Edifício do Necrotério do Cemitério do Bonfim - Belo Horizonte. Guia de Bens Tombados IEPHA/MG

July 5, 2017 | Autor: Luis Molinari | Categoria: History, Cultural History, Art History, Architecture, Cultural Heritage, Cemitery
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INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS

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BELO HORIZONTE

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Edifício do Necrotério do Cemitério do Bonfim tombamento dodo edifício do O Otombamento edifício foi aprovado pelo do Necrotério Necrotério foi aprovado pelo Decreto Estadual Decreto Estadual 18.531, denº. 18.531, 02-6-1977,de sendo 02-06-1977, determinasendo determinada sua da sua inscrição no Livro do inscrição no Livro do Tombo Tombo de Belas Artes (Livro de Belas Artes (Livro nº. II), II), número de inscrição XII, número de inscrição XII, página02v, 02v, sob sob aa seguinte página seguinte designação: VII VII – - edifício designação: edifíciododo Necrotério do Cemitério Necrotério do Cemitério dodo Bonfim, emBelo Belo Bonfim, localizado localizado em Horizonte, edificado pela Horizonte, edificado pela CoComissão Construtora da missão Construtora da Nova Nova Capital, com partes de Capital, com partes de cancantaria, cobertura metálica e taria, cobertura metálica e decorações, inclusive, quatro decorações, inclusive, quatrode piras externas e passeios pedra adjacentes. piras externas e passeios de pedra adjacentes.

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Edifício do Necrotério do Cemitério Municipal do Bonfim foi uma das primeiras edificações projetadas e executadas pela Comissão Construtora da Nova Capital. Desenhado pelos engenheiros arquitetos Hermano Zickler, José de Magalhães e Edgard Nascentes Coelho e construído sob responsabilidade do Conde de Santa Marinha, o prédio, com influências neoclássicas, incluía-se no rol das edificações do projeto urbanístico da nova capital de Minas. Fig. 01 – Necrotério do Bonfim, Belo Horizonte

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EDIFÍCIO DO NECROTÉRIO DO CEMITÉRIO DO BONFIM

Acervo Museu Histórico Abilio Barreto

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Nos moldes da ideologia republicana positivista, a concepção desse projeto pautava-se na utopia de uma cidade ideal, com espaços ordenados, iluminados e saneados. Assim como era preciso planejar a cidade dos vivos, a cidade dos mortos deveria ser ordenada e higiênica. Concebido inicialmente para ser o depósito mortuário, o necrotério e o cemitério eram elementos catalisadores de uma nova percepção do mundo, visto que, contrastavam com os antigos hábitos de se sepultar nos arredores das igrejas, herança fortemente arraigada na cultura brasileira nos séculos XVIII e XIX. Nessa atmosfera de modernidade, de reforma e de imposição de novos hábitos foi construído o edifício do necrotério. Os materiais utilizados foram quase todos importados da Europa, principalmente da Bélgica, como confirmam os diversos pedidos para isenção das taxas aduaneiras, dirigidos ao Ministro da Fazenda e que se referiam a volumes de “um Necrotério da Nova Capital do Estado” (APM). Tais volumes foram trazidos do Velho Mundo em vapores como o “Ville de Buenos Ayres”, o “Carolina”, o “Ville de S. Nicolas” e o “Caravellas” e ficaram retidos por algum tempo na Alfândega do Rio de Janeiro 1. O Necrotério orientou a urbanização e ocupação do Cemitério Municipal, pois em seu entorno imediato foram construídas as primeiras quadras. Em 1900, o então prefeito de Belo Horizonte, Bernardo Pinto Monteiro, dava conhecimento da situação do campo santo e dizia que “o prédio do necrotério encontrava-se no centro da área até então ocupada” 2. O edifício era referência para a cidade, estava localizado no alto do morro dos Menezes e podia ser visto de vários pontos da capital que ainda não tinha se verticalizado. Todavia, apesar do porte monumental e de sua vocação para a modernidade, o edifício do Necrotério teve pouco uso na sua proposta inicial. A utilização durante os primeiros anos foi tímida, muito em função das dificuldades de acesso ao local e da resistência da população, que preferia velar os corpos em casa ou nas igrejas. Para reverter tal situação, o prefeito Bernardo Monteiro apresentou proposta para melhor utilização do espaço. O objetivo era paramentar todo o prédio com símbolos católicos e torná-lo uma capela, para que então fosse utilizado pelos vigários da cidade na celebração das chamadas encomendações, ou missa de corpo presente 3. A iniciativa surtiu efeito e durante vários anos, o edifício serviu como velório e capela, ficando com o passar do tempo mais conhecido por essa designação. O depósito mortuário, como também era conhecido o necrotério, enfrentava um problema crônico. A cúpula metálica que cobria a edificação sofria constantemente pela ação dos raios e das chuvas, e as goteiras eram comuns no interior do prédio, fato que inviabilizava qualquer tipo de utilização. A situação era tão grave que foi tema em inúmeros relatórios administrativos. Em setembro de 1921, o prefeito Affonso Vaz de Mello informava ao Conselho Deliberativo do município que havia reparado “os estragos ocasionados na rotunda do depósito mortuário por uma faísca elétrica que sobre ela caiu” 4. Cinco anos depois, em outubro de 1926, o prefeito Christiano Monteiro Machado informava que o último reparo na cobertura havia sido feita pela Casa Eduardo Dalloz 5 e sugeria que a cúpula fosse retirada e construída em cimento, segundo ele “haveria grande vantagem se a cúpula fosse feita de cimento armado” 6.

Fig. 02 - Desenho arquitetônico (fachada e corte) do Necrotério. Cemitério Municipal Necrotério. CC DT 09 011. Engenheiro arquiteto José de Magalhães. 25/01/1895 1

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Secretaria de Obras Públicas, Rascunhos Diversos, Nova Capital, Ofícios nº. 521, nº.593. 2º semestre 1897. APM. Mensagem ao Conselho Deliberativo da Cidade de Minas – Apresentada em 19 de setembro de 1900 pelo prefeito Dr. Bernardo Pinto Monteiro. fl. 47 e 48. APM. Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo da Cidade de Minas pelo prefeito Dr. Bernardo Pinto Monteiro. 12/09/1899 a 31/08/1902. fl. 156. 4 Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo da Capital pelo prefeito Dr. Affonso Vaz de Mello em setembro de 1921. 5 Eduardo Dalloz Furett foi um importante empresário ítalo-brasileiro que atuou em Belo Horizonte nos primeiros anos da construção da capital. Seus negócios eram diversos desde materiais para a construção até suprimentos para a fotografia. 6 Relatório apresentado ao Conselho Deliberativo da Capital pelo prefeito Christiano Monteiro Machado, em outubro de 1926. p. 108. 2

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Fig. 03 - Pira metálica

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As fachadas laterais e a posterior organizam-se e são decoradas de maneira semelhante à fachada frontal, sem, no entanto, apresentarem escadarias e vãos de acessos, que são fechados em alvenaria. As arestas verticais do edifício são ornamentadas por painéis retangulares sobrepostos e em alto relevo que dão a idéia de cunhais, mas que não possuem função estrutural. Essa decoração estende-se do embasamento até o alto do edifício onde despontam figuras metálicas em forma de ampulhetas aladas (Figura 5). Esses elementos delimitam, em cada fachada, uma faixa horizontal composta por seis vãos quadrados, justapostos e fechados em gradil metálico. A parte inferior desses vãos é arrematada por alto relevo em massa decorado por elementos ondulados. Os panos de alvenaria são arrematados por estrutura em forma de entablamento clássico, constando de arquitrave, friso e cornija. Sobre o entablamento destaca-se uma mureta metálica com vértices decorados por bustos de anjos alados. Essas mesmas muretas apresentam rocalhas em seus centros geométricos que, por sua vez, associam-se a esculturas em forma de romã e concha (Figura 7). Abaixo das rocalhas, em meio aos dois frisos horizontais que delimitam as extremidades da mureta, encontra-se a figura de duas corbelhas entrelaçadas e dispostas lado a lado que são precedidas por duas folhas de acanto. Emblema semelhante também aparece sob a figura dos anjos alados, porém contendo três corbelhas. A mureta metálica é uma estrutura ornamental dissociada da cúpula, não desempenhando o papel de tambor. A cúpula metálica serve como cobertura e é ladeada e encimada por elementos decorativos. No cume existe uma pira metálica apagada coberta por manto (Figura 1). Originalmente uma cruz latina despontava da extremidade desse vaso.

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Apesar dos problemas estruturais enfrentados, o necrotério foi bastante utilizado como capela até aproximadamente os anos 1950. Vale lembrar que até 1942 o Cemitério do Bonfim era o único existente na capital mineira, concentrando todos os enterramentos da cidade. Com o passar dos anos e com a construção de outros cemitérios e do velório externo do Bonfim, a utilização da capela/necrotério diminuiu e culminou com o encerramento das atividades. Atualmente o Edifício do Necrotério encontra-se em desuso. A edificação térrea possui influências neoclássicas, planta quadrada e proporções clássicas, com harmonia entre as partes: base, corpo e coroamento. O embasamento é aflorado em relação ao arruamento, revestido em cantaria e arrematado por cimalha. O piso do interior da edificação é em ladrilho hidráulico e as alvenarias internas são pintadas. O prédio foi concebido voltado para o muro de divisa com a rua Caparaó, local onde despontava a antiga entrada do cemitério. Localiza-se em meio a uma rotatória e possui passeio em cantaria. No piso, em cada um dos vértices do edifício, destaca-se uma pira metálica com flâmula e tripé com pés em forma de garra (Figura 03). Nas esquinas das quadras do entorno imediato do prédio existem esculturas metálicas em forma de tocheiros com flâmula esvoaçante, que são decorados por altos relevos com elementos fitomórficos. A fachada frontal contém o único acesso à edificação que se realiza por um portão metálico com duas folhas de abrir, acesso esse precedido por escadaria em pedra ladeada por mureta (Figura 1). O vão é estruturado por colunas jônicas e seus capitéis sustentam verga reta com cimalha. Sobre a cimalha nota-se uma bandeira em arco pleno. As colunas possuem caneluras e o fuste, sem base, estende-se até o rés do chão. Vale ressaltar que os fechamentos do edifício são trabalhados em serralheria artística.

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EDIFÍCIO DO NECROTÉRIO DO CEMITÉRIO DO BONFIM

Fig. 04 - Gadanhas e Ouroboros

Fig. 05 - Ampulheta alada

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Fig. 06 - Anjo

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EDIFÍCIO DO NECROTÉRIO DO CEMITÉRIO DO BONFIM

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Fig. 07 - Romã e concha

SIMBOLOGIA Todos os elementos decorativos presentes no edifício do necrotério reportam a uma linguagem simbólica e fazem alusão ao tema da morte. Gadanhas e Ouroboro - As gadanhas ou foices e os ouroboros são representados na parte inferior dos portões. A foice associa-se à representação da morte, pois seu corte iguala todas as coisas vivas. Outros estudiosos afirmam que desde a Renascença, a gadanha e o esqueleto são personificações do tempo e da morte e associa a ferramenta à esperança de renovação e de renascimento. O Ouroboro, simbolizado pela serpente mordendo a própria cauda, representa a eternidade, o ciclo da vida que volta tudo para si mesmo. Os dois objetos representam a idéia de transitoriedade, de existência fugaz, de finitude e de recomeço (Figura 04). Ampulheta Alada - Objeto presente na fachada do edifício, símboliza a passagem do tempo com “seu escoamento inexorável”. As asas lembram a efemeridade do tempo. A ampulheta também pode ser associada à passagem entre dois níveis, um superior e outro inferior, como que referenciando a dimensão terrestre e celeste (Figura 05). Anjos - Representados em todas as extremidades do necrotério, essas figuras são consideradas intermediárias entre o reino terreno e o reino de Deus, ou mesmo, a própria expressão de Deus. É comum associá-las a mensageiros e guardiões de templos (Figura 06). Romã - A romã está associada ao símbolo da vida e da morte e também representa os mistérios de Deus. Seus grãos frequentemente estão associados à união dos cristãos (Figura 07). Concha - Seu simbolismo está associado à fecundidade. Sua forma e sua profundidade lembram o órgão sexual feminino. Seu conteúdo ocasional, a pérola, suscitou, possivelmente, a lenda do nascimento de Afrodite, saída de uma concha. O que confirmaria o duplo aspecto, erótico e fecundante, do símbolo (Figura 07).

Autoria: André de Sousa Miranda, Luis Gustavo Molinari Mundim Maio, 2011 INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Marcelina das Graças de. O Espaço da Morte na Capital Mineira: Um ensaio sobre o Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim. Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 187-191, 1998. BARRETO, ABÍLIO; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Historicos e culturais. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva. 2. ed. rev. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996. 2v. p.602-605. BECKER, Udo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Paulus, 1999. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 5ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

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