fitando seu filho de três anos, [...] viria a dominar toda a obra de Edgar Poe. A marca traumática de sua infância foi a solidão que ele conheceu, durante horas a fio, diante dessa morte: em seu desamparo, ele não tinha palavras para nomear o irreparável. Somente no dia seguinte foi que uma amiga da mãe, descobrindo o horror da situação, recolheu Edgar. Ela lhe serviu de mãe adotiva. (MANNONI, 1995, p. 11-12).

Segundo Allen (1945), essa amiga da mãe de Poe foi a senhora Frances Keeling Allan, a primeira esposa de John Allan, com quem se achava casada há oito anos, sem filhos. É provável que Frances Allan e sua irmã já tivessem estado com a mãe de Edgar algumas vezes e se interessado pela sorte de Elizabeth e seus filhos. Não é difícil imaginar quais devem ter sido os pensamentos e emoções da senhora Allan, mulher de tendências carinhosas e sem filhos, ao sentar-se naquele sótão desnudo em que moravam os Poes com o belo Edgar, de cabeça cacheada, nos seus braços compadecidos. Depois da morte da mãe, Edgar e Rosalie não se viram por algum tempo. Criança como era, mal podia o menino Edgar recordar-se das cenas reais que cercaram a tragédia final de sua jovem mãe, mas deve ter tido consciência, naquele momento, de que seu pequeno mundo familiar se desfazia, de repente, em pedaços em torno de si. Quando Edgar chegou à rua, foi separado de sua irmãzinha e de súbito se viu sozinho com uma mulher afeiçoada, mas não obstante estranha. A irmã Rosalie, que por certo protestara, tinha misteriosamente sumido nos braços de outra pessoa desconhecida. Ao rodar sobre as velhas ruas da cidade de Richmond,

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juntamente com a senhora Allan, Edgar deve ter, pela primeira vez, sombriamente experimentado, numa emoção sem palavras, a extrema sensação de temor e absoluta solidão que o acompanharia até o túmulo. Edgar Allan Poe foi levado para a casa de John Allan. Embora a senhora Frances, sem filhos próprios, tenha amado intensamente Edgar, John Allan nunca adotou o menino legalmente e tampouco em seu coração. Isso provavelmente causou a Poe muitos problemas com o passar dos anos. Em 1815, John Allan mudou-se para a Escócia e Inglaterra com a família, e lá Edgar começou seus estudos. A disciplina na Academia, escola de tradições medievais, era rigorosa; um dos exercícios de escrita consistia em copiar epitáfios de velhas sepulturas do cemitério da igreja. Os Allans voltaram para a América em 1820. Já naquela época, Edgar começou a desenvolver uma estranha variabilidade e lados contraditórios de sua personalidade, que tanto confundiram e continuarão por muito tempo a intrigar o mundo. Poe começou a escrever muito cedo. Parte dos poemas contidos no seu primeiro livro, conforme sua própria declaração, foi composta na idade de quatorze anos. Bem cedo, teve ele uma grande experiência emotiva. Conheceu a mãe de um amigo, a senhora Jane Stith Stanard, famosa por sua beleza, e nela encontrou o ideal do primeiro amor, como todo jovem. O poema “To Helen” foi dedicado a Jane, fato comprovado pela escrita de próprio punho de Poe, a lápis, na página 91 do primeiro volume de uma coletânea de seus poemas. Junto do nome “Helen”, ele escreveu “Stanard” (ALLEN, 1945). Mais tarde a senhora Stanard enlouqueceu e veio a falecer. É sabido que Poe visitava freqüentemente o túmulo da mulher a quem tinha dedicado seu famoso poema. “Helen” morrera, mas, algum tempo depois,

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Edgar se apaixonou por Sarah Elmira Royster e, quando foi para a universidade de Virgínia, obteve dela a promessa de que esperaria por ele. Até então, havia Poe recebido uma boa educação, como muitos rapazes de Richmond. John Allan bem conhecia as habilidades de Edgar na declamação e sua inclinação pela literatura e pelo mundo intelectual, e pode ter vislumbrado as vantagens de uma carreira profissional, o Direito, com talvez os salões do Congresso em perspectiva. Mas, na universidade, Edgar Poe começou a beber e jogar, perdendo muito dinheiro. As bebedeiras e inúmeras dívidas contraídas fizeram com que John Allan desistisse de custear seus estudos. A diferença entre eles aumentou e mais tarde Poe afirmou em um relato: “Ele me tratou tão bondosamente quanto o permitia sua natureza grosseira” (POE apud ALLEN, 1945, p.122). Edgar tinha sido provido de casa e de educação, mas não obteve de seu pai adotivo a simpatia e a compreensão de que precisava . De volta para casa, Edgar tomou conhecimento de que Elmira havia se casado com outro. Esta perda constituiu para Poe uma profunda fonte de melancolia. John Allan queria que Edgar trabalhasse para ele, mas Poe certamente não seria feliz como “homem de negócios”. Em março de 1827, Edgar saiu definitivamente de casa, com apenas dezoito anos de idade. Segundo Strickland ([19-]), Poe queria, mais do qualquer outra coisa, tornarse famoso. Nos anos seguintes continuou escrevendo e vivendo na pobreza. Ele foi o primeiro autor americano que tentou ganhar a vida como escritor. Quando saiu da casa de John Allan, procurou por sua avó, mãe de seu pai, em Baltimore. Ela vivia em uma pequena casa com sua filha, a senhora Clemm, e a neta, Virginia. Poe sentiu-se em casa e tentou ganhar algum dinheiro escrevendo para revistas e jornais. Uma das revistas que aceitou publicar alguns de seus poemas e histórias foi

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a Southern Literary Messenger. A pedido do proprietário dessa revista, ele trabalhou como crítico de outros escritores, o que o tornou conhecido por toda a nação, bem como a revista. Ele não temia expor suas opiniões sobre os trabalhos dos outros, o que lhe acarretou ter bem poucos amigos. Nessa época, Poe ainda vivia com a senhora Clemm e Virginia. Ele precisava muito delas e talvez sentisse por elas um afeto de filho e irmão, mas acabou casando-se com Virginia, ele com vinte e oito anos e ela com quatorze anos incompletos. Alguns críticos costumam dizer que Poe se casou com Virginia apenas para não perder sua nova mãe, a senhora Clemm, e o lar que ela tinha lhe dado. Poe não parou de beber e perdeu seu emprego. A família mudou-se para Nova York, depois para Philadelphia, onde ele se tornou editor do Burton´s Magazine e também do Graham´s Magazine. De volta a Nova York, Poe foi editor do Broadway Journal. Ele sempre foi um bom editor e sempre conseguia mais leitores para cada revista ou jornal em que trabalhasse, mas nunca permaneceu em nenhum emprego por mais de dois anos. Não era apenas por causa da bebida; ele e os patrões não compartilhavam a mesma opinião e sempre, depois de duras palavras, ele deixava o emprego. Poe continuou bebendo. Ele sabia que Virginia não viveria por muito tempo. Embora Poe tenha trabalhado como crítico literário, ele é conhecido e lembrado por suas histórias e poemas, especialmente “O corvo”. Como o Romantismo estava em moda na Europa naquela época e trazia como forte característica a fuga da realidade, as pessoas gostavam das histórias de Poe, que as levavam para longe de seu cotidiano. Ele demonstrou ter muita habilidade para esse tipo de literatura. Costumava dizer que escrevia histórias de terror porque era o

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que as pessoas queriam ler e também porque poderiam dar a ele a fama desejada. A fama aconteceu, mas sem que ele pudesse provar dela. Durante seus últimos anos, Poe travou verdadeira batalha com editores e críticos em Nova York. Pelo início de 1847, ele sabia que já havia perdido essa luta e provavelmente tinha bem mais inimigos. Em janeiro daquele ano, Virginia morreu. Daquele momento em diante, Poe só decaiu e seu espírito foi destruído. Ele passou mais de um ano correndo entre Nova York, Richmond e Philadelphia, tentando encontrar uma de suas ricas amigas que poderiam se casar com ele. Continuou escrevendo e publicou algumas coisas interessantes. Recolhido numa sórdida taberna, Edgar Allan Poe foi internado num hospital de Baltimore nos primeiros dias de outubro de 1849, vazando álcool por todos os poros. Dali só sairia para o cemitério. Vez por outra despertava do coma e gritava por um nome, Reynolds. Na manhã de 7 de outubro, um domingo, acalmou-se por um bom tempo e, às horas tantas, moveu devagar a cabeça e balbuciou suas últimas palavras: “Senhor, ajudai minha pobre alma”. (AUGUSTO, 1999, p.12).

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2. O CONTO E A NARRATIVA FANTÁSTICA

2.1. Breve histórico do conto

A palavra “conto” possui, em vernáculo, concepções como: número, cômputo, quantidade; história, narrativa, historieta, fábula, caso; extremidade inferior da lança ou do bastão (MOISÉS, 1967). Para a acepção literária, a segunda é que importa. Segundo Massaud Moisés (1967), é possível que o conto tenha aparecido antes de Cristo, a exemplo de episódios da Bíblia e da Mitologia Grega, como: o conflito de Caim e Abel; as histórias de Salomé, Rute, Judite; o episódio entre Afrodite e Mercúrio, na Odisséia; os amores de Orfeu e Eurídice, nas Metamorfoses, de Ovídio. Do Oriente, também é possível citar: Mil e Uma Noites, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, Ali-Babá e os Quarenta Ladrões. Durante a Idade Média, o conto viveu sua época áurea, com o aparecimento de Boccaccio, com Decameron, e Chaucer, com Canterbury Tales. Nos séculos XVI e XVII, graças à influência de Boccaccio, o conto foi muito cultivado, principalmente na Itália. Na Espanha, Cervantes e Quevedo foram seus representantes. A França também aderiu, apresentando La Fontaine. No século XVIII, a ficção em prosa não se destacou, mas, no século XIX, viveu sua época de glória. Tornou-se “forma artística”, adquirindo importância, e foi bastante cultivada como produto estritamente literário. Na segunda metade do século XIX, intensificou-se a publicação desse tipo de obra e o conto passou a disputar terreno com o romance. É na França que o conto encontrou mais aceitabilidade. Balzac abriu a lista, com Contes Drôlatiques, seguido de Flaubert,

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com Trois Contes. Maupassant foi um verdadeiro mestre do conto, sendo imitado por gerações de escritores. Entre seus contos, deixou obras-primas, reunidas em Boule de Suif, La Maison, Tellier e Contes du Jour et de la Nuit. Além dos escritores franceses, no século XIX, surgiu o norte-americano Edgar Allan Poe, com Tales of the Grotesque and Arabesque e The Murders in the Rue Morgue; o russo Nicolai Gogol, que, juntamente com Poe, introduziu o conto moderno; Anton Tchecov, também destacado escritor russo, que soube bem traduzir a alma eslava com seus mistérios e misticismo; e o alemão Hoffmann, que ficou famoso com seus Contos Fantásticos. No Brasil, surgiu Machado de Assis, com muitos e variados contos, entre os quais, “Missa do Galo”, “A Cartomante”, “O Alienista”. No século XX, mais ainda do que no século XIX, o conto atingiu seu brilho máximo, chegando até nossos dias como forma “erudita” ou literária. Uns poucos nomes serão suficientes para dar uma idéia da grande diversidade: Anatole France, O. Henry, Virginia Woolf, Kafka, James Joyce, E. Hemingway, Máximo Gorki.

2.2. Estrutura do conto

Segundo Massaud Moisés (1967), o conto, ao longo de sua história, é tido como uma das formas literárias mais flexíveis. Entretanto, mesmo passando por contínuas mudanças, mais de ordem cultural, ele se manteve com uma estrutura única. Por mais diferenças que possam ser apontadas entre as histórias, desde as mais antigas até as mais atuais, é possível perceber que o conto permaneceu como uma narrativa com características estruturais comuns. Ele traz uma história completa e fechada, não sendo possível ser estendida esta história para um romance, da

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mesma forma que um romance não pode ser abreviado nas proporções de um conto. Do ponto de vista dramático, o conto só comporta uma forma de interpretação. Na época romântica, “drama” era visto como um misto de tragédia e comédia, mas, na prosa de ficção, passou a significar “conflito”. Assim, “ação” e “conflito” tornaram-se equivalentes, considerando que em toda ação existe um conflito e que este conflito também promove uma ação, havendo, pois, uma implicação entre eles. O conto constitui uma unidade dramática que gira em torno de um só conflito, um só drama, uma só ação. A ação pode ser externa, quando os personagens se deslocam no espaço e no tempo, ou interna, quando o conflito se refere a movimentos interiores. Pelo fato de compreender uma única ação ou conflito, não é possível ao conto conter divagações excessivas, porque cada palavra ou frase tem sua função econômica na narrativa. Assim, o contista pode lançar mão da síntese dramática, ou seja, pode apresentar um sumário do passado ou futuro com o objetivo de esclarecer a situação presente. A unidade de ação determina todas as outras características do conto. O espaço é apresentado sempre de forma restrita, podendo ser uma rua, uma casa e mesmo um quarto de dormir. De forma igual, o tempo também se restringe a um curto lapso, podendo o conflito se passar em horas, ou dias, sempre havendo a possibilidade de se recorrer à síntese dramática, com as convenientes explicações sobre passado ou futuro dentro da história. Assim, sempre voltado para o centro da ação dramática, o conto não necessita de divagações, sugerindo a idéia de objetividade, mais especificamente nas três unidades, de ação, tempo e lugar. Podese falar também em unidade de tom, que conduz os componentes da narrativa

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dentro de uma estruturação harmoniosa, com o objetivo de provocar no leitor uma só impressão, como pavor, piedade, ódio, simpatia, ternura ou indiferença. Em síntese, como evidencia Moisés (1967), pode-se comparar o conto com uma célula, com o núcleo e o tecido ao redor; o núcleo é carregado de densidade dramática, enquanto o tecido circundante existe em função dele. A articulação entre este núcleo dramático e o que o envolve e circunda é que determina o êxito e o sucesso do conto. Os personagens, conseqüentemente, devem ser poucos, pelo restrito campo de ação dos acontecimentos. Limitam-se a um ou dois protagonistas e poucos que complementam a ação. Uma vez que, no conto, as divagações excessivas são dispensadas, o realismo e a verossimilhança são acentuados. Segundo Moisés (1967, p. 52): A técnica de estruturação do conto assemelha-se à técnica fotográfica: o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade dos pontos que pretende abranger no visor; [...] Uma imagem bem conseguida seria aquela em que os pormenores involuntários se harmonizam com o âmago da cena, dando a impressão de uma paisagem que a olho nu não perceberíamos, dispersos pelas minúcias que nos atraem.

A linguagem utilizada no conto deve ser objetiva, concreta, com metáforas modestas para não comprometer a compreensão do leitor. O discurso é o mais importante componente da linguagem, porque os conflitos estão expressos mais na fala e no pensamento do que em atos ou gestos. É importante ressaltar que, sem aqueles, não ocorre discórdia ou mal-entendido e, conseqüentemente, não há enredo nem ação. O discurso, além de se classificar como externo ou interno, pode ser direto, indireto ou indireto livre.

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A descrição, no conto, desempenha um papel parecido com o da narração, podendo variar conforme o tipo de história, pois há aquelas que exigem mais detalhes quanto ao cenário, outras quanto aos personagens. O ponto de vista pelo qual é narrada a história é de fundamental importância na estrutura do conto. Também conhecido por foco narrativo, deve responder às perguntas: Quem testemunha a história? Quem conta a história? Em que perspectiva se situa? Segundo os críticos norte-americanos Cleanth Brooks e Robert Penn Warren (apud MOISÉS, 1967, p.66-67), os focos narrativos poderiam ser estabelecidos de acordo com o seguinte quadro sinóptico: 1º. A personagem principal narra sua história. 2º. Uma personagem secundária narra a história da personagem central. 3º. O narrador, analítico ou onisciente, conta a história. 4º. O narrador conta a história como observador.

O autor deve optar pelo ponto de vista que melhor se ajuste para narrar uma história convincente. Toda narrativa pressupõe um foco narrativo, não sendo possível uma história sem este. Entre os tipos de conto, estão: o conto de ação, tipo mais comum; o conto de personagem, menos freqüente; o conto de atmosfera ou cenário, menos freqüente que os dois anteriores; o conto de idéia, muito utilizado no século XVIII; e o conto que transmite emoção, geralmente mesclado ao de idéia. O conto de emoção revela a presença do fantástico ou do maravilhoso, sem desrespeitar as normas do conto. Às vezes, os expedientes usados lembram as narrativas de mistério ou de terror, como as de Hoffmann e de Edgar Allan Poe. Segundo Moisés (1967), um dos aspectos mais controvertidos da teoria do conto diz respeito ao início e ao epílogo. Para Edgar Allan Poe, o epílogo possui relevância fundamental, tudo convergindo para ele. Dizia o escritor norte-americano:

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“Nada é mais claro do que o fato de que todo enredo digno do nome deve ser elaborado tendo em vista o desenlace, antes que mais nada seja tentado com a pena” (POE apud MOISÉS, 1967, 81). Considerado, assim, o clímax da narrativa, o epílogo caracteriza-se por ser enigmático, surpreendente. Maupassant também era adepto do conto que valoriza o epílogo imprevisível, a ponto de lhe emprestar o nome “conto à Maupassant”. Com idéias contrárias às de Poe, Tchecov via o epílogo como algo que pudesse ser descartado, o que deu origem ao “conto moderno”, sem epílogo ou com desenlace não enigmático, situando o clímax em meio à narrativa. O escritor russo ainda acreditava que o conto podia e devia prescindir de explanações iniciais ou preâmbulos. Caberia ao leitor mergulhar na história sem desculpas ou outras referências ao espaço, tempo ou ocasião. Colocando essas discordâncias de lado, é importante observar que o começo do conto constitui o maior desafio que os escritores podem enfrentar, pois ele deve nortear todo o restante da narrativa. Uma vez preso às primeiras linhas, o leitor certamente prosseguirá até o fim e o autor terá realizado seu intento. O contista experimentado sabe como principiar e como prender o leitor, excitando-o com a promessa de uma história surpreendente e original, não importando se à maneira tradicional ou se à Tchecov.

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2.3. Narrativa fantástica

Parece porque é. Edgar A. Poe

Em seu conto “Of Missing Persons”, Jack Finney (1958) relata a história de pessoas que, saturadas de seu cotidiano cruel ou simplesmente sem perspectiva de sentir qualquer alegria na vida, arriscam tudo por um bilhete de ônibus que as levará para outro mundo ou outra dimensão. Instigado pelo agente de viagens para que diga para onde realmente quer ir, o personagem, contando sua história na primeira pessoa, diz, segurando a respiração: “Escapar, fugir”. E o agente pergunta: “Do quê?” “Bem” – Agora eu hesitei; eu antes nunca tinha colocado isto em palavras. “De Nova York”, eu disse. “E das cidades em geral. Fugir das contrariedades. Do medo. E das coisas que leio nos jornais. Da solidão”. E agora então eu não podia parar, embora eu soubesse que estava falando demais, as palavras saíam assim, cuspidas de minha boca. “Escapar de nunca estar fazendo o que eu realmente quero ou ter, afinal, um pouco de diversão ou felicidade. Fugir de viver meus dias apenas para permanecer vivo. Escapar da própria vida – pelo menos do jeito que ela se apresenta hoje”. Eu olhei diretamente para ele e disse suavemente, “Do mundo”. (FINNEY, 1958, p.24, tradução nossa).

Em seguida, o agente de viagens propõe ao personagem viajar a “Verna”, um lugar não identificado, mas, ao que tudo indica, algum outro planeta. No folder, estão escritas as palavras: “Romântica Verna, onde a vida é como deveria ser” (FINNEY, 1958, p.25, tradução nossa).

O personagem, atraído pela perspectiva da vida

naquele lugar, paga o bilhete, que é “one way only”, ou bilhete apenas de ida. No dia marcado para a viagem, sentindo-se ludibriado, afasta-se do meio de transporte que o levaria à terra maravilhosa e depois, arrependido, percebe que Verna realmente existia, mas não obtém uma segunda chance para a viagem.

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O conto de Jack Finney é um exemplo de narrativa fantástica tal como ela era caracterizada no século XX. Nessa época, marcada pela avançada tecnologia, o homem percebeu que não existia mais espaço seguro para ele. De repente, sua casa ficou povoada por estranhos objetos e estranhas pessoas e, assim como o personagem do conto comentado, ele se via tentado a comprar um bilhete para um lugar onde pudesse viver sem medo. Segundo Volobuef (2000, p.109): No século XX, o fantástico transportou-se para a linguagem, por meio da qual é criada a incoerência entre elementos do cotidiano (a causa da angústia está na falta de nexo na ordenação de coisas comuns, na falta de sentido, no surgimento do absurdo).

Em outras épocas, como no século XVIII, o medo do homem provinha de um fantasma, um elemento sobrenatural, e a causa de sua angústia estava no ambiente externo. No século XIX, o sobrenatural foi substituído pelas imagens assustadoras produzidas pela loucura, alucinações e pesadelos, estando a causa da angústia no interior do sujeito. Já no século XX, o medo do homem resultava de sua incapacidade para lidar com a realidade absurda dos dias em que vivia. O conto de Finney se caracteriza como narrativa fantástica porque atende às condições definidas para o gênero. Segundo Todorov (1969, p.151): Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo dos personagens como um mundo de pessoas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. Em seguida, essa hesitação deve ser igualmente sentida por uma personagem; desse modo, o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação se acha representada e se torna como um dos temas da obra; [...] Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude com relação ao texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica como a interpretação “poética”.

Com relação ao texto de Finney, o leitor se identifica com o protagonista, com suas angústias e expectativas, e hesita entre o lógico e o sobrenatural. Com efeito,

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para se manter, o fantástico implica a existência de um acontecimento estranho, que provoque uma hesitação no leitor e no personagem. O fantástico pode, assim, ser definido como “a hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1969, p. 148). Essa hesitação é o que dá vida ao fantástico e o que leva alguém a exclamar: “ ‘Quase cheguei a acreditar’: eis a fórmula que melhor resume o espírito do fantástico” (TODOROV, 1969, p.150). Segundo Todorov (1969), a ambigüidade necessária à narrativa fantástica pode ser auxiliada pelo emprego de certos recursos na escrita, como os processos verbais. A modalização e o imperfeito como tempo verbal sugerem dúvida. Pela modalização, entende-se o uso de locuções introdutórias que modificam a relação entre o sujeito da enunciação e o enunciado. Note-se que, ao falar “chove lá fora” e “talvez chova lá fora”, o sujeito da enunciação transmite uma certeza na primeira declaração e uma incerteza na segunda. O tempo verbal imperfeito tem um efeito semelhante. As narrativas fantásticas sempre estão recheadas de verbos no pretérito imperfeito, como exemplifica o conto “Eleonora”, de Poe: “[...] corria lentamente um rio estreito e profundo [...]”, “O encanto de Eleonora era o dos Serafins [...]” (POE, 1988, p. 92-93). Retomando novamente a ambigüidade de que necessita o fantástico, pode-se dizer que ela muitas vezes remete à loucura, tornando-se necessário questionar se esta não seria, na verdade, uma razão superior, como faz o narrador de “Eleonora”: Os homens chamaram-me louco; mas está ainda por estabelecer se a loucura é ou não a mais suprema inteligência, se muito do que é glorioso, se tudo o que é profundo não provém de uma enfermidade do pensamento – de modos de espírito exaltados em detrimento do intelecto geral. Os que sonham de dia são conhecedores de muitas coisas que escapam aos que apenas sonham de noite. Nas suas visões esfumadas, obtém relances da eternidade e estremecem, ao acordar, quando descobrem que estiveram à beira do grande segredo. (POE, 1988, p.91).

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Todorov (1969) diferencia o fantástico e seus dois vizinhos, o estranho e o maravilhoso. No gênero fantástico, a hesitação é a condição essencial. Se o leitor, ao final da narrativa, opta por uma solução, ou seja, se ele decide se o que percebe se deve ou não à realidade, ele sai do fantástico. Se o leitor conclui que as leis da realidade permanecem intactas e permitem explicar o fenômeno descrito, diz-se que a obra pertence ao gênero do estranho. Se, ao contrário, ele decide que deve admitir novas leis da natureza pelas quais o fenômeno possa ser explicado, tem-se o gênero do maravilhoso. Ainda é possível que um gênero se aproxime mais do outro, conservando o fantástico como uma fronteira entre dois domínios vizinhos. Neste caso, surge o fantástico-estranho, em que os acontecimentos que parecem sobrenaturais ao longo da história recebem, por fim, uma explicação racional; e o fantástico-maravilhoso, em que os acontecimentos fantásticos terminam no sobrenatural. Neste último subgênero encontram-se as narrativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de não ter sido explicado racionalmente, nos sugere a existência do sobrenatural. Afinal, o que justifica a existência da literatura fantástica? A resposta pode ser encontrada no conto de Jack Finney. O homem, encarcerado dentro de sua própria angústia, procura escapar da sua realidade. Para Todorov (1969), a função do gênero fantástico está ligada à censura institucionalizada e à que reina na psique dos autores. Quando a sociedade condena certos atos, ela provoca uma condenação no próprio indivíduo, proibindo-o de abordar certos temas tabus. O fantástico surge, pois, como uma maneira de escapar da condenação à prática de atos relacionados com o sexo e crimes. Os psicóticos, os que usam drogas e os considerados loucos podem agir sem medo, pois, sem a censura, obtêm liberdade plena. Torna-se claro, afinal, que a função social e a função literária do sobrenatural

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coincidem: trata-se da transgressão de uma lei. Com efeito, o narrador de “O gato preto” questiona:

Quem alguma vez, ou muitas vezes, não se pegou fazendo alguma coisa errada ou má, só pelo fato de saber que é errada? Não somos nós, humanos, empurrados, dirigidos por algum meio desconhecido a quebrar a lei justamente porque sabemos que é a lei? (POE apud STRICKLAND, [19], p.8, tradução nossa).

Poe apresentou a seguinte receita para escrever contos fantásticos: Pense [...] pense naquele exato momento quando você está quase dormindo, mas ainda não adormeceu por completo. Você sonha sonhos estranhos e aí quando você dorme profundamente, você os esquece. (POE apud STRICKLAND, [19-], p.12, tradução nossa).

Segundo Strickland ([19-]), Poe afirmava que podia chegar nesse estágio do sono e então retornar para o mundo real, lembrando-se dos sonhos daquele meio mundo de que acabava de voltar. Dizia ele que esses sonhos eram o material de alguns de seus escritos.

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3. PSICANÁLISE E NARRATIVA FANTÁSTICA

Se uma dor te aflige, faze dela um poema. Goethe

Em seu trabalho “O Estranho”, Freud (1996b) apresenta a grande variedade de significados que a palavra “heimlich” compreende até alcançar justamente seu significado oposto. “Heimlich” originalmente significa familiar, não estranho, amistoso. De forma curiosa, “heimlich” é tão familiar e íntimo que acaba se tornando oculto. Pode-se dizer que, se alguém nutre um grande e impossível amor, este amor é “heimlich”, no sentido de familiar, íntimo, pessoal, mas também existe aí um sentimento oculto, pelo fato de este amor secreto não poder ser revelado. Da mesma forma, uma casa, sendo familiar, é “heimlich” e, no entanto, também é algo íntimo, guardado e escondido. Portanto, o familiar é estranho e o estranho é familiar, ou, como diz Freud, “o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar”(FREUD, 1996b, p. 238). Tudo o que aparentemente uma pessoa conhece de si está em nível consciente, mas também existe o que não é conhecido e que, portanto, está no inconsciente. Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente? Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu transformação ou tradução para algo consciente. (FREUD, 1996a, p. 171).

Ainda segundo Freud, a “suposição a respeito do inconsciente é necessária e legítima [...] porque os dados da consciência apresentam um número muito grande de lacunas” (FREUD, 1996a, p.172). Posto assim, o que está no inconsciente de

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uma pessoa encontra-se “escondido”, é estranho, mesmo sendo seu. Ocorre que, muitas vezes, o “estranho” emerge das profundezas do ser, amedrontando e realmente assustando, porque foge ao que habitualmente é vivenciado no cotidiano. Neste ponto, precisamente, é possível considerar a “estranheza” provocada pela idéia de duplicidade do homem, ou seja, existe um “eu” que se conhece e outro “eu” que não se conhece, mas ambos são de fato a mesma pessoa. A “duplicação, divisão e intercâmbio do eu (self)” (FREUD, 1996b, p.252) revela que: [...] o sujeito identifica-se com outra pessoa, de tal forma que fica em dúvida sobre quem é o seu eu (self), ou substitui o seu próprio eu (self) por um estranho. [...] E, finalmente, há o retorno constante da mesma coisa – a repetição dos mesmos aspectos, ou características, ou vicissitudes, dos mesmos crimes, ou até dos mesmos nomes, através das gerações que se sucedem. (FREUD, 1996b, p. 252).

Este tema também é abordado por alguns estudos citados por Freud, como o de Otto Rank: Ele [Otto Rank] penetrou nas ligações que o “duplo” tem com reflexos em espelhos, com sombras, com os espíritos guardiões, com a crença na alma e com o medo da morte; mas lança também um raio de luz sobre a surpreendente evolução da idéia. Originalmente, o “duplo” era uma segurança contra a destruição do ego, uma “enérgica negação do poder da morte”, [...] e, provavelmente, a alma “imortal” foi o primeiro “duplo” do corpo. (FREUD, 1996b, p. 252).

Freud também relata uma aventura com o estranho efeito de um “duplo”. Estava sentado sozinho em seu compartimento no carro-leito quando um solavanco do trem, mais violento do que o habitual, fez girar a porta do toalete anexo, e um senhor de idade, de roupão e boné de viagem, entrou. Freud presumiu que ele, ao deixar o toalete, que ficava entre os dois compartimentos, houvesse tomado a direção errada e entrado no seu compartimento por engano. Levantando-se com a intenção de fazê-lo ver o equívoco, compreendeu imediatamente, para espanto seu,

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que o intruso não era senão seu próprio reflexo no espelho da porta aberta. Recordava-se ainda que antipatizara totalmente com a sua aparência. Freud comenta que não devemos ficar assustados com os nossos “duplos”, mas deixar de reconhecê-los como tais, e ainda pergunta se o desagrado que é provocado em nós por este contato não seria um vestígio da reação arcaica que sente o “duplo” como algo estranho (FREUD, 1996b). O “estranho” que mora no inconsciente de uma pessoa pode vir à tona após uma transformação ou tradução para o consciente, como bem diz Freud e certa paciente de muitos anos de psicanálise relata: Às vezes sinto que se abrem portas dentro de mim, ou caminhos, que não me lembro, mas que são meus, tenho certeza. Encontro com outras de mim, que são eu mesma. Ao mesmo tempo essas outras são “estranhas”, pessoas com quem tenho que me habituar a conviver e são tão diferentes de mim, do que sou e do que fui. Mas gosto tanto delas. Gostaria de ter sido como elas, que loucura! Onde foi que estive tanto tempo, em que prisões que me guardavam tão bem? É como se estivesse nascendo agora, ou saindo de um estado de coma, onde todas as coisas têm que ser reaprendidas, ou ainda, enxergando pela primeira vez um mundo que eu já 1 conhecia, mas apenas pelo tato e pelos sons.

É correto afirmar que as pessoas dotadas de especial sensibilidade, como os prosadores e poetas, facilmente identificam a complexa duplicidade humana. Olavo Bilac, em “Dualismo”, mostra que o homem é “capaz de horrores e de ações sublimes” e que residem juntamente em seu peito “um demônio que ruge e um deus que chora”2 . Rubem Alves pergunta: “Será isto? Em nós mora um outro? [...] Que outro é este?” (ALVES, 2000, p.88). Edgar Allan Poe possuía um claro conhecimento do “duplo”, ou seja, ele sempre procurou mostrar em suas obras os dois lados de uma personalidade. No conto “William Wilson”, ele explora abertamente este tema, com o narrador, em

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Relato pessoal da autora deste trabalho. Trechos do poema “Dualismo”, de Olavo Bilac, do site.

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primeira pessoa, contando como foi perseguido por um homem que era um homônimo seu e possuía os traços físicos semelhantes aos seus. Como narrativa fantástica, essa obra é extraordinária, confundindo o leitor do começo ao final da história, pois em nenhum momento é revelado se havia dois “Williams Wilsons” ou apenas um, tomado pela loucura. Ainda no tocante ao “estranho”, Freud também fala sobre a antiga concepção animista do universo: É como se cada um de nós tivesse atravessado uma fase de desenvolvimento individual correspondente a esse estádio animista dos homens primitivos, como se ninguém houvesse passado por essa fase sem preservar certos resíduos e traços dela, que são ainda capazes de se manifestar, e que tudo aquilo que agora nos surpreende como “estranho” satisfaz a condição de tocar naqueles resíduos de atividade mental animista dentro de nós e dar-lhes expressão. (FREUD, 1996b, p. 258).

De maneira geral, o sujeito consciente não é capaz de matar, mesmo que assaltado por uma terrível ira, mas é sabido que guarda dentro de seu inconsciente sentimentos e desejos assustadores. Quando estes emergem, os crimes acontecem. Caso contrário, os sentimentos e desejos permanecem escondidos no mais recôndito interior do homem, que, ao senti-los, assusta-se com o “estranho” que descobre dentro de si e não ousa revelá-lo. Mas há escritores que se sentiram impulsionados a exprimir em seus trabalhos o “estranho”, de forma a apresentar o homem com seus instintos cruéis, sua loucura e seus terríveis tormentos. Adotaram essa prática por um simples estilo? Ou, graças ao dom de escrever, utilizaram a escrita como canal para expressar suas angústias porque lhes era indispensável partilhar tais sentimentos? Os autores de narrativas fantásticas parecem cumprir esse papel, trazendo à tona o “estranho” e provocando no leitor uma extraordinária identificação com suas histórias e estranhos sentimentos.

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Para Freud, o “estranho” na literatura se apresenta como um ramo muito mais fecundo do que o “estranho” na vida real, pela possibilidade da criação do escritor, que pode incluir mais dados e assim obter uma espécie de totalidade do “estranho” da vida real e algo mais. O escritor tem de promover modificações profundas para transpor para a ficção o que foi reprimido e o que foi superado, porque o reino da fantasia se sustenta sem a realidade (FREUD, 1996b). O resultado paradoxal verificado por Freud foi que: [...] em primeiro lugar, muito daquilo que não é estranho em ficção sê-lo-ia se acontecesse na vida real; e, em segundo lugar, que existem muito mais meios de criar efeitos estranhos na ficção, do que na vida real. (FREUD, 1996b, p.266).

O escritor imaginativo torna-se dono de sua criação, possuindo inteira liberdade para aproximar ou distanciar o imaginado da realidade, tendo o leitor que se submeter às regras de quem escreve. Todos os poderes secretos, a realização de desejos, a onipotência de pensamentos, a animação de objetos inanimados, tudo o que é do reino da fantasia não exerce nenhuma influência estranha, por uma anuência do leitor, que sabe tratar-se de uma ficção. Freud acredita que não apenas os contos de fadas, cujos postulados de mundo maravilhoso são conhecidos por todos, mas também outras histórias escolhidas pelos escritores, como as de seres espirituais superiores, espíritos demoníacos ou fantasmas de mortos, não podem causar nenhum vestígio de estranheza na medida em que permanecem dentro do seu cenário de realidade poética. Entretanto, Freud admite que a situação de estranheza se altera quando o escritor opta por um cenário da realidade comum, produzindo os mesmos sentimentos estranhos da vida real. Neste caso, a literatura também tem a

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possibilidade de aumentar e multiplicar este efeito, muito mais do que poderia acontecer na realidade. Freud chama a atenção para o fato de que, nesse tipo de obra, quando o escritor faz emergir eventos que nunca ou muito raramente acontecem, ele trai, de certo modo, a superstição superada, pois o leitor é iludido pela promessa da pura verdade, a qual não é respeitada. As reações do leitor são as mesmas experimentadas diante de situações reais e, quando percebido o truque, é tarde demais, porque o autor já alcançou seu objetivo. Freud diz que o escritor pode manter o leitor por muito tempo às escuras, evitando, de forma astuta e engenhosa, qualquer informação sobre o problema até o fim da leitura (FREUD, 1996b). Com efeito, não é esta a proposta da narrativa fantástica? Conseguir introduzir o leitor no mundo das emoções e fazê-lo prisioneiro da hesitação que permanece por todo o tempo? Neste ponto, precisamente, Freud abre uma porta para que a psicanálise se encontre com a literatura, e o efeito de estranheza da vida real é conseguido pelo escritor habilidoso em suas criações. É importante explicitar que Freud analisou todos esses fatores tendo em vista o efeito de estranheza que era causado ou não nos leitores de ficção, e este trabalho visa verificar como o efeito de estranheza sentido pelos escritores é transposto para a criação literária. Os autores de contos de terror, os produtores de filmes de suspense e outros artistas que vivenciaram experiências traumáticas, se não obtiveram uma superação de seus traumas, pelo menos, através de suas produções, mantiveram-se vivos e externaram sua dor. Suas criações são fantásticas e são reais. Em Amor, Ódio, Separação (1995), Maud Mannoni relata vários exemplos de escritores e produtores cinematográficos que transpuseram para outra cena o seu desamparo.

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Edith Wharton falava da solidão, miséria e sentimento de estranheza em suas histórias de assombração. Em sua infância, com oito anos, contraiu tifo e só permaneceu viva porque o médico pessoal do czar da Rússia, de passagem por Mildbad, concordou em ver a menina e, modificando o tratamento, salvou-a, mas ao preço, para ela, do mais total isolamento numa ala de hotel, onde teve que permanecer durante meses. Os pais muito raramente a visitavam por medo do contágio. Apenas um médico, mascarado e vestido de branco, vinha do exterior. A única pessoa a ver a menina era esse médico, cuja aparição podia assemelhar-se, para ela, à de um fantasma. Alfred Hitchcock, o mestre dos filmes de suspense, declarou certa vez à imprensa que, aos seis anos de idade, havia praticado uma má ação e o pai, para repreendê-lo e impressioná-lo, o levou à polícia local para que o prendessem durante cinco minutos. A lembrança dessa “expedição punitiva”, de aparência inocente, ficou gravada em sua memória como uma representação consciente. Ingmar Bergman, mestre no gênero dos filmes de horror, em sua infância, quando não tinha ainda cinco anos, ficou trancado num armário da casa da avó. Durante o tempo que ela demorou para encontrar a chave, ele rasgou com os dentes a roupa que lá estava. Os vestígios dessa experiência original são visíveis em suas reminiscências posteriores e Bergman ficou fascinado pelo trancafiamento, pelos cadáveres e pela morte. Edgar Allan Poe conheceu a solidão durante horas a fio diante de sua mãe morta, tendo apenas por companhia sua irmã pequena e doente. O brilho dos olhos da mãe fitando-o viria a dominar sua obra, resultando no fascínio pela morte - pela morte real, mas revestida de uma aparência fantástica. Sob os traços horrendos de cadáveres, eram os olhos de sua mãe que não paravam de persegui-lo e que ele

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exibia ao leitor. Ele buscou o fim de sua vida no ópio e no álcool, que o mataram, mas

antes

do

fim

irreversível

sempre

considerou

a

imagem

fundamentalmente necessária, indissociável da arte e da beleza.

da

morte

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4. O ETERNO RETORNO

Nenhuma pena pode escrever nada de eterno, se não for mergulhada na tinta das trevas. Chapman

Os contos analisados neste capítulo se adequam à estrutura prevista para essa espécie de texto literário, caracterizando-se por serem narrativas curtas, com número reduzido de personagens. Observa-se que Poe utilizou-se de ações externas, na medida em que os personagens se deslocam no espaço e no tempo, mas também, e principalmente, de ações internas, uma vez que o conflito sempre se refere a conturbados movimentos interiores do narrador-personagem. O autor recorreu à síntese dramática, ou seja, o narrador faz um breve sumário do passado quando se faz necessário para esclarecer a história presente. O espaço também é apresentado de forma restrita, constituindo-se em sua maioria de ambientes internos, como interiores de casas, castelos, quartos, adegas e até mesmo celas de prisão. Quando o autor optava por inserir cenários externos, ele o fazia com o objetivo de enriquecer a narrativa, com descrições por vezes extensas, porém adequadas ao tom lúgubre, sempre utilizado por ele. O tempo abordado nos contos é quase sempre psicológico, pois, embora os acontecimentos tendam a seguir uma certa linearidade, eles são conduzidos por uma ordem determinada pelo desejo, imaginação e vontade do narrador, que conta sua história sempre após os fatos já terem acontecido. A linguagem usada pelo escritor é objetiva e clara. Embora o narrador se dirija aos leitores, todo o texto não passa de um monólogo por meio do qual ele procura

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organizar o que se passa em sua mente. O foco narrativo é de fundamental importância nestes contos, porque as histórias são contadas sob a perspectiva ou o ponto de vista do narrador, que as relata em primeira pessoa, o que faz com que a impressão de horror ou estranheza causada no leitor seja intensificada. É importante lembrar que, neste caso, o narrador é senhor da história, restando ao leitor se sujeitar ao conhecimento dos fatos sob um único ponto de vista. Conforme observado no segundo capítulo, Massaud Moisés apresenta como aspectos controvertidos da teoria do conto, o início e o epílogo. Edgar Allan Poe valorizava este último, afirmando que tudo convergia para o fim da história, o que pode ser comprovado por meio da análise dos contos que se segue, os quais foram construídos de maneira a fazer com que o leitor espere avidamente pelo desfecho do drama.

4.1. “O gato preto”

“O gato preto” é um dos mais conhecidos contos de Edgar Allan Poe. O autor prodigalizou inigualáveis requintes de horror e crueldade em sua história. Existem inúmeras análises feitas sobre “O gato preto”, que foi publicado inicialmente no United States Saturday Post (The Saturday Evening Post) em 19 de agosto de 1843 (QUINN, 1941). O narrador-protagonista do conto, um condenado à véspera de sua execução, relata seu drama “para aliviar sua alma” (POE, 2005, p.9) . Tal qual sua mulher, fora amigo dos animais e mais especialmente de seu gato preto chamado Plutão. Entretanto, pelo vício do álcool, teve seu comportamento e sentimentos

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transformados, tornando-se agressivo e violento. Irado, após arrancar um olho do gato, enforcou-o em uma árvore em frente à sua casa. Na mesma noite um incêndio destruiu toda a casa, com exceção de uma única parede, que, para assombro de todos, apresentou a figura de um gato enforcado. O protagonista, perplexo, ficou em dúvida se essa imagem seria ou não um fato sobrenatural. Algum tempo depois, ele encontrou um outro gato preto e o levou para casa. Curiosamente, assim como Plutão, esse gato também não tinha um olho, mas trazia no peito uma mancha branca, que, aos poucos, se revelou como a figura de uma forca, para horror de seu dono. Sua afeição pelo animal logo se transformou em ódio e, certo dia, após o gato embaraçar-se em suas pernas, ele, enlouquecido pela cólera, ergueu o machado para matá-lo. A mulher tentou impedi-lo e recebeu o golpe em seu crânio, caindo morta sem um único gemido. O protagonista colocou seu corpo dentro de uma parede da adega, improvisando um túmulo com tanta habilidade, que seria praticamente impossível que seu crime fosse descoberto. Em seguida, procurou pelo gato, que desaparecera misteriosamente. Interrogado por policiais, mostrou toda a casa e a adega, com muita confiança. Sentia-se tão alegre em sua façanha que abusou da sorte, batendo com a bengala na parede onde estava o corpo da mulher para mostrar como a casa havia sido bem construída. Nesse momento, um gemido horrível se transformou em um grito alto e inumano. Os policiais rapidamente desmancharam a parede; o cadáver da mulher, já decomposto, apareceu e, “sobre sua cabeça, com a boca vermelha escancarada e o olho solitário faiscando, estava assentado o horrendo animal” (POE, 2005, p.16). “O gato preto” foi escrito por Poe no século XIX, época em que o sobrenatural havia sido substituído pelas imagens assustadoras produzidas pela loucura, alucinações e pesadelos. Com efeito, logo no início do conto, o narrador, tomado por

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uma grande angústia, confessa não estar certo de que os acontecimentos que irá relatar não tenham sido um sonho ou mesmo efeito de loucura: “Tanto que até agora penso que sonhei. Ou que enlouqueci. Não, louco não devo estar” (POE, 2005, p.9). Este conto de Edgar Allan Poe, em que o personagem principal conta sua história, enquadra-se no gênero de narrativa fantástica, atendendo à exigência apresentada por Todorov (1969), uma vez que o leitor é tomado por uma hesitação constante que o leva ora a acreditar nos fatos, procurando para eles uma explicação natural, ora a aceitá-los como sobrenaturais. Essa mesma hesitação é sentida pelo narrador-personagem, que conta seu drama como algo em que é impossível acreditar: “Inacreditável que tudo isso tenha acontecido” (POE, 2005, p.9). A hesitação, de fato, dá vida à história, pois, logo que surge uma explicação natural para os fatos, o sobrenatural novamente se instaura. O próprio narradorpersonagem fica confuso, hesitando ao longo de todo o relato, fazendo sempre lucubrações e inferências, sem concluir nada de efetivamente exato. Quanto ao fato de sua casa ter sido consumida pelo incêndio, ele diz: “Não quero pensar se essa desgraça teve alguma relação com as atrocidades cometidas por mim. Mas também não quero deixar que seja esquecido nem um elo dessa cadeia” (POE, 2005, p.12). Mais adiante, ele tenta encontrar uma explicação racional para a figura do gato enforcado na única parede que restou após o incêndio: Naturalmente, o animal ficara comprimido àquela parede, colado à massa de estuque, amolecida. Tudo isso – a cal, as chamas, o calor e o amoníaco do cadáver – traçara aquela imagem que ali estava. Mesmo assim, minha consciência não se sentiu tranqüilizada. (POE, 2005, p.12).

Não se pode negar que a impressionante figura do gato enforcado colada na parede deixa uma profunda impressão de terror no leitor, que considera a

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possibilidade de um fato sobrenatural. Aliás, essa possibilidade mantém-se forte durante todo o conto, pois é notória a crença popular que relaciona gatos pretos com feiticeiras disfarçadas. A hesitação que alimenta o fantástico remete à loucura. O leitor provavelmente toma o protagonista por uma pessoa insana, pois, de maneira geral, um indivíduo considerado normal não é capaz de atrocidades tamanhas. O narradorpersonagem confessa que foi vítima de uma transformação em seu caráter produzida pelo álcool. De uma irritabilidade, ele foi desenvolvendo sentimentos cada vez mais agressivos até chegar à total perversidade, responsável por ações que só cometeriam os loucos. O narrador enfatiza que, após um ato perverso, sobrevinha o remorso, porém caracterizado por um sentimento tíbio que logo era esquecido, até o próximo crime. Portanto, o homem criminoso acabaria se habituando à violência a ponto de não mais sentir remorso. O protagonista poderia ser considerado um psicótico que teve seu estado agravado pelo vício do álcool, pois os psicóticos, os drogados e todos os loucos geralmente agem sem censura, transgredindo a lei. Essa questão é abordada pelo narrador do conto, que pergunta quem já não teria sido tentado a transgredir uma lei só pelo fato de ser uma lei, ou de fazer uma coisa errada só por saber que é errado. Mas, curiosamente, o protagonista, ao transgredir a lei, matando a mulher e escondendo o cadáver, acaba se denunciando, como se sentisse o peso do crime, embora insista em dizer que dormiu “profunda e tranqüilamente” (POE, 2005, p.15). Afinal, o cadáver deve ser descoberto e o mal reparado com o criminoso sendo punido. Neste conto e em muitos outros de Poe, ele insiste em expor a morte, corpos mutilados enterrados em paredes, masmorras ou catacumbas escuras. No entanto, esses mortos, de alguma maneira, voltam a se manifestar e devem ser

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libertados. É possível enxergar por trás desse fato o próprio Poe horrorizado, recusando-se a permanecer trancafiado com sua mãe morta, exigindo que alguma estratégia seja tentada para que todo o mal venha à tona e a suposta culpa seja aliviada. Quando o protagonista bate com a bengala na parede, num gesto de bravata, talvez seja Poe que suplique que encontrem o corpo de sua mãe e o libertem. Edgar Allan Poe tinha sérios problemas causados pelo vício do álcool. Ao escrever este conto, ele se mostrou, trazendo à tona o indivíduo atormentado que ele próprio se tornara devido aos inúmeros distúrbios emocionais sofridos desde a infância. É inegável que ele pretendia mostrar o homem em toda sua crueza, em seus instintos mais subterrâneos. Neste ponto pode-se remeter à psicanálise, ao estudo de Freud sobre o “duplo” apresentado em “O Estranho” (1996b). O narradorpersonagem de “O gato preto” relata que desde menino fora “[...] dócil, humano. Sempre tão cheio de ternura para com as pessoas, os animais, as coisas mesmo” (POE, 2005, p.9). Mais tarde uma transformação radical modifica sua personalidade, fazendo emergir um sujeito completamente diferente do que costumava ser, um estranho, que era ele mesmo, mas que nem ele conhecia: “Eu me embrutecera [...] Cheguei a me desconhecer” (POE, 2005, p.10-11). O outro “eu” do protagonista entra em cena, tornando-se o seu duplo, provocando perplexidade no personagem, que compartilha com o leitor sua angústia. O protagonista, não sabendo conviver com seu outro “eu”, dá vazão aos seus instintos maus e reconhece a perversidade que habita dentro de si e que acaba sendo sua própria ruína. De fato, “o estranho” emerge e, no caso específico do personagem, a causa parece ser o álcool, que lhe tira qualquer tipo de censura.

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Poe destaca no narrador-personagem o estádio animista dos homens primitivos de que fala Freud (1996b), exibindo os traços e resíduos dessa fase que ainda são capazes de se manifestar. A ira contida no personagem angustiado é posta para fora e ganha expressão quando ele age livremente cometendo atos criminosos. Um fato marcante que merece destaque neste conto e em muitos outros é a referência que Poe faz aos olhos. O protagonista arranca um dos olhos de Plutão. Poderia ter ferido o animal de outra maneira, mas existe uma fixação pelos olhos. Talvez essa obsessão resulte da imagem do brilho dos olhos da mãe do escritor, os quais nunca foram esquecidos por ele e marcaram sua obra para sempre. O desamparo experimentado na infância e ao longo da vida pelo autor de “O gato preto” o conduziu por caminhos obscuros e cheios de solidão, sendo compensado pelo álcool e culminando em um temperamento difícil, o que tornou sua convivência com outras pessoas impraticável. O narrador-protagonista da história pode ser visto como uma representação de Poe, porém em um estado de tormento amplificado, em que procura se punir de alguma maneira, sendo descoberto e castigado por seus crimes. Poe, por sua vez, também deve ter tido necessidade de se redimir, o que fez através de sua criação literária.

4.2. “A queda da casa de Usher”

O narrador-personagem do conto relata que foi chamado para visitar Roderick Usher, um colega de infância que precisava de sua ajuda. Ao se aproximar da casa, ele já se sentiu oprimido pela atmosfera sombria e macabra do lugar, onde tudo

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parecia mergulhado numa tristeza mortal. A casa, desbotada pelo tempo, tinha uma aparência igualmente lúgubre, embora sua estrutura aparentasse estar intacta. Apenas um olhar mais observador poderia perceber uma fenda que descia do telhado até o chão. Roderick estava sofrendo de um mal de família incurável, talvez uma doença nervosa, e confessou ao amigo que grande parte da tristeza que o afligia era por causa da irmã gêmea, única pessoa da família, Lady Madeline, que também estava sofrendo de uma enfermidade desconhecida dos médicos, além de ataques epiléticos. Naquela mesma noite, Lady Madeline morreu e Roderick conservou o corpo da irmã durante quinze dias num dos nichos do interior das paredes da casa, antes do sepultamento final. O narrador descreve esse lugar como uma galeria “pequena, úmida, apertada, profunda e quase sem ar” (POE, 2005, p.75). Após parafusarem a tampa do esquife, eles voltaram para a parte superior da casa. Algum tempo depois, numa noite de tempestade, sem conseguir dormir, o personagem encontrou-se com Roderick, também insone, e este disse estar ouvindo barulhos. O convidado, determinado a ajudar o amigo, começou a ler seu romance preferido até que, sem mais dúvidas quanto aos barulhos, os dois se depararam com a figura de Lady Madeline, que apareceu com sinais de sofrimento e luta. Trêmula, olhou-os e, depois de um grito, caiu sobre o corpo do irmão. Ela permanecera trancafiada viva, vítima de um ataque epilético. O narrador relata que fugiu aterrorizado e, ao se afastar um pouco da casa, percebeu que a velha mansão desmoronava por aquela fenda que descia do telhado, nada restando da casa de Usher. Este conto, com algumas características distintas das encontradas em “O gato preto”, apresenta um diferente foco narrativo, pois a história é contada por um personagem secundário que narra os acontecimentos passados envolvendo apenas

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dois personagens centrais. No entanto, “A queda da casa de Usher” aproxima-se do conto analisado anteriormente por também se enquadrar no gênero de narrativa fantástica, uma vez que novamente o leitor é tomado pela hesitação entre o lógico e o sobrenatural. A visita do narrador-personagem ao amigo Rodrerick Usher é inicialmente normal e natural, mas logo o leitor percebe, pelo ambiente sombrio e lúgubre do local e da casa, a existência de algo estranho. O efeito de estranheza vai crescendo à medida que o narrador vai se aprofundando nas descrições macabras da casa de Usher e das pessoas que lá viviam. A loucura dos irmãos é sugerida pela enfermidade não esclarecida de que padeciam: “Falou da doença. Era um mal de família. Incurável. Talvez mais uma doença nervosa [...] Percebi que era uma forma de loucura [...] A enfermidade de Lady Madeline zombava, há muito, da perícia dos médicos [...] O diagnóstico era difícil” (POE, 2005, p.73-74). A descrição que o narrador faz de Roderick também remete à depressão e à loucura: “Homem algum jamais se alterara de modo tão terrível quanto Roderick Usher! Seu aspecto era o de um cadáver” (POE, 2005. p.73). Lady Madeline tem um ataque epilético justamente quando o amigo de seu irmão está hospedado na casa e tudo indica que ela deixa de viver: “Sim, porque daquele ataque não saiu mais” (POE, 2005, p.74). O leitor pode se perguntar se a irmã de Roderick estava realmente morta ou paralisada por um ataque, e essa dúvida é intensificada pela maneira como o narrador a descreve no caixão: “Como ocorre nas doenças de caráter epilético, uma leve cor na face e um sorriso suspeito são conservados, e nada é tão terrível nos lábios fechados para sempre” (POE, 2005, p.75). Alguns dias depois, durante uma terrível tempestade, os dois amigos não conseguem dormir e ouvem barulhos suspeitos. A hesitação do leitor permanece até o fim da história, quando, após ver Lady Madeline viva e ferida por

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tentar se desvencilhar de seu túmulo provisório, em um estado de horror, o convidado de Roderick foge da casa aterrorizado. Neste ponto, o escritor habilmente retorna à citação do início da história, em que o narrador fala sobre a fenda que descia do telhado até o chão e que somente podia ser percebida por um olhar observador. De longe, o personagem vê que a fenda alarga-se rapidamente, fazendo a casa desmoronar ao meio de violenta rajada de vento provocada pela tempestade. A casa de Usher se desfaz em ruínas, sob enorme estrondo. O leitor não pode precisar se a destruição da casa foi provocada pela fenda que já se tornara visível ou se foi por força dos estranhos acontecimentos que lá tiveram lugar. Paralelamente a esses efeitos de estranheza, a tônica deste conto está na intensidade do sentimento de melancolia que predomina em toda a história. “A queda da casa de Usher” pode ser considerado um verdadeiro ensaio sobre a tristeza, em que o leitor é contagiado pela imensa solidão e terrível angústia que mantêm prisioneiros não somente os personagens, mas todo o local da casa de Usher, um lugar tão depressivo que faz o narrador exclamar: “Sei que, de repente, me vi tomado de terrível angústia. Uma tristeza muito grande me encheu a alma. E tudo piorou quando vi a casa. [...] Era como se a atmosfera de fora me tivesse penetrado até os ossos” (POE, 2005, p. 70). A natureza naquele lugar parece estar morta e um efeito sobrenatural se impõe: [...] conduzi meu cavalo para a borda escarpada de um lago escuro e de aparência suja, que derramava seu brilho negro à volta da casa. Com um estremecimento, olhei para baixo e vi, mais vivas do que as reais, as imagens refletidas, transformadas e invertidas dos juncos cinzentos, dos troncos lívidos e fantasmagóricos das árvores podres [...] (POE, 2005, p.70).

Quando o narrador se encontra dentro da casa que ele conheceu quando ainda era criança, esta não se apresenta mais familiar, mas com imagens e objetos que despertam sombrias recordações. As descrições feitas pelo narrador do local e

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do interior da casa de Usher são infinitamente ricas. O escritor sabia que, para obter um poderoso efeito da atmosfera macabra que reina em toda a história, fazia-se necessário combinar cenário e personagens. De forma diferente do conto “O gato preto”, este não aborda a violência, mas Poe retoma o tema do trancafiamento de corpos em paredes, prendendo o leitor pelo horror da história. A irmã de Roderick aparentemente morre e este conserva seu corpo durante quinze dias antes do sepultamento final em um nicho do interior das paredes principais do edifício. Mas Lady Madeline não estava morta, apenas foi vítima de um ataque epilético que a deixou em um estado semelhante ao de uma pessoa sem vida. Dias depois, ela consegue se libertar da prisão de seu túmulo e reaparece para horror do irmão e do amigo. Em se tratando de ficção, esse fato não é estranho, mas o seria na vida real, visto tratar-se de um acontecimento pouco comum, como diz Freud em “O Estranho” (1996b). O “retorno” da irmã de Roderick à vida poderia significar o desejo de Poe de que sua mãe não estivesse morta, apenas “dormindo”. Também a descrição da galeria no subterrâneo da casa de Usher pode ser vista como uma revelação de como Poe teria se sentido preso no local onde sua mãe morrera: “Essa galeria era pequena, úmida, apertada, profunda e quase sem ar” (POE, 2005, p.75). Em “A queda da casa de Usher”, Poe volta a se referir aos olhos, associados neste conto à tristeza mortal que aquela casa refletia: “À minha frente, o prédio nu, de construção muito simples, abria suas janelas como olhos vazios” (POE, 2005, p.70). Alguns parágrafos depois, o narrador reforça que as janelas “se assemelhavam a órbitas vazias” (POE, 2005, p.70). Poe também evidencia neste conto a decadência de uma família, nas figuras de Roderick Usher e Lady Madeline, que são unidos por laços estranhos, não

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explicados pelo narrador. Ambos sofrem de uma mesma doença: “Talvez mais uma doença nervosa” (POE, 2005, p.73). Symons (1978) vê no fato de Roderick e Madeline serem apresentados como irmãos gêmeos uma representação de dois lados de uma personalidade, tema que muito interessou Poe e que remete ao “duplo” de Freud (1996b). A destruição da casa poderia significar a própria decadência da família. O escritor também sofria de depressão e, na infância, perdeu as pessoas que amava. Ele, tal qual Roderick, teve uma irmã pequena, da qual foi violentamente separado depois da morte da mãe, e há quem analise a vida do escritor apostando que ele se casou com Virginia mais por um amor fraterno do que outro sentimento (STRICKLAND, [19-]). O fato é que não é possível separar a obra e a vida de Edgar Allan Poe, pois é evidente que ambas sempre estiveram entrelaçadas.

4.3. “O retrato oval”

O narrador-personagem do conto relata que, certa vez, estando seriamente ferido, encontrou um castelo onde ele e seu criado podiam se abrigar. Embora aparentemente abandonado, o local parecia estar em perfeita ordem, com tudo arrumado e limpo. Ocuparam uma torre afastada dos outros aposentos. O quarto escolhido continha muitas pinturas em molduras douradas. Uma em especial chamou a atenção do narrador- personagem: era o retrato de uma linda jovem em uma moldura oval. Buscando o livro que contava a história das pinturas, ele encontrou a daquele quadro. Aquela moça era uma linda e alegre jovem que se apaixonou por um pintor, com o qual se casou. Mas ela tinha uma terrível rival – a

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Arte. O artista resolveu pintar o belo rosto de sua esposa. Ela, humilde, aceitou. Enlouquecido pela sua arte, o artista passou dias e noites a pintar, sem perceber que a jovem enfraquecia e perdia a saúde. O retrato já estava chegando ao seu final quando o pintor proibiu que entrassem na torre, afirmando que só ele e a jovem poderiam lá ficar. Ele pintava insanamente, sem olhar para ela. Se a tivesse olhado, ele teria visto que as cores que espalhava sobre a tela eram tiradas das faces de sua amada. Finalmente a obra chegou ao final, depois de um toque na boca e um colorido nos olhos. Contemplando sua pintura, sem perceber que a jovem já estava morta, o artista gritava: “Isto é a própria vida!” (POE, 2005, p.117). Em “O retrato oval”, a história é contada por um narrador-personagem secundário, que toma conhecimento dos fatos principais quando chega ao castelo para se abrigar. Neste conto, Poe repete a situação de confinamento e loucura. O fantástico novamente se instaura, colocando o leitor diante de uma história surpreendente e estranha, contada por um narrador suspeito, porque se envolve com o clima de mistério: “Esses quadros, não sei se por sua originalidade ou pelo contraste que faziam com o ambiente, despertaram em mim profundo interesse. Eu estava fascinado” (POE, 2005, p.113). A hesitação, condição necessária para a existência do fantástico segundo Todorov (1969), prende o leitor em uma situação de incerteza diante da veracidade dos fatos contados. Afinal, eles podem ter sido um sonho, embora o narrador diga o contrário: “Bem, não podia agora duvidar. Eu estava acordado, meus olhos já se haviam habituado à luz das velas que incidiam sobre a tela” (POE, 2005, p.115). A loucura neste conto é representada pelo pintor, que é apaixonado pela sua arte ao extremo de transpor os traços de sua amada para a tela. Enlouquecido, não percebe que desloca para o quadro não apenas os traços, mas a própria amada,

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pois é com as cores de suas faces que ele pinta. Já não distingue mais quem é a mulher e quem é a pintura. Quando o narrador-personagem, aterrorizado, descobre o porquê de seu fascínio pelo quadro, muda a posição do candelabro, pois, amedrontado, quer afastar o motivo de sua intensa agitação. A semelhança é exata demais, é a própria amada que está presente no quadro. Quando o pintor exclama, ao final, que aquilo é a própria vida, ele, tomado pela loucura, não sabe que a mulher está morta, apenas enxerga a vida no quadro. Vida e arte são uma só. Poe, assim como o personagem pintor de “O retrato oval”, viveu uma espécie de loucura e sabia que apenas sobreviveria pela arte. Segundo Marie Bonaparte, “o poder de cura sublimatório que provinha da arte foi o que impediu Poe de expressar seu sadismo abertamente” (BONAPARTE apud SYMONS, 1978, p.250). Poe sempre enxergou beleza na morte; para ele a imagem desta estava sempre associada à arte e ao belo (MANNONI, 1995). Segundo Symons: Sua abordagem sobre a vida após a morte não era especificamente cristã, embora ele, muitas vezes, acreditasse em um ser supremo; ele estava mais interessado na possibilidade de que o indivíduo pudesse continuar vivendo após morrer. (SYMONS, 1978, p.235).

A bela jovem que serve de modelo em “O retrato oval” continua, de alguma maneira, vivendo, ainda que em um quadro. O pintor e a amada sem vida confinados na torre podem ser vistos como Poe e sua mãe morta. Não era possível para o menino Edgar aceitar que ela tivesse morrido; restou-lhe tirar dela suas feições e gravá-las de tal modo que ficassem indelevelmente vivas em sua mente. Pelo resto de sua vida, em todas as mulheres que encontrou ou que criou, Poe remeteu ao passado e retirou da mente as cores das faces da mãe, fazendo um eterno retorno, uma repetição que causa horror. Em

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“O retrato oval”, mais uma linda mulher é morta, mas deve, de alguma maneira, permanecer viva, pois o autor precisava dessa vida para manter a sua própria. O retrato admirado pelo narrador-personagem tem a vida tirada de uma bela jovem. Mas um quadro poderia ter vida? É apenas uma figura, como um boneco, e neste ponto é possível reafirmar o efeito do fantástico na literatura, reforçado quando o leitor se encontra desconfortavelmente em dúvida se a figura é um ser humano ou não. Segundo Jentsch: Ao contar uma história, um dos recursos mais bem sucedidos para criar facilmente efeitos de estranheza é deixar o leitor na incerteza de que uma determinada figura na história é um ser humano ou um autômato, e fazê-lo de tal modo que a sua atenção não se concentre diretamente nessa incerteza, de maneira que não possa ser levado a penetrar no assunto e esclarecê-lo imediatamente. Isto, como afirmamos, dissiparia rapidamente o peculiar efeito emocional da coisa. E.T.A. Hoffmann empregou repetidas vezes, com êxito, esse artifício psicológico nas suas narrativas fantásticas. (JENTSCH apud FREUD, 1996b, p.245).

O eterno retorno que Poe fazia ao recalcado lembra a história de “O Homem de Areia”, de Hoffmann, na qual, segundo Freud (1996b), o personagem Nataniel passa a vida toda reconhecendo o fantasma de sua infância em cada pessoa que encontra. Em “O retrato oval”, Poe expôs abertamente sua loucura por meio de uma estranha história em que a arte não se limita a imitar a vida, mas a matá-la, porque ele sabia que só poderia viver através dessa arte.

4.4. “O coração denunciador”

O narrador-protagonista do conto começa o relato de sua história insistindo que não é louco, apenas nervoso. O motivo para seu nervosismo era o olho de um

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velho. Diz o narrador-protagonista que até gostava do homem, mas seu olho desbotado de cor azul-pálida fazia seu sangue se enregelar. Decidiu, então, acabar com o velho. Na semana que se seguiu, foi todas as noites vê-lo dormindo. Levava uma lanterna e colocava a cabeça com muito cuidado para dentro da porta para não fazer barulho. Na oitava noite, riu com gosto, entre os dentes, ao se lembrar de que podia abrir a porta e ver o velho dormindo sem que este suspeitasse de nada. Nessa noite, sem querer, ele fez um barulho e percebeu que o velho o ouvira e estava com muito medo. Esperou um pouco, depois abriu a lanterna e o raio de luz caiu bem em cima do olho desbotado. O protagonista, sentindo sua fúria crescer, começou a ouvir o som das batidas do coração do velho, que faziam um barulho infernal. Mais enfurecido ainda, ele matou o pobre homem. Sorriu aliviado, esquartejou o corpo e o enterrou embaixo das tábuas do quarto. Os policiais vieram bater à sua porta, alegando que um dos vizinhos ouvira um grito. O protagonista os fez entrar, disselhes que o velho estava ausente e mostrou-lhes o quarto. Colocando sua própria cadeira bem em cima de onde estava o cadáver, percebeu que os policiais estavam satisfeitos. Mas, de repente, sentiu que não estava bem, que sua cabeça doía, e começou a ouvir um barulho que foi ficando cada vez mais alto, parecido com as batidas de um relógio abafado em algodão. Os policiais pareciam nada ouvir, mostrando-se satisfeitos. No entanto, o barulho tornou-se insuportável para o protagonista, que acreditava não ser possível os policiais não o ouvirem. Qualquer coisa lhe parecia melhor do que aquilo. Não suportando mais a situação, gritou: “Miseráveis! Não finjam mais! Confesso o meu crime! Arranquem as tábuas, aqui... aqui!...ouçam o bater do seu maldito coração!” (POE, 2005, p.122). Neste conto, o personagem principal narra a sua história em primeira pessoa, intensificando as impressões de estranheza que são causadas no leitor. Tal qual em

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“O gato preto”, a perversidade e a loucura são enfocadas por Poe. Existem aspectos semelhantes entre os dois contos que merecem destaque, como a insistente negação da loucura e a curiosa necessidade de denunciar o próprio crime. Em “O coração denunciador”, o narrador diz: “É verdade! Sou muito nervoso. Mas não sou louco [...] Eu sei tudo o que fiz com o velho. Ninguém pode me chamar de louco. Os loucos nada sabem” (POE, 2005, p.118). Ao final da história, não mais suportando a agonia de ouvir pulsar o coração do velho, confessa seu crime. Também semelhante é a maneira como a história é relatada, pois, em ambos os contos, o narrador é o protagonista e, já apanhado em seu crime, conta o seu drama. Entretanto, ao lado dessas semelhanças, uma diferença pode ser apontada: ao contrário do que acontece em “O gato preto”, em que o personagem comete seus crimes movido por uma intempestiva e incontrolável ira, em “O coração denunciador”, o crime é cuidadosamente premeditado: “Foi assim, por isso, que me decidi acabar com o velho [...] Ri com gosto, entre os dentes, ao me lembrar que podia abrir a porta, vê-lo dormindo, e ele nem sequer sonhava com meus atos ou pensamentos secretos...” (POE, 2005, p.118-119). “O coração denunciador” também constitui uma narrativa fantástica, uma vez que o leitor se vê diante de acontecimentos estranhos, sentindo-se induzido a acreditar nos fatos horripilantes que vão se seguindo ao longo da história. Naturalmente, ele sabe tratar-se de uma ficção, o que garante ao escritor poderes para ampliar o efeito de estranheza (FREUD, 1996b). O leitor também sabe que, na vida real, estes eventos estranhos, embora mais raramente, podem acontecer. Assim, mergulhado nessas emoções, ele é feito prisioneiro da hesitação e dessa forma permanece até o final da história, ansioso pelo desfecho, que, para Poe, era de suma importância.

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A batida do coração do velho, que enquanto este era vivo já havia enfurecido o protagonista, torna a se manifestar, mesmo estando o pobre homem morto e esquartejado: “Um som grave, rápido, monótono...semelhante ao de um relógio abafado em algodão. [...] O som aumentava. [...] mais alto...Mais alto!...[...] aqui...aqui!... ouçam o bater de seu maldito coração!” (POE, 2005, p.122). É provável que esse barulho estivesse apenas na mente do assassino, porque o homem já estava morto, mas o leitor experimenta uma hesitação, pois também pode acreditar estar diante de um acontecimento sobrenatural e pode se perguntar se esse som era apenas uma impressão provocada pela loucura do narradorprotagonista ou se o coração realmente teria batido para denunciar o crime cometido. Portanto, o fantástico está presente neste conto de Poe, em que a hesitação permanece entre o lógico e o sobrenatural. De qualquer maneira o leitor percebe que está diante de um homem atormentado que deixa emergir o estranho que está dentro de si, libertando-o para cometer um crime terrível. A loucura, desta vez, embora negada pelo narrador, fica mais evidenciada, visto não ser causada pelo álcool, como em “O gato preto”, mas pela total impossibilidade do personagem principal de conviver com o olhar da vítima, pois ele decide matar o velho baseado no argumento de que seu olhar era algo terrível e insuportável, que, portanto, deveria ser eliminado: “Não havia motivo. Penso que era o olhar dele! Sim, era isso. [...] E quando me olhava, meu sangue se enregelava. [...] Eu não o matei. Destruí seu maldito olho de abutre que me punha nervoso” (POE, 2005, p.118). Ao longo da narração, o leitor percebe vários indícios de que a confissão é feita por uma pessoa tomada pela loucura: “Só abria o bastante para passar minha cabeça, e a lanterna. Eu queria vê-lo, sem perturbar-lhe o sono. Então, levava uma

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hora para colocar a cabeça toda na abertura. Até vê-lo deitado” (POE, 2005, p.119). É sabido que os loucos negam sua loucura e o autor do texto usou essa negação para reforçar a possibilidade da patologia do personagem. Entretanto, vale lembrar que, em outro conto de Poe, “Eleonora”, o narrador questiona se a loucura não seria “a mais suprema inteligência” (POE, 1988, p.91). Afinal, os loucos são efetivamente livres, agem sem qualquer tipo de censura, e as pessoas consideradas normais, encarceradas em sua angústia e presas à censura institucionalizada, são impedidas de agir livremente. Neste ponto, mais uma vez é possível remeter à antiga concepção animista do universo, segundo a qual todos os homens conservam certos resíduos e traços primitivos que ainda são capazes de se manifestar (FREUD, 1996b). “O coração denunciador” retoma a temática do cadáver enterrado que deve ser, de alguma maneira, descoberto e denunciado. Novamente, Poe se denunciou por meio de um personagem. O protagonista assassino que, não suportando o barulho da batida do coração do velho, grita para os policiais, mostrando onde está o cadáver, parece ser Poe suplicando que o ajudem, pois ele também estava diante de um cadáver, o de sua mãe. E, como ele não queria que ela estivesse morta, pode ter tido a esperança de que ainda vivesse, de que seu coração ainda pudesse bater. O barulho da batida do coração poderia significar para Poe a existência de vida no corpo da mãe. Outro aspecto retomado em “O coração denunciador” são os olhos. O personagem principal mata o velho por causa de seu olhar, que o deixava nervoso. Maud Mannoni (1995) comenta sobre a solidão que Edgar Allan Poe conheceu passando horas a fio com sua mãe morta e afirma que o brilho dos olhos da mãe fitando-o viria a dominar sua obra, resultando no fascínio pela morte. Após a leitura

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deste e de outros contos de Poe, não é possível ignorar a obsessão do escritor pelos olhos. Porém, segundo Freud, sabe-se: [...] pela experiência psicanalítica, que o medo de ferir ou perder os olhos é um dos mais terríveis temores das crianças. Muitos adultos conservam uma apreensão nesse aspecto, e nenhum outro dano físico é mais temido por esses adultos do que um ferimento nos olhos. (FREUD, 1996b, p.248).

Portanto, a obsessão de Poe pelos olhos pode ser relacionada à de outras pessoas, mas é preciso considerar que este estranho olhar sempre o perseguiu, estando presente em muitas de suas obras, e nelas sempre aparece associado à idéia de morte. O escritor parece ter gravado profundamente o último olhar da mãe. O menino sensível, com tão pouca idade, levou para toda a sua vida futura a amargura por esta perda. Sob os traços de todos os cadáveres exibidos por Poe provavelmente estão os olhos da mãe, que o perseguiam e que ele se sentia impelido a exibir ao leitor. “O coração denunciador” é mais uma impressionante história de Poe que revela como ele transpôs seu desamparo e sua solidão para a criação literária.

4.5. “William Wilson”

O narrador-protagonista deste conto, sentindo-se próximo da morte, relata uma intrigante história para aliviar sua alma. William Wilson é um nome fictício utilizado por ele, pois prefere ocultar seu nome verdadeiro para não envergonhar mais ainda a sua família pelos horrores e baixezas cometidas. Revelando-se, pois, como perverso e escravo de todas as tendências más, conta sua história. Suas primeiras lembranças remontam à vida escolar, à velha escola em que estudou, um

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casarão misterioso que lembrava um palácio encantado. De natureza ardente e autoritária, logo se impôs entre os colegas, mas havia um que não se submetia a ele. Esse colega, curiosamente, mesmo não sendo seu parente, possuía o mesmo nome, sobrenome, traços fisionômicos e mesma data de nascimento. Só havia uma diferença - a voz, que mais parecia um eco sussurrado da sua própria voz. Era difícil definir os sentimentos que tinha em relação a esse sósia - animosidade, respeito e medo. Contudo, essa complexa ambigüidade de sentimentos não era percebida por nenhum dos colegas, apenas pelo protagonista, que sempre contestava o rapaz e era por ele contestado. O que mais o irritava era o ar de proteção que o sósia demonstrava ter para com ele e foi com muito assombro que percebeu certos aspectos em sua pronúncia e atitudes que lhe davam a impressão de já ter conhecido aquele estranho há muito tempo. O narrador conta que, horrorizado com esse sósia intruso, abandonou o colégio. Mais tarde, em sua pior fase de comportamento, vícios e perversidade, já em outra escola, foi chamado para atender alguém que queria falar com ele. Embriagado, em uma sala escura, percebeu um vulto que, vestido como ele, lhe sussurrou no ouvido que era William Wilson, desaparecendo em seguida. Algum tempo depois, em Oxford, na mesma vida desregrada de sempre, tentou corromper um novo colega, instigando-o à bebida e ao jogo. Trapaceava sordidamente, deixando o colega em desespero, quando as velas se apagaram e, envolto na escuridão, ele ouviu uma voz que o fez tremer. Era a voz do sósia que denunciava sua trapaça. Foi desprezado e convidado a deixar Oxford. Desse momento em diante, tudo correu mal em sua vida e aquele homem estranho, que ele odiava mas também temia, não mais parou de persegui-lo. Até que, em Roma, em um baile de máscaras, quando tentava, embriagado, seduzir uma jovem casada, sentiu um toque no ombro e ouviu o sussurro que o fazia tremer.

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Cheio de cólera, desafiou o estranho homem a uma luta. Após mergulhar muitas vezes a espada em seu peito, viu, cheio de espanto e horror,sua imagem refletida em um espelho. Parecia ser ele próprio, cambaleando em sua direção, lívido e manchado de sangue! Nesse instante viu a capa e a máscara de seu sósia no chão. O estranho era ele! No espelho, a imagem falava com ele, com sua voz, agora não mais sussurrada, com sua emoção, sua agonia, sua morte: “Venceste e eu me rendo. Contudo, de agora em diante, tu também estás morto [...] Assassinaste a ti mesmo!” (POE, 2005, p.112). Por meio de “William Wilson”, Poe apresentou uma impressionante demonstração do “duplo”, mais tarde explorado por Freud em “O Estranho” (1996b). Nessa mesma obra, Freud afirma que as narrativas fantásticas não podem causar nenhum efeito de estranheza, na medida em que permanecem dentro de seu cenário de realidade poética. Entretanto, ele admite que a situação de estranheza se altera quando o escritor opta por um cenário da realidade comum, produzindo os mesmos sentimentos estranhos da vida real, principalmente quando nesse tipo de obra são introduzidos fatos que nunca ou raramente aconteceriam no mundo real. Freud ainda comenta que o escritor pode manter o leitor por muito tempo às escuras, escondendo qualquer informação sobre o problema até o fim da leitura (FREUD, 1996b). Em “William Wilson”, Edgar Allan Poe, trabalhando com a extrema habilidade que lhe era peculiar, produziu, de maneira extraordinária, o efeito de estranheza de que fala Freud, ou seja, optou por um cenário da realidade comum, fazendo o leitor se sentir desconfortável diante dos acontecimentos estranhos relatados. Novamente, Poe escreveu a sua história optando pelo foco narrativo em que o personagem principal, em primeira pessoa, relata acontecimentos estranhos de

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acordo com sua perspectiva. De forma semelhante ao que ocorre em “O gato preto”, o narrador de “William Wilson” conta seus erros passados, porém desta vez não na condição de um condenado, mas de quem espera pela morte natural, fazendo, assim, uma revisão de seus atos inconseqüentes. Ao recordá-los, o narrador faz uso da síntese dramática, detendo-se apenas no relato dos acontecimentos mais importantes. Também este conto é uma narrativa fantástica, pois novamente o leitor é feito prisioneiro da hesitação diante de acontecimentos aparentemente sobrenaturais. Esse sentimento é intensificado por meio de alguns recursos utilizados, como a sugestão de que o narrador-protagonista possa ter passado por um sonho e a sua crença de que tudo possa ter sido produto de uma natureza bastante imaginativa e impressionável: “Na verdade não terei vivido num sonho? Não estarei morrendo vítima do horror e do mistério das mais estranhas de todas as visões sublunares?” 3 “Sou filho de uma raça de temperamento imaginativo. Sensível, facilmente excitável” (POE, 2005, p.103). Após essa confissão do narrador-personagem, é possível a quem lê o conto acreditar que os acontecimentos fantásticos sejam oriundos do poder de sua imaginação, bastante intenso desde sua infância: “Para mim, o que mais impressionava era o casarão, misterioso como um palácio encantado” (POE, 2005, p.104). O leitor também experimenta a hesitação diante do efeito de estranheza provocado pelo “duplo”, sem realmente saber se este estranho é uma outra pessoa ou o próprio personagem que relata a história. Quando o narrador diz que seu sósia era uma perfeita imitação dele mesmo, ele enfatiza que tudo era igual, palavras,

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Apenas esse excerto de “William Wilson” foi extraído da tradução de Berenice Xavier, disponível no site e semelhante ao original: “ [...] Have I not indeed been living in a dream? And am I not now dying a victim to the horror and the mystery of the wildest of all sublunary visions?”

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gestos, roupa, maneira de andar, porém, um aspecto era diferente – a voz, pois, apesar da semelhança, ela se caracterizava por ser um sussurro, uma espécie de eco. O leitor pode concluir que essa diferença se justifique por ela ser a voz da consciência, que só a própria pessoa pode ouvir. Essa possibilidade de interpretação é reforçada pelo fato de o narrador relatar que as outras pessoas nada percebiam: Afinal, era uma perfeita imitação de mim mesmo. Palavras e gestos. Roupa, maneira de andar. Até minha voz não lhe escapava. Seu sussurro característico (uma deficiência o impedia de elevar a voz) tornou-se verdadeiro eco do meu. [...] O meu consolo estava no fato de ser a imitação, ao que parece, notada somente por mim . [...] Que a escola não percebesse a satisfação e o sarcasmo da parte dele sempre foi um enigma para mim. (POE, 2005, p.106).

Algumas passagens do conto intensificam a idéia de que os dois “Williams Wilsons” são uma única pessoa: “[...] me fez relembrar coisas de minha primeira infância. Daí eu ter ficado com a impressão de que conhecera aquele estranho ser em época muito distante” (POE, 2005, p.106-107). Como se não bastasse a própria história evidenciar a duplicidade de uma personalidade, o autor ainda inseriu no texto exemplos de paradoxos do ser humano: O pastor da igreja era o diretor da escola. Difícil crer que a doce figura que pregava no púlpito era a mesma do monstruoso homem que impunha o cumprimento da lei no colégio. Paradoxo grande demais para ser entendido! (POE, 2005, p. 103).

Poe apresenta neste conto um narrador-personagem que, sentindo que a morte já está próxima, mostra-se disposto a confessar seus atos perversos, seus vícios e torpezas e espera compaixão e simpatia de seus semelhantes. É fato sabido que o autor também passou por fases terríveis com a bebida e jogatina, que foi de temperamento difícil, que sofreu mudanças abruptas ao longo de toda a sua vida.

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Portanto, parece possível afirmar que Poe apresenta em “William Wilson” seu autoretrato. Ele transpôs seus tormentos e sua personalidade contraditória para sua história. De acordo com Symons (1978), na infância, Edgar também foi educado em uma escola, em Stoke Newington, onde ele passou dois anos. E a carreira do personagem Wilson acompanha os passos da trajetória de Poe. O escritor lançou-se na mais dissoluta vida de vícios, embriagando-se, jogando e perdendo dinheiro do pai adotivo. Entretanto, ele deve, tal como Wilson, ter se sentido perseguido por sua consciência, por seu “duplo”, que lhe sussurrava conselhos insinuados, mas ao qual nem sempre conseguiu atender. Ao contrário, ele tentou matar o estranho que emergia das profundezas de seu ser, porque não lhe era possível ser uma pessoa dentro dos padrões normais exigidos pela sociedade. Poe teve uma infância difícil. Não há como medir o sofrimento experimentado quando permaneceu com a mãe morta por horas a fio nem como compreender a angústia sentida quando foi separado de sua irmã mais nova, porém é incontestável a intensa sensibilidade com que absorveu todos esses sofrimentos. A perversidade e o sadismo que tanto ele expôs em suas histórias eram reais, pois provinham de uma criança solitária e incompreendida. Havia algo em Poe determinado a quebrar leis, uma revolta que teria que ser canalizada de alguma maneira ou ele próprio sucumbiria, e esta via foi sua criação literária. Através dela, retornava insistentemente aos mesmos recalques, repetindo sempre os mesmos medos, as mesmas angústias e tormentos. “William Wilson” é o mais perfeito auto-retrato do escritor, uma extraordinária auto-revelação. Tal qual Wilson, Poe também matou seu duplo, aquele estranho que insistia em lhe mostrar o caminho certo. Já era tarde demais para ele; restava-lhe, como ao personagem, conviver com suas dolorosas

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lembranças e amarguras do passado, esperando de seus semelhantes um mínimo de compaixão e simpatia.

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CONCLUSÃO

Porque a boca fala do que lhe transborda do coração. Mateus 12: 34

Este trabalho foi desenvolvido para refletir como a trágica infância vivida por Edgar Allan Poe influiu sobre sua obra literária e também analisar como o escritor trabalhou com os elementos fantásticos de modo a transpor seu sofrimento para seus textos. Para tanto, foi necessário conhecer a trajetória de sua vida, familiarizarse com os intrigantes e estranhos mecanismos e teorias psicanalíticas, estudar os componentes do conto, bem como identificar os elementos que caracterizam o fantástico na literatura. É inegável que Poe viveu uma trágica infância. A dolorosa experiência de ter permanecido com sua mãe morta lhe causou sérios transtornos emocionais, agravados no decorrer de sua adolescência. Sua instabilidade e temperamento difícil trouxeram-lhe amargura e solidão. Sua vida foi um eterno retorno à mesma cena de pavor e desamparo, pois jamais conseguiu se libertar das primeiras visões que teve do mundo. Embora Poe costumasse dizer que escrevia histórias de terror porque era o que as pessoas queriam ler (STRICKLAND, [19-]), suas criações literárias revelam o que lhe ia na alma. Após um estudo investigativo de sua vida, é possível perceber que, para construir cada conto, o notável escritor remexia em seus arquivos emocionais e escolhia cuidadosamente o material a ser utilizado. É importante

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lembrar que a criação literária não é dom de todos; portanto o extraordinário talento de Poe deve ser considerado, pois, ainda que memórias trágicas e tristes permanecessem em sua mente e sentimentos conflituosos fervilhassem em seu íntimo, não poderia ele transformá-los em criações literárias se não tivesse sido dotado de tão rara genialidade. Poe sabia como escrever uma história. Mestre ímpar do conto, lançava mão de todos os elementos que o compõem, harmonizando com perfeição as unidades de ação, tempo e lugar, os personagens, a linguagem, as descrições e o foco narrativo. O escritor soube, de maneira extraordinária, aliar seu conhecimento de estrutura de conto à sua delicada sensibilidade e à sua incrível capacidade de percepção da natureza humana. Poucos escritores compreenderam e expressaram tão bem o que se passa no íntimo do homem. Poe especializou-se na narrativa fantástica, provando sua excelência em manter o leitor às escuras, hesitando sempre entre o lógico e o sobrenatural. Os contos analisados invariavelmente retomam o mesmo cenário de tristeza, solidão, corpos mutilados trancafiados em paredes, olhares penetrantes e insuportáveis. Ao retornar aos mesmos temas, o escritor parecia andar em círculos, sem conseguir se libertar do mesmo sufocamento que apresentava em seus contos. Entretanto, esse eterno retorno não conseguiu lhe roubar a originalidade; ao contrário, sempre desafiava habilmente o leitor a prosseguir até conhecer o desfecho da história. Ao prefaciar A Vida e as Obras de Edgar Allan Poe: uma Interpretação Psicanalítica, de Marie Bonaparte, Freud se refere a Poe como “um grande escritor de tipo patológico” (FREUD, 1969, p.310) e diz que investigações como as que a autora fez “não se destinam a explicar o caráter de um autor, porém mostram quais as forças motrizes que o moldaram e qual o material que lhe foi oferecido pelo destino” (FREUD, 1969, p.310). Pelo presente trabalho, foi possível perceber “as

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forças motrizes” de que fala Freud e que moldaram o caráter de Poe. Os contos analisados revelam o homem atormentado que vivia em luta permanente com seu “duplo”, obrigado a conviver com os sentimentos mais subterrâneos, os vícios, a perversidade, uma infinita tristeza e manifestações de loucura. Afinal, esse foi o material que o destino lhe ofereceu e que ele transformou em valiosa obra literária, despertando o interesse não só de leitores comuns, como de outros escritores e psicanalistas famosos, como Marie Bonaparte. Após os estudos desenvolvidos em todo o trabalho, é possível concluir que Edgar Allan Poe não conseguiu exatamente, através da escrita, um efeito libertário para seu sofrimento. Entretanto, pôde transpor sua dor para suas criações, que até os dias atuais conquistam um público que partilha de suas emoções e que se identifica com o horror apresentado em suas obras. Sua produção literária atuou como um mecanismo de salvação que lhe permitia dar vazão a devaneios que beiravam a loucura, mas sua vida foi para sempre marcada pelo sofrimento da infância.

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