Edificios hibridos: unir territorios para unir pessoas.

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Julho 2016

Edifícios híbridos: unir territórios para unir pessoas Ricardo Pereira, António Carvalho, Gonçalo Byrne · Universidade Católica Portuguesa (UCP)

Resumo Este artigo1 apresenta uma proposta desenhada de urbanismo e arquitectura em resposta ao projecto “O Nosso Km2” da Fundação Calouste Gulbenkian, o qual tem como objectivo melhorar a cidade envolvente na freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa. Nesse sentido, foram identificados os principais problemas existentes na malha urbana, destacando-se como elemento intrusivo a via férrea que divide em dois o território urbano. A solução proposta passa pela reorganização da malha urbana próxima da via férrea, reutilizando e reinterpretando o quarteirão como elemento estruturante que permite ligar as malhas presentes a Norte e a Sul da linha férrea. Retomando o princípio-base das Avenidas Novas, da malha urbana de avenidas e ruas, tentou-se colmatar a grande interrupção criada pelo comboio. Para tal, foi criada uma avenida-ponte que liga directamente o gaveto da Av. de Berna/Largo Azeredo Perdigão com a Rua Sousa Lopes, já no lado oposto da linha férrea, no Bairro do Rego. Esta avenida terá características únicas, que lhe permitem atravessar a via férrea numa cota superior, directamente ligada a uma plataforma ajardinada. Esta plataforma será um novo jardim público que cobrirá as linhas de comboio, recriando a continuidade urbana neste troço da cidade. De modo a poder ilustrar as potencialidades da proposta urbana, é também desenvolvido um dos novos quarteirões propostos, no gaveto desta nova avenida com a Av. de Berna. Trata-se de um quarteirão híbrido, multifuncional e semiaberto, criando novas relações entre interior e exterior, com comércio, serviços e diversos tipos de habitação.

Figura 1 Proposta Urbana

FONTE Ricardo Pereira, 2015

Introdução As cidades são constituídas por bairros e zonas, quer seja devido a características temporais, de construção, de morfologia de terreno ou de um plano de expansão. Lisboa é formada dessa maneira, com os seus famosos bairros que todos os anos desfilam nas marchas populares. As diferenças físicas que existem entre os vários bairros da cidade podem facilmente transformar-se em diferenças na população que neles reside. Essas diferenças podem ser socioeconómicas, culturais, religiosas,

etc., mas em todas existe actualmente uma característica em comum: o envelhecimento demográfico. Esta é a realidade, estudada na tese aqui em análise, encontrada na freguesia das Avenidas Novas. Uma freguesia em que grande parte do seu território é fruto de um plano de expansão da cidade pós terramoto, projectada pelo engenheiro Ressano Garcia em 1888, com características urbanas que levaram a que esta parte da freguesia ganhasse mais salubridade, espaços de lazer e percursos do que era regra até então. A restante parte da freguesia é de construção posterior, com diferentes características na sua organização, em

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Figura 2 Corte da avenida-ponte

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Figura 3 Quarteirão - plantas dos pisos

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parte devido à morfologia do terreno mais acidentado, o que leva a que essa parte da freguesia não tenha as mesmas qualidades, estando ainda separada por uma barreira física ferroviária, a Linha de Sintra. Estas diferenças criam dois territórios, Norte e Sul, com populações sociologicamente diferentes, que acabam por prejudicar a unidade territorial da freguesia.

Proposta urbana De forma a mitigar as diferenças entre estas duas partes, propõe-se uma solução urbana (Fig. 1) que, apesar de ser complexa no sentido construtivo, é leve no sentido urbano, pois tem como objectivo passar despercebida, religando o território de modo natural. “Se as ruas de uma cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante…” (Jacobs, 2009, p.29) A proposta passa por uma renovação urbana, que promove a substituição do tecido urbano na zona imediatamente a Sul da linha, criando várias ruas, novos quarteirões que reinterpretam aqueles criados por Ressano Garcia em 1888, criando também uma continuação dessa retícula para o lado Norte da via férrea, integrando-a na malha mais irregular já existente (Bairro do Rego).

A linha férrea, barreira que divide a freguesia em duas e principal causa para a existência de dois ecossistemas sociais na mesma freguesia, será agora parcialmente ocultada com a criação de uma grande plataforma ajardinada, ponto de ligação e convívio onde antes existia vazio e separação na cidade. Os elementos usados para fazer esta renovação urbana são o quarteirão, a avenida e o jardim, sendo uns resultado dos outros, ligando-se e interagindo entre si. O primeiro elemento, o quarteirão, surge por dois motivos. O primeiro motivo é histórico, pois é o elemento ordenador das Avenidas Novas (e de uma parte do Bairro do Rego); como tal, sendo a intenção do projecto ligar as duas malhas, fazia todo o sentido fazê-lo com um elemento comum a ambos, para que após a união feita, seja difícil identificar onde um acaba e o outro começa, proporcionando ao transeunte as mesmas sensações. O segundo motivo é completamente funcional — o quarteirão dá um dinamismo a uma cidade que os edifícios isolados, não conseguem dar: vivência, relações e segurança. Por muito interessante que um número de edifícios isolados com grandes relvados ao seu redor possa ser, de certa forma não passam de desertos, não há novidades ao virar da esquina, na maior parte do dia não há quem ocupe essas zonas FONTE Ricardo Pereira, 2015

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Figura 4 Alçados do quarteirão

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verdes (Gehl, 2010, 2011). É nesta ocupação ao longo do dia que reside a segurança e vivência de uma cidade, pois uma pessoa só tem medo de ir à rua quando ela está praticamente vazia (Jacobs, 2009), pois se estiver a borbulhar de movimento há segurança, há novas pessoas para conhecer. É isto que deve ser a cidade: quarteirões como mini-cidades, onde de dois em dois quarteirões compro o pão, no seguinte tenho o ginásio, neste resido e no outro trabalho. Se existem quarteirões existem ruas, ou dependendo das suas dimensões, avenidas. Este é o segundo elemento usado para promover esta renovação urbana e para unir estes dois territórios. Inspirada por exemplos já existentes na cidade de Lisboa, esta avenida é mais que isso, é uma importante ligação entre dois territórios, é uma ponte, é um edifício. Enquanto que o território das Avenidas Novas apresenta um relevo muito pouco acentuado, quando passamos a linha férrea, no Bairro do Rego, o terreno eleva-se para uma cota até 10 metros acima do lado Sul da linha. Desse modo, para poder atravessar a linha férrea e vencer o desnível, é criada uma avenida que, à semelhança da Avenida Duque de Loulé ou da Rua do Alecrim, em distintas zonas de Lisboa, cria

um terreno artificial, dando assim a oportunidade de criar uma avenida-edifício (Fig. 2), que albergará nos seus pisos inferiores um parque de estacionamento com o objectivo de albergar os automóveis que preenchem actualmente as ruas.

"As diferenças físicas que existem entre os vários bairros da cidade podem facilmente transformarse em diferenças na população e podem ser socioeconómicas, culturais, religiosas, etc. Mas em todas existe actualmente uma característica comum: o envelhecimento demográfico." Subindo esta nova avenida encontra-se o terceiro elemento da proposta urbana: o jardim, que na cidade é um espaço de lazer e exercício físico, um espaço de encontros necessário à vivência das pessoas, introduzindo o elemento natureza. Mas enquanto

que em algumas soluções urbanas o elemento natureza está directamente relacionado com o edificado, em espaços com a densidade de Lisboa o jardim pode ser pensado de outra forma. Este jardim foi criado para servir a população que está em seu redor, mas também com um outro objectivo: tal como o campo de jogos existente na Avenida de Roma, são reconquistas de território perdido para a linha férrea, ou seja, são plataformas construídas por cima da passagem dos comboios, conseguindo dessa forma preencher um vazio à cota da rua. Assim, a avenida que aqui seria uma ponte, transforma-se em novo território lúdico, contínuo e percorrível para as pessoas.

Edifício-quarteirão Para explicar a proposta urbana, foi também desenvolvida uma solução de quarteirão (Fig. 3), tendo-se escolhido aquele que constitui o gaveto entre a Avenida de Berna e a nova Avenida-ponte. Este projecto tenta reinterpretar as características aqui defendidas para um quarteirão: com vários usos, um tamanho adequado, organizado de forma a torná-lo seguro e vivido, virado para a problemática do envelhecimento populacional e da exclusão

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social, com o aproveitamento do seu espaço interior, semiaberto à cidade.

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Figura 5 Gaveto do edifício na Av. de Berna

Tendo em conta que o edifício se encontra junto à nova Avenida-ponte que sobe para o Bairro do Rego, ele acaba por se desenvolver por níveis, apresentando programas diferentes nos 4 lados do quarteirão, com comércio e escritórios, habitação de alto custo, habitação de baixo custo e habitação assistida para idosos. Explicando a forma do edifício-quarteirão, ele possui duas partes: um embasamento e um coroamento. O embasamento, criado pelos 2 primeiros pisos, é constituído por diferentes volumes que criam cheios e vazios, albergando lojas e escritórios nas duas fachadas confinantes com as vias mais movimentadas (Sul e Poente), enquanto na fachada Norte ficam as áreas funcionais da Residência Assistida no piso inferior (sendo o piso térreo vazado à cota da rua). No lado Nascente haverá um vazamento total com a altura de dois pisos, abrindo o quarteirão à cidade.

condendo os acessos verticais da Residência Assistida para Idosos.

O coroamento do edifício é feito por um anel composto por 5 pisos, onde varandas em cor clara criam positivos em relação à fachada escura que faz o negativo. Estas varandas vão aparecendo e desaparecendo ao longo do edifício (Fig. 4), quebrando assim qualquer monotonia, sendo mais proeminentes no lado Este, onde funciona a Residência Assistida para Idosos, passando depois para um balanço intermédio nas fachadas da habitação de custos elevados, surgindo depois um maior ritmo na fachada Norte onde funciona a habitação de custos controlados, terminando no gaveto Nordeste que é completamente revestido com a mesma chapa perfurada das varandas, es-

Todo o quarteirão é feito de relações entre os vários programas e os atravessamentos criados, dando-lhe uma grande complexidade que fortalece o interior do quarteirão, numa lógica de espaço semipúblico, no qual existem lojas, espaços verdes e espelhos de água. A ampla abertura ao nível do passeio no gaveto da Av. de Berna (Fig. 5), fronteira ao Jardim da Fundação Gulbenkian, é um convite ao transeunte para que entre no quarteirão e descubra os escritórios, as lojas com dupla fachada, o jardim e as diferentes entradas para os vários edifícios de habitação, numa partilha generosa com a cidade de um espaço interior semiprivado, num grande edifício híbrido.

FONTE Ricardo Pereira, 2015

Palavras-chave: Atributos determinantes, Modelo atributos, Produto imobiliário, Master Planned Community (MPC).

REFERÊNCIAS • JACOBS, J. (2009), Morte e vida de grandes cidades, São Paulo: Editora Martins Fontes. • GEHL, J. (2010), Cities for people, Island Press, London. • GEHL, J. (2011), Life between buildings: using public space, Island Press, London.

NOTAS 1 Este artigo é uma síntese da investigação de Projecto Final realizada no âmbito do Mestrado em Arquitectura da Universidade Católica Portuguesa, defendida por Ricardo Pereira em 2015, sob o tema “Edifícios híbridos: Unir territórios para unir pessoas”. Orientação de António Carvalho (UCP) e co-orientação de Gonçalo Byrne (UCP).

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