(Editor) Estudos do Quaternário 11

September 6, 2017 | Autor: S. Monteiro-Rodri... | Categoria: Archaeology, Quaternary Geology
Share Embed


Descrição do Produto

EDITORIAL Este número da revista Estudos do Quaternário reúne alguns dos trabalhos apresentados nas V Jornadas do Quaternário – 2ª Conferência International – O Quaternário da Península Ibérica: abordagens metodológicas e linhas de investigação, promovidas pela Associação Portuguesa para o Estudo do Quaternário (APEQ), realizadas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2013. Na linha de outros encontros anteriores, as V Jornadas do Quaternário tiveram como principal objectivo a divulgação da investigação levada a cabo por quaternaristas através de um encontro de natureza multidisciplinar, que privilegiou o cruzamento de saberes, a divulgação de novas metodologias e o debate entre arqueólogos, geólogos, geógrafos e outros estudiosos do Quaternário. Muito embora tenhamos pretendido inicialmente publicar aqui as actas destas Jornadas, o facto é que foram poucos os autores que submeteram os seus trabalhos a este volume dos Estudos do Quaternário. Ainda assim, conseguimos reunir oito artigos, sete no âmbito da Arqueologia e um no âmbito da Geologia. Relativamente aos de Arqueologia encontramos alguma diversidade temática e cronológica, havendo trabalhos sobre o paleolítico inferior, o paleolítico médio, o mesolítico, o neolítico antigo, o neolítico médio, a Idade do Bronze e a Idade do Ferro. Estes dois últimos centram-se, respectivamente, em aspectos ligados à Arqueometalurgia e à Carpologia. No que toca ao artigo no âmbito da Geologia, este prende-se com o desenvolvimento de uma modelação tridimensional que visa a reconstrução paleoambiental de um contexto paleolagunar quaternário (a paleolaguna da Pederneira, Nazaré).

Alberto Gomes Sérgio Monteiro-Rodrigues

1

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 3-18 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

A ESTAÇÃO PALEOLÍTICA DO CERRO (VILA NOVA DE GAIA, NOROESTE DE PORTUGAL): CARACTERIZAÇÃO PRELIMINAR DOS UTENSÍLIOS COM CONFIGURAÇÃO BIFACIAL SÉRGIO MONTEIRO-RODRIGUES(1) & JOÃO PEDRO CUNHA-RIBEIRO(2)

Resumo:

A estação paleolítica do Cerro foi descoberta em 1988. Entre 1989 e 1992 realizaram-se três campanhas de escavação que permitiram recolher um importante conjunto de artefactos líticos talhados a partir de seixos rolados de quartzito, atribuíveis ao Paleolítico Inferior. Do ponto de vista geoarqueológico, estes artefactos associam-se a coluviões, que se sobrepõem a uma formação marinha implantada a cerca de 22 m n.m.a.m. O estudo das peças com configuração bifacial (em que também se incluem as parcialmente bifaciais e as unifaciais) revelou a existência de duas cadeias operatórias, globalmente expeditas, que visaram, sobretudo, a criação de utensílios com extremidade distal apontada. Estas cadeias operatórias mais do que se ligarem a opções de natureza morfológica parecem antes constituir uma resposta aos constrangimentos impostos pela volumetria dos suportes utilizados, visando a sua eventual adequação a distintas funcionalidades. Palavras-chave: Utensílios com configuração bifacial, Tecnologia lítica, Paleolítico Inferior, Noroeste de Portugal

Abstract:

The Palaeolithic site of Cerro (Vila Nova de Gaia, NW Portugal): A preliminary analysis of the bifacial shaped tools The Palaeolithic site of Cerro was discovered in 1988. Between 1989 and 1992 three excavation seasons were carried out, which allowed collecting an important set of macrolithic stone tools most of them made of quartzite pebbles, possibly dating from the Lower Palaeolithic. From a geoarchaeological point of view, these stone tools were associated with colluvial deposits which overlay a marine formation c. 22 m a.s.l. The study of the bifacial shaped tools (including the parcial bifacial shaped and the unifacial tools) allowed the identification of two chaînes operatoires, basically expedite, oriented towards the production of pointed tools. These chaînes operatoires do not seem to be linked to morphological options but instead they may be a response to the constraints imposed by the volumetry of the blanks, possibly adapting them to distinct funcionalities. Keywords: Bifacial shaped tools, Lithic technology, Lower Palaeolithic, Norwestern Portugal

Received: 18 July, 2014; Accepted: 9 December, 2014 1.

INTRODUÇÃO

de criar condições para reiniciar a investigação no local, desta vez num quadro de colaboração interdisciplinar. O texto que agora se apresenta procura marcar, precisamente, o reinício desta investigação, abordando, por um lado, alguns problemas de natureza geoarqueológica inerentes à jazida do Cerro e, por outro, aspectos tecnológicos relativos aos denominados utensílios com configuração bifacial. O estudo específico destes utensílios, e não da indústria lítica no seu conjunto, resultou de uma opção dos autores, que consideram que as particularidades tecnológicas destas peças e a sua representatividade na colecção constituída merecem uma atenção particular. Em todo o caso, esta abordagem não deixará de ser posteriormente desenvolvida e incorporada na análise global do conjunto lítico da estação arqueológica do Cerro.

A estação paleolítica do Cerro – freguesia da Madalena, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto (Fig. 1) – foi descoberta em 1988, na sequência de prospecções arqueológicas levadas a cabo ao longo da faixa litoral do referido concelho. Entre 1989 e 1992 realizaram-se três campanhas de escavação que permitiram reconhecer a importância da jazida (MONTEIRORODRIGUES & C UNHA-RIBEIRO 1991; M ONTEIRO -RODRIGUES & SANCHES 2006). No entanto, sucessivos compromissos de investigação noutras regiões do País impediram a continuidade dos trabalhos, ficando por fazer o estudo detalhado da colecção lítica exumada, bem como outras acções de campo no sentido de melhor a contextualizar do ponto de vista cronoestratigráfico. Em todo o caso, o potencial arqueológico da estação do Cerro nunca foi descurado, pelo que se preten-

(1) (2)

Universidade do Porto. Faculdade de Letras, DCTP. Centro de Estudos de Arqueologia, Arte e Ciências do Património. [email protected] Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras. UNIARQ. [email protected]

3

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

Fig. 1. Localização da estação paleolítica do Cerro na Península Ibérica. Coordenadas geográficas do sítio: 41º06’32,35’’N 8º39’08,96’’W Greenwich. Fig. 1. Location of the Palaeolithic site of Cerro in the Iberian Peninsula. Geographic coordinates of the site: 41º06’32,35’’N 8º39’08,96’’W Greenwich.

2.

CONTEXTO GEOARQUEOLÓGICO

lheira clasto suportada, sem matriz (C2), e o “solo” actual (C1) (Figs. 2A e 3). Entre estas diversas unidades observam-se descontinuidades, com prováveis truncamentos erosivos. A coluvião C4 é composta por sedimento areno-siltoso, maciço, de cor castanha avermelhada, que embala seixos rolados heterométricos e artefactos líticos talhados, apresentando uma espessura que varia entre os 0 e os 60 cm. A unidade estratigráfica C3, inicialmente atribuída de forma genérica a processos de coluvionamento, é formada por material muito fino, essencialmente silte com alguma areia, sugerindo ambientes de tipo lagunar ou de intenso transporte eólico (ZBYSZEWSKI 1943; ARAÚJO 1995; RIBEIRO et al. 2010). ZBYSZEWSKI (1943) utiliza a expressão “limon loéssico” para descrever este depósito. Em certos perfis da escavação, e a afectar a unidade estratigráfica C3, observaram-se stone-lines muito delgadas definidas por seixos rolados de pequenas dimensões, aparentemente com origem nas cascalheiras da área do Cerro. Estas stone-lines poderão corresponder a paleo-superfícies ou a pequenos paleocanais que trucam o depósito, testemunhando, possivelmente, modificações ambien-

As escavações arqueológicas realizadas na jazida do Cerro permitiram identificar um depósito com uma espessura superior a 2 m, definido por seis unidades estratigráficas (Fig. 2A). Estas unidades podem agrupar-se em dois conjuntos em função da sua sedimentogénese. O conjunto inferior, integrando as unidades estratigráficas C6 e C5 1, corresponde a um depósito marinho, constituído por uma unidade basal cascalhenta (C6) e por uma unidade superior arenosa (C5) (Fig. 3). A unidade C6, com uma espessura que varia entre 1 m e 50 cm, é formada por seixos rolados achatados, embalados numa matriz arenosa grosseira com coloração amarelada. Apesar de globalmente pouco consolidada, observaram-se zonas concrecionadas por óxidos de ferro, sobretudo na base do depósito. A unidade C5 é constituída exclusivamente por areia fina, não concrecionada, evidenciando igualmente tonalidade amarelada; a sua espessura varia entre 20 e 70 cm. Estas duas unidades apresentam estratificação horizontal. O conjunto superior, de fácies continental, integra um depósito coluvionar (C4), um depósito de génese ainda indeterminada (C3), uma casca1

Na publicação de 1991 (Monteiro-Rodrigues & Cunha-Ribeiro 1991) esta unidade estratigráfica foi interpretada como resquício de cobertura dunar antiga. Contudo, o posterior acesso a outros perfis estratigráficos da área em torno do Cerro permitiu reformular tal interpretação.

4

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 2. A: Perfil estratigráfico E8-E16. B: Perfil topográfico, localização do sítio do Cerro e localização do perfil NE em extractos da Carta Militar de Portugal na escala 1/25000, folhas 122 (Porto) e 133 (Valadares). C: Seixo talhado unifacial in situ no depósito marinho do perfil NE. D: Perfil NE: Depósito marinho. Fig. 2. A: Drawing of the cross-section E8-E16. B: Topographic profile and the location of the Palaeolithic site of Cerro and the NE crosssection in Carta Militar de Portugal, 1/25000 scale, sheets 122 (Porto) and 133 (Valadares). C: Chopper in situ in the marine formation of NE cross-section. D: NE cross-section: marine formation.

Fig. 3. Perfil estratigráfico do Cerro. Unidades C6 e C5: depósito marinho; Unidade C4: depósito coluvionar; Unidade C3: depósito indeterminado. Fig. 3. Cerro’s cross-section. Units C6 and C5: marine deposits; Unit C4: colluvial deposit; Unit C3: undetermined deposit.

5

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

tais com reflexo nos processos sedimentares. A unidade C3 apresenta coloração castanha escura e uma espessura que varia entre 10 e 70 cm. A unidade C2 consiste numa cascalheira formada exclusivamente por clastos rolados que preenchem diversos leitos encaixados na unidade C3. A inexistência de organização e de imbricamento dos clastos, o seu carácter heterométrico e, como se referiu, a ausência de matriz parecem documentar um mecanismo do tipo fluxo de detritos (debris flow) mais ou menos canalizado, que retoma material sedimentar de depósitos mais antigos, nomeadamente artefactos líticos acheulenses. Estes artefactos evidenciam um boleamento significativo, ao contrário do que sucede na unidade C4. O substrato granítico, profundamente alterado e com zonas deprimidas que poderão corresponder a “marmitas”, define uma superfície irregular, testemunho de uma antiga plataforma de abrasão marinha. As referidas depressões e a própria irregularidade da superfície contribuíram para a conservação localizada dos depósitos quaternários. Em 2007, a construção de um edifício a aproximadamente 350 m a nordeste da estação do Cerro pôs a descoberto um depósito marinho com mais de 2,5 m de espessura, formado, genericamente, pela alternância de níveis cascalhentos e níveis arenosos finos – denominado perfil NE (Fig. 2D). A semelhança entre os níveis inferiores deste depósito e os inferiores do sítio do Cerro (unidades C6 e C5) permite, eventualmente, correlacioná-los, pelo que ambos poderão pertencer à mesma formação marinha, implantada a c. 22-35 m n.m.a.m (cotas relativas à base do depósito) (e.g. ARAÚJO 1991, 1997, 2008). No entanto, na área da estação arqueo lógica, os processos eros ivos/ coluvionamento terão truncado a sequência marinha original. Tal facto justifica, certamente, a existência de apenas duas unidades marinhas no perfil estratigráfico do Cerro, o que não sucede no depósito a nordeste. Neste mesmo depósito – mais precisamente num nível cascalhento intermédio – identificou-se um seixo talhado unifacial in situ2, ligeiramente boleado, embalado numa matriz arenosa avermelhada, bastante concrecionada (Figs. 2C e 4). Para já não é possível estabelecer qualquer relação entre este artefacto e os materiais líticos da jazida do Cerro. Todavia, esta ocorrência permite levantar a hipótese de pelo menos algum do material lítico do Cerro poder ser correlativo daquele nível marinho, encontrando-se actualmente em posição secundária em consequência de processos de coluvionamento. Trata-se de um aspecto a tentar esclarecer em investigação futura.

Fig. 4. Seixo talhado unifacial identificado no depósito marinho do perfil NE. Fig. 4. Chopper collected in the marine formation of NE crosssection.

Relativamente à cronologia das formações sedimentares, não existem ainda dados que permitam estabelecer a sua idade absoluta. De acordo com diversos estudos sobre a plataforma litoral da região do Porto, o nível marinho atribuído ao Eemiano poderá estar, em alguns sectores, implantado à cota aproximada de 1 m n.m.a.m (e.g. ARAÚJO 2008; ARAÚJO et al. 2003; MONTEIRORODRIGUES & GONZÁLEZ 2010). Tendo em conta que as praias elevadas da região se desenvolvem em “escadaria” e que o depósito marinho do Cerro atinge uma altitude superior a 20 m n.m.a.m., ter-se -á de considerar que a sua idade será necessariamente anterior ao último período interglaciar. Actualmente dispõe-se de uma datação de 180±25 Ka, obtida por OSL sobre quartzo, para um terraço marinho implantado a cerca de 15-18 m n.m.a.m – terraço da praia de Pedras Amarelas, Lavadores, Vila Nova de Gaia (RIBEIRO et al. 2010; ARAÚJO 2008). Muito embora este valor cronométrico possa estar aquém da idade real do depósito – devido às limitações inerentes à datação do quartzo (CUNHA et al. 2008; MARTINS et al. 2009) –, ele permite aceitar a possibilidade da formação marinha do Cerro datar, no mínimo, do MIS 7. No que diz respeito à coluvião representada pela unidade estratigráfica C4, a presença de bifaces e de machados de mão com arestas vivas e sem qualquer evidência de rolamento poderá remeter a sua génese para um âmbito cronológico genericamente coincidente com o Acheulense. No entanto, como foi referido, nada impede que estes artefactos

2

Até 2007, e excluindo as descobertas da Praia da Aguda (Monteiro-Rodrigues & Gonzalez 2010), nunca tinha sido detectado no litoral de Vila Nova de Gaia qualquer artefacto lítico lascado inequivocamente associado a um depósito marinho de cota elevada. De facto, a maior parte dos materiais líticos por nós recolhidos desde 1987 surgiram, directa ou indirectamente, associados a depósitos coluvionares. No caso da Praia da Aguda, os artefactos ocorrem num depósito marinho, mas este implanta-se a apenas 1 m n.m.a.m.

6

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

se relacionem com outros depósitos mais antigos, pelo que, neste caso, poderia haver um intervalo temporal alargado entre a idade da indústria lítica e a deposição da unidade C4. Aceitando, ainda que a título de hipótese, a correspondência entre as unidades C4/C3 e o depósito da “Formação Arenopelítica de Cobertura” de Lavadores (COSTA & TEIXEIRA 1957; TEIXEIRA & PERDIGÃO 1962; ARAÚJO 1984, 1991, 1995; RIBEIRO et al. 2010), estar-se-ia perante contextos sedimentares com uma idade em torno de 40-45Ka BP (14C) (ARAÚJO 19953; RIBEIRO et al. 2010). Importa sublinhar, no entanto, que a referida formação de cobertura tem um carácter policíclico (ARAÚJO 1984, 1991, 1995), pelo que esta datação poderá dizer respeito a apenas uma das múltiplas fases em que se reuniram condições ambientais favoráveis à sua génese. Relativamente à unidade C2, não é para já possível tecer qualquer consideração sobre a sua idade. 3.

que a escassez das lascas não pode ser dissociada da circunstância de a dimensão dos seixos rolados de quartzito localmente disponíveis não permitir a obtenção de suportes com dimensões adequadas. Num único caso registou-se ainda o aproveitamento de uma plaqueta de quartzito (0,8%), revelandose nas restantes peças impossível determinar o tipo de suporte usado (18,6%). Trata-se, em geral, de peças com uma morfologia claramente apontada e, na maior parte dos casos, com base espessa, quase sempre cortical. Uma percentagem esmagadora dos artefactos apresenta, com efeito, extremidade distal apontada em resultado da convergência dos seus dois bordos laterais (91,5%), independentemente da extensão do talhe que a define ou da incidência uni ou bifacial deste. Numa parte significativa destas peças a morfologia da ponta surge frequentemente arredondada (23,9%), quase sempre com recurso a retoque. Situação similar poderia, aliás, ocorrer também entre as peças cuja parte distal ou apenas a extremidade se apresenta eliminada por fractura (29,1%). Em contraponto, só um reduzido conjunto de artefactos está associado a uma morfologia arredondada da extremidade distal na continuidade clara da silhueta dos bordos adjacentes da peça (6%). Já no que se refere à extremidade proximal, prevalecem entre estes materiais as bases espessas corticais (71,8%), resultantes da conservação local da morfologia original do suporte. Das restantes peças, algumas apresentam também bases espessas, embora parcialmente corticais em virtude da incidência pontual de talhe unifacial (13,7%). Só numa dúzia de peças foi possível assinalar a existência de arestas cortantes na zona proximal, determinadas pela incidência de talhe uni e bifacial (10,2%). Do ponto de vista da definição volumétrica, estes artefactos estão longe de evidenciar um apurado equilíbrio. No que se refere ao equilíbrio bilateral das respectivas silhuetas é manifesto o predomínio de peças com uma clara assimetria entre os dois bordos que as delimitam (48,7%), seguindo-se de muito perto o número das que apresentam uma silhueta simétrica bastante irregular (41%), e apenas uma dezena de peças surge com uma silhueta bem mais equilibrada (8,5%). Situação similar observa-se quando se avalia também o seu equilíbrio bifacial, já que é evidente o predomínio dos utensilios com secção longitudinal biconvexaassimétrica (44,2%), seguindo-se pela ordem da sua representação numérica os que evidenciam uma secção plano-convexa (23%) e tabular (18,6%). Raros são assim os artefactos que apresentam secção biconvexa-simétrica (5,3%), situação em boa parte determinada pela preservação da

OS UTENSÍLIOS COM CONFIGURAÇÃO BIFACIAL, BIFACIAL PARCIAL E UNIFACIAL

Entre os materiais líticos talhados recolhidos na jazida paleolítica do Cerro no decurso das prospecções e das escavações arqueológicas destacamse, pelo seu expressivo número, os utensílios com configuração bifacial, bifacial parcial e unifacial. Num conjunto de mais de três centenas de peças, estes utensílios agrupam 118 artefactos, que em termos formais e de acordo com as suas características morfo-tipológicas, poderiam associar-se aos bifaces, bifaces parciais, esboços de bifaces ou unifaces. No entanto, o facto de a sua volumetria final se traduzir na prática na justaposição de duas faces definidas de forma variável por talhe bifacial ou apenas unifacial levou a agrupá-los sobre a designação genérica de peças bifaciais. À excepção de uma peça confeccionada num suporte indeterminado de corneana, e de três outras definidas por amplo talhe bifacial a partir de três aparentes lascas de quartzo, os restantes 114 artefactos considerados resultaram do aproveitamento claramente preferencial e maioritário do quartzito como matéria-prima (96,6%). Mais de metade evidencia arestas relativamente bem preservadas (55,1%), apresentando boa parte dos restantes artefactos arestas moderadamente boleadas (41,5%) e limitando-se os materiais muito alterados por boleamento a apenas quatro casos (3,4%). Dos 118 artefactos estudados 50% testemunha, por sua vez, a escolha de seixos rolados de quartzito como suporte, seguindo-se a relativa distância o recurso a calotes de seixo e a lascas (representando ambos os casos 15,3%). Note-se 3

O valor radiométrico publicado pela autora, relativo a um corte de Lavadores, é de 44.370 BP. Uma vez que ele se encontra próximo do limite cronológico definido pelo método do radiocarbono há que considerar a possibilidade do depósito ser mais antigo.

7

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

iniciar-se com a extracção de levantamentos a partir do bordo oposto àquele em que incidiu o levantamento prévio no anverso, para só em seguida se utilizar o negativo deste último levantamento como plano de percussão para a obtenção dos levantamentos convergentes (novamente no reverso), que vão determinar a configuração da extremidade distal da peça. Correspondendo esta opção a uma variante da primeira, foi possível distingui-la designando-a sequência de talhe 1b, por oposição à originalmente identificada, denominada sequência de talhe 1a (Fig. 5). Em qualquer dos casos, porém, é manifesta a intenção de criar um artefacto com uma extremidade distal apontada, frequentemente destacada na silhueta da peça em função do perfil côncavo dos bordos talhados que a definem, apresentando-se, sempre que se encontra preservada, tendencialmente adelgaçada em relação à espessura da peça e arredondada por retoque (Figs. 6b e 7a). Da aplicação desta sequência de talhe, nas suas duas versões, resulta a produção de bifaces parciais, quase sempre espessos, muitas das vezes próximos dos unifaces, com uma silhueta frequentemente langeniforme, conservando em geral na sua zona proximal a morfologia original dos suportes utilizados. O levantamento inicial que incide no anverso do artefacto surge claramente como um elemento facilitador do talhe subsequente, que se desenvolve na face oposta, não deixando ao mesmo tempo de contribuir também para delinear a morfologia côncava do bordo em que se inscreve. Tudo isto independentemente do tipo de suporte utilizado, da sua diversificada espessura ou da sua maior ou menor irregularidade, sendo porém bem expressiva, em qualquer dos casos, a utilização de seixos rolados e, em menor número, de calotes de seixos. A sequência de talhe 2, reunindo um conjunto de oito artefactos, traduz-se numa configuração bifacial claramente mais marcada das peças envolvidas, e embora corresponda, em certa medida, a um desenvolvimento do processo de produção delineado na sequência de talhe anterior, está longe de constituir uma simples evolução do mesmo (Figs. 5, 6c e 7b). A sequência de talhe 2 basicamente compartilha com a 1 a circunstância de o processo de configuração bifacial dos seus artefactos se iniciar também pela obtenção de um primeiro levantamento num dos bordos laterais de uma das faces do artefacto. Mas se é a partir dele que se desenvolve em parte o talhe da face oposta, esta segunda fase do processo de configuração das peças não visa agora a criação de uma morfologia apontada, mas tão-só a criação de uma ampla face definida por talhe invasor, a partir da qual se acaba por completar, posteriormente, o talhe da primeira face intervencionada. O agenciamento do talhe desta última face permite, aliás, individualizar também aqui duas distintas ver-

nem sempre muito regular morfologia original dos suportes utilizados e pelo desenvolvimento de um processo de configuração as mais das vezes sumário, em que a definição dos atributos que os caracterizam é frequentemente reduzido ao mínimo indispensável. A análise do sistema de produção destas peças permitiu identificar a presença de sete sequências de talhe distintas, por vezes com variantes bem definidas no seu interior (Fig. 5), visando todas elas a obtenção de peças com uma configuração volumétrica resultante da intersecção de duas faces justapostas, definidas por talhe bifacial, parcialmente bifacial ou mesmo unifacial. Uma primeira, que designámos como sequência de talhe 0, agrupa um pequeno conjunto de cinco peças que evidenciam um judicioso aproveitamento da morfologia original dos suportes seleccionados, boa parte dos quais correspondentes a lascas de quartzito. O seu expedito processo de configuração limita-se à extracção de um reduzido número de levantamentos, quase sempre destinados a definir uma extremidade distal apontada ou a reforçar a morfologia naturalmente afilada do suporte utilizado. Numa das peças associadas a esta sequência de talhe (Fig. 6a), definida a partir de uma ampla e espessa lasca de quartzito de talão liso, é bem clara a intenção que houve de aproveitar a morfologia criada pela preservação, ao longo do bordo esquerdo, de uma ampla placa cortical em posição oblíqua, na definição de uma extremidade distal apontada. A configuração do artefacto restringiu-se ao afeiçoamento sumário do bordo direito visando, para a prossecução do objectivo referido, a criação de um diedro convergente com o plano constituído pela face inferior do suporte, processo esse complementado pela pontual regularização dos gumes de ambos os bordos, na face oposta. Bem melhor estruturada, ainda que também marcadamente expedita, a sequência de talhe 1 (Fig. 5) reúne um conjunto de 15 artefactos cuja configuração se iniciou com a obtenção de um primeiro e único levantamento no anverso da peça. Trata-se de um levantamento em geral com uma amplitude marginal e inclinação oblíqua, desenvolvendo-se o respectivo negativo preferencialmente na metade distal do bordo em que incide. Utilizando-o como plano de percussão, inicia-se, em seguida, o talhe do reverso, o qual é posteriormente complementado pela extracção de um ou mais levantamentos a partir do bordo oposto desta face, resultando da convergência dos dois bordos assim definidos uma extremidade cujo destaque é frequentemente realçado pela concavidade de um ou mesmo dos dois referidos bordos. Este desenvolvimento sequencial do talhe das duas faces é por vezes substituído por uma estratégia parcialmente alterna, com o talhe do reverso a 8

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 5. Sequências de talhe de produção de utensílios com configuração bifacial (I). Fig. 5. Shaping sequences for production of bifacial shaped tools (I).

9

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

Fig. 6. Sequências de talhe de produção de utensílios com configuração bifacial (II). Fig. 6. Shaping sequences for production of bifacial shaped tools (II).

10

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 7. Utensílios com configuração bifacial (I). a: Sequência de talhe 1; b: Sequência de talhe 2; c: Sequência de talhe 3. Fig. 7. Bifacial shaped tools (I). a: Shaping sequence 1; b: Shaping sequence 2; c: Shaping sequence 3.

sões desta mesma sequência de talhe. Na primeira versão, designada como sequência de talhe 2a, o desenvolvimento do talhe na segunda face inicia-se pelo bordo a partir do qual se procedeu anteriormente à extracção de um primeiro levantamento na face oposta, utilizando o

respectivo negativo como plano de percussão. Só em seguida se passa ao talhe desta segunda face a partir do bordo oposto, para terminar a operação com a retoma do talhe da face inicial, a partir deste último bordo, num processo de desenvolvimento claramente sequencial de 11

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

que permite o aproveitamento pontual de suportes menos espessos, possibilitando, nomeadamente no caso dos últimos suportes considerados, a produção de peças unifaciais que se podem considerar formalmente planas (m/e > 2,23). Os artefactos assim produzidos procuram no essencial mimetizar os estereótipos morfológicos obtidos com o desenvolvimento das cadeias operatórios 1 e 2, nas suas duas versões, definindo-se agora os seus principais atributos com recurso exclusivo ao talhe unifacial. A maior parte das peças deste conjunto (dezanove em vinte e sete) visa a criação de uma extremidade distal bem destacada, resultante da convergência de dois bordos em geral côncavos, definidos por talhe tendencialmente invasor. Esta situação permite adelgaçar a ponta que, quando não se encontra fracturada, evidencia uma morfologia cuidadosamente arredondada por retoque (Figs. 7c e 8a). Das restantes peças integradas nesta sequência de talhe unifacial, cinco evidenciam extremidade distal claramente afilada, resultante da intersecção do plano diédrico definido por talhe transversal, no anverso, com o plano original do suporte, conservado no reverso (Figs. 7c e 8a). Na prática corresponde ao desenvolvimento de uma estratégia que embora assente num agenciamento tecnologicamente distinto do ocorrido na sequência de talhe 2, deixa transparecer certas semelhanças com soluções aí encontradas para a definição da morfologia apontada de algumas extremidades distais, muito embora agora, na sequência de talhe 3, a amplitude do talhe envolvido no processo de configuração se revele bem mais ampla. Duas outras peças unifaciais mostram ainda uma clara similitude com alguns dos materiais representados na sequência de talhe 2 ao apresentarem as suas extremidades distais arredondadas, bem destacadas por levantamentos marginais e semi-abruptos ao longo dos bordos adjacentes, permitindo a conservação no anverso, em posição central, da morfologia original do suporte utilizado (Fig. 8a). Na sequência de talhe 4 agrupa-se um conjunto de 11 artefactos que no essencial replicam alguns dos processos de configuração associados às sequências de talhe anteriormente descritas, recombinando-os tendo em vista a definição de peças com características similares, isto é, com uma extremidade distal apontada, na maior parte das vezes adelgaçada e arredondada por retoque, que se opõe a uma base quase sempre espessa e cortical. A definição inicial destes artefactos segue a sequência de talhe 3, daí resultando também o predomínio de utensílios com uma extremidade distal criada por levantamentos invasores, que adelgaçam localmente esta zona da peça, determinando-se em simultâneo o arredondamento da extremidade por retoque (Fig. 6e). Por vezes este atributo não é confirmável devido à fractura do objecto (Fig. 8b). Dois dos artefactos inventariados correspondem, contudo, à definição de peças apontadas com uma morfologia claramente afilada,

configuração da peça. Na versão alternativa desta sequência de talhe, identificada como sequência de talhe 2b, o talhe da segunda face da peça inicia-se pelo bordo oposto àquele onde se localiza o levantamento original, obtido na primeira face, delineando-se assim o desenvolvimento alterno da configuração bifacial do artefacto (Fig. 5). Em qualquer das situações, o levantamento original no anverso da peça surge também não apenas para facilitar o desenvolvimento subsequente do talhe da face oposta, como reforça igualmente a concavidade de um dos bordos, contribuindo para destacar a extremidade distal da peça. A última fase de afeiçoamento, em qualquer das duas versões desta sequência de talhe, incide de novo na face por onde começou o talhe do artefacto. Os levantamentos marcadamente marginais e oblíquos que agora se efectuam contrapõem-se, no bordo oposto, ao negativo da extracção inicial, conservando-se por vezes centralmente uma placa cortical, que se estende até à extremidade distal da peça (Figs. 6c e 7b). Mas se o resultado desta sequência de talhe se traduz, tal como na sequência de talhe 1, na obtenção de peças com uma morfologia apontada – em que o destaque da extremidade distal é ainda muitas vezes realçado pelo perfil côncavo dos bordos adjacentes – e com uma região proximal em que se conserva incólume o carácter espesso e cortical do suporte original, certo é que ela evidencia um desenvolvimento significativo da configuração bifacial. De facto, não apenas a extensão dos bordos definidos por talhe bifacial é bem maior, como também a sua incidência na face inferior da peça é em geral mais ampla, deixando entrever uma alteração mais significativa da morfologia original dos suportes e a produção de artefactos menos espessos. Sendo a primeira asserção inquestionável, a segunda, porém, pode relacionar-se com a selecção de suportes mais adelgaçados, aparentemente melhor adequados para o desenvolvimento desta sequência de talhe. Desta mesma característica dos suportes resultaria ainda a opção pela definição da morfologia apontada das extremidades distais através da criação de bordos convergentes, por intermédio dos levantamentos marginais e marcadamente oblíquos na face superior das peças. Acresce que à semelhança do verificado com a sequência de talhe 1, também aqui algumas das extremidades apontadas das peças, mesmo quando se encontram eliminadas por fractura, parecem ter sido arredondadas por retoque, embora a sua configuração não permita o adelgaçamento já anteriormente registado nalgumas situações e não se possa deixar de considerar em certos casos o seu efectivo afilamento. A sequência de talhe 3 agrupa um conjunto diversificado de 27 peças com morfologia apontada e, em geral, base cortical espessa, decorrente de um processo de configuração exclusivamente unifacial (Figs. 5, 6d, 7c e 8a). Trata-se maioritariamente de utensílios resultantes da transformação de seixos rolados ou, em menor número, de calotes de seixo, 12

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 8. Utensílios com configuração bifacial (II). a: Sequência de talhe 3; b e c: Sequência de talhe 4. Fig. 8. Bifacial shaped tools (II). a: Shaping sequence 3; b and c: Shaping sequence 4.

13

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

extremidade distal bem destacada, tendencialmente adelgaçada e arredondada por retoque (Fig. 9b), a par de outras que se distinguem pela morfologia afilada da respectiva extremidade distal, resultante geralmente da convergência de dois bordos definidos por levantamentos marginais e oblíquos, que se intersectam para formar um plano diédrico (Fig. 6f). Surge igualmente um número bem mais reduzido de artefactos cujo anverso é definido por levantamentos marcadamente periféricos, oblíquos ou mesmo semi-abruptos, que não se intersectam, permitindo a preservação de uma placa cortical central que se estende até á extremidade distal da peça (Fig. 9c). Por último, foi ainda possível identificar uma outra sequência de talhe de configuração de peças estritamente bifaciais, baseada preferencialmente no desenvolvimento alternante do talhe das duas faces – sequência de talhe 6 (Fig. 5) – por vezes intercalado por pontuais operações de talhe bifacial sequencial de algumas zonas dos bordos ou mesmo da totalidade de um deles. Aparentemente trata-se de uma estratégia de talhe também ela expedita, que se vai adaptando em função dos resultados que vão sendo obtidos, constituindo uma opção claramente distinta da prosseguida nas sequências de talhe anteriormente descritas. Daí a produção de um conjunto de artefactos marcadamente diferenciados, resultante, em geral, de uma alteração bem mais significativa da volumetria original dos suportes utilizados, o que também explica que em quase metade das peças desta sequência de talhe não tenha sido mesmo possível determinar a sua natureza. Entre os 29 artefactos inventariados coexistem e combinam-se distintas morfologias das respectivas extremidades distais e proximais, bem como peças com uma apurada e equilibrada configuração morfológica, a par de outras manifestamente mais irregulares e atípicas, mas onde todavia a definição pelo menos parcial da sua volumetria é expressivamente bifacial (Fig. 6g).

associada a criação de bordos convergentes, através de levantamentos oblíquos ou semi-abruptos, marcadamente marginais (Fig. 8c). O que separa porém estas peças das suas congéneres unifaciais da sequência de talhe 3 é o facto de após se finalizar a configuração unifacial do anverso, se proceder ao talhe parcial do reverso num dos bordos, através da realização de um único e amplo levantamento ou, por vezes, criando um limitado número de negativos adjacentes, por vezes com amplitude invasora (Fig. 5). Recorre-se, deste modo, a um expediente utilizado tanto na sequência de talhe 1 como na 2, já não para tirar partido da superfície assim criada como plano de percussão para desenvolver o talhe na face oposta, mas tão-só para reforçar o destaque da respectiva extremidade distal com o acentuar da concavidade do bordo bifacial daí resultante (Fig. 8b). Embora podendo considerar-se um desenvolvimento das duas sequências de talhe imediatamente anteriores, a sequência de talhe 5 surge já associada a um processo de configuração de peças marcadamente bifaciais, através do desenvolvimento sequencial do talhe das suas duas faces. Na prática resulta na configuração inicial do anverso do utensílio por forma a esboçar desde logo uma morfologia apontada, recorrendo para o efeito à extracção de levantamentos com uma amplitude variável, nalguns casos limitados à parte distal da peça, onde incidem de forma tendencialmente mais invasora, por vezes desenvolvendo-se de maneira significativa pelos bordos adjacentes. Utilizando em seguida como plano de percussão os negativos resultantes desta primeira fase de produção da peça, inicia-se então o talhe do reverso, através do qual tanto se procura reforçar a definição da morfologia da extremidade distal, como também alargar, por vezes, o talhe a outras áreas do reverso, alterando-se mesmo, nalguns casos, a volumetria original do suporte (Fig. 5). O posterior desenvolvimento de retoques de regularização dos bordos no anverso, observado numa ou noutra peça, sugeriu a individualização de uma versão mais elaborada desta sequência de talhe, identificada como 5b. No entanto, em qualquer uma das versões – 5a e 5b – assiste-se ao desenvolvimento sequencial do talhe das duas faces (Fig. 5). Em termos gerais pode dizer-se que as peças bifaciais obtidas pelo desenvolvimento da sequência de talhe 5 não se afastam muito, na definição dos seus atributos, do arquétipo geral dos artefactos produzidos através da aplicação das sequências de talhe mais expeditas que anteriormente se descreveram. Embora 10 das 21 peças inventariadas apresentem a sua extremidade distal fracturada (Fig. 9a), todas evidenciam morfologias apontadas que se contrapõem a bases espessas, resultantes da preservação da volumetria original dos suportes (Fig. 6f). Apenas em três situações em que o suporte corresponde a lascas de quartzito foi possível identificar a ocorrência de bases parcialmente cortantes, num ou noutro caso associadas à presença de talhe unifacial. Prevalecem também aqui as peças em que sobressai a presença de uma

Uma análise conjunta das diferentes sequências de talhe acabadas de descrever permite considerar que no âmbito dos sistemas de produção de utensílios líticos talhados da jazida paleolítica do Cerro, a expressiva representação dos artefactos que em termos formais podemos associar aos bifaces, aos bifaces parciais, aos unifaces e aos esboços de bifaces está ligada à existência duas diferentes cadeias operatórias. A primeira a considerar coincide com a própria sequência de talhe 6, traduzindo-se na produção de uma gama variada de utensílios definidos por talhe bifacial, a partir de diferentes tipos de suportes. Em termos tecnológicos, a produção destas peças assenta no talhe alternante das duas faces, que determinam a volumetria bifacial em que se baseia a própria definição destes mesmos artefactos, não deixando todavia de se recorrer, quando necessário, 14

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 9. Utensílios com configuração bifacial (III). a, b e c: Sequência de talhe 5. Fig. 9. Bifacial shaped tools (III). a, b and c: Shaping sequence 5.

15

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

obrigado a um processo mais complexo de transformação do suporte com recurso à sequência de talhe 4 ou mesmo à 5. Em todo caso, na situação em que se regista o desenvolvimento desta última sequência de talhe estamos perante uma realidade que de perto se aproxima do arquétipo das já atrás referidas peças bifaciais acheulenses, embora aqui a extensão e amplitude da sua bifacialidade se revele marcadamente mais diversificada e parcial. Isto não impede, porém, que não se reconheça, com o seu agrupamento na cadeia operatória onde coexistem as restantes sequências de talhe mencionadas, a existência de uma realidade tecnológica que vai muito para além da mera identificação formal de um significativo conjunto de esboços de bifaces, unifaces e bifaces parciais entre os materiais líticos talhados a partir de seixos rolados de quartzito, provenientes da jazida do Cerro. Tanto a persistente conservação da morfologia original do suporte na zona proximal das peças, como a cuidada e destacada configuração da sua extremidade distal e a própria extensão e amplitude do talhe dos bordos adjacentes, permitem relevar atributos aparentemente indissociáveis das suas características funcionais. Recorrendo ao conceito de unidade tecnofuncional desenvolvido por Eric Boëda para o estudo das peças bifaciais (BOËDA 2001) (Fig. 10), num contexto com contornos algo distintos, reconheça-se, não é possível deixar de individualizar entre os artefactos da cadeia operatória principal a presença de três distintas unidades tecno-funcionais. Tendo em conta que “le mode de fonctionnement comprend la mise en place de l’ensemble des caractères techniques opérationnels qui concernent tout aussi bien la partie transformative de l’outil que sa partie préhensive” (BOËDA 2001: 52), é sugestiva a associação da ausência de vestígios de talhe na zona basal das peças, com a consequente preservação local da morfologia original do suporte, à definição de uma unidade tecno-funcional de preensão (Fig. 10). Ela serviria não apenas para agarrar a peça, mas também para a manipular, conferindo a possibilidade de se lhe aplicar a energia indispensável à sua eficaz funcionalidade. Mas não deixa também de ser significativo que a esta realidade incontornável, que se destaca pela ausência de qualquer vestígio de transformação do suporte original na região proximal, se contraponha, exactamente na extremidade oposta da peça, a cuidada definição de uma extremidade distal de morfologia variável. Ela corresponde claramente à definição de uma unidade tecno-funcional transformativa (BOËDA 2001), podendo a diversidade morfológica que apresenta sugerir a sua adequação ao eventual desenvolvimento de distintas funções (Fig. 10). A operacionalidade de uma ponta criada pela intersecção de um plano diédrico, definido por talhe bilateral convergente, com o plano do reverso da peça, distingue-se naturalmente da associada a uma extremidade distal destacada premeditada-

a estratégias diferenciadas mas complementares, como sucede com a aplicação pontual do talhe bifacial sequencial nalgumas zonas das peças onde tal se justificou. Os artefactos assim obtidos correspondem globalmente ao arquétipo dos bifaces acheulenses, incluindo-se entre eles toda a diversidade morfológica que a sua putativa multifuncionalidade permite comportar. Já na segunda cadeia operatória, claramente maioritária e como tal considerada como principal, agrupam-se todas as restantes sequências de talhe identificadas, à excepção da “0”, onde se integram alguns, poucos, artefactos cuja sumária configuração por talhe resultou do aproveitamento judicioso de suportes variados, mas com morfologias sugestivas. Duas das sequências de talhe (1 e 2) evidenciam um claro desenvolvimento independente, enquanto as três restantes (3, 4 e 5), embora possam ser consideradas autonomamente, a elas se agregando mesmo um significativo número de peças, sugerem o desenvolvimento potencial de um processo linear de complexificação. Qualquer utensílio unifacial da sequência de talhe 3 pode corresponder a uma fase preparatória da subsequente sequência de talhe 4, bastando para tal a extracção no reverso da peça de um ou mais levantamentos adjacentes cuja incidência num dos seus bordos permita destacar melhor a morfologia da extremidade distal. De igual forma, qualquer peça associável à sequência de talhe 4 pode transformar-se num artefacto bifacial definido por talhe mais amplo, de acordo com o agenciamento previsto na sequência de talhe 5, enveredando para o efeito por qualquer das versões que a mesma inclui. Este agrupamento numa mesma cadeia operatória das sequências de talhe referidas (1, 2, 3, 4 e 5) justifica-se na medida em que elas constituem, no seu conjunto, uma variedade de alternativas visando o mesmo fim. A opção por uma ou por qualquer outra delas, bem como o potencial desenvolvimento sequencial que as três últimas permitem mesmo delinear, resultou essencialmente da forma como se procurou pôr em prática a maneira mais adequada possível de concretizar o projecto pretendido: a obtenção de um artefacto de morfologia apontada, cuja extremidade distal se destaca da volumetria geral da peça, através de uma maior ou menor extensão e amplitude do talhe dos bordos adjacentes, conservando-se ao mesmo tempo, em posição proximal, uma expressiva zona espessa, frequentemente sem qualquer alteração do suporte original. A maior espessura do suporte, por exemplo, poderá ter sido provavelmente determinante para justificar a opção pela sequência de talhe 2 em detrimento da sequência de talhe 1, obrigando a um mais amplo desbaste por talhe tendencialmente invasor de uma das faces da peça. De igual forma, a diferenciada e nem sempre regular morfologia dos suportes parece ter sido decisiva para a configuração da peça se quedar pela etapa correspondente à sequência de talhe 3 ou, em alternativa, ter 16

A Estação Paleolítica do Cerro (Vila Nova de Gaia, Noroeste de Portugal): Caracterização preliminar dos utensílios com configuração bifacial

Fig. 10. Unidades técno-funcionais dos utensílios com configuração bifacial (seg. BOËDA 2001). A unidade técno-funcional 1 corresponde à extremidade distal do utensílio e a 2 às arestas laterais. Na base conserva-se a unidade tecno-funcional de preensão. Fig. 10. Techno-functional units of the bifacial shaped tools (acc. BOËDA 2001). Techno-functional unit 1 corresponds to the tip of the tool; techno-functional unit 2 corresponds to the edges. In the proximal portion of the tool the prehension techno-functional unit is preserved.

mente pela concavidade dos bordos adjacentes da silhueta do artefacto, cuja ponta se apresenta arredondada por retoque. Nalguns casos verifica-se o adelgaçamento de algumas destas extremidades distais arredondadas, igualmente por retoque, ou a sua definição pode ainda integrar a preservação do córtex original em posição central. Mas se nalgumas das situações consideradas a centralidade da definição da extremidade distal associa à respectiva configuração o talhe parcial dos bordos adjacentes, o que aparentemente delimita a sua funcionalidade, noutras o talhe bifacial, parcialmente bifacial ou mesmo unifacial desses bordos laterais assume um protagonismo que permite relacioná-los com a individualização de uma segunda unidade tecno-funcional materializada nos gumes laterais (Fig. 10). De facto, mesmo quando a morfologia original do suporte determinou a extracção de levantamentos marcadamente marginais e com uma inclinação oblíqua ou semiabrupta, o gume assim obtido nem por isso deixou de constituir uma zona potencialmente activa nas peças em apreço, independentemente da sua maior ou menor adequação ao desempenho de determinadas tarefas. 3.

com estereótipos diversificados mas bem precisos. Para a sua configuração recorre-se, porém, a distintas sequências de talhe sem uma ligação perceptível com as diferentes morfologias que lhes estão associadas, mas aparentemente condicionadas pela morfologia e pela maior ou menor regularidade dos suportes utilizados. O resultado obtido deixa transparecer a pertinente adequação das opções técnicas realizadas, revelando na maior parte dos casos o carácter expedito de muitos dos processos utilizados na configuração de boa parte das peças estudadas, coexistindo tal realidade com outras aparentemente mais complexas, mas apenas associadas a processos operatórios mais alongados (ROCHE & TEXIER 1991), sem que tal nem sempre se traduza numa diferenciação funcional explícita. Esta análise preliminar das peças bifaciais da jazida paleolítica do Cerro permite chamar a atenção para a importância de alargar o estudo tecnológico das indústrias paleolíticas baseadas na quase exclusiva utilização do quartzito como matéria-prima, sob a forma de seixos rolados, às múltiplas situações e facetas com que tal realidade arqueológica surge representada. Via, aliás, que investigações recentes têm vindo a reforçar (CURA 2013), nela integrando a realização de remontagens ou o recurso à experimentação e à traceologia. Mas se a adversidade dos contextos a que muitas vezes estas indústrias líticas surgem associadas não permite amiúde o pleno desenvolvimento de algumas destas abordagens, nem por isso o seu estudo tecnológico mais aligeirado deixa de abrir

CONCLUSÕES

Pode-se pois concluir que, no seu conjunto, as peças bifaciais, parcialmente bifaciais e unifaciais integradas na cadeia operatória principal testemunham a produção de artefactos associáveis ao desenvolvimento de utensílios apontados de acordo 17

Sérgio Monteiro-Rodrigues & João Pedro Cunha-Ribeiro

CUNHA, P.P.; MARTINS, A.A.; HUOT, S.; MURRAY, A.; RAPOSO L. 2008. Dating the Tejo river lower terraces in the Ródão area (Portugal) to assess the role of tectonics and uplift. Geomorphology, doi:10.1016/j.geomorph.2007.05.019

portas para novas interpretações, tornando possível ultrapassar os espartilhos impostos pela anterior prevalência do paradigma morfo-tipológico em que se estruturava a percepção destas materialidades.

CURA, S.R.M. 2013. Tecnologia lítica e comportamento humano no Pleistocénico Médio do Alto Ribatejo: estudo da indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra. 2 Vols. Vila Real (Dissertação de Doutoramento apresentada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Prof. Doutor José Meireles Batista, da Universidade do Minho, a leitura atenta deste trabalho e os seus contributos no sentido de o melhorar. Agradecem igualmente aos revisores científicos as apreciações críticas e as diversas sugestões.

MARTINS, A.A.; CUNHA, P.P.; HUOT, S.; MURRAY, A.S.; BUYLAERT, J.P. 2009. Geomorphological correlation of the tectonically displaced Tejo River terraces (Gavião – Chamusca area, central Portugal) supported by luminescence dating. Quaternary International 199: 75–91. doi:10.1016/j.quaint.2009.01.009

BIBLIOGRAFIA

MONTEIRO-RODRIGUES S. & GONZÁLEZ A. 2010. A estação paleolítica da Praia da Aguda (Arcozelo, Vila Nova de Gaia). Notícia preliminar. Estudos do Quaternário 6: 23–36.

ARAÚJO M.A. 1984. A Formação “Areno-pelítica de cobertura”. Alguns resultados dum estudo preliminar. Biblos, vol. LX: 71–89. ARAÚJO M.A. 1991. Evolução geomorfológica da plataforma litoral da região do Porto. Dissertação de Doutoramento, Universidade do Porto.

MONTEIRO-RODRIGUES S. & CUNHA-RIBEIRO J.P. 1991. A Estação Paleolítica do Cerro – Madalena, Vila Nova de Gaia. Revista da Faculdade de Letras – História 8, II série: 411–428.

ARAÚJO M.A 1995. Os fácies dos depósitos würmianos e holocénicos e as variações climáticas correlativas na plataforma litoral da região do Porto. Actas VI Colóquio Ibérico de Geografia, vol. II. Porto: Universidade do Porto: 783–793.

MONTEIRO-RODRIGUES S. & SANCHES, M.J. 2006. Os primeiros recolectores e caçadores (Paleolítico). In C.A. Brochado de Almeida (Coord.), História do Douro e do Vinho do Porto. História Antiga da Região Duriense. Vol. I, Porto: GEHVID/ Ed. Afrontamento: 30–77.

ARAÚJO M.A. 1997. A plataforma litoral da região do Porto: Dados adquiridos e perplexidades. Estudos do Quaternário 1, Lisboa: APEQ: 3–12. ARAÚJO M.A. 2008. Depósitos do Pleistocénico Superior e do Holocénico na plataforma litoral da região do Porto: a morfologia das plataformas de erosão marinha e a tectónica recente. Estudos do Quaternário 5: 17–30.

RIBEIRO, H.; PINTO DE JESUS, A.; MOSQUERA, D.F.; ABREU, I.; VIDAL ROMANI, J.R.; NORONHA, F. 2010. Estudo de um terraço de Lavadores. Contribuição para a dedução das condições paleoclimáticas no Plistocénico médio. e-Terra. Revista Electrónica de Ciências da Terra, Vol. 21/1: 1–4. http://e-terra.geopor.pt

ARAÚJO M.A.; GOMES A.; CHAMINE H.I.; FONSECA P.E.; GAMA P.L.C.; PINTO J.A. 2003. Geomorfologia e geologia regional do sector de Porto-Espinho (W de Portugal): implicações morfoestruturais na cobertura sedimentar cenozóica. Cadernos do Laboratorio Xeológico de Laxe 28: 79–105.

ROCHE, H. & TEXIER, P.-J. 1991. La notion de complexité dans un ensemble lithique. Application aux séries acheuléennes d’Isenya (Kenya). In «25 ans d’Études Technologiques en Préhistoire. XIe Rencontres Internationales d’Archéologie et d’Histoire d’Antibes». Juan-les -Pins: Éditions APDCA: 99–108.

BOËDA, E. 2001. Determination des unités techno-fonctionelles de pièces bifaciales de la couche acheuléenne C’3 Base du site de Barbas I. In «Actes de la table-ronde internationale organisée à Caen (Basse-Normandie – France)». Liège: ERAUL 98: 51–75.

TEIXEIRA, C. & PERDIGÃO, J. 1962. Notícia explicativa da Carta Geológica de Portugal, Folha 13-A (Espinho), escala 1/50000. Lisboa: Serviços Geológicos de Portugal. ZBYSZEWSKI, G. 1943. La classification du Paléolithique ancien et la chronologie du Quaternaire du Portugal en 1942. Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, vol. II, 2/3: 1–113.

COSTA, J.C. & TEIXEIRA, C. 1957. Notícia explicativa da Carta Geológica de Portugal, Folha 9-C (Porto), escala 1/50000. Lisboa: Serviços Geológicos de Portugal.

18

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 19-25 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

RAW MATERIAL STUDY OF THE MOUSTERIAN LITHIC ASSEMBLAGE OF NAVALMAÍLLO ROCKSHELTER (PINILLA DEL VALLE, SPAIN): PRELIMINARY RESULTS A. ABRUNHOSA(1), B. MÁRQUEZ(2), E. BAQUEDANO(3), N. BICHO(4), A. PÉREZ-GONZÁLEZ(5) & J. L. ARSUAGA(6)

Abstract:

This article presents the PhD project under the supervision of Nuno Bicho and Enrique Baquedano, which aims to study the origin of raw materials from the Mousterian lithic sets of the Calvero de la Higuera sites. At this first stage of the project the main objective is the determination and characterization of the raw materials present at the sites. Keywords: Middle Paleolithic, Lithics, Raw Material Procurement, Navalmaillo rockshelter, Neanderthals

Resumo:

Estudo das matérias-primas da indústria lítica Moustierense do Abrigo de Navalmaíllo (Pinilla del Valle, Espanha): resultados preliminares O presente artigo apresenta o projecto de doutoramento, sob a orientação de Nuno Bicho e Enrique Baquedano, que visa o estudo da proveniência das matérias-primas dos conjuntos líticos moustierenses do Calvero de la Higuera (Pinilla del Valle, Madrid – Espanha). Nesta primeira etapa do projecto, o objectivo principal é a determinação e caracterização das matérias-primas presentes nas colecções líticas. Palavras-chave: Paleolítico Médio, Líticos, Proveniência de matérias-primas, Abrigo de Navalmaíllo, Neanderthais.

Received: 24 July, 2014; Accepted: 16 December, 2014 1.

INTRODUCTION

the territory explored by Neanderthals in the Lozoya Valley (Pinilla del Valle – Madrid) and will allow a deeper understanding of its use and impact in this ecological niche. Through the study of the raw materials from the Mousterian sites of Pinilla del Valle and the technological behaviour of these populations we hope to contribute to the understanding of the territory of exploitation, settlement patterns and cognitive abilities.

Analyses of behaviour and cognitive abilities of prehistoric groups have been conceptualized through technological studies and sources of raw materials. Even though the Iberian Peninsula has a considerable number of sites and sequences from the Medium and Early Upper Pleistocene (TORRE et al. 2014), most Middle Palaeolithic sites are located in coastal regions. This can be due to a focus of research and studies in these areas (PEREIRA 2013; PEREIRA et al. 2014) and a lack of survey in the central Peninsula but also because of the geographical and geological characteristics of the Meseta area. The Iberian Peninsula is a prime location for the study of the Middle Palaeolithic. It was in Iberia that, for the last time in the history of humankind, two human species coexisted for a longer period than in the rest of Europe - Homo neanderthalensis and Homo sapiens sapiens and the former became extinct in a particularly late stage (FINLAYSON et al. 2006). The ongoing project of the study of lithic raw materials from a site of this chronology in the centre of the Iberian Peninsula will provide a much broader knowledge of the relationship with

2.

ARCHAEOLOGICAL SITES CALVERO DE LA HIGUERA

OF

THE

2.1. Geological and geographical context

The archaeological sites of Pinilla del Valle are located in a limestone hill called Calvero de la Higuera in the upper Lozoya valley in the Guadarrama Sierra (Community of Madrid – Spain) at a distance of c. 90 km north from the city of Madrid (Fig.1). The Upper valley of the Lozoya River is a pop-down structure formed during the Alpine Orogeny with an elevation of 1100 metres at the Pinilla dam, within the pop-up of the Guadarrama Sierra which belongs to the NE-SW Spanish

(1)

Universidade do Algarve, Núcleo de Arqueologia e Paleoecologia. [email protected] Museo Arqueológico Regional, Madrid. [email protected] (3) Museo Arqueológico Regional, Madrid. [email protected] (4) Universidade do Algarve, Núcleo de Arqueologia e Paleoecologia. [email protected] (5) Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana (CENIEH), Burgos. [email protected] (6) Centro Mixto UCM-ISCIII de Evolución y Comportamiento Humanos, Madrid. [email protected] (2)

19

A. Abrunhosa, B. Márquez, E. Baquedano, N. Bicho, A. Pérez-González & J. L. Arsuaga

2012:56) with also the presence of lamprophyres, porphyries and late quartzite dykes (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010; ARSUAGA et al. 2012). The Calvero de la Higuera is a hill composed by karst cavities developed in the slope of carbonated rocks from the Cretaceous and eroded by the Lozoya River and the two affluent streams of Lontanar and Valmaíllo that left three of the known sites in a hanging geological position (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010; ARSUAGA et al. 2012). The karst in the Calvero formed caves and shelters used by both man and animals from Middle Pleistocene until the beginnings of the Holocene.

Central Range (BELLIDO et al. 1991; PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010; ARSUAGA et al. 2012). The north border is formed by the Carpetano Mountains (Montes Carpetanos) with the highest peak in Peñalara (2428 m) and the south border by Cuerda Larga Mountains with the highest point in Cabeza de Hierro (2380 m). The Upper valley is mainly situated within the shalegreywacke complex of Central Iberian Zone, with deformed and metamorphosed Proterozoic to Carboniferous rocks and different types of granitoids (VERA 2004). “The oldest rock outcrops consists of orthogneisses, leucogranites, adamellites, granitoids, migmatites and to a lesser degree schists and quartzites” (ARSUAGA et al.

Fig. 1. Location of the archaeological sites in Pinilla del Valle in the Valley of Lozoya River (Sierra de Guadarrama). In Marquez 2013. Fig. 1. Localização dos sítios arqueológicos de Pinilla del Valle no Vale do rio Lozoya (Serra de Guadarrama). In Marquez 2013.

2.2. The archaeological sites

-directors. From then-onward four more sites have been discovered: Navalmaíllo Rockshelter, Buena Pinta Cave, Des-Cubierta Cave and Ocelado Rockshelter. On the other hand, excavations are held for one month each year by an interdisciplinary team comprised of both volunteered students and researchers linked to this or other projects that contribute with their expertise (Fig.2).

In 1979 the first team of researchers that discovered the Pinilla del Valle sites, directed by Francisco Alférez, found Camino Cave (Cueva del Camino). Excavations were carried out in the beginnings of 1980 and first published in 1982 (ALFÉREZ 1982). A hiatus in the investigation of the Calvero de la Higuera sites occurred during the 1990’s. Since 2002 the project has been directed by an interdisciplinary team with J. L. Arsuaga, E. Baquedano and A. Pérez-González as co

20

Raw material study of the Mousterian lithic assemblage of Navalmaíllo Rockshelter (Pinilla del Valle, Spain): preliminary results

Fig. 2. Aerial photograph of the Calvero de la Higuera hill indicating the location of the archaeological sites: 1 – Camino Cave, 2 – Navalmaíllo Rochskelter, 3 – Buena Pinta Cave, 4 – Des-cubierta Cave, 5 – Ocelado Rockskelter. Fig. 2. Fotografia aérea do Calvero de la Higuera com indicação dos sítios arqueológicos: 1 – Cueva del Camino, 2 – Abrigo de Navalmaíllo, 3 – Cueva de la Buena Pinta, 4 – Cueva Des-cubierta, 5 – Abrigo del Ocelado.

That is why it is more likely that Camino Cave was used as a hyena den (DÍEZ 1993; ALVAREZ-LAO et al. 2013; ARSUAGA et al. 2012).

2.2.1. Camino Cave

Camino Cave (Cueva del Camino) was discovered in 1979 (ALFÉREZ 1982) and the first excavations started in 1981 and ended in 1989 (ALFÉREZ & ROLDÁN 1992). In 2002 the new team continued investigations being the last campaign in Camino Cave in 2009. The site is a cavity filled with sediments with roof falls on top 11 meters above the Lozoya River level and 6 to 7 meters from the bottom of the Lontanar stream. Due to erosion it is difficult for geologists to understand whereas it was a cave or a shelter (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010). Characterized by a large accumulation of fossilized remains of small and large vertebrates and two human teeth identified as Homo neanderthalensis, Camino Cave represents one of the most complete MIS 5 records of the Iberian Peninsula (ARSUAGA et al. 2010, 2012). Level 5, where most of the animal remains were recovered, has a TL date of 90.961±7.881 ka B.P. (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010). Though it was at first interpreted as a human occupation (ALFÉREZ 1982; ALFÉREZ et al. 1985; ALFÉREZ & ROLDÁN 1992), there is an important presence of carnivores and no evidence of fire, cut marks on bone surface and very few lithic industry.

2.2.2. Navalmaíllo Rockshelter

The fluvial activity of the Valmaíllo stream eroded the Late Cretaceous dolomites at the slope of the Calvero de la Higuera hill forming the Navalmaíllo Rockshelter (Abrigo de Navalmaíllo) at an elevation of c. 100 metres south from Camino Cave and 8 metres above the Lontanar stream (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010; ARSUAGA et al. 2012; MÁRQUEZ et al. 2013). When discovered in 2002, the site was partially covered by colluviums and detachments of the rock roof that collapsed after its abandonment (ARSUAGA et al. 2011). Excavation is currently still under way. The rock shelter occupies an area of c. 300 m2 confirmed by geological surveys in 2006 (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010), and at least six levels (α, β, γ, D, F and H) with abundant Mousterian industry. These levels also contain faunal remains with evidences of cut marks, burned bones and hearths. From level F two TL dates have been obtained ranging from 71.6 ± 5.0 to 77.2 ± 6.0ka BP which indicates MIS 5a or early 21

A. Abrunhosa, B. Márquez, E. Baquedano, N. Bicho, A. Pérez-González & J. L. Arsuaga

MIS 4, documenting an important Middle Palaeolithic occupation by Neanderthals (ARSUAGA et al. 2011; MÁRQUEZ et al. 2013). The materials of different nature from this site are currently under study. The study of the paleontological record is still fragmentary but “the most abundant macro-mammal remains correspond to various species of herbivores” (ARSUAGA et al. 2011:117). A small group of carnivores is also present as are micro-mammals of the Mediterranean pine vole. An important feature of the set of animal bones from the F level is their high fragmentation. A preliminary study on the lithic industry focusing on quartz based industry was recently published (MÁRQUEZ et al. 2013). It was concluded that “quartz was the most commonly used raw material in tool-making at Navalmaíllo”. Small pieces are abundant and were intentionally made (MÁRQUEZ et al. 2013:391). The study of the raw materials involved in the knapping of the lithic assemblage of this site will be developed in the following pages.

2.2.4. Des-Cubierta Cave and Ocelado Rockshelter

Des-Cubierta Cave was first excavated in 2009 and is under study (BAQUEDANO et al. 2014). This site, on top of the Calvero de la Higuera, will allow to complete the knowledge we have about the life and ecology of Neanderthals and mammals (both carnivores and herbivores) in the Upper Lozoya valley during the Pleistocene and to understand how they shared the territory. To finish, Ocelado Rockshelter, also a small gallery of phreatic origin, has yielded only faunal remains and seems to be a den. 3.

THE PROJECT

The Ph.D. project in Archaeology started late 2012, under the direction of Nuno Bicho, University of Algarve, with co-direction of Enrique Baquedano, director of the Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid and co-director of the excavations in Pinilla del Valle. The aim of this project is to study the lithic raw materials procurement strategies of the Mousterian assemblages from the Middle Palaeolithic sites of Pinilla del Valle. The study of raw materials aims to determine the origin and the proportions of different types of raw material, present or absent in an archaeological site (GENESTE 1989; TURQ 2003; MEIGNEN et al. 2009; ANDREWSKY 2009; AUBRY et al. 2009). The case of Pinilla del Valle sites proves to be particular due to the following factors: i) geographic centrality in the Iberian Peninsula, ii) large variety of existing raw materials. From the total of the seven sites identified so far in Pinilla del Valle, three of them – Navalmaíllo Rockshelter, Buena Pinta Cave and DesCubierta Cave – have important Mousterian lithic assemblages, characteristic of the Homo neanderthalensis populations. These assemblages are being studied under various perspectives – use wear analysis, technological aspects and raw materials (MÁRQUEZ et al. 2013). The raw material procurement study can be divided into two phases. These phases and the following methodology will be applied to each site under study. The first phase has been developed in the Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid where the artefacts are deposited – the main objectives are: i) to define the materials present in the different assemblages, ii) to define the materials present in the archaeological context that do not appear in the region, iii) conduct direct surveys on the ground in different areas of influence and iv) to compare samples of archaeological collection with samples collected on geological surveys and define the groups that are present in the assemblages.

2.2.3. Buena Pinta Cave The Buena Pinta Cave site, discovered in 2003, is located 80-90 metres south from Navalmaíllo rockshelter and 9-10 metres above the Valmaíllo stream. The gallery is of phreatic origin with and elliptical section of 1.5 metres in the widest point and of 1 metre at its narrowest point. It has a known length of 10 metres (BAQUEDANO et al. 2010; PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010). A deposit of colluvium of the Holocene of c. 1.80 metres thick covered the entrance of the cave and the chronology obtained by 14C AMS (2 sigma), places that deposit between 5.740-5.610 and 1.940-1.800 cal. BP (RUIZ ZAPATA et al. 2008). The sediments that fill the gallery have been dated by TL on its higher layers (level 3) and place them in 63.4 ± 5.5 ka BP, i.e., in MIS 4 (PÉREZ GONZÁLEZ et al. 2010). The excavations have been carried out since 2003 and further studies are still being conducted since “the understanding of the stratigraphic sequence of this site is still insufficient” (ARSUAGA et al. 2011:117). One of the main characteristics of this site is the large quantity of faunal remains, both micro and macro are similar to the ones found in Camino Cave. Their study permitted to understand the site and it is known now that during the Upper Pleistocene this cave was mostly used as a hyena den (Crocuta crocuta). The recent taphonomic analyses revealed anthropic activity. There is also a small number of lithic industry present in some levels still under study that allow to forward the idea that human groups could have temporarily occupied the cavity, competing with big mammals (ARSUAGA et al. 2011; BAQUEDANO et al. 2010, 2014).

22

Raw material study of the Mousterian lithic assemblage of Navalmaíllo Rockshelter (Pinilla del Valle, Spain): preliminary results

The second phase will comprise the petrographic and geochemical analyses in a laboratory yet to choose depending on time, costs and quality of the available equipment. In this article we will only centre on the mains questions and methodology of the first phase of the project.

3.2. Methodology The raw material of the mentioned sites, excavated since 2002 to date, is being revised and studied according to each site and archaeological level. The materials present at each site and level are defined looking for patterns, similarities and differences in the various detected occupational levels. At the moment the team are analysing and characterizing the different rock types macroscopically with the aid of a low resolution binocular microscope while detail photographs have been obtained at the laboratory of the Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid. This builds a primary database of different materials present in the assemblage. In parallel, it has been made a selection of samples that can be analysed with petrographic methods and archaeometric techniques in the near future at CENIEH Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana (Burgos). The Navalmaíllo site will be the first to analyse since it is the one with the greatest amount of Mousterian artefacts and it undoubtedly testifies a continued presence of Neanderthals in the rockshelter (ARSUAGA et al. 2011; BAQUEDANO et al. 2010, 2014; MÁRQUEZ et al. 2013). Artefacts from each year were selected for studio and binocular microscope photography. The criteria for the choices made were the following: i) representation of the raw material within the assemblage per year; ii) conservation status. The studio photographs were performed at the Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid, to register macroscopically the surface of the selected pieces. Then, photographs were taken in different magnifications (10x, 40x and 80x) with a binocular microscope model Olympus SZX12 with a digital camera attached and connected to a computer. This record was made in order to search for irregularities or peculiarities that might allow an easily differentiate raw materials in the future, to define them better and compare with possible sources. Until now, photos with the binocular microscope were taken to pieces from year 2004 to 2009. Surveys are being planned to known sites that already have geologic studies. The objective is to confirm the location of these possible sources and collect samples to compare with archaeological pieces. There are publications on the local geology of Madrid region and in the first phase of the project they will be useful to make comparisons with archaeological samples, saving time and resources (BUSTILLO et al. 2012; PÉREZ-JIMÉNEZ 2010). All pieces are weighted and characterized, separated into preliminary groups to be further on studied with more detail. With this methodology we want to know not only the number of pieces of

3.1. The lithic assemblage of Pinilla del Valle The three archaeological sites of Pinilla del Valle comprised in this study – Navalmaíllo Rockshelter, Buena Pinta Cave and Des-Cubierta Cave – have an important set of Mousterian lithic industries. However, each site has its own characteristics, distinct functions and represent the Neanderthal occupation of the Lozoya Valley. Camino Cave is a hyena den with only some lithic pieces, probably displaced from its original context (ARSUAGA et al. 2012) and so it will not be considered in this study. The Navalmaíllo Rockshelter has an assemblage of 14.684 pieces from the 2002 to 2012 field work and is the best collection studied so far (MÁRQUEZ et al. 2013; BAQUEDANO et al. 2014). The technological study concluded that the Mousterian lithics from Navalmaíllo Rockshelter are generally small in size as “some of the cores had been worked to a very small size; their products were therefore small as well” (MÁRQUEZ et al. 2013:389). Use wear on this same set is under study. As of 2008 B. MARQUEZ (2013) differentiated fifteen types of raw materials from levels D and F “although just six (quartz, chert, quartzite, porphyry, rock crystal, and sandstone) make up 90% of the total. Indeed, 77% of the artefacts are made of quartz, the most commonly used material” (MÁRQUEZ et al. 2013:379). The predominance of quartz based industry is an important feature that distinguishes this set from the ones of other sites in the centre of the Iberian Peninsula with the same chronologies (MÁRQUEZ et al. 2013). Most of these materials could be collected on the stream banks of Valmaíllo, Lontanar and Lozoya Rivers that carry rounded and subrounded porphyry, metamorphic quartzites, and granitoids cobbles and pebbles. “No chert is present in any of these fluvial networks, nor has any been found in the Cretaceous carbonate facies around the site” (MÁRQUEZ et al. 2013: 379). The identification of the possible sources of this material is one of the main objectives for the on going study. Buena Pinta Cave has an assemblage of 436 pieces from excavations from years 2003 to 2012 where quartz is the preferred and most common raw material on both levels (5 and 23) that have the strongest presence of human activities (BAQUEDANO et al. 2014). There are no publications concerning the lithic assemblages from DesCubierta Cave, as they are still being studied.

23

A. Abrunhosa, B. Márquez, E. Baquedano, N. Bicho, A. Pérez-González & J. L. Arsuaga

each type of raw material but also their total weight in relation to the collection to better understand the strategies of exploitation by archaeological level. Despite not being able to display statistical data since the study is at a preliminary stage, we are able to make some notes about the nature of present raw-materials. Quartz is the most abundant raw material but also present are sandstones, flint, chert, quartzites and other metamorphic rocks are also present in considerable variety, although in smaller quantities. 4.

elly a two month grant in 2013 and a one month grant (specific aid for foreigners) in 2014. Authors would like to thank Jadranka Verdonkschot for the english language review. REFERENCES ALFÉREZ, F.; MOLERO, G.; MALDONADO, E.; BUSTOS, V.; BREA, P. & BUITRAGO, M.1982. Descubrimiento del primer yacimiento cuaternario (Riss-Würm) de vertebrados con restos humanos en la provincia de Madrid (Pinilla del Valle). Coloquios de Paleontología 37: 15–32. ALFÉREZ, F. & ROLDÁN, B. 1992. Un molar humano Anteneandertal con patología traumática procedente del yacimiento cuaternatio de Pinilla del Valle (Madrid). Munibe (Antropologia – Arkeologia). Supl. 8: 183–188.

DISCUSSION

The Iberian Peninsula is rich in traces of Neanderthal occupations, especially in peripheral areas. The possibility of studying this central region enables a global view of the strategies and characteristics of the areas of exploitation of the territory by Homo neanderthalensis. The study of the origin of different raw materials from Pinilla del Valle will allow the construction of interpretative models of territorial occupation and exploitation of resources in the Iberian Peninsula. Navalmaillo Rockshelter is an habitation area with the presence of all elements that prove the presence of Neanderthals – Mousterian industry, hearths and bones with signs of manipulations as is the evidence of cut marks. The studied and published caves – Camino and Buena Pinta were hyena dens with the possibility of temporary Neanderthal occupations (Buena Pinta Cave) from the presence of few lithic instruments and cut marks on animal bones. By having different sites with clear different functions it is possible to study if there is a difference in the raw-materials found not just on each level but also in each site. In a first general analysis of the assemblages of Navalmaíllo Rockshelter, there seems to be a specific human adaptation with the raw material used to knap different products and instruments by the action of previous and careful selection. We will try to verify if there is a relation between the reduction strategies and technological sequences (under study by the current Pinilla del Valle Research Team) and the raw materials and thus to understand how they can be influenced each other. The aim is to have a better understanding of the technological and cultural behaviour of Peninsular Neanderthal population.The analysis and study of adaptation of techniques and the understanding of exploration and occupation strategies of the territory in relation to the available resources are essential to the study of these populations and their prevalence in the Iberian Peninsula.

ÁLVAREZ-LAO, D.J.; ARSUAGA, J.L.; BAQUEDANO, E. & PÉREZ-GONZÁLEZ, A. 2013. Last Interglacial (MIS 5) ungulate assemblage from the Central Iberian Peninsula: The Camino Cave (Pinilla del Valle, Madrid, Spain). Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology. 374: 327–337. ANDREFSKY, W. 2009. Lithics: Macroscopic Approaches to Analysis. Cambridge Manuals in Archaeology. 2nd. edition. Cambridge University Press. AUBRY, T.; MANGADO LLACH, X.; SAMPAIO, J.D.; CALVO TRIAS, M.; IGREJA, M.A.; KLARIC, L. & GAMEIRO, C. 2009. 5.1.1. Estudo do aprovisionamento em matériasprimas. 200 Séculos da História do Vale do Côa: incursões na vida quotidiana dos caçadores-artistas do Paleolítico. Trabalhos de Arqueologia 52: 131–169. ARSUAGA, J.L.; BAQUEDANO, E.; PÉREZ-GONZÁLEZ, A.; SALA BURGOS, M.T.N.; GARCÍA, N.; ÁLVAREZ-LAO, D.; LAPLANA CONESA, C.; HUGUET, R.; SEVILLA GARCÍA, P.; BLAIN, H.A.; QUAM, R.; RUIZ ZAPATA, M.B.; SALA, P.; GIL GARCÍA, M.J.; UZQUÍANO OLLERO, P. & PANTOJA PÉREZ, A. 2010. El yacimiento kárstico del pleistoceno superior de la Cueva del Camino en el Calvero de la Higuera (Pinilla del Valle, Madrid). In Enrique Baquedano y Jordi Rosell (eds), Actas de la 1ª Reunión de Científicos sobre Cubiles de Hiena (y otros grandes carnívoros) en los Yacimientos Arqueológicos de la Península Ibérica (Zona Arqueológica 13). Alcalá de Henares, Museo Arqueológico Nacional: 349–368. ARSUAGA, J.L.; BAQUEDANO, E. & PÉREZ-GONZÁLEZ, A. 2011. Neanderthal and carnivore occupations in Pinilla del Valle sites (Community of Madrid, Spain). X UISPP Congress Proceedings – Lisbon. 2006. British Archaeological Reports International Series 2224, 47: 111–119. ARSUAGA, J. L.; BAQUEDANO, E.; PÉREZ-GONZÁLEZ, A. SALA, N.; QUAM, R.; RODRÍGUEZ, L.; GARCÍA, R.; GARCÍA, N.; ÁLVAREZ-LAO, D.; LAPLANA, C.; HUGUET, R.; SEVILLA, P.; MALDONADO, E.; BLAIN, H.-A.; RUIZ ZAPATA, M.B.; SALA, P.; GIL-GARCÍA, M.J.; UZQUIANO, P.; PANTOJA, & MÁRQUEZ, B. 2012. Understanding the ancient habitats of the lastinterglacial (late MIS 5) Neanderthals of central Iberia: Paleoenvironmental and taphonomic evidence from the Cueva del Camino (Spain) site. Quaternary International, 275: 55–75. BAQUEDANO, E.; ARSUAGA, J.L. & PÉREZ-GONZÁLEZ, A. 2010. Homínidos y carnívoros: competencia en un mismo nicho ecológico pleistoceno: los yacimientos del Calvero de la Higuera en Pinilla del Valle. Actas de las Quintas Jornadas de Patrimonio Arqueológico en la Comunidad de Madrid: 61–72.

ACKNOWLEDGEMENTS

Ana Abrunhosa expresses her gratitude to both Fundación Universidad de Alcalá de Henares and to Casa de Velázquez (Madrid) for respectiv24

Raw material study of the Mousterian lithic assemblage of Navalmaíllo Rockshelter (Pinilla del Valle, Spain): preliminary results

PEREIRA, T. 2013. Reasons for raw material patterns in south western iberia. In A. Pastors and B.(Auffermann eds). Pleistocene foragers on the Iberian Peninsula: their culture and environment. Festschrift in honour of Gerd-Christian Weniger for his sixtieth birthday. Wissenschaftliche Schriften des Neanderthal Museums 7: 143–161.

BAQUEDANO, E.; MÁRQUEZ, B.; PÉREZ-GONZÁLEZ, A.; MOSQUERA, M.; HUGUET, R.; ESPINOSA, J.A.; SÁNCHEZROMERO, L.; PANERA, J. & ARSUAGA, J.L. 2014. Los Neanderthales en el Valle del Lozoya: Los yacimientos paleolíticos del Calvero de la Higuera (Pinilla del Valle, Madrid). Mainake 32: 83–100. BELLIDO, F.; ESCUDER, J.; KLEIN, E. & DEL OLMO, A. 1991. Mapa Geológico de España a E. 1:50.000. Buitrago del Lozoya (484). Madrid, IGME.

PEREIRA, T., HAWS, J. & BICHO, N. 2014. O Paleolítico Médio no Território Português. Mainake. 33: 11–30. PÉREZ-GONZÁLEZ, A.; KARAMPAGLIDIS, T.; ARSUAGA, J.L.; BAQUEDANO, E.; BÁREZ, S.; GÓMEZ, J.J.; PANERA, J.; MÁRQUEZ, B.; LAPLANA, C.; MOSQUERA, M.; HUGUET, R.; SALA, P.; ARRIAZA, M.C.; BENITO, A., ARACIL, E. & MALDONADO, E. 2010. Aproximación geomorfológica a los yacimientos del Pleistoceno Superior del Calvero de la Higuera en el Valle Alto del Lozoya (Sistema Central Español, Madrid). In Enrique Baquedano y Jordi Rosell (eds), Actas de la 1ª Reunión de Científicos sobre Cubiles de Hiena (y otros grandes carnívoros) en los Yacimientos Arqueológicos de la Península Ibérica (Zona Arqueológica 13). Alcalá de Henares, Museo Arqueológico Nacional: 404–420.

BUSTILLO, M.A.; PÉREZ-JIMÉNEZ, J.L. & BUSTILLO, M. 2012. Caracterización geoquímica de rocas sedimentarias formadas por silicificación como fuentes de suministro de utensilios líticos (Mioceno, cuenca de Madrid). Revista Mexicana de Ciencias Geológicas, Vol. 29, 1: 233–247. FERNÁNDEZ-LOMANA, C.D. 1993. Estudio tafonómico de los macrovertebrados de yacimientos del Pleistoceno Medio. Complutum, 4: 21–40. FINLAYSON, C.; GILES PACHECO, F.; RODRÍGUEZ-VIDAL, J.; FAL, D.A.; GUTIERREZ LÓPEZ, J.M.; SANTIAGO PÉREZ, A.; FINLAYSON, G.; ALLUE, E.; BAENA PREYSLER, J.; CÁCERES, I.; CARRIÓN, J.S.; FERNÁNDEZ JALVO, Y.; GLEEDOWEN, C.P.; JIMENEZ ESPEJO, F.J.; LÓPEZ, P.; LÓPEZ SÁEZ, J.A.; RIQUELME CANTAL, J.A.; SÁNCHEZ MARCO, A.; GILES GUZMAN, F.; BROWN, K.; FUENTES, N.; VALARINO, C. A.; VILLALPANDO, A.; STRINGER, C.B.; MARTINEZ RUIZ, F.; & SAKAMOTO, T. 2006. Late survival of Neanderthals at the southernmost extreme of Europe. Nature, 443: 850–853.

PÉREZ JIMÉNEZ, J.L. 2010. Sedimentología, silicificaciones y otros procesos diagenéticos en las unidades intermedia y superior del Mioceno de la Cuenca de Madrid (zonas NE, NW y W). Ph.D. thesis. Universidad Complutense de Madrid. RUIZ ZAPATA, M.B.; GÓMEZ GONZÁLEZ, C.; GIL GARCÍA, M.J.; PÉREZ GONZÁLEZ A.; LÓPEZ-SÁEZ, J.A.; ARSUAGA, J.L. & BAQUEDANO, E. 2008. Evolución de la vegetación durante el Pleistocenosuperior y el Holoceno en el valle alto del río Lozoya. Yacimiento arqueopaleontológico de la cueva de la Buena Pinta (Pinilla delValle. Sistema Central Español). Geogaceta. 44: 83-86.

GENESTE, J.M. 1985. Analyse lithique d'industries moustériennes du Périgord: une approche technologique du comportement des groupes humains du Paléolithique moyen. Thèse Sc., Bordeaux I. MANGADO, J. 2006. El aprovisionamiento en materias primas líticas: hacia una caracterización paleocultural de los comportamientos paleoeconómicos. Trabajos de Prehistoria, Vol. 63, 2: 79–71.

TORRE, I.; MARTÍNEZ-MORENO, J. & MORA, R. 2014. Change and Stasis in the Iberian Middle Paleolithic: Considerations on the Significance of Mousterian technological variability. Current–Anthropology, Vol. 54, Supplement 8: 320–336.

MÁRQUEZ, B.; MOSQUERA, M.; BAQUEDANO, E.; PÉREZ-GONZÁLEZ, A.; ARSUAGA, J.L.; PANERA, J.; ESPINOSA, J. A. & GÓMEZ, J. 2013.Evidence of a Neanderthal-made quartz-based technology at Navalmaíllo rockshelter (Pinilla del Valle, Madrid Region, Spain). Journal of Anthropological Research, 69(3): 373–395.

TURC, A. 2003. De la matière première lithique brute à la mise au jour de l’object archéologique : propositions pour une meilleure exploitation du potentiel informatif du matériel lithique illustrées par quelques exemples du Paléolithique aquitain. Habilitation à diriger des recherches, Université de Perpignan.

MEIGNEN, L.; DELAGNES, A.; BOURGUIGNON, L. 2009. Patterns of lithic material procurement and transformation during the middle Paleolithic in Western Europe. In Adams B. Blades B.S. (eds) Lithic Materials and Paleolithic Societies. Blackwell Publishing.

VERA J.A. (ed). 2004. Geología de España. Madrid, SGEIGME.

25

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 27-38 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

CAÇADORES-RECOLECTORES NO VALE DO SADO, AMBIENTE, RECURSOS E TECNOLOGIA LÍTICA: O CASO DE ARAPOUCO (ALCÁCER DO SAL) MARIANA DINIZ(1) & DIANA NUKUSHINA(2)

Resumo:

No vale do Sado, Arapouco apresenta-se como um sítio-chave para discussão das modalidades de implantação e funcionamento do conjunto de concheiros do Mesolítico final, desta região. Perspectivas anteriores têm defendido o carácter especializado e temporário de Arapouco, no contexto deste complexo de concheiros, tratando-se do sítio mais a jusante até agora identificado e com maior abundância de restos de ictiofauna (ARNAUD 1989, 2000; GABRIEL 2010). A análise isotópica realizada sobre um esqueleto humano proveniente do concheiro de Arapouco demonstra a importância dos recursos marinhos, na dieta deste indivíduo (CUNHA & UMBELINO 2001). Não obstante, a cultura material deste sítio não foi alvo de estudo sistemático até à data, apesar da sua reconhecida importância para o conhecimento do povoamento e da paleo-economia pré-históricas. Neste sentido, a análise da indústria lítica de Arapouco afigurou-se como uma tarefa imperativa, apresentandose aqui os primeiros resultados. Detectar na indústria lítica de Arapouco elementos específicos que conectem o sítio com a exploração especializada de recursos aquáticos constitui o objectivo central desta análise. Palavras-chave: Mesolítico, Vale do Sado, Arapouco, Indústria lítica, Sítio logístico

Abstract:

Hunter-gatherers in the Sado valley, environment, resources and lithic technology: the case of Arapouco (Alcácer do Sal) In the Sado valley, Arapouco appears as a key-site to the discussion of the settlement and functional organization of the Late Mesolithic shell middens of this region. Previous perspectives have been stated a specialized and temporary character of Arapouco in this shell middens complex, being this site the most downstream, with the major quantity of icthiofaunal remains until now (ARNAUD 1989, 2000; GABRIEL 2010). The isotopic analyses on a human skeleton from Arapouco show the importance of the marine resources on the diet of this individual (CUNHA & UMBELINO 2001). Nevertheless, the material culture of Arapouco was not object of a systematic study until now, in spite of the importance of this site to the knowledge of the prehistoric settlement and economy. Thus an analysis of the lithic industry from Arapouco appeared imperative, being presented in this paper the first results of this work. The main aim was to detect specific elements in the lithic industry of Arapouco which are connectable with a specialized exploitation of aquatic resources. Keywords: Mesolithic, Sado valley, Arapouco, Lithic industry, Site function

Received: 24 July, 2014; Accepted: 20 November, 2014 1.

discussão das modalidades de implantação e funcionamento do conjunto de concheiros conhecidos nesta região (Fig. 1). O concheiro implanta-se sobre um pequeno cabeço, a 47 m de

INTRODUÇÃO

No vale do Sado, Arapouco (Alcácer do Sal, Setúbal) apresenta-se como um sítio-chave para a A

B

Fig. 1. Localização de Arapouco: A) na Península Ibérica (ARNAUD 1989), B) nos concheiros do vale do Sado (adaptado de DINIZ & ARIAS, 2012, p. 141, fig. 1). Fig. 1. Location of Arapouco: A) in the Iberian Peninsula (ARNAUD 1989), B) in the shell middens complex of the Sado valley (adapted from DINIZ & ARIAS 2012, p. 141, fig.1). (1) (2)

Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected] Mestre em Arqueologia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]

27

Mariana Diniz & Diana Nukushina

O sítio foi escavado entre os anos 1950 e 1960, pelos trabalhadores de Manuel Heleno, no quadro das campanhas que o então director do Museu Nacional de Arqueologia dirigia na região, seguindo a metodologia sistematicamente utilizada no Sado, que consistia na abertura de uma série de sondagens para delimitar o concheiro, e a abertura de uma área ampla, quase central, a partir da identificação dos enterramentos aí preservados (ARNAUD 2000). Perspectivas anteriores têm defendido um carácter especializado e temporário de Arapouco dentro deste complexo de concheiros, tratando-se do sítio mais a jusante até agora identificado e com maior abundância de restos de ictiofauna, por contraponto à escassez de fauna terrestre, de acordo com as análises publicadas por J. Arnaud (1989, 2000), e ainda em curso por S. Gabriel (2010). Várias espécies de peixe têm vindo a ser identificadas, incluindo tubarão, robalo e dourada (GABRIEL, PRISTA & COSTA 2012). Apesar do pequeno número de dados publicados, as análises isotópicas de esqueletos humanos provenientes do Sado (Tabela 1), apresentam-se como outro elemento a favor desta hipótese, sendo que da totalidade dos restos analisados, apenas o indivíduo, proveniente de Arapouco, apresenta uma dieta aquática significativa, com os recursos marinhos a atingirem 44% da sua alimentação. A leitura conjunta desta informação geográfica – relacionada com a implantação espacial do sítio; antropológica – relacionada com as dietas, e faunística – relacionada com os restos ictiológicos, parece conferir a Arapouco uma relação particular com o ambiente aquático, menos documentada em outros concheiros. Neste sentido, e no âmbito da linha de revisão e estudo das colecções provenientes dos concheiros do Sado e depositadas no Museu Nacional de Arqueologia, do projecto SADO-MESO, procedeu-se à análise tecno-tipológica da indústria lítica de Arapouco. Importava detectar no conjunto artefactual reflexos de uma adaptação específica ao meio estuarino e a tarefas essencialmente relacionadas com os recursos aquáticos, identificando potenciais diferenças em relação a conjuntos artefactuais de outros concheiros do Sado já analisados (ARAÚJO 1995-1997; MARCHAND 2001; NUKUSHINA 2012).

altitude, na margem esquerda do rio Sado, apresentando um excelente domínio visual sobre o rio (Figs. 2 e Fig. 3). As coordenadas UTM (WGS84) são 544338 (lat.) e 4240364 (long.).

Fig. 2. Localização de Arapouco na Carta Militar de Portugal (2010), escala 1:25000, extratos das folhas no477 e 486 Fig. 2. Location of Arapouco in the Military Map of Portugal 1:25000, extracts from the sheets no 477 e 486.

A

2.

A INDÚSTRIA LÍTICA DE ARAPOUCO

2.1. Metodologia

B

Em função da problemática colocada, foi efectuada a caracterização tecno-tipológica da indústria lítica de Arapouco, recolhida durante as intervenções de Manuel Heleno (anos de 1950-60). A abordagem seguiu os pressupostos teórico-metodológicos subjacentes ao conceito de “cadeia operatória” (TIXIER, INIZIAN & ROCHE, 1980; INIZIAN et al. 1999), e foi realizada de acordo com os critérios tecno-tipológicos definidos para o estudo das indústrias de pedra lascada do Paleolítico Superior e do Mesolítico, no Ocidente peninsular (ZILHÃO 1997; ARAÚJO 1995-1997, 2011).

Fig. 3. Concheiro de Arapouco: A) vista para o rio Sado, B) área de dispersão do concheiro. Fig. 3. Arapouco shell midden: A) view of the Sado river, B) general view.

28

Caçadores-recolectores no vale do Sado, ambiente, recursos e tecnologia lítica: o caso de Arapouco (Alcácer do Sal)

Tabela 1. Dados isotópicos dos esqueletos humanos dos concheiros do Sado. Cálculo da dieta marinha de acordo com a expressão matemática utilizada por Ambrose (1993) Table 1. Isotopic data from the human skeletons of the Sado shell middens. Marine diet % calculated through the formula established by Ambrose (1993) Sítio

Contexto

Amostra

Lab.

δ 13C (‰)

Dieta marinha (%)

Data 14C BP

Data 14C Referência Cal BC (2 bibliográfica σ)*

Arapouco

Esqueleto 2A

Homo

Sac-1560

-16,92

44

7200±130

6252-5679

CUNHA & UMBELINO 2001

Amoreiras

Esqueleto 5

Homo

Beta-125110

-20,8

7230±40

6211-6021

CUNHA & UMBELINO 2001

Esqueleto 4

Homo

Beta-125109

-22,6

6760±40

Esqueleto 4

Homo

Sac-1558

-19,28

6740±110

Cabeço do Pez

CUNHA & UMBELINO 2001

5867-5479

CUNHA & UMBELINO 2001

* Datas calibradas a partir de OxCal 4.2 (Bronk Ramsey 2009) utilizando a curva atmosférica IntCal 13 (Reimer et al. 2013) para amostras terrestres. As amostras Sac-1560 e Sac-1558 obtidas a partir de amostras humanas com dietas mistas (Richards & Hedges 1999) foram calibradas segundo a curva Marine 13 (Reimer et al. 2013) e o ΔR regional para o vale do Sado: ΔR = – 100 ± 155 (Martins et al. 2008; Soares comunicação pessoal).

2.2. Características e contextualização do conjunto analisado

apenas 5% do conjunto lítico. Na 4ª camada não foi recuperado qualquer material, e da 5ª camada provém uma única peça. A presença maioritária de material lítico na 1ª camada (0-25 cm) estará relacionada com fenómenos pós-deposicionais de migração vertical de elementos micro-laminares já registada em outras ocupações sobre sedimentos arenosos (e.g. DINIZ 2007, p. 76). A partir da leitura da Tabela 2, é possível constatar que em Arapouco, os restos de talhe constituem a categoria tecnológica numericamente mais representativa (57,12%), seguida pelo material de debitagem. Os utensílios retocados constituem uma fracção pequena, do conjunto. Os núcleos encontram-se particularmente mal representados, assim como o material de preparação e manutenção dos mesmos.

Foram classificadas as 3841 peças líticas provenientes das intervenções de M. Heleno, neste concheiro (Tabela 2). Os materiais têm registo de proveniência de 12 secções, 5 sondas e diversos esqueletos, mas para uma parte considerável do material, cerca de 24,5 % do conjunto, desconhece-se a exacta proveniência. O material lítico associado a esqueletos apenas 55 peças identificadas como provável espólio votivo - não tem qualquer característica técnica ou tipológica que o diferencie do restante. Em termos de camadas estratigráficas, apenas se faz menção a três camadas. A maior parte das peças provém da primeira e segunda camadas, respectivamente 39,8% e 31,7%, registando-se uma quebra muito acentuada na 3ª camada (entre os 50 e 75 cm), onde se recuperou

Tabela 2. Total de peças líticas talhadas analisadas do concheiro de Arapouco (MNA) Table 2. Total of the lithic materials analyzed from the Arapouco shell midden (MNA)

Categoria tecnológica

Sub-categoria

Núcleos Material de preparação/ manutenção Peças de crista Tablettes Flancos Material de debitagem (bruto) Lâminas Lamelas Lascas Utensílios retocados Geométricos Lamelas retocadas Utensílios de fundo comum Diversos Peça esquirolada Restos de talhe Fragmentos Esquírolas Microburis Total (inclui fragmentos)

29

Total

%

97

2,53%

45

1,17%

13 23 9 1058 11 564 483

0,34% 0,60% 0,23% 27,54% 0,29% 14,68% 12,57% 11,56% 2,76% 3,10% 4,32% 1,38% 0,08% 57,12% 53,61% 1,95% 1,56% 100,00%

444 106 119 166 53 3 2194 2059 75 60 3841

Mariana Diniz & Diana Nukushina

2.3. Aprovisionamento e características das matérias-primas

casos, a observação das matérias-primas ficou condicionada pela frequente presença de concreções de concheiro. A presença de vestígios de córtex é bastante evidente no conjunto, 29% dos produtos debitados são corticais ou semicorticais, destacando-se a sua presença no escasso número de lâminas em bruto e núcleos, onde se apresenta sob a forma de córtex rolado. Aparentemente, e segundo a investigação que tem vindo a ser recentemente realizada ao nível das matérias-primas, as rochas utilizadas seriam recolhidas nas proximidades, sobretudo em conglomerados paleogénicos (PIMENTEL et al. 2013).

Em Arapouco, verifica-se uma generalizada utilização de rochas siliciosas, nomeadamente chertes (64,67%), de tonalidade acinzentada e acastanhada clara. O xisto silicioso está representado em menor quantidade (22%). Por outro lado, para além do jaspe (4,45%) e do quartzo hialino (6,51%), outras matérias-primas encontram-se muito mal representadas, identificandose esta como uma indústria de reduzida variabilidade litológica (Fig. 4), ao nível de todas as categorias tecnológicas (Tabela 3). Em alguns

Fig. 4. Matérias-primas representadas no conjunto lítico de Arapouco (total). Fig. 4. Raw-materials of the lithic assemblage of Arapouco (total).

Tabela 3. Total de peças líticas por categoria tecnológica e matéria-prima do concheiro de Arapouco (MNA) Table 3. Total of the lithic materials from the Arapouco shell midden – technological categories and raw materials (MNA) Categoria tecnológica

Matéria -prima

Total

Chert

Xisto Silicioso

Quartzo

Jaspe

Outras

Núcleos

75

9

4

8

1

97

Material de preparação/ manutenção

21

3

0

1

20

45

Material de debitagem (bruto)

765

210

22

54

7

1058

Utensílios retocados

323

77

5

25

17

447

Restos de talhe

1295

546

238

83

32

2194

Total (inclui fragmentos)

2479

845

269

171

77

3841

Em termos dos produtos debitados, os núcleos apontam para uma maior representatividade da debitagem de lascas, ao invés de lamelas. Há uma maior quantidade de núcleos com negativos exclusivamente de lascas (19,40%), em relação aos núcleos que apenas apresentam extrações de lamelas (10,45%). O mesmo se verifica ao nível dos núcleos que apresentam negativos de extrações de diferente morfometria (lascas, lamelas, esquírolas), dominando aqueles destinados à produção de las-

2.4. Análise tecno-tipológica 2.4.1. Núcleos Verifica-se uma elevada incidência de acidentes de talhe e defeitos nos núcleos (67,16%), sobretudo ressaltos, o que demonstra a dificuldades no talhe destas matérias-primas. Embora em muitos casos tenha sido impossível determinar o suporte, a maioria dos núcleos inteiros utiliza, como volume inicial, seixos de pequena dimensão (58,21%). 30

Caçadores-recolectores no vale do Sado, ambiente, recursos e tecnologia lítica: o caso de Arapouco (Alcácer do Sal)

cas e de outro suporte (67,16%). Os núcleos apresentam planos de talhe frequentemente lisos (46,21%), embora a facetagem seja significativa, registada em 43% dos núcleos. As extracções apresentam mais frequentemente uma orientação múltipla (32,84%), embora a orientação unidireccional (22,39%) e ortogonal (22,39%) tenham alguma importância. Os núcleos prismáticos são os mais frequentes (77,61%) (Fig. 5), destacandose, em menor grau, os núcleos informes/poliédricos (8,96%). A presença de blocos debitados e choppers/ chopping-tools tem algum significado (10,45%),

2001; NUKUSHINA 2012). Deste conjunto, destacam-se as tablettes (51,11%), e em segundo lugar, as peças de crista (28,89%). CHAND

Tabela 4. Padrões métricos dos núcleos inteiros Table 4. Metrical patterns of the complete cores

Padrões métricos

Total

Peso (g) Média

54,20

Desvio-padrão

121,89

Comprimento (mm) Média

29,96

Desvio-padrão

17,83

Largura (mm) Média

29,65

Desvio-padrão

17,05

Espessura (mm) Média

23,50

Desvio-padrão

12,82

Comprimento do eixo maior de debitagem (mm) Média Desvio-padrão

17,92 7,73

N

67,00

2.4.2. Produtos de debitagem

O material de debitagem constitui o segundo grupo mais representativo da colecção (27,54%). Neste caso, a representatividade de lamelas e lascas é similar (Tabela 5). Quando considerada a totalidade das peças, a percentagem de lamelas (53,31%) é ligeiramente superior à de lascas (45,65%), mas quando nos cingimos ao NMI, ou seja, contabilizando apenas as peças inteiras e os fragmentos proximais, as lascas apresentam-se numericamente superiores (56,86%), face às lamelas (41,90%). Fig. 5. Arapouco, núcleos prismáticos (MNA).

Tabela 5. Total dos produtos de debitagem em Arapouco Table 5. Blank types from Arapouco (by Total and MNI).

Fig. 5. Arapouco, prismatic cores (MNA).

Total

tendo estes, com maior frequência, um carácter macrolítico, utilizando preferencialmente rochas não-siliciosas. A maior parte dos núcleos foi utilizada intensivamente (50,75%), encontrando-se alguns em estado de esgotamento (32,84%), sobretudo no caso dos núcleos em rochas siliciosas. Parte considerável terá sido abandonada devido aos defeitos das matérias-primas (41,79%). Os padrões métricos dos núcleos inteiros expressam, em geral, o seu reduzido tamanho, nomeadamente os comprimentos, com uma média inferior a 30 mm (Tabela 4). Quanto ao material de preparação e manutenção do núcleo, este não ultrapassa os 2% do total de peças, em conformidade com a escassa representatividade desta categoria nos outros sítios do Sado já analisados (ARAÚJO 1995-1997; MAR-

NMI

Lascas

45,65%

483

56,86%

460

Lâminas

1,04%

11

1,24%

10

Lamelas

53,31%

564

41,90%

339

Total

100,00%

1058

100,00%

809

À semelhança de outras categorias tecnológicas, a utilização de rochas não-siliciosas em lascas é escassa (4,93%), sendo visível uma preferência pelos chertes (63,17%) e xistos siliciosos (28,40%). A maior parte das lascas não apresenta vestígios de córtex (66,05%), destacando-se, no entanto, algumas peças semi-corticais (21,53%). Os talões são maioritariamente lisos, os bolbos e as 31

Mariana Diniz & Diana Nukushina

secções são variáveis. Os bordos tendem a ser irregulares, convergentes ou divergentes. Quando foi possível identificar os negativos de extracção, apenas em 196 produtos, a maior parte destes apresentava negativos concordantes em relação ao eixo de debitagem (85, 71%). Os perfis tendem a ser direitos (88,93%) e as ondas de talhe são frequentemente invisíveis (83,23%). Os acidentes de talhe não são frequentes, destacando-se alguns casos de duplo bolbo (2,07%). As dimensões das lascas inteiras apontam para o talhe de suportes de pequena dimensão e relativamente estandardizado. A larga maioria das lascas tem dimensões inferiores a 40 mm de comprimento e 30 mm de largura (Figs. 6 e 7, Tabela 6).

Tabela 6. Padrões métricos das lascas brutas inteiras Table 6. Metrical patterns of the unretouched and complete flakes

Padrões métricos

Total

Comprimento Média

20,00

Desvio-padrão

9,20

Largura Média

17,18

Desvio-padrão

8,43

Espessura Média

5,12

Desvio-padrão

3,22

N

280,00

2.4.2.1. Lâminas

As lâminas são residuais (11 peças), sendo claro que não constituíam o principal objectivo do talhe. Os vestígios de córtex estão presentes na maioria das peças (63,64%), sendo estas semicorticais. Os talões revelam, também, a escassa preparação na produção destes suportes, sendo maioritariamente lisos (36,36%) e corticais (27,27%). As secções também não apresentam nenhuma tendência, o mesmo se verificando para os bordos, que apresentam diversidade e irregularidade. Os perfis tendem a ser direitos. As ondas de talhe são invisíveis. Os valores métricos mostram a reduzida dimensão das lâminas, nomeadamente ao nível dos comprimentos. No que toca às larguras, é evidente a proximidade em relação ao limite máximo habitualmente utilizado para as lamelas (12 mm) (Tabela 7). Tabela 7. Padrões métricos das lâminas inteiras Table 7. Metrical patterns of the complete blades

Padrões métricos

Fig. 6. Arapouco, lascas em bruto (MNA). Fig. 6. Arapouco, unretouched flakes.

Total

Comprimento Média

34,25

Desvio-padrão

4,96

Largura Média

15,67

Desvio-padrão

2,27

Espessura

Fig. 7. Correlação dos comprimentos e larguras das lascas inteiras (mm). Fig. 7. Lengths and widths correlation of the complete flakes (mm).

32

Média

6,20

Desvio-padrão

2,43

N

6,00

Caçadores-recolectores no vale do Sado, ambiente, recursos e tecnologia lítica: o caso de Arapouco (Alcácer do Sal)

2.4.2.2. Lamelas

mentos, quer das espessuras (Tabela 8). Observando por classes de 5 mm, verifica-se a maior frequência dos comprimentos na classe 19-24 mm, seguida pela classe 14-19 mm. De destacar, na debitagem de lamelas, a procura de produtos com larguras compreendidas entre os 5 e os 8 mm, com um pico a registar-se nos 6-7 mm (Fig. 9), numa tendência própria das indústrias micro-laminares.

Embora não constituam o conjunto mais abundante, as lamelas são parte significativa dos produtos debitados (41,90% do NMI) (Fig. 8). Totalizam as 564 peças, encontrando-se apenas 9,57% em estado inteiro. A maior parte não apresenta vestígios de córtex (82,98%), tendo, no entanto, as peças semi-corticais alguma representatividade (11,70%).

Tabela 8. Padrões métricos das lamelas inteiras Table 8. Metrical patterns of the complete bladelets

Padrões métricos Comprimento

Total

Média

19,88

Desvio-padrão

5,45

Largura Média

7,70

Desvio-padrão

1,58

Espessura Média

2,87

Desvio-padrão

1,05

Índice de alongamento (inteiras) Média

2,60

Desvio-padrão

0,60

N

54

Fig. 8. Arapouco, lamelas em bruto (MNA). Fig. 8. Arapouco, unretouched bladelets (MNA).

Figura 9. Larguras das lamelas brutas (total), por classes de 1 mm.

Os talões são maioritariamente lisos (37,46%), diedros (28,32%) ou facetados (24,78%). O estrangulamento dos bordos junto ao talão é raro (2,36%). Os bolbos surgem pronunciados, quer difusos, com alguma frequência de esquirolamento (38,35%). As secções não apresentam uma tendência particular. Nas peças inteiras, os bordos tendem a ser paralelos (35,19%) ou convergentes (29,63%) e os negativos dorsais, quando visíveis, concordantes em relação ao eixo da debitagem, maioritariamente paralelos. Os perfis tendem a ser direitos (50%). As ondas de percussão são invisíveis na maioria (85,11%). Os acidentes de talhe são pouco frequentes. Embora a maioria das peças se encontre fracturada, a identificação do processo de fracturação foi impossível na maioria dos casos. No que toca às dimensões, verifica-se uma forte estandardização, quer ao nível dos compri-

Figure 9. Widths of unretouched bladelets (total) by 1mm classes.

2.4.3. Utensilagem

Os utensílios retocados constituem apenas 11,56% do total de peças analisado. Ao contrário de outros concheiros do Sado, os geométricos não constituem os utensílios dominantes, verificando-se uma maior quantidade de utensílios de fundo comum (37,39%), seguidos pelas lamelas retocadas (26,80%), e só depois os geométricos (23,87%) (Fig. 10). Numa perspectiva global, verifica-se que o talhe de lascas e lamelas constituiria o objectivo central, para utilização em bruto ou posterior transformação através de retoque. Apesar de a utensilagem de fundo comum ser a mais frequente entre os utensílios, a utilização de lamelas como suporte da utensilagem é mais representativa (54,05%). 33

Mariana Diniz & Diana Nukushina

Em termos métricos, as lascas retocadas inteiras apresentam um comprimento médio ligeiramente superior (26,45±10,91 mm), ao das lascas brutas e que poderá ser explicado pela selecção de suportes de maior dimensão para retoque. As raspadeiras constituem o segundo subgrupo mais numeroso deste conjunto (7,83%), obtidas maioritariamente sobre seixo, mas também sobre lasca. A utilização de suportes de tipo seixo ou fragmento atípico tem alguma importância neste conjunto (15,66%), demonstrando o seu aproveitamento para a produção de utensilagem espessa.

Fig. 10. Principais categorias de utensílios retocados presentes em Arapouco. Fig. 10. Main categories of the retouched tools in Arapouco.

2.4.3.2. Lamelas retocadas

2.4.3.1. Utensílios de fundo comum

No universo das lamelas retocadas (26,80% dos utensílios), foram contabilizadas lamelas com retoque marginal, entalhes, denticulados, retoques atípicos, truncaturas, furadores, buris e lamelas de dorso abatido (Fig. 12). A maioria não apresenta vestígios de córtex (86,55%). Os retoques são sempre curtos e maioritariamente directos e abruptos ou semi-abruptos. As lamelas com retoque marginal constituem o tipo mais frequente (57,98%), seguidas pelas truncaturas (14,29%) e entalhes (13,45%) (Tabela 10).

Neste conjunto foram englobadas as lascas e lâminas retocadas, raspadores, raspadeiras, buris, entalhes, denticulados, furadores, truncaturas e utensílios compósitos sobre suporte não-lamelar, isto é, lasca, lâmina, fragmento ou seixo (Fig. 11). Constitui o conjunto de utensílios retocados mais numeroso (37,39%), sobretudo devido ao peso das lascas retocadas (63,86%), em que foram englobadas lascas com retoques atípicos, marginais, entalhes e denticulados (Tabela 9).

Fig. 11. Arapouco, utensílios de “fundo comum” (MNA). Fig. 11. Arapouco, ‘common fond’ tools (MNA).

Fig. 12. Arapouco, lamelas retocadas (MNA). Fig. 12. Arapouco, retouched bladelets (MNA).

Tabela 9. Utensilagem de fundo comum em Arapouco Table 9. Substrate tools tools in Arapouco

Utensilagem

Total

Tabela 10. Classificação tipológica das lamelas retocadas

Lasca retocada Lâmina retocada Raspador Raspadeiras Buril Entalhe Denticulado Furador Truncatura Sobre seixo Compósito

68,67% 3,61% 5,42% 7,83% 2,41% 3,01% 3,61% 2,41% 0,60% 0,60% 1,81%

114 6 9 13 4 5 6 4 1 1 3

Total

100%

166

Table 10. Typological classification of the retouched bladelets

Lamelas retocadas Retoque marginal Furador Entalhe Entalhe+retoque marginal Lamela de dorso Buril Retoque avulso/atípico Truncatura Total

34

Total 57,98% 0,84% 13,45% 3,36%

69 1 16 4

2,52% 1,68% 5,88% 14,29% 100%

3 2 7 17 119

Caçadores-recolectores no vale do Sado, ambiente, recursos e tecnologia lítica: o caso de Arapouco (Alcácer do Sal)

directo, apresentando forte uniformidade. Os vestígios de córtex são praticamente inexistentes. Os trapézios, cujas larguras originais se encontram conservadas, apresentam secções maioritariamente trapezoidais (63,86%). O índice de fracturação é sempre inferior a 50%, o que nos permite falar de um relativo bom estado de conservação das peças (Fig. 13).

Quando presentes, os talões apresentam-se maioritariamente diedros (32,84%), lisos (29,85%), ou facetados (29,85%). Os bolbos são sobretudo pronunciados (62,69%), com alguma presença de esquirolamento (38,81%). Os bordos tendem a ser paralelos, sendo o estrangulamento junto ao talão praticamente ausente. Os perfis são mais frequentemente direitos (50%). As ondas de percussão são maioritariamente invisíveis (86,55%), e os acidentes de talhe pouco frequentes (8 casos). Verifica-se que os valores métricos apresentados pelas lamelas retocadas se podem enquadrar dentro dos parâmetros verificados para as lamelas brutas e geométricos, nomeadamente ao nível das espessuras. 2.4.3.3 Geométricos

Os micrólitos geométricos detêm uma representatividade importante, embora não de forma dominante (23,87% do total de utensílios). Os trapézios constituem o tipo mais frequente entre os geométricos (78,30%), surgindo quer formas simétricas, quer assimétricas. De forma menos significativa, surgem alguns triângulos (10,38%), sobretudo escalenos. Os segmentos constituem o tipo menos frequente (6,60%), e as formas de transição são raras (2,83%) (Tabela 11). Verifica-se uma tendência geral de diminuição do número de geométricos da primeira para a terceira camada do sítio, o que estará relacionado com processos tafonómicos de migração de material lítico, ao longo da sequência estratigráfica. Fig. 13. Arapouco, geométricos e microburis (MNA).

Tabela 11. Tipologia e sub-tipologias dos geométricos em Arapouco

Fig. 13. Arapouco, geometrics and microburins (MNA).

Table 11. Typologies and sub-typologies of the geometrics of Arapouco

Tipologia de geométricos

Sub-tipo

Total

%

Simétrico

83 30

78,30% 28,30%

Assimétrico

24

22,64%

Indeterminado

29 11 2 7

27,36% 10,38% 1,89% 6,60%

2 7 1 5

1,89% 6,60% 0,94% 4,72%

1 5

0,94% 4,72%

3

2,83%

Trapézio

Triângulo Isósceles Escaleno Indeterminado Segmento Assimétrico Simétrico Indeterminado Outra Forma de transição Indeterminado Total

2

1,89%

106

100,00%

Ao nível das dimensões, verifica-se uma forte estandardização, em particular ao nível dos comprimentos e das espessuras, sendo a variação do alongamento médio, também, reduzida. Verifica-se que a maior frequência dos comprimentos surge na classe 14-16 mm, seguida pela classe 16-18 mm (Tabela 12). Tabela 12. Padrões métricos dos geométricos Table12. Metrical patterns of the geometrics Padrões métricos Total Comprimento (inteiros) Média Desvio-padrão Largura conservada (exclui trapézios) Média Desvio-padrão Largura original (trapézios) Média Desvio-padrão Espessura Média Desvio-padrão Índice de alongamento (inteiros) Média Desvio-padrão

Os geométricos são obtidos quase integralmente sobre rochas siliciosas (99,05%), a partir de lamelas, e formados maioritariamente por retoque abrupto e 35

15,39 2,83 7,22 1,61 7,24 1,27 1,92 0,44 2,2 0,58

Mariana Diniz & Diana Nukushina

dos recursos líticos localmente disponíveis, mais do que uma procura de adequação das qualidades das matérias-primas aos produtos finais. Assim, as diferenças detectadas no uso de matérias-primas patente em Arapouco deve reflectir a geologia local, mais do que outras selecções, aspecto a confirmar no terreno por levantamento geológico de pormenor. Ao nível tecno-tipológico, a principal particularidade deste sítio parece residir na importância do talhe de lascas, que ultrapassa o talhe lamelar, e que se encontra documentado pela abundância de núcleos com negativos de lascas, pelas lascas em bruto e, em simultâneo, pela utilização deste produto enquanto suporte da utensilagem. Com efeito, neste concheiro, o peso dos geométricos que constitui, nos outros contextos mesolíticos do vale do Sado, o grupo tipológico dominante (ARAÚJO 1995-97, p. 148; MARCHAND 2001, p. 107; NUKUSHINA 2012, p. 78), é aqui relativamente reduzido, possuindo a utensilagem de “fundo comum” a maior representatividade entre a utensilagem retocada. Em relação a outros sítios do Sado para os quais dispomos de dados, Arapouco destaca-se efectivamente pela presença de uma grande quantidade de lascas, por comparação com Amoreiras (NUKUSHINA 2012), apresentando-se mesmo como o sítio com maior quantidade de núcleos exclusivamente com negativos de lascas (Tabelas 13 e 14). O Cabeço do Rebolador, o segundo sítio mais a jusante neste troço do rio (Figura 1, n.º2), possui também uma quantidade de lascas superior às lamelas (MARCHAND 2001, p. 103). Este é, também, o segundo sítio com maior quantidade de crustáceos (ARNAUD 1989, p. 623, fig. 7), e identicamente para o Cabeço do Rebolador é proposta uma conexão efectiva com a exploração dos recursos aquáticos (ARNAUD 1986). Nos restantes concheiros do Sado, até agora analisados, a debitagem lamelar é sempre preponderante.

Isolando os trapézios inteiros, verifica-se, no que toca aos comprimentos e larguras, a ausência de agrupamentos distintos. As lamelas produzidas em Arapouco terão constituído os suportes dos geométricos, sendo os valores das larguras próximos (Fig. 14).

Fig. 14. Larguras comparadas das lamelas e geométricos (total), em Arapouco, por classes de 0,5 mm. Fig. 4. Compared widths of bladelets and geometrics (total) in Arapouco, by 0,5 mm classes.

A técnica de fracturação por microburil encontra-se atestada pela presença dos característicos resíduos, obtidos quase inteiramente em rochas siliciosas (Fig. 13). Considerados apenas os geométricos inteiros, obtemos um rácio geométricosmicroburis de 1:1. A paridade entre estes valores, torna Arapouco no concheiro do Sado com a maior correspondência entre o número de geométricos e microburis. A relativa abundância destes resíduos poderá estar relacionada com o maior número de trapézios neste sítio e a necessidade de uma melhor definição das truncaturas características deste tipo morfológico. As larguras destes resíduos (média de 6,91±1,6 mm), mostram a sua proximidade com as lamelas e geométricos. As espessuras dos microburis (média de 2,17±0,56 mm), aproximam-se dos valores obtidos para as lamelas. 3.

Tabela 13. Representatividade dos núcleos para lascas (exclui núcleos mistos) no total de núcleos (inteiros e fragmentos)

ESTRATÉGIAS DE EXPLORAÇÃO DA PEDRA EM ARAPOUCO – PRIMEIRAS CONCLUSÕES E INÍCIO DA DISCUSSÃO

Table 13. Representation of the cores for flakes (excluding mixed cores) in the total of cores (complete and fragments)

No conjunto lítico de Arapouco estão documentados todos os produtos tecnológicos resultantes das sucessivas etapas da cadeia operatória, apontando para a prática de talhe local, à semelhança de outros conjuntos já analisados, no vale do Sado (Poças de S. Bento, Cabeço do Rebolador, Várzea da Mó e Amoreiras). Não se detectam, porém, cadeias operatórias diferenciadas segundo o tipo de matéria-prima, ao contrário, por exemplo, da situação verificada em Poças de S. Bento (ARAÚJO 1995-1997), sendo dominante o uso de rochas siliciosas para todas as categorias tecnológicas. Não deixa de ser incongruente verificar que a produção lítica de Arapouco, em que há uma maior importância de lascas e utensílios de “fundo comum”, apresente, por outro lado, uma utilização de rochas siliciosas intensiva e escasso uso de quartzos, rochas ígneas e metamórficas. No entanto, esta estratégia de utilização das matérias-primas pode, no caso do Sado, reflectir o aproveitamento intensivo

Sítio

% núcleos lascas

Bibliografia

S. Bento

13,7

ARAÚJO, 1997

Amoreiras

12,1

NUKUSHINA, 2012

Arapouco

18,56

1995-

Tabela 14. Representatividade das lascas no total dos conjuntos líticos analisados Table 14. Representation of the flakes in the total of the lithic assemblages

36

Sítio

% lascas

Bibliografia

S. Bento

18,4

ARAÚJO 19951997

Amoreiras

7,63

NUKUSHINA 2012

Arapouco

12,57

Caçadores-recolectores no vale do Sado, ambiente, recursos e tecnologia lítica: o caso de Arapouco (Alcácer do Sal)

ARAÚJO, A. C. 1995/1997. A indústria lítica do concheiro de Poças de S. Bento (Vale do Sado) no seu contexto regional. O Arqueólogo Português, S4, 13-15: 87–159.

A destacar ainda, ao nível dos micrólitos geométricos, onde domina o trapézio, o peso escasso das armaduras em Arapouco, no campo da utensilagem, em contraste com o detectado em outros concheiros. Apesar das particularidades deste sítio ao nível da produção lítica, é difícil associar esta diferença à tese de especialização funcional de Arapouco e, em concreto, a práticas piscatórias. A produção de suportes alargados, mas de pequena dimensão, parece ocorrer em consonância com a produção lamelar. Por outro lado, os utensílios de “fundo comum”, com excepção das lascas retocadas, apresentam alguma diversidade tipológica, o que não reforça a possibilidade de especialização funcional do sítio. A realização de análises traceológicas poderá constituir uma via para a compreensão da funcionalidade destes elementos e associá-los ao processamento de peixe, ou de outros recursos aquáticos. No entanto, são ainda pouco frequentes as análises traceológicas associadas especificamente ao processamento de pescado, devido a dificuldades na identificação deste tipo de traços de uso, no material lítico (GARCÍA DÍAZ & CLEMENTE CONTE 2011). Contudo, a observação de traços de utilização conectados com os recursos aquáticos tem vindo a produzir resultados quer para contextos antigos associados a Neandertais (HARDY & MONCEL 2011), quer na Península Ibérica, a sítios neolíticos como na Esparragosa, Andaluzia, onde foram detectados traços de uso em lâminas, relacionados com actividades de descamação, limpeza e corte de peixe (GIBAJA et al. 2010), o que demonstra ser esta uma via a explorar. Embora vários elementos de carácter ambiental apontem para um carácter mais estuarino e aquático da ocupação em Arapouco, as particularidades tecno-tipológicas da indústria lítica devem ser interpretadas com alguma prudência, uma vez que não estão definidos quais os pacotes artefactuais especificamente correlacionáveis com uma economia marítima, e que papel poderiam desempenhar, neste quadro, lascas e utensílios de fundo comum, instrumentos, por definição, multifuncionais.

ARAÚJO, A. C. 2011. O concheiro de Toledo no contexto do Mesolítico Inicial do litoral da Estremadura. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, Trabalhos de Arqueologia 51. ARNAUD, J. M. 1989. The Mesolithic Communities of the Sado Valley, Portugal, in their Ecological Setting. In DONSALL, C. (ed.) - The Mesolithic in Europe. III International Symposium. Edimburgo: John Donald: 614–632. ARNAUD, J. M. 2000. Os concheiros mesolíticos do vale do Sado e a exploração dos recursos estuarinos (nos tempos pré-históricos e na actualidade). In Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia 14: 21–43 ARNAUD, J.M. 1986. ARNAUD, J. M. 1986. Post -glacial adaptations in southern Portugal: a summary of the evidence. In The Pleistocene Perspective: Innovation, Adaptation and Human Survival. World Archaeological Congress. London: Allen & Unwin: 1–15. BRONK RAMSEY, C. 2009. Bayesian analysis of radiocarbon dates. Radiocarbon, 51 (1): 337–360 CUNHA, E. & UMBELINO, C. 2001. Mesolithic people from Portugal: an approach to Sado osteological series. Anthropologie, 39, 2-3: 125–132. DINIZ, M. & ARIAS, P. 2012. O povoamento humano do paleoestuário do Sado (Portugal): problemáticas em torno da ocupação dos concheiros mesolíticos. In: A. Campar Almeida, A. Bettencourt, D. Moura, S. MonteiroRodrigues & M. I. Alves (eds.), Environmental changes and human interaction along the Werstern Atlantic Edge (Mudanças ambientais e interacção humana na Fachada Atlântica Ocidental), Coimbra, APEQ, CITCEM, CEGOT, CGUP, CCT: 139–157. DINIZ, M. 2007. O sítio da Valada do Mato (Évora): aspectos da neolitização no Interior/Sul de Portugal. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia. (Trabalhos de Arqueologia, 48). GABRIEL, S. 2010. Mesolithic fishing in Portugal: newarchaeo-ichthyological data. Comunicação apresentada ao Eighth International Conference on the Mesolithic in Europe. Santander, 13–17 . GABRIEL, S; PRISTA, N. & COSTA, M. J. 2012. Estimating meagre (Argyrosomus regius) size from otoliths and vertebrae. Journal of Archaeological Science, 39: 2859–2865.

AGRADECIMENTOS

Ao Museu Nacional de Arqueologia, que disponibilizou para estudo a colecção de Arapouco, à Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do financiamento do projecto ‘Retorno ao Sado: um caso entre os últimos caçadores-recolectores e a emergência das sociedades agro-pastoris no Sul de Portugal’ (PTDC/HIS-ARQ/121592/2010), no âmbito do qual foi produzido este artigo. A Rita Stjerna pela calibração das datas apresentadas.

GARCÍA DÍAZ, V. & CLEMENTE CONTE, I. 2011. Procesando pescado: reproducción de las huellas de uso en cuchillos de sílex experimentales. In: A. Morgado Rodríguez, Baena Presley, D. García (eds.), La Investigación Experimental aplicada en la Arqueología, Granada, Departamento de Prehistoria y Arqueología - Universidad de Granada: 163–169. GIBAJA, J.; JOSÉ IBÁÑEZ, J.; RODRÍGUEZ, A.; EMILIO GONZÁLEZ, J.; CLEMENTE, I.; GARCÍA, V. & PERALES U. 2010. Estado de la cuestión sobre los estudios traceológicos realizados en contextos mesolíticos y neolíticos del sur peninsular y noroeste de África. In: J. Gibaja & A. Carvalho (eds.), Os últimos caçadores-recolectores e as primeiras comunidades produtoras do sul da Península Ibérica e do Norte de Marrocos, Faro, Universidade do Algarve (Promontoria Monográfica; 15): 181–190.

REFERÊNCIAS AMBROSE, S.H. 1993. Isotopic analysis of paleodiets: methodological and interpretive considerations. In: M. K. Sandford (ed.), Investigations of Ancient Human Tissue. Chemical Analyses in Anthropology, University of North Carolina at Greensboro: Gordon and Breach Science Publishers: 59–130. 37

Mariana Diniz & Diana Nukushina

HARDY B. L.; MONCEL M.-H. 2011. Neanderthal Use of Fish, Mammals, Birds, Starchy Plants and Wood 125-250,000 Years Ago. PLoS ONE, 6:8: e23768. INIZIAN, M.-L.; RÉDURON-BALLINGER, M.; ROCHE, H. & TIXIER, J. 1999. Technology and Terminology of Knapped Stone. Traduzido por Jehanne FéblotAugustins, Nanterre, CREP (Préhistoire de la Pierre Taillée, 5), 189 p. MARCHAND, G. 2001. Les traditions techniques du Mésolithique final dans le Sud du Portugal: les industries lithiques des amas coquilliers de Várzea da Mó et Cabeço do Rebolador (fouilles M. Heleno). Revista Portuguesa de Arqueologia, 4:2: 47–110. MARTINS, J. M.; A. F. CARVALHO; A. M. SOARES. 2008. A calibração das datas de radiocarbono dos esqueletos humanos de Muge. Promontoria Monográfica 6: 73–93. NUKUSHINA, D. 2012. Tecno-tipologia lítica e cronometria no Mesolítico final do vale do Sado: O caso do concheiro das Amoreiras (Alcácer do Sal). Tese de mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, disponível em WWW: URL: http:// hdl.handle.net/10451/7933. PIMENTEL, N.; DINIZ, M.; ARIAS, P.; NUKUSHINA, D. 2013. Lithic materials in the Sado River’s shell middens – geological provenance and impact on site location. Poster apresentado em Muge 150th, conference on the 150th anniversary. REIMER, P.; E. BARD, A. BAYLISS, J. W. BECK, P. G. BLACKWELL, C. BRONK RAMSEY, P.M. GROOTES, T. P. GUILDERSON, H. HAFLIDASON, I. HAJDAS, C. HATTŽ, T. J. HEATON, D. L. HOFFMANN, A. G. HOGG, K. A. HUGHEN, K. F. KAISER, B. KROMER, S. W. MANNING, M. NIU, R. W. REIMER, D. A. RICHARDS, E. M. SCOTT, J. R. SOUTHON, R. A. STAFF, C. S. M. TURNEY, J. VAN DER PLICHT. 2013. IntCal13 and Marine13 Radiocarbon Age Calibration Curves 0–50,000 Years cal BP. Radiocarbon. 55(4): 1869–1887. RICHARDS, M.P., HEDGES, R.E.M. 1999. Stable isotope evidence for similarities in the types of marine foods used by Late Mesolithic humans at sites along the Atlantic coast of Europe. Journal of Archaeological Science. 26: 717–722. TIXIER, J.; INIZIAN, M.-L ; ROCHE, H. 1980. Préhistoire de la pierre taillée. 1: terminologie et technologie. Paris, Centre National de la Recherche Scientifique. ZILHÃO, J. 1997. O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Lisboa, Colibri, 2 vol.

38

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 39-44 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

STUDYING HABITATS AND DYNAMICAL INTERACTION IN NEOLITHIC EUROPE THROUGH THE MATERIAL CULTURE OF PILE DWELLINGS

J. VERDONKSCHOT (1)

Abstract:

The Early Neolithic in Europe is one of the most dynamic and significant periods of prehistory. However, there are still many questions waiting to be answered. Pile dwellings can shed a light on this case as these sites and their material have been preserved exceptionally well due to the humid conditions of their location. Besides from this global aim they also offer the possibility of comparing several settlements extensively, including data such as architecture, tools and diet as well as the more traditional ceramic remains. This article proposes a line of investigation in which several Case Studies from different areas (the Alps, Northern Spain and Central Italy) are studied. These Case Studies consist of a specific area, including a lakeside settlement that forms the basis, and nearby contemporaneous sites. The areas are assessed based on the found archaeological record and in terms of their social organization and connections. Secondly, the dynamic relations between said areas are addressed in order to study connectivity and contact in Early Neolithic Europe. Above all this study promotes a different way of investigating, abandoning the single-site perspective, no longer looking exclusively for differences but adopting a slightly different vision and linking different sites and places. Keywords: Early Neolithic, Pile dwellings, Habitats, Interaction

Resumen:

Estudiando hábitats y interacción dinámica en el neolítico europeo a través de la cultura material de los palafitos El neolitico antiguo de Europa es uno de los momentos más dinámicos y significativos de la prehistoria, sin embargo todavía quedan muchas preguntas. Los palafitos pueden proponer información muy significativa en cuanto a este tema gracias a su excelente conservación en circunstancias húmedas. Además de ese propósito general, los yacimientos palafíticos tambien ofrecen la posibilidad de comparar varios asentamientos de una manera exhaustiva, incluyendo datos como arquitectura, herramientas y dieta que se suman a los más tradicionales como es la cerámica. Este trabajo propone una línea de investigación, estudiando varios casos de estudio de distintos áreas (los Alpes, el norte de España y el centro de Italia). Estos casos de estudio incluyen un yacimiento palafítico, y cercanos yacimientos contemporáneos. Las áreas se estudian desde el punto de vista de su organización social y conexiones. En segundo lugar se evaluarán las relaciones dinámicas entre dichas áreas, estudiando la conectividad y el contacto en el neolítico. Este estudio aboga por una distinta manera de investigación, abandonando el single-site perspective. No se trata de exclusivamente buscar diferencias, sino de conectar distintos yacimientos y lugares. Palavras-clave: Neolitico antiguo, Palafitos, Hábitats, Interacción

Received: 24 July, 2014; Accepted: 3 November, 2014 1.

INTRODUCTION

Over 150 years ago Swiss lake levels dropped during a cold and dry winter, revealing the wooden remains of prehistoric settlements for the first time in thousands of years. What followed was a true “lakedwelling fever”, when anyone with a shovel and steady boots claimed their own piece of heritage (Menotti 2004). Ferdinand Keller then inaugurated an era of research dedicated to pile dwellings with his Pfahlbauberichte (KELLER & HEIERLI 1854). Other surrounding countries were also pushed by this sudden impulse in lake dwelling research from Switzerland, and previously ignored materials were reconsidered. As a result, also Germany, Austria, France, Italy and Slovenia were affected by the lake dwelling fever. The romantic idea Keller had created of small

(1)

wooden villages in the middle of the lake was perceived with enthusiasm. First of all, people were charmed by the idea of their ancestors living a simple life on the lake, surrounded by nature. Also, the bigger public was charmed by the fact that they could not only imagine this “piledwelling lifestyle” but they could even reach out for it easily by dredging up material from the mud (SCHLICHTHERLE 1997). Instead of specialized archaeologists it was mainly antiquarians who looked for artefacts at the lake settlement sites (MENOTTI 2004). Due to this massive plundering of the lakes authorities in several countries, such as Germany, forbade the search for materials and big scale research. This lead to a standstill in the investigation of this topic, until it was picked up

Área de Prehistoria, Universidad de Alcalá de Henares, Spain. [email protected]

39

J. Verdonkschot

information has been lost at many other surrounding sites that have not been preserved in similarly favourable conditions. However, in the light of mentioned recent research tendencies and publications it may be possible to suggest a stronger link between contemporaneous settlements, giving way to a more extended and detailed investigation of Early Neolithic life in specific areas. Apart from proposing a closer look at this, the present article also aims to address connections between different areas, analyzing the interaction between the people north of the Alps with their southern contemporaries. This might shed light on the dynamics of the Early Neolithic, dealing with sensitive topics such as colonisation and transition. This article, at this point a general proposal for further research, addresses the outlines of this research project, stating the objectives, methodology and preliminary data.

again by several researchers (REINERTH 1932; PARET 1942; VOGT 1955; SCHLICHTHERLE 1997; PÉTREQUIN et al. 1998, 2002). It is interesting to remark that, apart from having an interesting research history, lake dwellings have also been used for political purposes. Archaeology is known to have been used for specific goals and justifications throughout history, which makes it a multi-facetted study. We are not only studying the past, but also the way this past was shaped and applied to different topics historically. To name a related example, Swiss authorities used the pile dwellings as an example of a common ancestor for “the Swiss” when the Swiss kantons were merged in 1848 (MENOTTI 2004). By creating this common ancestor and common history it was easier to defend the artificial joining of the kantons as a historically justified fact. This use of lake dwellings as Swiss propaganda could still be perceived in research on the topic for a long time, as a certain idea of Pfahlbaukultur had been adopted. These kinds of topics needs to be taken into consideration to understand not only the research subject but also the origin of certain tendencies and assumptions. Nowadays, the research history of pile dwelling has been studied extensively. Although there is still much to be done current research is contributing a lot as the topic is being assessed from a more interdisciplinary point of view and scientific methods are being used. The most recent works concerning pile dwellings are published by Francesco Menotti (MENOTTI 2004; MENOTTI & O’SULLIVAN 2013). The topic also gained popularity when in 2011 the Alpine pile dwellings became recognised as World Heritage by UNESCO. Having woken the interest of researchers as early as the 1850s means that a long tradition of theories and ideas, that we might now regard as archaic or even farfetched, preceded current research. Available literature can be insufficient as the levels of research and investigation are often unequal. We are still in need of new research perspectives, and above all broader research perspectives, unlimited by modern boundaries and language differences. The lakeside settlement research has been extended beyond the Alpine area as evidences of pile dwellings have also been found in Southern Europe, in Northern Spain, Central Italy and Greece. Nowadays lakeside settlements are integrated in the general archaeological record, they are no longer set aside as they were before. Nonetheless, they could still contribute more to current research. This settlement type is no more than that, another kind of settlement adapted to a specific environment (MENOTTI & O’SULLIVAN 2013). Their architecture indicates highly organised societies and the extraordinary preservation qualities provide valuable information regarding the first farmers’ diet and lifestyle. This

2.

OBJECTIVES

The main objective of this project is to gain more and more specific knowledge regarding the dynamic interaction and connectivity in the European Early Neolithic. Hereby I am specifically referring to trade and contact between people from the Alps and people from the Mediterranean area. These regions have been chosen as they present a series of favourable conditions making them good Case Studies, as will be discussed further in the part regarding methodology. On the other hand, focusing on the North of Europe, the Alps, and the South of Europe, the Mediterranean, also permits us to approach the topic of Neolithisation. Although I do not pretend to contribute information to this area, the fact that it has been studied thoroughly and from many different perspectives assures that there is very interesting literature available on archaeological topics from this period. However, this general aim concerning contact and interaction in the light of the Early Neolithic and processes of neolithisation is preceded by a series of smaller objectives that need to be reached in order to assess the bigger picture. This project starts with the selection of several Case Studies, consisting of a lakeside settlement and several contemporaneous sites surrounding it. The sites as well as the environment are taken into account and are studied so that the internal dynamics of separate areas can be evaluated. These internal dynamics are understood as the set of several subtopics such as social organization, burial rites, etc. The reason why it is useful to specifically base the study of Case Studies on lakeside dwellings and other nearby settlements is because these sites differ in their preservation of material. This is a great advantage as we can use different materials found at the sites and complement the information. In order to reach firmer conclusions 40

Studying habitats and dynamical interaction in Neolithic Europe through the material culture of pile dwellings

case study of a lakeside settlement and several contemporaneous open-air or cave settlements. Parameters such as ceramics, tools, diet and environment will be covered extensively so that the sites can then be compared by area and in general on all possible levels. The choice of the included settlements is based on criteria regarding their preservation, documentation and representativeness. In order to choose the most suitable sites, all known European Neolithic pile dwellings were gathered in a database. The presented case studies were selected based on the quality of previously mentioned parameters and on the quality of previous research and documentation. As the pile dwelling sites provide the most extensive and detailed information they are placed in the position of “main habitats”, providing data on topics such as architecture or social organization apart from more common material such as tools and ceramics (Fig. 1).

regarding not only the relation between different sites in an area, but also to gain knowledge about the Neolithic it is necessary to abandon the current single-site perspective. It is no longer sufficient to study isolated sites and neglect possible dynamical relations. Apart from that, pile dwellings can no longer be regarded as a special phenomenon but should be included more generally in research. This has been accepted in current research (BOSCH LLORET 1994; HAFNER & SUTER 2003; SCHLICHTHERLE 1997). It is my intention to unify these two statements through a study of lakeside settlements in different parts of Europe and their contemporaneous parallels. 3.

METHODOLOGY

As said before, the project is divided in two main parts. First of all the individual case studies are selected and assessed. This project includes no more than three areas as it is still in an early stage of research. Every included area is represented by a

Fig. 1. Geographical map indicating some of the settlements of the Case Studies. The Alpine Mesolithic/Early Neolithic Case Study is not indicated. Fig. 1. Mapa geográfico con algunos de los yacimientos de los casos de estudio. El caso de estudio del Mesolítico/Neolítico antiguo en los Alpes no está indicado.

41

J. Verdonkschot

ment and research for this topic were the different chronologies. This is why now the settlement of Zürich Kleiner Hafner Grosse Stadt has been joined by a more chronologically adequate settlement which permits us to make better comparisons and provides a stronger case. Also, as a result of this, the topic of research has shifted naturally to the Early Neolithic and the Mesolithic/Early Neolithic transition in the Alps, touching some delicate but fascinating issues. The initial question of research was whether La Draga was comparable to the Alpine pile dwellings and if it was possible to distinguish certain relations between them. This led to several observations. For example, it soon became clear that the oldest known Alpine pile dwellings are still hundreds of years younger than the La Draga settlement. On the other hand, it is interesting to see for instance that all dwellings use oak for constructive purposes (BOSCH LLORET et al. 2000, 2011; SAKELLARIDIS 1979). Apart from this, the gradually growing presence of ovicaprines in Swiss sites (SCHIBLER 2006) and presence of Mediterranean shells (HAFNER & SUTER 2003) in the Swiss settlements lead to believe that the areas North and South of the Alps were not isolated from one another. Furthermore, the settlement of La Marmotta in specific presents many foreign features such as oriental painted pottery and a supposedly seaworthy canoe (DELPINO & MINEO 1999) (Fig. 2). And perfect domination of agricultural techniques and husbandry have led researchers to believe that contact with people from another area may have played an

The other settlements are classified in other categories depending on the present material and remains. Some sites are classified as burial sites, others as secondary sites or storage sites. The areas selected for initial evaluation are, naturally, the Alpine area as this is the best-known and most extensively studied environment, the Northeast of Spain, and Central Italy. These areas are home to both representative pile dwellings and contemporaries. In the second part of the project, after mentioned areas have been assessed individually it is my aim to generate a more global vision of the issue. Taking the specific material culture, chronologies and internal organization of each area into account this information will be linked to one another to assess the contact between “North” and “South” and assess its impact. 4.

PREVIOUS RESULTS AND DISCUSSION

Currently the project is in an initial stage, but the results of previous work indicate that there will be much to be said regarding the topic. In previous work, leading to the shaping and specifying of the current proposal, several sites were studied, to be specific La Draga (BOSCH LLORET et al. 2000, 2011), La Marmotta ( DELPINO 1995, DELPINO & MINEO 1999) and the Swiss site of Zürich Kleiner Hafner Grosse Stadt from the Middle Neolithic (HAFNER & SUTER 2003). As the latter site presented a very different chronology from the other sites another Mesolithic/Early Neolithic case study will be added for the Alpine area. The main difficulties that became obvious during the develop-

Figure 2. Table depicting different materials found at the pile dwelling sites of three of the Case Studies. Figura 2. Tabla con distintos materiales encontrados en los yacimientos palafíticos de tres de los casos de estudio.

42

Studying habitats and dynamical interaction in Neolithic Europe through the material culture of pile dwellings

error in research has already started and led to a more consistent and thorough project which has been outlined above, including more chronologically compatible sites and contemporaneous settlements in order emphasize the environment and local dynamics. The expected results are mainly a closer look at the existing and functioning of the separate areas that are now selected as Case Studies in terms of organization, contact in daily life and cultural evidences. The broader topic of Neolithic life in different areas should be assessed, expanding current knowledge by building a bridge between the splendid material remains pile dwelling provide and the information from other settlements (Fig. 3). Apart from this the joint analysis of different areas could also provide a new vision of the contacts and dynamics between the first farmers, which might be more elaborate than initially thought. By approaching this topic from a selection of different countries new, international lines of investigation are opened that help us to make more global, but not generalized, observations assessing broader topics such as social organization.

Without using external influences as a sole explanation for change there is a case to be made for mutual interaction and influence in some of the Case Studies. Consequently, in La Draga and later in Zürich Kleiner Hafner we see people who, though still connected to their local roots, suffer important changes. This dynamic idea of groups of people who have their own traditions but also try out different techniques, gradually improve attempts of husbandry, have contacts with other people and keep evolving seems an interesting view of the European Neolithic (SCHIBLER 2006). Moreover, pile dwellings could be a standardised phenomenon that adapted itself to agricultural systems based on the flooding of soils as a way of fertilisation. This points to highly developed techniques and an important degree of specialisation. Therefore, pile dwellings form a good indicator in order to analyse the moment of settlement and specialised development of Neolithic lifestyle in Europe. The current research proposal takes these previous data and considerations into account and parts from there. The advantage is that the process of trial and

Figure 3. Table depicting different materials found at the pile dwelling site and surrounding sites from the Case Study of Northeastern Spain, Catalonia. Figura 3. Tabla con distintos materiales encontrados en el yacimiento palafítico y otros yacimientos del caso de estudio del noreste de España, Cataluña.

ACKNOWLEDGEMENTS I wish to express my sincere gratitude to my supervisor, Prof. Dr. Primitiva Bueno, for her relentless enthusiasm, support and guidance. I would also like to thank Prof. Dr. Martin Bartelheim from the Eberhard Karls Universität, Tübingen and Dr. Gunter Schöbel, director of the Pfahlbaumuseum Unteruhldingen, for their help and

guidance. Thanks to them this project aspires to be an international project, promoting not only prehistoric interaction but also modern-day cooperation. Finally, my thanks to the La Draga research team, Equip Draga, especially Antoni Palomo, Raquel Piqué and Xavier Terradas, for receiving me and their kind attention and advice. 43

J. Verdonkschot

PARET, O. 1942. Die Pfahlbauten. Ein Nachruf. Schriften des Verein für Geschichte des Bodensees und seiner Umgebung, 68: 75-107.

REFERENCES BOSCH LLORET, A. 1994. El Neolítico antiguo en el nordeste de Cataluña. Contribución a la problemática de la evolución de las primeras comunidades Neolíticas en el Mediterráneo occidental. Trabajos de Prehistoria 51, 1: 55-75.

PÉTREQUIN P.; ARBOGAST, R.M.; LAVIER C. & VIELLET

BOURQUIN-MIGNOT, C.; A. 1998. Demographic growth, environmental changes and technical adaptations: responses of an agricultural community from the 32nd to the 30th centuries BC. World Archaeology 30 (2): 181-92.

BOSCH LLORET, A.; CHINCHILLA SÁNCHEZ, J. & TARRÚS GALTER, J. (Coord.). 2000. El Poblat Lacustre Neolític de La Draga. Excavacions de 1990 a 1998. Girona, Museu d’Arqueologia de Catalunya – Centre d´Arqueologia Subaquàtica de Catalunya.

PÉTREQUIN P.; ARBOGAST R.M.; BOURQUIN-MIGNOT C.; DUPLAIX A.; MARTINEAU R.; PÉTREQUIN A.M. & VIELLET A. 2002. Le mythe de la stabilité: déséquilibres et réajustements d’une communauté agricole néolithique dans le Jura Français, du 32 ème au 30ème siècle av. J.-C. In H. Richard and A. Vignot (Dir.), Équilibres et ruptures dans les écosystèmes durant les 20 derniers millénaires en Europe de l’Ouest: durabilité et mutation. Actes du colloque international de Besançon, septembre 2000. Annales Littéraires, 730. Série Environnement, Sociétés et Archéologie 3: 175–190.

BOSCH LLORET, A.; CHINCHILLA SÁNCHEZ, J. & TARRÚS GALTER, J. (Coord.). 2011. El Poblat Lacustre del Neolític Antic de La Draga. Excavacions 2000 – 2005. Girona, Museu d´Arqueologia de Catalunya. DELPINO, M.F. 1995. Un tuffo nel passato: 8000 anni fa nel lago di Bracciano. Roma, Museo Nazionale Preistorico Etnografico Luigi Pigorini. DELPINO, M.F. & MINEO M. 1999. Die frühneolithische Siedlung “La Marmotta” (Italien) als Spiegelbild Mittelmeerischer Kulturkontakte. In Schutz des Kulturerbes unter Wasser. Beiträge zum Intern. Kongr. Unterwasserarchäologie (IKUWA ’99), 1821 Februar 1999, Sassnitz auf Rügen. Archäologischen Landesmuseum für Mecklenburg Vorpommern: 121-126.

REINERTH, H. 1932. Das Pfahlbaudorf Sipplingen. Ergebnisse der Ausgrabungen des Bodenseegeschichtvereins, 1929-1930. Führer zur Urgeshcichte 10. Leipzig: Kurt Kabitsch. SAKELLARIDIS, M. 1979. The Mesolithic and Neolithic of the Swiss area. B.A.R. International series, 67.

HAFNER, A. & SUTER, P.J. 2003. Das Neolithikum in der Sc h wei z. ww w. j u n gs t ei n s i t e . u n i k i e l. d e/ pdf/2003_hafnersuter_text.pdf

SCHIBLER, J. 2006. The economy and environment of the 4th and 3rd millennia BC in the northern Alpine foreland based on studies of animal bones. Environmental Archaeology, Vol. 11, 1: 49-64.

KELLER, F. & HEIERLI, K. 1854. Pfahlbauten. Mitteilungen der Antiquarischen Gesellschaft in Zürich. Zürich, Meier und Zeller.

SCHLICHTHERLE, H. 1997. Pfahlbauten rund um die Alpen. Stuttgart, Konrad Theiss Verlag.

MENOTTI, F. (ed.) 2004. Living on the Lake in Prehistoric Europe: 150 years of lake-dwelling research. Routledge.

VOGT, E. 1955. Pfahlbaustudien. In W.U. Guyan (ed.). Das Pfahlbauproblem. Basel, Birkhäuser Verlag.

MENOTTI, F. & O’SULLIVAN, A. (eds.) 2013. The Oxford Handbook of Wetland Archaeology. Oxford, Oxford University Press.

44

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 45-58 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

ACERCA DOS CENÁRIOS DA ACÇÃO: ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO E EXPLORAÇÃO DO ESPAÇO NOS FINAIS DO 5º E NA PRIMEIRA METADE DO 4º MILÉNIO AC, NO SUL DE PORTUGAL CÉSAR NEVES (1) & MARIANA DINIZ (2)

Resumo:

As etapas finais do Neolítico antigo e a passagem para o Neolítico médio constituem-se como problemáticas em aberto no inquérito relativo ao processo de neolitização no actual território português. Parece seguro que esta fase de transição ocorre a partir da segunda metade do 5º milénio cal BC, finalizando com a construção dos primeiros monumentos megalíticos de cariz funerário, em pleno 4º milénio. No entanto, a dificuldade em caracterizar cronológica e culturalmente este momento faz com que, no essencial, esta etapa seja definida a partir de generalidades não demonstradas. Até à data, o debate centrou-se na análise dos processos históricos ocorridos entre a segunda metade do 6º e a primeira metade do 5º milénio cal BC, e na transição do 4º para o 3º milénio cal BC, permanecendo o Neolítico médio uma etapa vazia entre estes dois momentos bem definidos, o Neolítico antigo e o Neolítico final. Caracterizar e apresentar uma primeira reflexão acerca dos grupos do Neolítico médio, no Sul de Portugal, através da escassa evidência empírica hoje disponível, ao nível dos territórios ocupados, das estratégias de exploração dos espaços, dos padrões de implantação dos lugares de habitat, dos ritmos de mobilidade e das práticas económicas é o objectivo deste texto. Palavras-chave: Neolítico antigo e Neolítico médio, Sul de Portugal, 5º e 4º milénios cal BC, Modelos de povoamento, Cultura material

Abstract:

On the action places: settlement and resources exploitation at the end of the 5th and the first half of the 4th millennium BC, in southern Portugal. The final phases of the Early Neolithic and the transition towards the Middle Neolithic are still poorly understood and often lack a systematic definition. In terms of chronology, it seems certain that the Middle Neolithic transition starts during the second half of the 5th millennium, and ends by the time of the construction of the first megalithic monuments in the 4th millennium cal BC. However, the difficulty to frame this period both in terms of chronological and cultural aspects reflects the lack of solid information that we still faced when it comes to the characterization of Middle Neolithic sites. Up to now, the scientific debate has mainly focused on the analysis of neolithisation processes occurring between the second half of the 6th and the first half of the 5th millennium BC. As a consequence, the Middle Neolithic remains as an empty phase between two well-defined moments, the Early Neolithic, and the Late Neolithic. Through the available empirical evidence, this paper aims to present a first reflection on elements which are in large still difficult to define, such as settlement patterns and resource exploitations developed by Middle Neolithic groups in southern Portugal. The methodology used in the 3D modeling, produced satisfactory results, providing an effective tool in the problem of paleoenvironmental reconstruction in areas with scarce geologic information. Keywords: Early Neolithic and Middle Neolithic, Second half of the 5th and first half of the 4th millennium BC, Settlement patterns, Subsistence strategies, Material culture

Received: 24 July, 2014; Accepted: 11 November, 2014 1.

Ainda assim, parece seguro que esta fase evolutiva, o Neolítico médio inicial, que é no campo da cultura material marcada pelo domínio das cerâmicas lisas e da crescente debitagem laminar, tenha lugar a partir da segunda metade do 5º milénio cal BC, terminando com a construção dos primeiros monumentos megalíticos, em pleno 4º milénio cal BC. A esta etapa seguir-se-ia um outro momento – Neolítico médio pleno - caracterizado pela emergência das paisagens megalíticas – arquitecturas funerárias e não funerárias – cujo terminus acontece com o aparecimento no registo arqueológico das cerâmicas carenadas, das pontas de seta e dos pesos de tear.

UM PONTO DE PARTIDA

Em Portugal, o debate em torno das dinâmicas da neolitização não tem revelado particular interesse na caracterização dos momentos finais do Neolítico antigo e à transição para o Neolítico médio. Contrastando com a longa tradição de investigação acerca das origens das sociedades agro-pastoris (GUILLAINE & FERREIRA 1970; SILVA & SOARES 1981; ZILHÃO 1992; SANCHES 1997; DINIZ 2007; CARVALHO 2008; MONTEIRO-RODRIGUES 2011), o Neolítico médio tem sido caracterizado a partir de generalidades não demonstradas, para as quais se torna urgente rever a evidência empírica disponível. (1) (2)

FCT; UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Portugal. [email protected] Faculdade de Letras de Lisboa - UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, Portugal. [email protected]

45

César Neves & Mariana Diniz

constante (Algarve, Alentejo e Estremadura); número muito reduzido de lugares de povoamento e sistemática utilização de alguns contextos como sítios padrão, nomeadamente alguns dos concheiros da Comporta (SILVA et al. 1989), as camadas Da e Db do Abrigo da Pena d’Água (CARVALHO 1998), e povoados da área de Reguengos de Monsaraz (SOARES & SILVA 1992), apesar das problemáticas cronológicas e culturais que estes lugares podem suscitar. Neste sentido, e apesar da ausência de datações absolutas, o estudo integral da única fase de ocupação identificada na Moita do Ourives e no Monte da Foz 1 (Benavente) constitui-se como um importante contributo para a caracterização desta etapa (NEVES et al. 2008a e 2008b; NEVES 2010). Refira-se ainda a pequena dimensão das áreas escavadas em habitats/abrigos com ocupações atribuídas ao Neolítico médio, o que dificulta leituras de conjunto relativas à organização dos espaços habitados e a escassez de matéria orgânica – decorrente da acidez dos solos ocupados, sobre areias e sobre granitos – que, em simultâneo, compromete a reconstituição do subsistema económico e a obtenção de datações absolutas. Em suma, o registo arqueológico disponível para esta temática é feito de descontinuidades cronológicas e de elos culturalmente perdidos. Por isso, a sua sistematização é uma tarefa fundamental para determinar as principais lacunas no conhecimento disponível e as vias da investigação futura.

O Neolítico médio enquanto etapa e as causas da sua origem não têm gerado interesse particular no debate científico, pouco atento a um registo desprovido de monumentalidade nos espaços funerários e de fósseis-directores explícitos, no campo da cultura material. Partindo da Base de Dados para o Património Arqueológico de Portugal – (http://arqueologia.igespar.pt/?sid=sitios), constata-se que existem apenas 63 referências para o Neolítico médio, valor muito aquém do registado para o Neolítico antigo ou final, demonstrando como esta é ainda uma etapa quase vazia entre dois momentos arqueograficamente bem definidos (Tabela 1). Tabela 1. Contextos neolíticos no actual território português. Fonte: Endovélico (Consulta - Março de 2014) Table 1.Neolithic contexts in portuguese territory. Source: Endovélico (data of March 2014). Sítios do Neolítico – Endovélico Março 2014 Neolítico antigo

172

Neolítico médio

63

Neolítico final

260

Se para qualquer destes períodos é necessária uma análise crítica dos registos disponíveis no Endovélico (sítios mal classificados, elementos de diagnóstico insuficientes que levam a caracterizações generalistas tipo “Neolítico antigo/ médio”), a escassez de informação disponível para o Neolítico médio, fase sobretudo identificada em contextos funerários, traduz um desvio arqueográfico e não um dado histórico concreto, em grande medida resultante da má definição das características específicas dos modelos de povoamento, da organização dos habitats, e dos pacotes artefactuais destas comunidades. Este quadro conduz, por norma, a uma integração no Neolítico médio de sítios, ou horizontes de ocupação de onde estão ausentes elementos próprios de outras fases, nomeadamente as cerâmicas decoradas do Neolítico antigo, e as taças carenadas e/ou as pontas de seta do Neolítico final. Estas lacunas reflectem, e apesar do incremento da investigação nos últimos anos, a ausência, até ao momento, de qualquer acção concertada e dirigida especificamente para o processo de transição do Neolítico antigo para o Neolítico médio, no actual território português, questão para a qual se orienta o projecto de doutoramento de um dos signatários (CN). Na definição deste momento, deparamo-nos, à partida, com um conjunto de condicionantes que devem ser referidas: desigual distribuição geográfica da informação, proveniente sobretudo das zonas do país onde a investigação arqueológica tem sido

2.

A ANÁLISE DO REGISTO

Face ao mencionado no ponto anterior, inicia -se esta análise com a definição dos elementos a utilizar numa primeira caracterização dos lugares de povoamento, ocupados pelas comunidades do Neolítico médio, no Sul do actual território português, nomeadamente nas áreas do Algarve, Alentejo litoral e Alentejo interior, territórios para os quais a informação é mais abundante. Partindo dos dados disponíveis para a segunda metade do 5º milénio e primeira metade do 4º milénio cal BC, e conscientes que as fragilidades da evidência empírica (muito desigual de contexto para contexto), não permitem, ainda, avaliação equilibrada entre as áreas, procura-se abordar os espaços de povoamento a partir das seguintes alíneas: cronologia absoluta; critérios de implantação; tipologia das ocupações; subsistema económico; cultura material. Outros aspectos relacionados com alterações dos quadros simbólicos e das práticas de enterramento serão discutidos noutro texto. 3.

OS CENÁRIOS DE ACÇÃO

3.1 Algarve Considerada como uma das áreas de mais precoce neolitização do actual território português, a partir das datas obtidas para o sítio da Cabranosa (CARDOSO et al. 1996) e do Padrão (GOMES 1997), 46

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

e com um povoamento do Neolítico antigo documentado na costa Ocidental através de lugares de habitat como Vale Boi, ou sítios especializados como Vale Santo 1 e Rocha das Gaivotas (CARVALHO 2008), o Neolítico médio está testemunhado, na região, por um conjunto de datações absolutas, de estruturas de habitat, de dados paleo-económicos e de elementos da cultura material, que apesar de muito parcelares constituem, hoje, para o actual território português, um dos mais significativos registos arqueográficos.

Cronologia absoluta Para o território em análise, as datações disponíveis para o Neolítico médio concentram-se sobretudo na segunda metade do 5º milénio cal BC, ocorrendo uma notória rarefacção de informação para a primeira metade do 4º milénio cal BC (Tabela 2 e Fig. 1). Estaria aqui registada uma ocupação do Neolítico médio inicial, em aparente continuidade cronológica, mas não necessariamente cultural, com as anteriores ocupações do Neolítico antigo.

Tabela 2. Datações absolutas para a 2ª metade do 5º milénio e 1ª metade do 4º milénio cal BC: Algarve, Alentejo litoral e Alentejo interior Table 2. Absolute date for the second half of the 5th and the first half of the 4th millennium BC. Algarve, coastal and interior Alentejo. Datações absolutas para a 2ª metade do 5º milénio e 1ª metade do 4º milénio cal BC Algarve, Alentejo litoral e Alentejo interior Ref. Lab. Sac1794

Contexto/ Amostra Lareira 1 - carvões – n.d.

Data BP 5640 ±100

δ13C (‰)

2 s cal BC

Bibliografia

-

4720 4320

CARVALHO 2008: 270

Alcalar 7

Beta180181

Lareira 2 - Quercus

5690 ±70

-

4690 4440

CARVALHO 2008: 270

Castelo Belinho

Sac2031

Castelo Belinho

Sac2031

Estrutura 1 - Venerrupis sp.+ Myrtilis sp. Estrutura 1 - Venerrupis sp.

5790 ±40

-

4308-3770 (95,4%)

GOMES 2013: 73

6260 ±45

-

4772-4311 (95,4%)

GOMES 2013: 73

Castelo Belinho

Wk28634

Estrutura 1 - Humano 01

5267 ±34

-18.90

4235-3985 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Beta199912

Estrutura 2 - Humano 02

5500 ±40

-18.80

4450-4260 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Beta199913

Estrutura 4 - Humano 04

5720 ±40

-18.80

4685-4460 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28635

Estrutura 38 - Humano 38

5441 ±34

-19.20

4350-4240 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28636

Estrutura 43 - Humano 43

5529 ±35

-18.90

4455-4330 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk27999

Estrutura 52 - Humano 52

5444 ±30

-19.30

4350-4245 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28000

Estrutura 53 - Humano 53

5662 ±32

-19.05

4585-4370 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28637

Estrutura 58 - Humano 58

5485 ±35

-19.40

4445-4255 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28001

Estrutura 59 - Humano 59a

5436 ±32

-19.23

4345-4240 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Castelo Belinho

Wk28002

Estrutura 59 - Humano 59b

5536 ±32

-18.02

4450-4335 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 366

Algarão da Goldra

SMU2197

Horizonte médio - carvão – n.d.

4990 ±320

-

-

STRAUS et al. 1992:144

Sítio Alcalar 7

47

César Neves & Mariana Diniz

Algarão da Goldra

Wk31386

Horizonte médio - Humano 05

5336 ±55

-18.97

4330-4000 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 367

Algarão da Goldra

Wk31387

Horizonte médio - Humano 06

5323 ±48

-19.78

4325-4000 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 367

Algarão da Goldra

Wk31388

Horizonte médio - Humano 07

5642 ±34

-19.60

4545-4365 (95,4%)

CARVALHO & PETCHEY 2013: 367

Ibn Amar

Wk‑ 17028

Área da galeria -Ruditapes decussata

5105 ±50

-

Lagar de Melides

TO2091

Humano

5340 ±70

-14.90

Pontal

CSIC648

C.2 (base) Ostrea sp.

4930 ±50

-

Barrosinha

Beta221719

C.4 -Ruditapes decussatus

5240 ±50

-

Barrosinha

CSIC652

C.4 -Ruditapes decussatus

4720 ±50

-

Barrosinha

Beta221720

C.2 -Ruditapes decussatus

5080 ±60

-

Barrosinha

CSIC649

C.2 -Ruditapes decussatus

4580 ±50

-

Vale Rodrigo 3

KIA‑31381

Sond. 9/2, estr. 9, plano 20 ‑ carvão ‑ n.d.

4996 ±30

-

Vale Rodrigo 2

Sem identificação

Ocupação sob túmulo - carvões ‑ n.d.

5175 ±70

-

Vale Rodrigo 2

Ua‑108 30

Ocupação sob túmulo - carvões ‑ n.d.

4905 ±70

-

48

4040‑4020 (0,7%) 4000‑3780 (94,7%) *39753605 (95.4%) 3904-3898 (0,5%) 3896-3880 (1,7%) 3800-3638 (97,8%) 3686-3430 (96,5%) 3424-3393 (3%) 3390-3383 (0,5%) 3635-3547 (36,3%) 3545-3491 (22,3%) 3470-3373 (41,4%) 3600-3223 (98,6%) 3208-3184 (1,4%) 3510-3426 (21,3%) 3382-3262 (37,7%) 3249-3099 (41%) 3940 – 3870 (18,7%) 3810 – 3700 (76,7%) 4230 – 4190 (4,1%) 4180 – 3790 (91,3%) 3940 – 3870 (6,3%) 3820 – 3620 (80,6%) 3600 – 3520 (8,5%)

BOAVENTURA et al. no prelo: 232

LUBELL, 1994 * CARVALHO & PETCHEY 2013:370

SOARES & SILVA 2013: 154

SOARES & SILVA 2013: 154

SOARES & SILVA 2013: 154

SOARES & SILVA 2013: 154

SOARES & SILVA 2013: 154

ARMBRUESTER 2008: 86

ARMBRUESTER 2008: 86

LARSSON 2000: 450

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

Fig. 1. Representação gráfica dos intervalos de tempo disponíveis para o Neolítico médio inicial: Algarve, Alentejo litoral e Alentejo interior. Foram utilizadas as curvas IntCal 13 e o Marine 13 (REIMER et al. 2013), e o programa CALIB VER 7.0.2. Fig. 1. Graphical representation of time span available for the early Middle Neolithic: Algarve, coastal and interior Alentejo. According to the IntCal13 and Marine13 Radiocarbon Age Calibration Curves (REIMER et al. 2013), and CALIB 7.0.2.

Critérios de implantação

tram no extremo Ocidente do território, parecem reflectir uma micro-movimentação do litoral para o “interior”, ocupando a primeira linha do Barrocal, a uma distância de cerca de 7-10 km da costa. Se a análise da hipsometria do terreno (Fig. 2) sugere, para o período em análise, que Ibn Amar, Castelo Belinho e Alcalar 7 se encontrariam, durante a fase final da transgressão flandriana, significativamente mais próximos do mar, outros dados, adiante discutidos, traduzem o desenvolvimento, a partir destas ocupações, de economias fundamentalmente terrestres.

As ocupações identificadas na região ocorrem ao ar livre em Castelo Belinho (GOMES 2008, 2010, 2012 e 2013), em Alcalar 7 (URIBE 2004), e em gruta no Algarão da Goldra, Igreja dos Soidos (STRAUS et al. 1992), e Ibn Amar (BOAVENTURA et al. no prelo), conservando o duplo padrão de implantação - ar livre/gruta - próprio do Neolítico antigo (Fig. 2). No entanto, ao nível dos critérios de implantação, importa destacar algumas alterações face à estratégia dominante para as primeiras fases do Neolítico. Os sítios que já não se concen49

César Neves & Mariana Diniz

No entanto, e embora não tão visível no registo arqueológico, é de crer que esta opção por zonas mais interiores e em substratos calcários não corresponda à totalidade dos critérios de implantação adoptados. Ainda que careçam de efectivo enquadramento crono-cultural, ter-se-á mantido uma ocupação em substratos geológicos já ante-

riormente explorados, nomeadamente sobre areias da faixa litoral, com clara proximidade a recursos marinhos, como as registadas na Caramujeira, Caramujeira-Sul, Areia das Almas, Benagaia e São Rafael (GOMES et al. 1978; GOMES et al. 1995; GOMES & CABRITA 1997).

Fig. 2: Sítios do Neolítico médio inicial - Algarve Fig. 2: Early Middle Neolithic main sites mentioned in text - Algarve.

em contextos do Neolítico antigo do actual território português. A ocupação atestada em Alcalar 7, por duas estruturas de combustão, é, neste momento, face à insuficiência dos dados, de tipologia indeterminada, podendo, no entanto, ser integrada no conjunto de sítios com vestígios domésticos subjacentes a construções megalíticas.

Tipologia das ocupações Embora se enquadrem na mesma categoria paisagística, as ocupações de natureza residencial apresentam algumas dissemelhanças na sua tipologia. Em Castelo Belinho está conservada a única ocupação de cariz permanente até ao momento identificada na região, com um conjunto significativo de estruturas de habitat, destacando-se os silos escavados na rocha, lareiras e empedrados – na tradição do Neolítico antigo –, e estruturas habitacionais em madeira, tipo “long houses”, das quais restam os buracos de poste (GOMES 2008 e 2013). Ao mesmo tempo que Castelo Belinho funciona enquanto povoado permanente, grutas como Algarão da Goldra e Igreja dos Soidos são também utilizadas com fins domésticos, mas em regimes de curta duração. No caso do Algarão da Goldra, num padrão já atestado em ocupações de gruta no Neolítico antigo, a função doméstica combina-se com a funerária, como acontece em Castelo Belinho (STRAUS et al. 1992; GOMES 2010 e 2012). No entanto, em Castelo Belinho, um sítio de ar livre, esta sobreposição de habitat e necrópole parece representar uma inovação ainda não documentada

Subsistema económico Na região algarvia, a ocupação durante o Neolítico médio de substratos calcários permitiu, ao contrário do que se verifica nas outras áreas abordadas, a conservação de matéria orgânica que possibilita primeiros ensaios de reconstituição paleo-económica. As actividades produtoras estão directamente atestadas através da pastorícia, documentada pela presença de ovicaprinos e de bovinos, identificados em Castelo Belinho (GOMES 2013: 73), e pelas práticas agrícolas registadas no Algarão da Goldra através de pólen de cereal (STRAUS et al. 1992: 148). De forma indirecta, esta actividade reflectese na abundante utensilagem agrícola recuperada 50

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

economia mista assente na exploração combinada de ecossistemas terrestres e aquáticos parece, em função das análises das dietas e de acordo com os elementos da cultura material, traduzir uma maior efectividade das práticas produtoras. Desta forma, podemos colocar a questão se, na segunda metade do 5º milénio, está em curso uma efectiva implantação da economia produtora que também significa, neste território, uma relativa marginalização do litoral?

na Goldra – elementos de mó (STRAUS et al. 1992: 144) –, em Alcalar – elementos de mó muito abundantes nas lareiras (URIBE 2004: 138) – e em Castelo Belinho – machados, enxós, dormentes, moventes e elementos de foice (GOMES 2013: 69). As actividades de fundo predatório parecem possuir menor relevância, assumindo um papel complementar na dieta destes grupos. De acordo com o registo arqueológico, a caça parece uma actividade pouco representada ou, até mesmo, ausente. É apenas referido para a Goldra a presença de javali ou porco, não estando a espécie determinada (STRAUS et al.1992: 151). Ocorrendo de forma marcadamente marginal, a recolecção de recursos marinhos não atinge, nos casos analisados, 15% da dieta, e, no caso dos recursos de água doce, o seu peso é muito irregular, oscilando entre os 0% e os 30% (CARVALHO & PETCHEY 2013: 366-367). Estes dados vão ao encontro da presença pontual de moluscos de espécies marino-estuarinas em Castelo Belinho, Goldra e Alcalar, confirmando o modelo de implantação espacial em áreas relativamente distantes da costa, que parece funcionar como lugar preferencial de acção secundário durante esta etapa.

3.2 Alentejo litoral Área privilegiada de investigação, através dos trabalhos pioneiros desenvolvidos desde os anos 70, pelo Gabinete da Área de Sines (SILVA & SOARES 1981), o Alentejo litoral apresenta, exceptuando o caso dos concheiros da Comporta (SILVA et al. 1989; SOARES & SILVA 2013), fortes condicionalismos de cariz tafonómico provocados pela acidez dos solos ocupados, fundamentalmente areias, que não permitem a conservação de matéria orgânica – para além de pequenos nódulos de carvão –, o que torna particularmente difícil o exercício de reconstituição dos sistemas paleoambientais e paleoeconómicos.

Cultura material

Cronologia absoluta

Para as ocupações em análise, a cultura material encontra-se, no geral, mal definida. Para Castelo Belinho, apesar da ampla divulgação dos resultados de escavação e dos dados relativos à sua componente funerária, a nível artefactual só estão publicadas em detalhe as pulseiras de Glycymeris glycymeris, ficando em segundo plano os artefactos provenientes, principalmente, da área habitacional. Globalmente, as cerâmicas apresentam formas esféricas, dominantemente lisas, embora ocorram ainda alguns fragmentos decorados. Destaque para a presença do que parece ser um recipiente decorado com sulco abaixo do bordo, na Goldra (STRAUS et al.1992:167), e para a presença, no campo da indústria lítica, de lâminas (Castelo Belinho e Goldra) e de geométricos – nomeadamente trapézios em Castelo Belinho, embora sem informação sobre os suportes utilizados, se lâmina ou lamela (GOMES 2008). A indústria de pedra polida e os artefactos produzidos por afeiçoamento, nomeadamente machados e enxós e elementos manuais de mós, conectados com o ciclo agrícola (DINIZ & VIEIRA 2007: 76-77), estão amplamente documentadas em Castelo Belinho e no interior das lareiras de Alcalar 7 (GOMES 2013; URIBE 2004).

Para o intervalo de tempo aqui definido só estão disponíveis datações absolutas para os concheiros da Comporta e para contextos mal conhecidos, que incluem componente funerária, como acontece com a gruta do Lagar de Melides, com datação da primeira metade do 4º milénio cal BC (LUBELL et al. 1994). Para a Comporta, destacamse as datações do Pontal, obtidas sobre concha, e a (s) da fase mais antiga da Barrosinha, identificada (s) na camada C.4 (SOARES & SILVA 2013: 154). Desta forma, para o Alentejo litoral, as datações disponíveis concentram-se, neste momento, na primeira metade/meados do 4º milénio cal BC (Tabela 2 e Fig. 1). Critérios de implantação No geral, observa-se a manutenção de modelos anteriores, com ocupações no litoral, ao ar livre, em substratos geológicos arenosos, com proximidade a linhas de água doce, em áreas planas, de baixa altitude e sem quaisquer condições naturais de defesa, como no Neolítico antigo (SOARES & SILVA 1980; SILVA & SOARES 1981; SILVA & SOARES 2004; SOARES & SILVA 2013). Neste quadro, a excepção, ao nível dos sítios de habitat, parece ocorrer na Salema (Fig. 3). Apesar de alguns aspectos sugerirem uma continuidade com o Neolítico antigo – ocupação de área plana, proximidade a linhas de água, substrato arenoso, a curta distância ao mar (c. de 6 km) e a proximidade a solos férteis (SILVA & SOARES 1981) – sugere

Em suma De acordo com o registo arqueológico, o povoamento na fase inicial do Neolítico médio parece mais concentrado no Barrocal, no espaço de transição entre a serra e o litoral. No entanto, esta “subida” para o interior, que permitia ainda uma 51

César Neves & Mariana Diniz

Tipologia das ocupações

um micro-movimento de colonização do interior que parece detectar-se, igualmente, na região algarvia. Também aqui, no Alentejo litoral, o mar já está para além dos 5 km de distância, previstos no modelo clássico de site-cacthment (e.g. ROPER 1979), como área de aprovisionamento imediato das sociedades agro-pastoris. Por fim, destaque-se a concentração de ocupações com grande proximidade espacial que se integram na mesma faixa crono-cultural, como sucede no núcleo da Comporta, com assentamentos que distam cerca de 500 m entre si; ou no caso de Brejo Redondo – Palmeirinha, a cerca de 1200 m de distância um do outro, e que parecem corresponder a ocupações funcionalmente diferenciadas, num padrão de especialização funcional dos sítios, já registado em etapas anteriores (SILVA et al. 1989; SILVA et al. 2010).

No geral, as ocupações detectadas são de natureza residencial e correspondem maioritariamente a estadias curtas, registando-se reocupações temporárias do mesmo espaço, como sucede na Comporta, Vale Vistoso e Brejo Redondo. Até à data, o único contexto funerário identificado na região, ocorre na gruta do Lagar de Melides, num contexto arqueológico mal conhecido, mas que aponta para uma funcionalidade dupla – habitat/necrópole – comum a outras utilizações de gruta, registadas nas primeiras etapas do Neolítico. Os sítios da Comporta têm sido classificados como áreas de ocupação temporária, sendo que a ausência de testemunhos relacionados com a estruturação dos habitats nestes concheiros, e a escassa informação proveniente das áreas de escavação muito reduzidas, não permite outras leituras destes espaços (SOARES & SILVA 2013:145). Ao contrário, na Salema, parece estar conservado um povoado permanente, para o qual se admite a prática da agricultura, como actividade económica principal. Esta proposta assenta na existência de estruturas domésticas, nomeadamente empedrados/estruturas de combustão e as estruturas com paredes em argila, interpretadas como “silos” (SOARES & SILVA 1980; SILVA & SOARES 1981; DINIZ 2013:323). Para o Brejo Redondo, é a fraca densidade artefactual, a presença maioritária de instrumentos líticos, a ausência de recipientes de armazenagem e a escassez de estruturas de habitat - que se resumem a empedrados/estruturas de combustão - que leva os autores a classificar esta ocupação como curta, e funcionalmente especializada na exploração de recursos marinhos (SILVA & SOARES 2004:83), embora não se tenham identificado elementos directos que comprovem a proposta. Porém, ocorrem algumas ocupações que apresentam outro cariz funcional, mais estável e permanente. O sítio da Palmeirinha parece um desses casos. Aqui, a possibilidade de se ter adoptado a agricultura como actividade económica dominante é o principal argumento na validação dessa leitura (SILVA et al. 2010). No campo das estruturas, foram identificados empedrados, que podem corresponder a estruturas de combustão (SILVA et al. 2010: 22). A proximidade espacial entre Brejo Redondo e Palmeirinha, a tipologia dos materiais cerâmicos que permite enquadrar ambos numa fase inicial do Neolítico médio, as significativas diferenças tipológicas e funcionais no campo da indústria de pedra lascada (indústria sobre sílex na Palmeirinha com forte investimento tecno-tipológico e uma indústria expedita sobre seixo em Brejo Redondo para produção de lascas) permite colocar a hipótese destes dois lugares, um de vocação residencial (Palmeirinha) e o outro de uso logístico (Brejo Redondo), poderem estar integrados numa mesma rede de povoamento.

Fig. 3: Sítios do Neolítico médio inicial - Alentejo litoral Fig. 3: Early Middle Neolithic main sites mentioned in text Coastal Alentejo.

52

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

nha, Brejo Redondo e Vale Vistoso (SILVA & SOA1981; SILVA & SOARES 2004; SILVA et al. 2010; SOARES & SILVA 2013). Dominam as formas esféricas ou em calote, ocorrendo um número reduzido de recipientes de grandes dimensões, exceptuando na Palmeirinha. No campo da indústria lítica, verifica-se, ao nível das matérias-primas uma utilização maioritária das rochas locais, e destaque-se, no campo da utensilagem, uma escassez de geométricos, com pouca informação sobre o suporte em que foram produzidos. Na Palmeirinha, destacam-se os já referidos utensílios agrícolas como machados, enxós, dormentes, moventes, a que se acrescentam os elementos de foice e lamelas com “lustre de cereal” (SILVA et al. 2010).

Sub-sistema económico

RES

Nesta região, para a caracterização do subsistema económico foram recuperados indicadores directos exclusivamente nos concheiros da Comporta. Nestes sítios, a pesca e a recolecção de espécies marino-estuarinas terão sido as actividades económicas principais, sendo a caça e pastorícia práticas secundárias (SOARES & SILVA 2013). A pastorícia encontra-se documentada na Barrosinha. Os restos de fauna doméstica pertencem a ovicaprinos e suínos, em percentagens muito reduzidas (SOARES & SILVA 2013: 157). No entanto, a sua presença comprova a existência desta actividade, embora detendo um peso pouco expressivo na dieta do grupo. A agricultura não se encontra directamente atestada em nenhuma ocupação. No entanto, é crível que esta actividade tenha adquirido uma importância cada vez maior estando, indirectamente testemunhada na Salema, Palmeirinha e, também, na Barrosinha. Para esta última, estão registados elementos de moagem - dormentes (SOARES & SILVA 2013), e na Palmeirinha esta actividade encontra-se demonstrada através dos elementos de foice, das lamelas com “lustre de cereal”, e pela presença de vasos de grandes dimensões (SILVA et al. 2010: 17-19). Para a Salema, é referida a abundante utensilagem de fundo agrícola, como enxós, machados, dormentes e moventes (SILVA & SOARES 1981:75). Relativamente à caça, a julgar pelos restos faunísticos recolhidos na Barrosinha, esta ter-se-á direccionado para as aves estuarinas e lagomorfos, e neste sítio possui um peso superior à pastorícia (SOARES & SILVA 2013: 157). No entanto, a julgar pelos indicadores artefactuais, e pela escassa, ou nula, presença de armaduras nos conjuntos analisados – nenhum geométrico recuperado na Salema (SILVA & SOARES 1981:75), referidos apenas um trapézio e um crescente na Palmeirinha (SILVA et al. 2010: 17) - esta parece uma actividade periférica na economia dos grupos.

Em suma Nesta área, o povoamento parece não sofrer alterações substantivas face ao registado no Neolítico antigo. À ocupação da faixa litoral, ancorado a um provável subsistema de economia mista, somase uma micro-colonização da primeira faixa de interior, a não mais de 10 km da costa, como verificado no Algarve, assente numa economia agropastoril que, no entanto, já seria praticada no Neolítico antigo evoluído, em lugares a 600m do litoral, como Vale Marim II (SILVA et al. 2010:15). Estes pequenos movimentos de escala regional de ocupação do “interior”, não ocorrem necessariamente sobre uma paisagem sem ocupações prévias, como atestam os trabalhos realizados no sítio da Gaspeia (Alvalade do Sado), em 2002 e 2005, que apontam para a ocupação do curso médio do Sado, durante o Mesolítico e o Neolítico antigo (Endovélico, CNS - 632). Face ao crescimento da economia produtora, assumido a partir das componentes estruturais, artefactuais e dos critérios de implantação, surge, em contra-ciclo, e como demonstração da diversidade cultural dos sistemas neolíticos, o valor da dieta, de um indivíduo de Lagar de Melides, com acentuada percentagem marinha (LUBELL et al. 1994; CARVALHO & PITCHEY 2013).

Cultura material Os dados disponíveis acerca da cultura material das ocupações mencionadas são pouco homogéneos, sendo que parte substantiva da informação provém das produções cerâmicas, sendo menos descrita a indústria lítica. Face ao registado no Neolítico antigo, observa-se que gradualmente as cerâmicas lisas adquirem um maior peso nos conjuntos, tornando-se dominantes ou quase exclusivas, situação evidente no Pontal e na Barrosinha (SOARES & SILVA 2013). Paralelamente, no campo da decoração, ocorre a presença de recipientes decorados com um sulco abaixo do bordo, como um elemento diagnóstico de ampla dispersão geográfica, registado, na região, no Pontal, Barrosinha, Salema, Palmeiri-

3.3 Alentejo interior Este espaço, tradicionalmente conotado com um processo de neolitização tardio associado às primeiras manifestações megalíticas, foi a partir dos anos 90, e dos trabalhos realizados na região de Évora (CALADO 1995; DINIZ 2007), Alter do Chão (OLIVEIRA 2006), e Reguengos de Monsaraz (GONÇALVES & SOUSA 2000), identificado como um dos cenários activos, desde as primeiras fases do processo de neolitização. À semelhança do Alentejo litoral, apresenta um registo fortemente truncado por condicionalismos tafonómicos, decorrentes da acidez dos solos ocupados – fundamentalmente areias e granitos – que não permitem a 53

César Neves & Mariana Diniz

tos, em torno ou na proximidade de grandes afloramentos, próximo de solos agricultáveis: Vale de Rodrigo 2 e 3; Patalim; Atafonas; Gorginos 6; Pipas (KALB & HÖCK 1995; HÖCK & KALB 2000; FERREIRA 2005; ALBERGARIA 2007; GONÇALVES & DINIZ 1997; SOARES & SILVA 1992), ou, por outro lado, em substratos arenosos, junto a linhas de água, em espaços planos ou em relevos pouco elevados: Fábrica da Celulose e Quinta da Fidalga (SOARES & SILVA 1992; SILVA & SOARES 2008). Aparentemente, não se observam alterações nas estratégias de uso do território face aos padrões do Neolítico antigo, não estão documentados usos de outros substratos litológicos, nomeadamente as zonas de xisto ou de caliços, e a baixa densidade de sítios (Fig. 4), nesta fase inicial do Neolítico médio, numa área que virá a ser nuclear na construção dos territórios megalíticos, deve reflectir apenas lacunas arqueográficas.

conservação de matéria orgânica (excepção de pequenos nódulos de carvão ou alguns fragmentos de osso carbonizado), dificultando a leitura de conjunto que aqui se procura. Cronologia absoluta Para o espaço temporal em análise, só estão disponíveis datações absolutas obtidas, sobre amostras de carvão, para as ocupações registadas sob os monumentos funerários de Vale de Rodrigo 2 e 3, Évora (Tabela 2 e Fig.1). As três datas apontam, fundamentalmente, para a primeira metade do 4º milénio cal BC. Critérios de implantação Na área, observa-se uma continuidade genérica no modelo de implantação registado no Neolítico antigo: ocupações ao ar livre, em áreas de grani-

Fig. 4: Sítios do Neolítico médio inicial - Alentejo interior Fig. 4: Early Middle Neolithic main sites mentioned in text - Interior Alentejo.

Tipologia das ocupações

monumentos funerários, como a registada em Hortinha 1 (ROCHA 2007), ou Vale de Rodrigo (ARMBRUESTER 2006, 2008; LARSSON 2000), são de difícil classificação dada as reduzidas dimensões das áreas escavadas, que condicionam a sua efectiva caracterização. De difícil classificação é também o sítio das Atafonas (Évora), onde pode estar preservada uma associação funcional entre um espaço residencial e, outro, de natureza funerária. Estão presentes, na periferia do monumento funerário, estruturas nega-

A maioria das ocupações observadas é de natureza residencial. Alerta-se para o facto de os dados provirem, na sua maioria de áreas de escavação muito reduzidas, limitando uma aferição funcional mais precisa, destes contextos. Na área de Reguengos de Monsaraz e Mourão, os sítios escavados apontam para ocupações e reocupações de cariz temporário e de curta duração (SOARES & SILVA 1992; GONÇALVES & SOUSA 2000). Na zona de Évora, as ocupações prévias a 54

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

3, Patalim, Gorginos e Fábrica de Celulose. Os recipientes são de pequenas e médias dimensões e de formas simples (taças em calote e esféricos). Na indústria lítica observa-se um talhe preferencial de rochas locais para a produção expedita de lascas, com os produtos alongados a ocorrerem em menor número. Nos sítios que terão tido ocupações mais prolongadas, Patalim e Atafonas, observa-se uma utilização preferencial de matérias-primas exógenas - sílex - e um talhe intensivo associado a esta rocha (FERREIRA 2005; ALBERGARIA 2007).

tivas de natureza doméstica (buracos de poste, “forno” e estruturas de combustão), embora não seja clara a eventual relação com as estruturas funerárias (ALBERGARIA 2007). Este sítio, integrado pelo responsável da intervenção na segunda metade do 5º milénio devido à ausência de cerâmica decorada, é de difícil classificação cronológica. Uma análise preliminar da indústria lítica proveniente da área tumular, realizada por um dos signatários (MD), não revelou a presença de elementos que permitam a sua integração específica no Neolítico médio. O sítio do Patalim (Montemor-o-Novo), pela presença de elementos domésticos estruturados (buraco de poste; presença assinalável de blocos pétreos concentrados – estruturas desmanteladas), pelo recurso à prática agrícola como actividade económica principal e pela densidade e diversidade artefactual, deverá corresponder a uma ocupação de cariz permanente, centrada na segunda metade do 5º milénio (FERREIRA 2005).

Em suma Para o Alentejo central, e apesar de esta ser uma área amplamente intervencionada, a maioria dos dados disponíveis para caracterizar a etapa inicial do Neolítico médio, provêm de prospecção ou de áreas muito reduzidas de escavação. Ao mesmo tempo, os sítios escavados apresentam resultados muito desiguais e parcelares, e a deficiente conservação de matéria orgânica é uma condicionante na caracterização destas comunidades. Os padrões de ocupação do espaço parecem em continuidade com os observados na primeira metade do 5º milénio cal BC. Urge aferir qual o significado das ocupações prévias aos monumentos megalíticos, sendo que as situações verificadas em Vale de Rodrigo e Hortinha 1 não se constituem como excepção no Alentejo interior. As principais mudanças face ao Neolítico antigo estarão ao nível da cultura material, com a cerâmica lisa a adquirir um maior peso no universo dos recipientes, e nas tipologias de ocupação, com a utilização combinada de espaços de vivos e de mortos, como se poderá ter verificado nas Atafonas.

Subsistema económico A caracterização do subsistema económico, nesta área, apresenta-se condicionada pela ausência de indicadores directos. Relativamente às práticas produtivas, a agricultura encontra-se indirectamente atestada, pela presença de artefactos relacionados com esta actividade, no Patalim foram recolhidos elementos de foice, elementos de mó, um machado e recipientes de grandes dimensões (cerca de 21% do conjunto), em Pipas registados elementos de mó, na Fábrica da Celulose enxó e dormente, e nas Atafonas, enxós e machados, (FERREIRA 2005: 43, 51, 61; SOARES & SILVA 1992: 55-61, 64-68; ALBERGARIA 2007: 31). A julgar pelos elementos artefactuais, a caça parece perder peso na economia destes grupos, observando-se uma escassez de armaduras, estão registados dois crescentes em Vale de Rodrigo 3, um crescente no Patalim, e um crescente e uma flecha transversal em Pipas (ARMBRUESTER 2006: 57; FERREIRA 2005: 41; SOARES & SILVA 1992: 60).

4.

PARA UMA BREVE, E PROVISÓRIA, LEITURA DE CONJUNTO

No actual território português, e para o espaço de tempo compreendido entre 4500 e 3500 cal BC, a informação disponível é tão escassa e lacunar que qualquer exercício de síntese, sobre esta etapa, está condenado a uma rápida revisão/ superação pelo alargar esperado da base de dados. Esta fase, aqui definida como Neolítico médio inicial é, numa perspectiva arqueográfica, particularmente silenciosa e a aparente retracção do povoamento, face ao registado no Neolítico antigo (DINIZ, no prelo), que as entradas na base de dados Endovélico reflectem, não é necessariamente um dado histórico, mas traduz a dificuldade em detectar, para etapas que não possuem fósseis-directores específicos, as suas marcas na paisagem. É, ao longo desta etapa - Neolítico médio inicial (c. 4500 – 3500 cal BC), anterior ao arranque do fenómeno megalítico (cf. BOAVENTURA & MATALOTO 2013), que o pacote artefactual do Neolítico antigo, marcado pela presença massiva de cerâmicas decoradas, se dilui. Aos conjuntos

Cultura material Com excepção do Patalim, cujos materiais foram integralmente estudados, a informação acerca da componente artefactual destas comunidades é escassa, dada a baixa densidade de materiais arqueológicos registada nas áreas intervencionadas, por regra de pequena dimensão. No campo das cerâmicas, observa-se um domínio de recipientes lisos, com baixa percentagem de elementos decorados. Tal como se verifica no Alentejo litoral, estão presentes, em quase todos os contextos identificados, os recipientes decorados com um sulco abaixo do bordo: Vale Rodrigo 55

César Neves & Mariana Diniz

Os autores agradecem ainda os comentários e sugestões dos revisores que se constituíram como um importante contributo para a versão final deste artigo.

cerâmicos da primeira fase do Neolítico, caracterizados por uma exuberância decorativa que os torna elementos concretos da paisagem visual destes grupos, sucedem-se reportórios minimalistas – onde os recipientes com sulco abaixo do bordo constituem, muitas vezes, o único elemento da nova gramática decorativa. Ainda no campo da cultura material, outro elemento próprio dos grupos do Neolítico antigo parece em clara diminuição, as armaduras geométricas – que mais tarde integrarão, sob a forma trapezoidal, os primeiros espólios megalíticos – estão, em particular no caso dos segmentos de círculo, nos contextos domésticos, desta fase, mal documentadas. Se a escassez de armaduras geométricas, associada a uma insuficiente documentação faunística, pode traduzir uma menor importância da actividade cinegética, esta quebra pode ter sido compensada por uma intensificação das práticas produtivas que os elementos da cultura material, recuperados em habitats desta cronologia, reflectem. Apesar do reduzido número de intervenções arqueológicas, e da dificuldade em quantificar espólios do Neolítico antigo e do Neolítico médio inicial, o número maior de machados e enxós, moventes e dormentes e de vasos de armazenamento, que a bibliografia refere, deve estar associado a uma crescente implantação da economia neolítica que conectada com um crescimento demográfico, próprio das sociedades neolíticas, justifica os fenómenos de micro-colonização do Interior, que puderam ser observados. E se as áreas litorais continuarão a ser objecto de exploração, quase sempre especializada, a linha de costa e os recursos marinhos constituem elementos relativamente marginais à economia destes grupos, a avaliar pela composição das dietas de alguns destes indivíduos (CARVALHO & PITCHEY 2013). Mas se nesta etapa, as mudanças parecem subtis, e se os cenários de acção permanecem fundamentalmente os mesmos do Neolítico antigo – areias, calcários e granitos – com a manutenção de um modelo tradicional de exploração dos territórios, assente na dualidade expressa em sítios permanentes/sítios logísticos, as estratégias de exploração do espaço parecem em mudança efectiva, e apesar da fragilidade do registo, identificam-se os sinais de uma efectiva implantação de práticas produtoras, que justificará, no Neolítico médio pleno, a emergência do Megalitismo.

BIBLIOGRAFIA ALBERGARIA, J. 2007. O sítio neolítico das Atafonas (Torre de Coelheiros, Évora). Revista Portuguesa de Arqueologia, 10 (1): 5-35. ARMBRUESTER, T. 2006. Before the monument? Ceramics with a line below the rim (A preliminary report from Vale de Rodrigo 3, Évora). In N. Bicho (Coord.), Simbolismo, arte e espaços sagrados na Pré-História da Península Ibérica: actas do 4.º Congresso de Arqueologia Peninsular, Faro, Universidade do Algarve: 53 – 67. ARMBRUESTER, T. 2008. Technology neglected? A painted ceramic fragment from the dated Middle Neolithic site of Vale Rodrigo 3. Vipasca. 2.ª série (2): 83 – 94. BOAVENTURA, R. & MATALOTO, R. 2013. Entre mortos e vivos: nótulas acerca da cronologia absoluta do megalitismo do Sul de Portugal. Revista Portuguesa de Arqueologia. 16: 81-101. BOAVENTURA, R.; MATALOTO, R.; NUKUSHINA, D.; HARPSÖE, C. & HARPSÖE, P. (no prelo). A ocupação neolítica da gruta de Ibn Ammar (Lagoa, Algarve, Portugal). In V. S. Gonçalves, M. Diniz & A. C. Sousa (Coords.) Actas do V Congresso Neolítico Peninsular. Lisboa, UNIARQ: 230-237. CALADO, M. 1995. A região da serra d’Ossa: introdução ao estudo do povoamento neolítico e calcolítico. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. CARVALHO, A. F. 1998. Abrigo da Pena d’ Água (Rexaldia, Torres Novas): resultados das campanhas de sondagem (1992-1997). Revista Portuguesa de Arqueologia. 1(2): 39-72. CARVALHO, A. F. 2008. A Neolitização do Portugal Meridional: os exemplos do Maciço Calcário Estremenho e do Algarve Ocidental. Faro, Universidade do Algarve (Promontória Monográfica 12). CARVALHO, A. F. & PETCHEY, F. 2013. Stable Isotope Evidence of Neolithic Palaeodiets in the Coastal Regions of Southern Portugal. Jornal of Island and Coastal Archaeology, 8: 361-383. CARDOSO, J. L.; CARREIRA, J. R. & FERREIRA, O. V. 1996. Novos elementos para o estudo do Neolítico antigo da região de Lisboa. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 6: 9-26. DINIZ, M. 2007. O Sítio da Valada do Mato (Évora): aspectos da neolitização no Interior/Sul de Portugal. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia. (Trabalhos de Arqueologia 48). DINIZ, M. 2013. Fossas, fornos, silos e outros meios de produção: acerca da implantação das práticas produtivas no Neolítico antigo em Portugal. In J. M. Arnaud, A. Martins & C. NEVES (Coords.) Arqueologia em Portugal - 150 Anos. Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses: 319-328.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Ana Cristina Araújo a construção do quadro de calibração das datações absolutas, a António Monge de Soares preciosas indicações técnicas sobre correcção de idades aparentes e a Paulo Morgado (CEG) a elaboração da cartografia apresentada.

DINIZ, M. no prelo. O Neolítico antigo no Ocidente Peninsular: reflexões a partir de algumas lacunas no registo arqueográfico. In V. S. Gonçalves, M. Diniz & A. C. Sousa (Coords.) Actas do V Congresso Neolítico Peninsular. Lisboa, UNIARQ: 56

Acerca dos cenários da acção: estratégias de implantação e exploração do espaço nos finais do 5º e na primeira metade do 4º milénio AC, no Sul de Portugal.

DINIZ, M. & VIEIRA, T. 2007. Instrumentos de Pedra Polida e Afeiçoada do Povoado do Neolítico antigo da Valada do Mato (Évora): estratégias de produção e modelos de uso. Vipasca. 2.ª série (2): 81-94.

KALB, P. & HOCK, M. 1995. “Vale de Rodrigo. Projecto interdisciplinar para a investigação do megalitismo numa região do sul de Portugal”. In V. O. Jorge (Coord.) Actas dos Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia: 195-210 (Trabalhos de Antropologia e Etnologia 35:2).

FERREIRA, A. 2005. O sítio do Patalim (Montemor-o-Novo) no seu contexto Neolítico. Tese de Mestrado, Universidade de Lisboa.

LARSSON, L. 2000. Symbols in stone: ritual activities and petrified traditions. In V. O. Jorge (Coord.) Actas do 3.º Congresso de Arqueologia Peninsular, vol. 3, Porto, ADECAP: 445 – 458.

GOMES, M.V. 1997. Megalitismo do Barlavento Algarvio: breve síntese. Setúbal Arqueológica, 11(12): 147-190. GOMES, M. V. 2008. Castelo Belinho (Algarve, Portugal) and the first Southwest Iberian Villages. In M. Diniz (Coord.) The Early Neolithic in the Iberian Peninsula. Regional and Transregional Components, Oxford, British Archaeological Reports: 71-78.

LUBELL, D.; JACKES, M.; SCHWARCZ, H.; KNYF, M. & MEIKLEJOHN, C. 1994. The Mesolithic-Neolithic transition in Portugal: isotopic and dental evidence of diet. Journal of Archaeological Science 21 (2): 201-216.

GOMES, M. V. 2010. Castelo Belinho (Algarve): A ritualização funerária em meados do V milénio AC. In J. F. Gibaja & A. F. Carvalho (Coords.) Os Últimos Caçadores-Recolectores e as Primeiras Comunidades Produtoras do Sul da Península Ibérica e do Norte de Marrocos, Faro, Universidade do Algarve: 69–80.

MONTEIRO-RODRIGUES, S. 2011. Pensar o Neolítico Antigo. Viseu, Centro de Estudos Pré-Históricos da Beira Alta (Estudos Pré-Históricos XVI). NEVES, C. 2010. Monte da Foz 1 (Benavente): um episódio da Neolitização na margem esquerda do Baixo Tejo. Tese de Mestrado, Universidade de Lisboa.

GOMES, M. V. 2012. Early Neolithic funerary practices in Castelo Belinho’s village (western Algarve, Portugal). In J. F. Gibaja, A. F. Carvalho & P. Chambon (Coords.) Funerary Practices in the Iberian Peninsula from the Mesolithic to the Chalcolithic, Oxford, British Archaeological Reports: 113–123.

NEVES, C.; RODRIGUES, F. & DINIZ, M. 2008a. Moita do Ourives – um sítio do Neolítico médio no Baixo Tejo (Benavente, Portugal): matérias-primas e cultura material. In M. Hernández Pérez, J. Soler Díaz & J. López Padilla, IV Congreso del Neolítico Peninsular. 2, Alicante, MARQ: 216-221.

GOMES, M. V. 2013. Castelo Belinho’s village (Portimão Algarve) and the sea: Landscape resources and symbols. In J. Soares (Coord.) Pré-História das Zonas Húmidas. Paisagens de Sal, Setúbal, MAEDS: 69-84.

NEVES, C.; RODRIGUES, F. & DINIZ, M. 2008b. Neolithisation process in lower Tagus valley left bank: old perspectives and new data. In M. Diniz (Coord.) The Early Neolithic in the Iberian Peninsula. Regional and Transregional Components, Oxford, British Archaeological Reports: 43-51.

GOMES, M. V.; MONTEIRO, J. P. & SERRÃO, E. da C. 1978 A estação pré-histórica da Caramujeira. Trabalhos de 1975/76. Actas das III Jornadas Arqueológicas, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses: 33-72.

OLIVEIRA, J. 2006. Património Arqueológico da Coudelaria de Alter e as primeiras comunidades agropastoris. Évora, Edições Colibri e Universidade de Évora.

GOMES, M. V.; CARDOSO, J. L. & ALVES, F. J. S. 1995. Levantamento Arqueológico do Algarve. Concelho de Lagoa. Lagoa, Câmara Municipal.

REIMER, P. J.; BARD, E.; BAYLISS, A.; BECK, J. W.; BLACKWELL, P. G.; RAMSEY, C. B.; BUCK C. E.; CHENG. H.; EDWARDS, R. L.; FRIEDRICHM.; GROOTES, P. M; GUILDERSON, T. P; HAFLIDASON, H.; HAJDAS, I.; HATTÉ, C.; HEATON, T. J.; HOFFMANN, D. L.; HOGG, A. G.; HUGHEN, K. A.; KAISER, K. F.; KROMER, B.; MANNING, S. W.; NIU, M.; REIMER, R. W.; RICHARDS, D. A.; SCOTT, E. M.; SOUTHON, J. R.; STAFF, R. A.; TURNEY, C. S. M. & VAN DER PLICHT, J. 2013. IntCal13 and Marine13 Radiocarbon Age Calibration Curves 0–50,000 Years cal BP. Radiocarbon, 55 (4): 1869–1887.

GOMES, M.V. & CABRITA, L. M. 1997. Dois novos povoados neolíticos, com menires, no Barlavento Algarvio, Setúbal Arqueológica, 11 (12): 191-198. GONÇALVES, V. S. & DINIZ, M. 1997. Relatório inédito sobre o povoado Gorginos 6. Lisboa, Universidade de Lisboa. GONÇALVES, V. S. & SOUSA, A. C. 2000. O grupo megalítico de Reguengos de Monsaraz e a evolução do megalitismo no Ocidente peninsular (espaços de vida, espaços da morte: sobre as antigas sociedades camponesas em Reguengos de Monsaraz). In V. S. Gonçalves (Coord.) Muitas antas, pouca gente? Actas do I Colóquio Internacional sobre Megalitismo. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia: 11104 (Trabalhos de Arqueologia 16).

ROCHA, L. 2007. Relatório de escavação do sítio arqueológico da Hortinha 1 (Torre de Coelheiros, Évora). ROPER, D. C. 1979. The Method and Theory of Site Catchament analysis: a Review. In M. Schiffer (Ed.) Advances in Archaeological Method and Theory. Academic Press. 2: 119-140. SANCHES, M. DE J. 1997. Pré-História Recente de Trás-osMontes e Alto Douro, 2 vols., Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia.

GUILAINE, J. & FERREIRA, O. DA V. 1970. Le Néolithique ancien au Portugal. Bulletin de la Societé Préhistórique Française, 67 (I): 304-322.

SILVA, C. T. & SOARES, J. 1981. Pré-história da área de Sines. Lisboa, Gabinete da Área de Sines.

HÖCK, M. & KALB, P. 2000. Novas investigações em Vale de Rodrigo. In V. S. Gonçalves (Coord.) Muitas antas, pouca gente? Actas do I Colóquio Internacional sobre Megalitismo. Lisboa, Instituto Português de Arqueologia: 159-166 (Trabalhos de Arqueologia 16).

SILVA, C. T. & SOARES, J. 2004. Intervenção arqueológica no sítio neolítico do Brejo Redondo (Sines). Musa, museus, arqueologia e outros patrimónios, 1: 83105. 57

César Neves & Mariana Diniz

SILVA, C. T. & SOARES, J. 2008. A ocupação da Idade do Bronze da Quinta da Fidalga. Revista Portuguesa de Arqueologia. 11 (2): 87– 106. SILVA, C. T.; SOARES, J.; CARDOSO, J. L.; CRUZ, C. S. & REIS, C. A. S. 1989. Neolítico da Comporta: aspectos cronológicos (Datas 14c) e paleoambientais. In V. O. JORGE (Coord.) Livro de Homenagem a Jean Roche. Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica: 330-353. SILVA, C. T.; SOARES, J. & COELHO-SOARES, A. 2010. Arqueologia de Chãos de Sines. Novos elementos sobre o povoamento Pré-histórico. Actas do 2º encontro de História do Alentejo Litoral, Sines, Centro Cultural Emmérico Nunes: 11-34. SOARES, J. & SILVA, C.T. 1980. O neolítico antigo na área de Sines. Descobertas Arqueológicas no Sul de Portugal. Centro de História da Universidade de Lisboa e Museu de Arqueologia e Etnografia da Assembleia Distrital de Setúbal: 5-12. SOARES, J. & SILVA, C.T. 1992. Para o conhecimento dos povoados de megalitismo de Reguengos. Setúbal Arqueológica, IX-X: 37-88. SOARES, J. & SILVA, C.T. 2013. Economia agro-marítima na Pré-História do estuário do Sado. Novos dados sobre o Neolítico da Comporta. In J. Soares (Coord.) Pré-História das Zonas Húmidas. Paisagens de Sal, Setúbal, MAEDS: 145-170. STRAUS, L. G.; ALTUNA, J.; FORD, D.; MARAMBAT, L.; RHINE, J. S.; SCHWARCZ, J.-H. P. & VERNET, J.-L. 1992. Early farming in the Algarve (Southern Portugal): A preliminary view from two cave excavations near Faro. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 32: 141–161. URIBE, M. D.- G. 2004. As lareiras infratumulares. In E. Moran & R. Parreira (Coords.) Alcalar 7. Estudo e reabilitação de um monumento megalítico. Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico: 137-147 (Cadernos 6). ZILHÃO, J. 1992. A Gruta do Caldeirão. O Neolítico Antigo. (Trabalhos de Arqueologia 6) Lisboa, IPPAR.

58

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 59-66 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

ESTUDO ARQUEOMETALÚRGICO DO CONJUNTO METÁLICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE MOINHOS DE GOLAS (MONTALEGRE, NORTE DE PORTUGAL): PRIMEIROS RESULTADOS J. LOUREIRO(1), E. FIGUEIREDO(2, 3), R.J.C. SILVA(3), M.F. ARAÚJO(2), J. FONTE(4) & A.M.S. BETTENCOURT(5)

Resumo:

O presente trabalho apresenta os primeiros resultados de um estudo arqueometalúrgico detalhado, ainda em curso, efetuado sobre um conjunto de achados metálicos encontrado no sítio de Moinhos de Golas, freguesia de Solveira, concelho de Montalegre. Este, genericamente, atribuído à Proto-história foi já objeto de uma primeira publicação (FONTE et al. 2013). A coleção é composta por 35 objetos, entre os quais se encontram armas, artefactos de adorno e utensílios, entre outros de difícil classificação funcional. Foram efetuadas radiografias por raios X, análises elementares por micro-EDXRF e observações microestruturais por microscopia ótica na maioria dos artefactos. As imagens radiográficas revelaram algumas heterogeneidades estruturais nalgumas peças e as análises elementares demonstraram que a maioria dos artefactos foi produzida numa liga de bronze binária (Cu-Sn), sendo, no entanto, de destacar o uso de outros metais e ligas, como, por exemplo, cobre e latão. Foram, ainda, observadas microestruturas associadas a diferentes processos de manufatura que poderão envolver ciclos de martelagem e recozimento, com ou sem operações de acabamento. Palavras-chave: Arqueometalurgia, Bronze, Composição elementar, Técnicas de manufatura, Técnicas analíticas

Abstract:

First results of an archaeometallurgical study of a collection from Moinhos de Golas archaeological site (Montalegre, Portugal) The present work presents the first results of a detailed archaeometallurgical study, still ongoing, on a group of metallic findings from Moinhos de Golas archaeological site (Montalegre, Portugal), generically attributed to the Protohistory, and previously presented in a paper dealing with its discovery (FONTE et al. 2013). The collection is composed by 35 objects, which include weapons, ornaments and tools, among other objects of a more difficult classification. The archaeometallurgical study involved X-ray radiography, elemental analysis by micro-EDXRF and microstructural observations by optical microscopy. The radiographies revealed some structural heterogeneities in some artefacts and the elemental analysis showed that most of the artefacts were produced in a binary bronze alloy (Cu-Sn), being others made in copper and brass. Microstructures associated with different manufacturing processes were observed, which may involve hammering and annealing cycles with or without finishing operations. Keywords: Archaeometallurgy, Bronze, Alloy composition, Manufacturing techniques, Analytical techniques

Received: 31 July, 2014; Accepted: 23November, 2014 1.

INTRODUÇÃO

estudo em torno dos artefactos e coleções, e que incluam a aplicação de técnicas de exame e análise adaptadas à natureza de cada objeto cultural em particular. A contribuição dos estudos analíticos, através duma aproximação multi-analítica, torna-se relevante para a identificação dos materiais e processos de manufatura, contribuindo para um melhor entendimento da história e tecnologia das sociedades passadas, bem como a utilização de materiais primitivos e a sua degradação (ADRIENS

Os achados arqueológicos metálicos possuem um carácter único e fazem parte de uma herança cultural com um elevado valor histórico e tecnológico. Desta forma, é importante o seu estudo e a sua preservação com o mínimo de alteração possível, não só ao nível da aparência, como ao nível das suas propriedades físicas e químicas (LEHMANN et al. 2005). Neste sentido, são relevantes os projetos multidisciplinares, que abordem várias áreas de (1)

Departamento de Conservação e Restauro, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Monte de Caparica, Portugal. [email protected] (2) Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares (C2TN), Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Estrada Nacional 10, ao km 139,7, 2695-066 Bobadela LRS, Portugal. [email protected] (Elin Figueiredo); [email protected] (M.Fátima Araújo). (3) Centro de Investigação de Materiais (CENIMAT/I3N), Departamento de Ciências dos Materiais, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Monte de Caparica, Portugal. [email protected] (Elin Figueiredo); [email protected] (Rui J.C. Silva). (4) Instituto de Ciencias del Patrimonio (Incipit), Consejo Superior de Investigaciones Cientificas (CSIC), 15782 Santiago de Compostela, Espanha. [email protected] (5) Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” (CITCEM/UM), Departamento de História, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. [email protected]

59

J. Loureiro, E. Figueiredo, R.J.C. Silva, M.F. Araújo, J. Fonte & A.M.S. Bettencourt

Contudo, devido ao facto de os artefactos arqueológicos terem permanecido enterrados no solo por longos períodos de tempo, possuem uma camada superficial alterada (camada de corrosão) cuja composição é diferente da liga original, podendo estar enriquecida em determinados elementos de liga metálica (p. ex., em ligas de bronze, a camada superficial corroída sofre lixiviação preferencial do cobre (ROBBIOLA et al. 1998) resultando em teores de estanho superiores quando comparado com a liga original). Adicionalmente, a superfície poderá encontrar-se contaminada com elementos do ambiente de deposição como, por exemplo, o ferro presente no solo. Assim, torna-se necessária a remoção das camadas superficiais de corrosão, de forma a se poder analisar o metal inalterado. Para o presente estudo foi utilizada a micro espectrometria de fluorescência de raios X, dispersiva de energias (micro-EDXRF), que permite a realização de análises numa pequena área da superfície livre das camadas de corrosão. A observação microestrutural por microscopia ótica permite obter informações relevantes para o entendimento dos processos e técnicas de manufatura das diferentes tipologias de objetos através da visualização da microestrutura de cada artefacto em particular. É também uma técnica importante para o estudo e identificação de processos de degradação que poderão, por sua vez, ter implicações na preservação futura das coleções. No presente trabalho, e tendo em conta as características específicas do equipamento de microscopia ótica disponível (vide detalhes na seção do procedimento experimental e em FIGUEIREDO et al. 2013b), a observação das microestruturas foi efetuada na pequena área limpa das camadas de corrosão superficiais, onde também foram efetuadas as análises de microEDXRF, não sendo, portanto, necessária a amostragem.

2004; WAYMAN 2000). No presente trabalho apresentam-se os primeiros resultados de um estudo arqueometalúrgico detalhado da coleção metálica de Moinhos de Golas (Solveira, Montalegre, Vila Real), cujo contexto e condições de achado foram dados a conhecer recentemente (FONTE et al. 2013). De destacar que no sítio arqueológico foram encontrados, além dos materiais metálicos, várias dezenas de fragmentos de panças cerâmicas, todas elas de fabrico manual, pastas arenosas, cozeduras redutoras, de acabamento alisado e sem decoração, características similares às restantes produções da Idade do Bronze do Noroeste Peninsular que, nesta região, se podem prolongar até aos séculos VII/VI a.C.. De notar, ainda, que nas várias plataformas onde ocorrem os artefactos metálicos, o acervo cerâmico não apresenta diferenças. A coleção metálica é composta por 35 objetos, entre os quais se encontram: armas (três punhais de diferentes formas e dimensões); artefactos de adorno (um botão e dois alfinetes); utensílios (um tranchet, um eventual freio e dois potenciais passadores de correia); entre outros de difícil classificação funcional (como argolas, um cravo, uma placa fragmentada, varetas, hastes e um objeto em forma de cápsula) (FONTE et al. 2013). Os punhais e o tranchet apresentam tipologias típicas do Bronze Final, sendo que as argolas, os rebites ou cravos, as varetas e os botões são conhecidos em contextos do Bronze Final do Centro e Noroeste da Ibéria (SENNA-MARTINEZ 1989; CARDOSO 1995; VILAÇA 1995; BETTENCOURT 1998; BOTTAINI 2012) sendo que algumas peças persistem nos inícios da Idade do Ferro do Noroeste. Os restantes objetos poderão também ser de cronologias posteriores, dado o seu contexto de achado. Assim, neste estudo arqueometalúrgico irão ser discutidos os resultados obtidos através de uma combinação de técnicas de exame e análise que fornecem informações complementares sobre os artefactos, nomeadamente a nível composicional, macro e micro estrutural, incluindo: a radiografia por raios X, a espectrometria de fluorescência de raios X (micro-EDXRF) e a microscopia ótica. A radiografia por raios X é um método de exame, não destrutivo, que possibilita o estudo da estrutura interna dos artefactos respeitando a integridade física do material/objeto, não sendo este alterado pelo procedimento analítico (ADRIENS 2005; FIGUEIREDO et al. 2011). No presente trabalho foi usado para auxiliar o estudo das técnicas de manufatura e avaliar o estado de conservação dos diversos artefactos. A espectrometria de fluorescência de raios X (XRF) é uma técnica analítica multielementar, relativamente rápida e fácil, adequada para identificar e quantificar a maioria dos constituintes das ligas primitivas (VALÉRIO et al. 2007). Permite estudar a composição elementar de forma não destrutiva, na medida em que as análises são feitas sobre a superfície a estudar sem a alteração química ou física desta.

2.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

A radiografia por raios X foi conduzida num sistema de radiografia digital, ArtXRay SEZ Series, fabricado pela NTB GmbH (Dickel, Alemanha). Foi utilizada uma diferença de potencial de 130 kV, uma intensidade de corrente de 3,7 mA, correspondente a uma potência de 480 W. A geometria de análise incluiu uma distância da ampola ao detetor de 1,36 m, com os artefactos posicionados a cerca de 14 cm do detetor. O processamento de imagem envolveu o software iXPect. Para as análises elementares por micro-XRF e observação microestrutural por microscopia ótica, os objetos foram sujeitos a um desbaste superficial de uma pequena área (10% Sn pode ter a sua fase Cu-alfa substancialmente endurecida por solução sólida de Sn, tornando-se muito mais duro do que o cobre (LECHTMAN 1996). Esta elevada dureza, associada a alguma perda de ductilidade, pode ser recuperada através de um recozimento, pelo menos em objetos com teores

Análises por micro-EDXRF - Composição elmentar dos artefactos

As análises por micro-EDXRF efetuadas na coleção mostram que a maioria dos artefactos é composta por uma liga de bronze binário (i.e., uma liga de Cu-Sn), havendo seis objetos em cobre (três argolas, um elemento de possível freio, uma vareta e uma placa) e três em latão (liga Cu-Zn) (um objeto em forma de cápsula e duas argolas) (Fig. 4).

Fig. 4. Distribuição dos artefactos por tipos de metal/ligas metálicas. Fig. 4. Artefacts distribution by metal/alloy type.

62

Estudo arqueometalúrgico do conjunto metálico do sítio arqueológico de Moinhos de Golas (Montalegre, Norte de Portugal): primeiros resultados

até 15% Sn, pois é este o limite de solubilidade de Sn na fase Cu-alfa, sendo por isso o teor mínimo em Sn para a formação de uma fase mais dura, a fase δ, rica em estanho (detalhes no diagrama de fases para o bronze em condições de recozimento, em CENTRE TECHNIQUE DES INDUSTRIES DES ALLIAGES CUIVREUX 1967). Adicionalmente, dentro deste intervalo de composições de ligas de bronze é obtida a coloração mais próxima do ouro (FANG & MCDONNELL 2011), sendo possível que esta tonalidade dourada pudesse ser significante na época.

ou por questões estéticas, atendendo a que o cobre tem um tom mais avermelhado, face ao tom dourado do bronze, constituinte das argolas, resultando numa peça com variações cromáticas.

Fig. 7. Espectro referente a uma das argolas em bronze do eventual freio (2013-0428). Fig. 7. Micro-EDXRF spectrum of a bronze ring in the possible horse brake (2013-0428).

Fig. 5. Histograma de dispersão dos teores de Sn nos artefactos de bronze.

Além do arco do eventual freio, os restantes artefactos em cobre são duas argolas, uma vareta (2013-0453) e a placa dobrada (2013-0456). A manufatura destes artefactos poderá estar, também, relacionada com as propriedades particulares deste material, nomeadamente a coloração distinta do bronze, ou a sua maleabilidade, que poderia ser particularmente relevante para a obtenção da espessura desejada na placa. A diversidade material observada, i.e., a presença de bronzes, cobres e latões, bem como a diversidade tipológica dos artefactos da coleção poderá apontar para a presença de vários momentos de deposição (não sendo de excluir atos acidentais) e/ou à circulação de materiais exógenos durante a Protohistória. No entanto, é de destacar que as argolas, embora construídas com diferentes materiais metálicos, se assemelham entre si, o que pode sugerir o uso de processos de reciclagem na Proto-história.

Fig. 5. Histogram of tin content in the bronze artefacts.

De destacar, na coleção, a coexistência de diferentes metais dentro de uma mesma tipologia (como as argolas) e, particularmente, num mesmo artefacto, o eventual freio (2013-0428), que revelou ser um objeto composto, com o arco produzido em cobre (Fig. 6) e as duas argolas

3.3. Microscopia Ótica – Avaliação da corrosão e das técnicas de manufatura A observação das superfícies polidas dos artefactos por microscopia ótica e através de luz polarizada permitiu a visualização de diversas camadas de corrosão. De uma forma geral, a maioria dos artefactos observados revelou uma camada exterior, de tom esverdeado, e uma camada interior de tom mais avermelhado (Fig. 8), que em vários artefactos se estende para o interior dos artefactos ao longo dos limites de grão do metal (corrosão intergranular), uma característica comum em artefactos arqueológicos e resultante de uma corrosão de longo termo. Estas colorações distintas estarão relacionadas com

Fig. 6. Espectro de micro-EDXRF referente ao arco em cobre do eventual freio (2013-0428). Fig. 6. Micro-EDXRF spectrum of the copper rim in the possible horse brake (2013-0428).

em bronze (Fig. 7). A escolha dos diferentes materiais neste artefacto poderá estar relacionada com as propriedades mecânicas dos mesmos, isto é, o cobre terá sido usado por se tratar de um material mais maleável do que o bronze, sendo mais fácil a obtenção da forma fina e em arco, 63

J. Loureiro, E. Figueiredo, R.J.C. Silva, M.F. Araújo, J. Fonte & A.M.S. Bettencourt

Assim, e apesar de não ter sido ainda realizada a contrastação das zonas polidas, durante as observações em campo claro foi possível retirar algumas informações pertinentes quanto às técnicas de manufatura dos artefactos, para além da identificação de diferentes fases metálicas e inclusões. Em todos os artefactos foi identificada a fase α do cobre, solução sólida de cobre com estanho, de tom rosa-amarelado. Em alguns artefactos de bronze foi também identificado o microconstituinte eutectóide (α+δ). Comparativamente à fase α, a fase δ apresenta um tom prateado (Fig. 10).

diferentes estados de oxidação do cobre, sendo que a região exterior corresponderá a um estado de oxidação mais elevado, o Cu [II], frequentemente associado à presença de carbonatos básicos de cobre. Na camada mais interior o estado de oxidação do cobre será menor, Cu [I], e a sua coloração avermelhada estará associada à cuprite, Cu2O (PICCARDO et al. 2007).

Fig. 8. Observação por microscopia ótica, sob luz polarizada, da zona polida da argola 2013-0436 com visualização das diferentes camadas de corrosão envolvendo o metal inalterado (no centro) (50´). Fig. 8. Visualization by optical microscopy, under polarized light, of different corrosion layers in the polished surface of the ring 2013-0436 (50´).

Fig. 10. Detalhe da microestrutura da argola 2013-0439 vista por microscopia ótica, sob campo claro, com a visualização de diferentes fases metálicas e presença de inclusões (200´).

Em alguns objetos foi possível visualizar uma camada mais externa de tonalidade castanha escura (Fig. 8) que poderá ser entendida como um agregado de produtos de corrosão incorporando partículas do solo provenientes do local de enterramento. Foram visualizados casos em que a camada mais interior, a avermelhada, se estendeu para o interior do artefacto (Fig. 9) ao longo das fronteiras de grão, revelando consequentemente os tamanhos e as formas dos grãos.

Fig. 10. Detail of the microstructure of the ring 2013-0439 observed by optical microscopy, under bright field, with visualization of different metallic phases and inclusions (200´).

Na maioria dos objetos foram também detetadas inclusões de cor cinzenta escura, reconhecidos como sulfuretos de cobre (Fig. 10), inclusões típicas em artefactos deste período (FIGUEIREDO et al. 2011). Em muitos dos artefactos, ainda sem uma contrastação artificial, a corrosão interna (inter e transgranular) revelou uma microestrutura constituída por grãos recristalizados de fase α sem evidências do microconstituinte eutectóide (α+δ). A ausência de eutectóide para os teores de Sn registados é frequente em estruturas quimicamente mais homogéneas, sugerindo que a enformação da maioria dos objetos envolveu processamentos termomecânicos (forjagem + calor), conseguindo-se, assim, uma maior homogeneização química. Nalguns artefactos foi ainda possível observar bandas de deformação (Fig. 11), que podem dever-se à deformação provocada pelo uso do objeto ou demostrar que a última operação a que o material foi sujeito terá sido uma deformação (plástica) a frio.

Fig. 9. Observação por microscopia ótica, sob luz polarizada, da extensão da camada de corrosão interna na haste 2013-0451 (100´). Fig. 9. Observation by optical microscopy, under polarized light, of the extension of internal corrosion in the rod 20130451 (100´).

64

Estudo arqueometalúrgico do conjunto metálico do sítio arqueológico de Moinhos de Golas (Montalegre, Norte de Portugal): primeiros resultados

4.

AGRADECIMENTOS

CONCLUSÕES

Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT-MEC) as bolsas individuais SFRH/BPD/73245/2010, SFRH/ BPD/97360/2013 e SFRH/BD/65143/2009, concedidas a Elin Figueiredo e João Fonte, e o apoio financeiro concedido ao CENIMAT/I3N através do Projeto Estratégico LA25/2013-2014 (PEst-C/ CTM/LA0025/2013-2014). O trabalho foi ainda realizado no âmbito dos Projetos EARLYMETAL (PTDC/HIST-ARQ/110442/2008) e ENARDAS (PTDC/HISARQ/112983/2009), financiados pelo Programa Operacional Temático Fatores de Competitividade (COMPETE) e pelo Fundo Comunitário Europeu (FEDER).

A aplicação da radiografia de raios X, microEDXRF e microscopia ótica revelou-se adequada para obter informações pertinentes e complementares sobre o estado de preservação, composição e técnicas de manufatura dos artefactos metálicos de Moinhos de Golas. A utilização da radiografia por raios X mostrou-se pertinente para o estudo das técnicas de manufatura de alguns artefactos e foi determinante na avaliação do estado de conservação de alguns objetos particulares na coleção, revelando corrosão localizada e fraturas que nem sempre são visíveis a olho nu, mas que poderão ter implicações no manuseamento e estado de conservação dos artefactos. As análises por micro-EDXRF permitiram classificar o tipo de liga/metal em que cada artefacto foi fabricado, podendo constatar-se que a coleção é composta maioritariamente por bronzes (73%), havendo alguns objetos em cobre (15%) e outros em latão. De destacar a utilização de diferentes metais num mesmo artefacto (p. ex. no eventual freio) ou dentro de uma mesma tipologia de artefactos, como é o caso das argolas. A maioria dos artefactos em bronze possui teores de estanho entre 10% e 15%, com baixos teores de impurezas, o que os relaciona com a metalurgia tradicional da Idade do Bronze Final do território português. A presença de latões, aliada à presença de cobres e de bronzes, na mesma coleção, bem como a diversidade tipologica dos artefactos constitui uma particularidade que tando poderá relacionar-se com deposições em diferentes períodos cronológico -culturais, podendo alguns artefactos ser resultado de “depósitos” acidentais, como com a circulação de produtos exógenos a partir dos finais da Bronze Final, inícios da Idade do Ferro (entre os séculos VIII-VI a.C.)6. Tal irá constituir um ponto de partida para uma pesquisa mais aprofundada no desenvolvimento do estudo arqueometalúrgico em curso. A observação da microestrutura dos artefactos através de microscopia ótica possibilitou um melhor entendimento do desenvolvimento da corrosão nos objetos e, embora ainda em fase de investigação, permitiu inferir alguns processos de manufatura, tendo sido possível apurar que a maioria dos artefactos sofreu ciclos de tratamento termomecânico. De uma forma geral, o estado atual do estudo arqueometalúrgico permite constatar que a coleção de artefactos metálicos é bastante diversificada, sobretudo a nível material (tendo em conta os diferentes metais/ligas usados), possibilitando, sem dúvida, uma multiplicidade de questões, ainda por explorar.

6

REFERÊNCIAS ADRIENS, A. 2005. Non-destructive analysis and testing of museum objects: an overview of 5 years of research. Spectrochimica Acta Part B, 60: 1503-1516. BETTENCOURT, A.M.S. 1998. O conceito de Bronze Atlântico na Península Ibérica. In S. O. Jorge (ed.) Existe um Idade do Bronze Atlântico? Lisboa: IPA, 18-34. BOTTAINI, C. 2012. Depósitos metálicos do Bronze Final (sécs. XIII-VIII a.C.) do Centro e Norte de Portugal. Aspectos sociais e arqueometalúrgicos. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Tese de doutoramento - policopiada). BRONK, H.; RÖHRS, S.; BJEOUMIKHOV, A; LANGHOFF, N.; SCHMALZ, J.; WEDELL, R.; GORNY, H.-E; HEROLD, A. & WALDSCHLÄGER, U. 2001. ArtTAX – a new mobile spectrometer for energy-dispersive micro Xray fluorescence spectrometry on art and archaeological objects. Frenesius Journal of Analytical Chemistry, 371: 307-316. CARDOSO, J.L. 1995. O povoado do Bronze Final da Tapada da Ajuda, In I. Cordeiro et al. (eds.) A Idade do Bronze em Portugal. Discursos do Poder: Lisboa: SEC, IPM, 48. CENTRE TECHNIQUE DES INDUSTRIES DES ALLIAGES CUIVREUX. 1967. Atlas Metallographique des Alliages Cuivreux. Paris: Éditions Techniques des Industries de la Fonderie. FANG, J. & MCDONNELL, G. 2011. The colour of copper alloys. The Journal of the Historical Metallurgy Society, 45 Part 1: 52-61. FIGUEIREDO, E.; ARAÚJO, M.F.; SILVA, R.J.C. & VILAÇA, R. 2013a. Characterisation of a Proto-historic bronze collection by micro-EDXRF. Nuclear Instruments and Methods in Physics Research B, 296: 26-31. FIGUEIREDO, E.; SILVA, R.J.C.; ARAÚJO, M.F. & FERNANDES, F.M.B. 2013b. Multifocus Optical microscopy Applied to the Study of Archaeological Metals. Microscopy and Microanalysis, 19: 1248-1254.

Vide, por exemplo, MONTERO-RUIZ & PEREA (2007).

65

J. Loureiro, E. Figueiredo, R.J.C. Silva, M.F. Araújo, J. Fonte & A.M.S. Bettencourt

FIGUEIREDO, E.; SILVA, R.J.C.; SENNA-MARTINEZ, J.C. & VAZ, J.L. 2011. Characterization of Late Bronze Age large size shield nails by EDXRF, microEDXRF and X-ray digital radiography. Applied Radiation and Isotopes, 69: 1205-1211. FONTE, J.; BETTENCOURT, A.M.S. & FIGUEIREDO, E. 2013. Deposições Metálicas do Bronze Final no Vale do Assueira. O Caso do Sítio de Moinhos de Golas (Solveira, Montalegre, Norte de Portugal). Estudos do Quaternário, 9: 17-27. LECHTMAN, H. 1996. Arsenic Bronze: Dirty copper or chosen alloy? A view from the Americas. Journal of Field Archaeology, 23: 477-514. LEHMANN, E. H.; VONTOBEL, P.; DESCHLER-ERB, E. & SOARES, M. 2005. Non-invasive studies of objects from cultural heritage. Nuclear Instruments and Methods in Physics Research, A 542: 68-75. MONTERO-RUIZ, I & PEREA, A. 2007. Brasses in the early metallurgy of the Iberian Peninsula. Metals and Mines: 136-139. PICCARDO, P.; MILLE, B. & ROBBIOLA, L. 2007. Tin and copper oxides in corroded archaeological bronzes. Corrosion of metallic heritage artefacts. Cambridge: Woodhead Publishing Limited: 239-262. ROBBIOLA, L.; BLENGINO, J.M. & FIAUD, C. 1998. Morphology and mechanisms of formation of natural patinas on archaeological Cu-Sn alloys. Corrosion Science, 12: 2083-2111. SENNA-MARTINEZ. J.C. 1989. Pré-história Recente da bacia do médio e alto Mondego. Algumas contribuições para um modelo sociocultural. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (tese de doutoramento – policopiada). VALÉRIO, P.; ARAÚJO, M.F. & CANHA, A. 2007. EDXRF and micro-EDXRF studies of Late Bronze Age metallurgical productions from Canedotes (Portugal). Nuclear Instruments and Methods in Physics Research, B 263: 477-482. VILAÇA, R. 1995. Aspectos do povoamento da Beira Interior (Centro e Sul) nos Finais da Idade do Bronze. Trabalhos de Arqueologia 9. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico. WAYMAN, M.L. 2000. Archaeometallurgical contributions to a better understanding of the past. Materials Characterization, 45: 259-267.

66

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 67-72 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

FRUITS AND SEEDS FROM AN IRON AGE RITUAL OF COMMENSALITY IN FRIJÃO (BRAGA, NW PORTUGAL)

JOÃO PEDRO TERESO (1, 2) & VÍTOR MANUEL FONTES SILVA(3)

Abstract:

Frijão is a peculiar Iron Age place in Northwest Portugal. Its peculiarity derives mostly from what appears to be the remains of a ritual of commensality found in a pit or ditch. Structures in Frijão were exclusively made of perishable materials. These were destroyed by an apparently man-made and ritual fire that appears to be articulated with a riveted cauldron. In the main structure of the site – a large pit or ditch – several ceramic vessels of different typologies, including several inner-wing pots seem to have been disposed and sealed quickly after being used. In this same structure, fruits of different species were found in association with frequent charcoal and ashes. The analysis that were carried out led to the identification of Quercus acorns and three crops: naked wheat (Triticum aestivum / durum), emmer (Triticum turgidum subsp. dicoccum) and broomcorn millet (Panicum miliaceum). Unfortunately no sampling strategy was implemented during the field work which makes it impossible to evaluate whether the carpological remains that were studied are representative of what was actually there. It is clear that this context is of the utmost relevance for the understanding of social practices in the regional Iron Age, but unsuitable field work makes its interpretation more difficult. Key-words: Frijão, Cereals, Acorns, Ritual of commensality, Iron Age

Resumo:

Frutos e sementes de um ritual de comensalidade da Idade do Ferro no sítio de Frijão (Braga, NW de Portugal) Frijão, localizado no município de Braga, é um sítio da Idade do Ferro com características peculiares. O seu carácter único resulta principalmente dos testemunhos de rituais de comensalidade encontrados numa estrutura negativa. As estruturas de Frijão eram constituídas por materiais perecíveis que foram destruídos por um incêndio, aparentemente para fins rituais, que parece estar relacionado com um caldeirão de rebites. Na principal estrutura do sítio – uma grande estrutura negativa – vários recipientes cerâmicos de diferentes tipologias, incluindo vários vasos de asa interior, parecem ter sido utilizados e rapidamente amortizados. Nesta mesma estrutura, frutos de diferentes espécies foram encontrados em associação com abundantes carvões e cinzas. As análises realizadas permitiram identificar bolotas (Quercus) e três cultivos: trigo de grão nu (Triticum aestivum/durum), trigo de grão vestido (Triticum turgidum subsp. dicoccum) e milho-miúdo (Panicum miliaceum). Infelizmente, não foi implementada qualquer estratégia de recolha de amostras sedimentares durante os trabalhos de campo, tornando impossível perceber se os vestígios carpológicos estudados são representativos do que se encontrava no contexto arqueológico. É evidente a relevância deste contexto para a compreensão das práticas rituais e relações sociais na região durante a Idade do Ferro mas a metodologia de campo adotada não foi adequada, o que torna a interpretação ainda mais difícil. Palavras-chave: Frijão, Cereais, Bolotas, Rituais de comensalidade, Idade do Ferro

Received: 14 April, 2014; Accepted: 5 December, 2014

1.

assumed from the beginning that interpretations regarding the archaeobotanical assemblages would be severely limited and it would not be possible to fully understand the role of the carpological remains in the commensality rituals that seem to have taken place at Frijão. Nevertheless, considering the relevance of the archaeological context, it is important to make public the available data.

INTRODUCTION

A peculiar archaeological context in an Iron Age pit at Frijão has been interpreted as the result of ritual commensality (SILVA 2013, 2014). Early studies were focused mostly on specific artefacts that were recovered in this context, namely the riveted cauldron (SILVA 2013). Still palaeobiological material was also recovered. Thus, with this carpological study we intended to identify the fruits that were recovered in this context. Still, since no sampling strategy was implemented during the field work, it was (1)

InBIO - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva, Laboratório Associado, [email protected] CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. (3) CITCEM/UM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, Departamento de História da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057, Braga, Portugal, [email protected] (2)

67

João Pedro Tereso & Vítor Manuel Fontes Silva

2.

Frijão was located in a small platform in the southeast slope of the mount of Frijão (Fig. 1), at an altitude of 140 m and in the vicinity of an open and fertile valley. About 150m south and west of this location, there are two streams that drain into the Ribeira da Levegada, a subsidiary of the Este River, within the Ave basin. Besides an industrial forest of pines and eucalyptus, oak, cork oak, heather, bracken and shrubby Leguminosae are also found.

THE ARCHAEOLOGICAL SITE

2.1 Location The archaeological site of Frijão was located in the place with the same name, belonging to the parish of Cunha, county and district of Braga, the old province of Minho in northern Portugal. The geographic coordinates in the WGS 84 system are: Latitude 41º29 '33'' N; Longitude 8º31' 16'' W.

Fig. 1. Location of the archaeological site of Frijão in Carta Militar de Portugal, sheets 69-70, scale 1:25 000. Fig. 1. Localização do sítio arqueológico de Frijão na Carta Militar de Portugal, folhas 69 e 70, escala 1:25000.

Four test pits (121m2) were excavated (RALHA 2004). Test pits 1, 3 and 4 were located on three contiguous areas on the northern part of the platform (Sector 1, according to SILVA 2014). Test pit 2 was located in the southern part of the platform (Sector 2, according to SILVA 2014). The carpological material that we analysed was recovered in Sector 1.

2.2. The excavation Frijão was discovered in 2003 by Rui Barbosa of Palimpsesto–Estudo e Preservação do Património Cultural, Lda. during clay extraction activities of the project «Remodelação da Linha do Minho: Troço Nine-Braga e Estação de Braga». The amount of archaeological findings led to an archaeological excavation in 2004 under the coordination of Sandra Salazar Ralha working for Archeoestudos, Investigação Arqueológica, Lda. After the excavation, the site was destroyed. The results of the excavation were never published, hence all contextual information derives from the archaeological report (RALHA 2004). Many archaeological artefacts from Frijão are part of the permanent exhibition of the Regional Museum of Archaeology D. Diogo de Sousa (MDDS) and the site has been inventoried (AZEVEDO & BARBOSA 2004-2005; FERREIRA 2012) or briefly mentioned (BETTENCOURT 2005). Only recently the study of the archaeological artefacts was carried out (SILVA 2013, 2014).

2.2.1 Sector 1 In Sector 1, two large feature interfaces (Structure 1 and 2) were identified, cutting the bedrock, locally consisting on porphyroid granite (MEDEIROS & TEIXEIRA 1969). Structure 1 was located in the test pits 1 to 4. The shape of this feature interface remains unknown because it was partially destroyed during recent clay extraction activities. Still, the part that was preserved suggests it had a rounded contour in plan view and it is clear that it exceeded 5m in size. Its depth would be approximately 1.90m (Fig. 2) (SILVA 2014). Structure 2 was a ditch identified in test pit 3 (SILVA 2014). Both structures were connected (RALHA 2004; SILVA 2014). 68

Fruits and seeds from an Iron Age ritual of commensality in Frijão (Braga, NW Portugal)

Martins (1990) and between the 4th and 2nd centuries BC by A.M. S. Bettencourt (1999, 2005). Frijão is not interpreted as a settlement but rather as a place sporadically used by communities from one or several settlements in the region for rituals of commensality (SILVA 2014). This interpretation is based on the dimension of the site, together with the typology of its structures and the artefacts that they contained. Such assumption derives also from comparisons with similar sites in central Europe, namely in France and Germany (vide infra).

Since no radiocarbon date was obtained, the chronology of Frijão was based on the forms and the technical characteristics of the ceramic vessels, namely forms 1a, 1b and 1c, 2, 3b and 4 of M. Martins (1990). Form 4 vessels (inner-wing pots) from Frijão have rounded lips and wings of tubular section, which in the Cávado valley are typical from the Early Iron Age (MARTINS 1990). Such chronology is also suggested by the numerous metal fragments from a riveted cauldron (SILVA 2013). The chronological boundaries of the regional Early Iron Age are positioned between the 6th and 5th centuries BC by M.

Fig. 2. Section of Structure 1 of the Sector 1, test pit 1. (SILVA 2014). Fig. 2. Secção da Estrutura 1 do Sector 1, sondagem 1 (SILVA 2014).

3.

MATERIALS AND METHODS

other hand, the grains of T. dicoccum (Triticum turgidum L. subsp. dicoccum (Schrank) Thell.) are slender in plan view, with the upper end and sometimes the lower end pointed. Ventral surface is concave or flattish-concave in side view. The identification of Panicum miliaceum grains followed the morphological criteria of Buxó (1997) and S. Jacomet (2006): grains are ellipsoidal to roundish in shape, with a roundish hilum. The scutellum is broad, usually oval and barely reaching half of the grains’ length.

The archaeological excavation was carried out without any soil sampling strategy for future archaeobotanical studies. Plant remains were handpicked during the excavation of two consecutive layers from Structure 1, namely layers [107=402] and [111] (Fig. 2). Both layers presented clear signs of extensive fire which, as mentioned above, seem to be the result of deliberate human actions in order to destroy and seal the context. Out of any preconceived strategy, two soil samples were recovered in a peculiar context. According to the archaeological records, these two soil samples came from the interior of a vessel (mug) within layer [109] (Fig. 3). The identification of the carpological remains was done by comparing them with the reference collection of the Porto Herbarium (PO) in the University of Porto, as well as with anatomical atlases. The identification of the wheat grains followed the criteria of Hillman et al. (1996), Buxó (1997) and S. Jacomet (2006): Triticum aestivum/durum grains are oval or oval-roundish, with maximum width in the center or near the scutellum and blunt ends; it has a swollen aspect and is plain-convex in the ventral surface, in side-view. Following R. Buxó (1997) this type includes T. aestivum subsp. vulgare (Vill) Mackey, T. turgidum subsp. durum (Desf.) Mackey, and T. turgidum subsp. turgidum (L.) Mackey. On the

Fig. 3. Vessel (mug) from where two soil samples were collected (Photo: Manuel Santos, MDDS). Fig. 3. Púcaro onde se recolheram duas amostras de sedimentos (Foto: Manuel Santos, MDDS).

69

João Pedro Tereso & Vítor Manuel Fontes Silva

4.

RESULTS

with several levels of fragmentation. These are the only remains found in layer [111] being better preserved here than in layer [107], where many acorn fragments were retrieved.

Four different taxa were identified in the samples that were studied (Table 1). Among these, there is a clear predominance of Quercus acorns

Table 1. Fruits recovered in Frijão Tabela 1. Frutos recolhidos em Frijão

Regarding the cereals that were recovered in layer [107], there is a predominance of broomcorn millet (Panicum miliaceum) grains. These appear mostly as small sets of aggregate grains (Fig. 4). Together with millet, we find two grains of naked wheat (Triticum aestivum/durum) (Fig. 5) and a single grain identifiable only at genus level. The samples recovered inside the vessel provided few plant remains. The two grains of emmer (Triticum dicoccum) were found there, together with few fragments of acorns. No millet grains were recovered.

5.

INTERPRETATION

Unfortunately, it is impossible to know whether the plant remains retrieved in Frijão are representative of what was actually there, since there was no systematic sampling during the excavation and most remains were handpicked. This can lead to an overrepresentation of larger remains, such as Quercus acorns and the underrepresentation of smaller ones, such as millet grains. We stress that millet grains were recovered in Frijão mostly in the form of aggregate assemblages, more visible to the naked eye during the field work. It must be assumed that the lack of a proper sampling strategy probably led to a great loss of data. Such data would be of the utmost importance for the interpretation of the peculiar archaeological context registered in Frijão and for the interpretation of its carpological assemblage. This is even more striking considering that although the wild and cultivated species retrieved in Frijão are common in Iron Age contexts from NW Iberia (TERESO 2012), they are not usually found in contexts so openly related to their consumption. The acorns and cereals of Frijão appear together with a particular set of artefacts and faunal remains in a context that has been interpreted as the result of commensality, most likely connected with any kind of ritual (SILVA 2013, 2014). Within the set of artefacts, we stress a riveted cauldron (SILVA 2013). These artefacts are usually related to intensive consumption of food and drinks, as part of highly symbolic ceremonies well beyond everyday meals (ARNOLD 1993; GONZÁLEZ RUIBAL 2006; ARMADA PITA 2005, 2008). Thus, the fruits recovered in Frijão are likely connected with such practices, probably as part of one or more meals. The presence of cereals in such

Fig. 4. Aggregated grains of Panicum miliaceum Fig. 4. Grãos agregados de Panicum miliaceum

Fig. 5. Grain of Triticum aestivum/durum Fig. 5. Grão de Triticum aestivum/durum

70

Fruits and seeds from an Iron Age ritual of commensality in Frijão (Braga, NW Portugal)

occasions, together with domestic animals, are well recorded in ancient Greece and they assume a determinant role in social dynamics as well as in the relation between humans and their deities (PANTEL 2008). The presence of acorns in connection with rites of commensality tallies other archaeobotanical data for the region. In fact, although the subsistence strategy of Iron Age communities in NW Iberia is based on domestic plants and animals, acorns seem to have been an important complement (TERESO 2012). In other European areas, several Late Iron Age ritual structures related with feasting and religious purposes have been found. In some pits in France, remains of kitchen ware and other artefacts seem to be buried in some kind of communal feasting (SIMÓN 2009). In Bliesbruck (Germany), 170 big pits were found with faunal remains and drinking vessels (SIMÓN 2009), while in a pit in Lyon (France), from 120-60 BC a significant amount of Italian amphorae were deposited after the consumption of their contents during the feastings (POUX 2009). Still, in the Portuguese territory, commensality rites are not commonly found. Such interpretation was suggested for Bronze Age funerary contexts in SW Iberia (PORFÍRIO & SERRA 2010). It is, thus, an undervalued issue in archaeological investigation. In this way, the example of Frijão could be of great relevance if a proper field strategy would have been implemented. The study of other palaeobiological remains and artefacts from Frijão is still ongoing and they will allow a better incorporation of this site in the regional social and chronological context. It is clear, however, that sites as Frijão can open new lines of investigation regarding foodways and the social dynamics of Iron Age communities.

REFERENCES ARMADA PITA, X.-L. 2005. Formas y rituales de banquete en la Hispania indoeuropea. Tese de Doutoramento, Universidade da Coruña, La Coruña. ARMADA PITA, X.-L. 2008. ¿Carne, drogas o alcohol? Calde -ros y banquetes en el Bronce Final de la Península Ibérica. Cuadernos de Prehistoria y Arqueología de la Universidad de Granada, 18: 125–162. ARNOLD, B. 1993. The material culture of social structure: rank and status in early Iron Age. Ann Arbor, Michigan. BARBOSA, R. P. & AZEVEDO, M. 2004-05. A antropização da paisagem no vale do Este: dados inéditos para o seu estudo. Mínia, 11-12: 113–136. BETTENCOURT, A.M.S. 1999. A Paisagem e o Homem na bacia do Cávado durante o II e o I milénios AC, 5 vols. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga. BETTENCOURT, A.M.S. 2005. O que aconteceu às populações do Bronze Final do Noroeste de Portugal, no segundo quartel do I milénio AC, e quando começou, afinal, a Idade do Ferro? Colóquio “Castro, um lugar para habitar”. Cadernos do Museu. Museu Municipal de Penafiel: 25–40. BUXÓ, R. 1997. Arqueología de las Plantas, Crítica, Barcelona. FERREIRA, J. 2012. O povoamento no vale do rio Este do Neolítico à Idade Média: estudo preliminar. Relatório de estágio de Mestrado, Universidade do Minho, Braga. GONZÁLEZ RUIBAL, A. 2006. Galaicos. Poder y comunidad en el noroeste de la Península Ibérica (1200 a.C - 50 d.C.). Brigantium 18, Museo arqueolóxico e histórico castelo de San Antón, A Coruña. HILLMAN, G.; MASON, S. & MOULINS, D. de; NESBITT, M. 1996. Identification of archaeological remains of wheat: the 1992 London workshop, Circaea 12: 195 –210. JACOMET, J. 2006. Identification of cereal remains from archaeological sites. 2ª edição, Archaeobotany Lab, IPAS, Basel University.

ACKNOWLEDGMENTS

MARTINS, M. 1990. O Povoamento proto-histórico e a romanização da bacia do curso médio do Cávado. Cadernos de Arqueologia–Monografias 5. Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Braga.

The authors wish to thank Dr. Ana M. S. Bettencourt and Archeo’Estudos–Investigação Arqueológica, Lda., especially to Sandra Ralha and Paula Abrantes. This work was carried out in the scope of a MsC thesis by Vítor Manuel Fontes Silva, with the title “A Estação Arqueológica da Idade do Ferro do Frijão (Braga, Norte de Portugal)”, presented to the University of Minho in February 2014, and within the project “Espaços naturais, arquitecturas, arte rupestre e deposições na pré-história recente da fachada ocidental do centro-norte português: das acções aos significados – ENARDAS” (PTDC/HIS-ARQ/112983/2009), financed by Programa Operacional Temático Factores de Competitividade (COMPETE) and with the contribute of Fundo Comunitário Europeu FEDER. João Tereso was supported by a Post Doc grant (SFRH / BPD / 88250 / 2012) from Fundação para a Ciência e Tecnologia (national funding by MEC).

MEDEIROS, A.C. & TEIXEIRA, C. 1969. Carta Geológica de Portugal na escala de 1/ 50 000. Notícia explicativa da folha 5-C. Serviços Geológicos de Portugal. Lisboa. PANTEL, P. 2008. As refeições gregas, um ritual cívico. In J.L. Flandrin. e M. Montanari (Dir.), História da alimentação. 1. Dos primórdios à Idade Média. 2ª edição, Terramar, Lisboa: 133–145. PORFÍRIO, E. & SERRA, M. 2010. Rituais funerários e comensalidade no Bronze do Sudoeste da Península Ibérica: novos dados a partir de uma intervenção arqueológica no sítio da Torre Velha 3 (Serpa). Estudos do Quaternário 6: 49–66. POUX, M. 2009. Banquetes y consumo del vino en la Galia a finales de la Edad del Hierro. O vinho e festa de pré -romana Europa. Universidade de Valladolid, Centro de Estudos Vacceos "Federico Wattenberg“: 93– 103.

71

João Pedro Tereso & Vítor Manuel Fontes Silva

RALHA, S.S. 2004. Intervenção arqueológica na escavação de empréstimo de Frijão. Zona industral da Cunha – Cunha, Braga. Relatório Final. Archeoestudos, Investigação arqueológica, Lda. SILVA, V.M.F. 2013. Caldeiro de rebites do sítio arqueológico do Frijão (Braga, Noroeste de Portugal. Estudos do Quaternário, 9: 15-21. http://www.apeq.pt/ojs/ index.php/apeq. SILVA, V.M.F. 2014. A Estação Arqueológica da Idade do Ferro do Frijão (Braga, Norte de Portugal). Dissertação de Mestrado. Universidade do Minho, Braga. SIMÓN, F. M. 2009. Vinho, ritual e poder no mundo celta. O vinho e festa de pré-romana Europa. Universidade de Valladolid, Centro de Estudos Vacceos "Federico Wattenberg“: 81–92. TERESO, J. P. 2012. Environmental change, agricultural development and social trends in NW Iberia from the Late Prehistory to the Late Antiquity. Biology Department, Faculty of Sciences, University of Porto, Porto.

72

Estudos do Quaternário, 11, APEQ, Braga, 2014, pp. 73-85 http://www.apeq.pt/ojs/index.php/apeq.

MODELAÇÃO GEOLÓGICA DO ENCHIMENTO SEDIMENTAR PLISTOHOLOCÉNICO DA PALEOLAGUNA DA PEDERNEIRA

V. P. LOPES(1, 2), M. C. FREITAS (1, 2), C. ANDRADE(1, 2), & R. TABORDA(1, 3)

Resumo:

A reconstrução paleoambiental das zonas húmidas litorais portuguesas constitui um elemento fundamental para o conhecimento da história evolutiva da zona costeira num passado geológico recente (Quaternário). Com a intenção de contribuir para o melhoramento do modelo de evolução da várzea da Nazaré (paleolaguna da Pederneira) durante o Plistocénico final e o Holocénico, procedeu-se à determinação da geometria e volumetria das unidades constituintes do seu enchimento sedimentar, aplicando modelação geológica tridimensional. Para esse efeito, utilizou-se a informação disponível, a qual permitiu definir três unidades litoestratigráficas (fluvial basal, marinho/lagunar e fluvial recente) e aplicou-se um modelo geomorfológico concetual ao conhecimento geomorfológico/geológico da área de estudo, o qual se mostrou imprescindível para ultrapassar a insuficiência de dados de base e a sua distribuição não uniforme na área de estudo. Recorrendo a ferramentas de interpolação espacial, foi definida a paleosuperfície de acomodação do enchimento sedimentar plisto-holocénico, bem como as paleosuperfícies que limitam as unidades constituintes daquele enchimento. Através de modelação geológica tridimensional, foi possível determinar a geometria e a volumetria total da paleolaguna da Pederneira bem como das unidades litoestratigráficas, e aferir a verosimilidade dos valores produzidos através do cálculo da erosão média da superfície da bacia hidrográfica, necessária para a produção do volume determinado. Palavras-chave: Plisto-holocénico, Modelo geomorfológico, Modelação geológica 3D, Reconstrução paleoambiental, Sistemas de Informação Geográfica.

Abstract:

Geological modeling of the Late Pleistocene-Holocene sedimentary infill of Pederneira paleolagoon The paleoenvironmental reconstruction of the Portuguese coastal wetlands is a key element for understanding the evolutionary history of the coastal zone in the recent geological past (Quaternary). Aiming to improve the evolutionary model of Nazaré lowland (Pederneira paleolagoon) during the late Pleistocene and Holocene, a 3D geological modeling approach was used to define the geometry and volume of the main geological units of its sedimentary infill. With this purpose, three lithostratigraphic units were defined (basal fluvial, marine / lagoon and recent fluvial) and a simple conceptual geomorphological model was developed to overcome the scarcity of geological data and its non-uniform distribution across the study area. Using spatial interpolation tools in a GIS environment, the paleosurface that accommodate the Pleisto-Holocene sedimentary infill, as well the paleosurfaces that limit their constituent units, were defined. Through 3D geological modeling, it was possible to define the geometry and the total volume of the lithostratigraphic units, and evaluate the reasonableness of the estimated values through the comparison with watershed erosion estimates. The methodology used in the 3D modeling, produced satisfactory results, providing an effective tool in the problem of paleoenvironmental reconstruction in areas with scarce geologic information. Keywords: Pleisto-Holocene, Geomorphologic model, 3D Geologic modeling, Paleoenvironmental reconstruction, Geographic Information Systems.

Received: 24 july, 2014; Accepted: 20 November, 2014 1.

climáticas e a influência antrópica (e.g., HENRIQUES 1996; FREITAS & ANDRADE 1997, 1998; BAO et al. 1999; DIAS et al. 2000; CRUCES 2001; CEARRETA et al. 2002; DRAGO et al. 2002; FREITAS et al. 2002; HENRIQUES et al. 2002; CEARRETA et al. 2003; FREITAS et al. 2003a, 2003b; HENRIQUES 2003; SANTOS & GOÑI 2003; DINIS & COSTA 2004; FERREIRA et al. 2004; HENRIQUES & DINIS 2006; ALDAY et al. 2006; CABRAL et al. 2006; CRUCES et al. 2006; DINIS et al. 2006; DINIS & TAVARES 2006; DRAGO et al. 2006; FREITAS 2006; CEARRETA et al. 2007; FREITAS et al. 2007; NAUGHTON et al. 2007a,

INTRODUÇÃO

As zonas húmidas litorais constituem áreas privilegiadas para o estudo da evolução geomorfológica do litoral e dos fatores que nela intervêm. Ao longo das duas últimas décadas foi desenvolvido, por diversos autores, um modelo conceptual de evolução da zona costeira do território continental português desde o Último Máximo Glaciar, relacionando-o com os respetivos fatores forçadores (globais e regionais), de que se salientam a variação do nível médio do mar, as alterações (1)

Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal. [email protected] Centro de Geologia da Universidade de Lisboa. (3) Instituto Dom Luís. (2)

73

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

intersectam a referida várzea. Foram assim consideradas três grandes unidades litoestratigráficas que constituem o enchimento sedimentar plistoholocénico, o que permitiu propor uma história evolutiva para esta área e integrá-la no modelo conceptual de evolução da linha de costa ocidental Portuguesa desde o Último Máximo Glaciar, o qual tem vindo a registar sucessivas atualizações, resultado de vários trabalhos de caracterização geomorfológica e sedimentar. O objectivo deste trabalho é efectuar modelação geológica 3D recorrendo a ferramentas de interpolação espacial no sentido de definir a geometria da paleosuperfície de acomodação do enchimento sedimentar plisto-holocénico e das paleosuperfícies que separam as suas várias unidades litoestratigráficas

2007b; FERREIRA et al. 2009; LEORRI et al. 2009; FREITAS et al. 2010; HENRIQUES et al. 2010; MOREIRA et al. 2010; CABRAL et al. 2011; HENRIQUES 2013). A várzea da Nazaré constitui um objeto de estudo de excecional importância, não só pelo facto de ter evoluído a partir de um ambiente lagunar (a antiga laguna da Pederneira), hoje completamente colmatado, como por existir abundante informação histórica e arqueológica sobre a zona, possibilitando assim a eliminação de um hiato de informação significativo sobre a evolução recente dos sistemas sedimentares de transição da região central do litoral ocidental português (FREITAS 2006; FREITAS et al. 2010). Neste sentido, a várzea da Nazaré foi alvo de estudo num projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia intitulado “Evolução paleoambiental da planície litoral a sul da Nazaré desde o Tardiglaciar (PaleoNaz)” - PTDC/CTEGEX/65789/2006. No âmbito do referido projeto, foi realizado um estudo exaustivo do ponto de vista sedimentológico, geoquímico e paleontológico de três sondagens mecânicas efetuadas no interior da Várzea da Nazaré e reavaliado um número significativo de relatórios de sondagens anteriormente realizadas no âmbito da construção de estradas e obras de arte que

1.

ENQUADRAMENTO DA ÁREA DE ESTUDO

A Várzea da Nazaré localiza-se na costa ocidental Portuguesa, no extremo norte do troço compreendido entre a Nazaré e o Cabo Carvoeiro, o qual representa uma célula costeira de aproximadamente 40 km de comprimento. A área em estudo está situada entre a Nazaré e a praia do Salgado (Fig. 1).

Fig. 1. Localização da paleolaguna da Pederneira. A - no litoral centro de Portugal; B – No troço litoral Nazaré-Cabo Carvoeiro; C – No troço litoral Nazaré-praia do Salgado, a linha tracejada indica o perímetro da paleolaguna da Pederneira. Fig. 1. Location of the Pederneira paleolagoon. A - In the central coast of Portugal; B - In the coastal section Nazaré - Carvoeiro Cape; C - In the coastal section Nazaré-Salgado beach, the dotted line indicates the Pederneira paleolagoon perimeter.

74

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

Corresponde a 16 km 2 de superfície, com cotas decrescentes para poente, geralmente inferiores a 10 m (NMM – nível médio do mar), podendo chegar a cotas próximas de 23 m nos bordos; é constituída por sedimentos aluviais detríticos debitados por uma rede de drenagem pertencente a uma bacia hidrográfica com 420 km2 (Fig. 2A) que termina na vertente W da Serra dos Candeeiros (FREITAS et al. 2010). Esta superfície representa uma planície aluvial que está relacionada com a secção inferior de vários rios (Fig. 2B): o Rio Alcobaça, resultante da confluência dos Rios Alcôa e Baça; o Rio do Meio, troço jusante do Rio de S. Vicente e Rio da Areia, troço jusante do Rio de Cós (FREITAS et al. 2010), e ainda pelas ribeiras de Famalicão e de Águas Belas. A referida superfície apresenta uma forma irregular herdada de constrangimentos tectónicos devido à sua localização no interior da depressão diapírica das Caldas da Rainha e a sua associação à fratura de Fervença (HENRIQUES & DINIS 2006).

No geral, o bordo sul é bem marcado na morfologia pelo contato entre os calcários mesozóicos dobrados e os sedimentos aluviais horizontais. O bordo norte é em geral menos abrupto, definido pelo contacto entre os materiais detríticos jurássicos ou pliocénicos e as dunas recentes (HENRIQUES 1996). Esta planície aluvial compreende dois setores (Fig. 2B): - o setor oeste (A) com 10 km2 e um eixo maior de 7.6 km, paralelo à linha de costa. É separado da mesma por um estrangulamento rochoso na Ponte das Barcas (com uma largura aproximada de 218m), e a sua superfície encontra-se a uma cota máxima de 5m (NMM); - o setor leste (B) com 7.7 km2, que comunica com o anterior através de outro estrangulamento rochoso de maiores dimensões no Valado de Frades (largura aproximada de 450 m). A sua superfície encontra-se a cotas mais elevadas (5-10m) e contém colinas de elevação moderada (>15m) constituídas por afloramentos pliocénicos e jurássicos (FREITAS et al. 2010).

Fig. 2. A – Bacia hidrográfica da várzea da Nazaré; B - Rede hidrográfica da paleolaguna da Pederneira. Fig. 2. A - Nazaré plain watershed B - Hydrographic network of Pederneira paleolagoon.

3.

calcário) de 3 sondagens mecânicas com comprimento entre 25 e 30 m (FREITAS et al. 2010; LOPES 2013), com o objetivo de estabelecer variações de litofácies e definir unidades litoestratigráficas. O enquadramento cronológico foi efetuado com recurso a datações por 14C e OSL. Foram igualmente analisados mais de uma centena de relatórios de sondagens efetuadas para fins geotécnicos (Fig. 3).

METODOLOGÍA E RESULTADOS

3.1. Sedimentologia A caraterização do enchimento sedimentar plisto-holocénico foi realizada através do estudo sedimentológico (textura, composição), geoquímico (elementos maiores, menores e traço) e paleoecológico (foraminíferos, ostracodos e nanoplâncton 75

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

Fig. 3 - Localização das sondagens efetuadas na várzea da Nazaré (marcadores pretos representam as sondagens para fins geotécnicos; marcadores vermelhos representam as sondagens estudadas no âmbito do projeto Paleonaz). Fig. 3 - Location of cores performed in Nazaré plain (black dots represent the cores performed for geotechnical purposes, red dots represent the cores studied under Paleonaz project).

Através da correlação entre as unidades estabelecidas nas três sondagens e a cronologia associada, foi possível fazer uma reconstrução paleoambiental, tendo sido definidas três grandes unidades litoestratigráficas (Fig. 4). Na base está presente a Unidade Fluvial Antiga (Unidade I) caraterizada por areia-areia vasosa, azóica com alguns níveis de cascalho correspondente a uma sedimentação fluvial ocorrida desde o início do Holocénico até cerca de 9700-8500 cal BP. Posteriormente a sedimentação muda, surgindo a Unidade marinho/lagunar (Unidade II), caracterizada por vasa a vasa pouco arenosa orgânica com presença de nanofósseis calcários, fragmentos de concha e foraminíferos/ostracodos. Esta sedimentação indica a presença de um ambiente marinho/estuarino a lagunar que permaneceu até cerca de 5000 cal BP na parte leste e até mais tarde, cerca de 2000 Cal BP, na parte ocidental. Por último, a sedimentação mudou novamente, sendo a unidade de topo (Unidade Fluvial recente – Unidade III) caracterizada por intercalações de areia a areia vasosa com vasa a vasa pouco arenosa, orgânica, azóica. Esta última unidade representa a progradação dos materiais fluviais sobre o antigo espaço lagunar (FREITAS et al. 2010; LOPES 2013).

Fig. 4 – Esquema de correlação entre as sondagens NZS1, NZS2 e NZS3 estudadas no âmbito do projeto Paleonaz. Fig. 4 - Correlation scheme between cores NZS1, NZS2 and NZS3 studied within Paleonaz project.

76

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

y  a  k  log p  x 

3.2. Modelação geológica tridimensional

em que y se refere à cota do talvegue relativa ao nível de base num ponto à distância x da embocadura, a e k são constantes empíricas e p é o comprimento do talvegue.

Devido à escassez de sondagens e principalmente à sua distribuição espacial não uniforme na área de estudo (Fig. 3), os dados objetivos de localização e profundidade da paleosuperfície de acomodação e configuração da paleorede de drenagem tardiglaciar, mostraram-se inadequados para aplicação direta de procedimentos de interpolação geoestatística. Neste sentido, foi criada informação complementar por forma a constringir a interpolação, através da definição de um modelo geomorfológico concetual, que estabelece o desenho da paleo-rede de drenagem e que assenta em três pressupostos: 1 - O sistema é exorreico e desagua no estrangulamento rochoso mais a oeste; 2 - A incisão de cada talvegue aumenta para jusante; 3 - O sistema estava em equilíbrio com o nível de base. De acordo com vários autores (HACK 1957; LEOPOLD et al. 1964; SPARKS 1972; CHRISTOFOLETTI 1980; MORISAWA 1985; SCHEIDEGGER 1991, HUGGET 2003), um rio que apresente estas condições desenvolve um perfil longitudinal característico, de forma côncava virada para cima, com declives elevados na cabeceira e que decrescem para jusante até ao nível de base. Para além desta descrição qualitativa, existem diversos estudos que tentaram estabelecer uma descrição matemática para o perfil longitudinal dos rios em equilíbrio, e, no presente estudo, foi adotada a descrição de Green (1934, em CHRISTOFOLETTI 1980):

3.2.1 Localização do paleotalvegue

Para definir a planimetria da paleo-rede de drenagem, recorreu-se ao software ArcGIS (v.10). Foi criado um Modelo Digital de Terreno (MDT) da bacia hidrográfica associada à paleolaguna da Pederneira e a rede de drenagem com base em informação cartográfica na escala de 1:25000. Foi registada uma elevada coincidência entre a rede de drenagem criada (em ambiente SIG) e a observada no terreno, ocorrendo resultados menos satisfatórios na planície aluvial devido à intensa intervenção humana aí existente, para fins agrícolas. Foram definidos 4 pontos de referência na interseção entre cada linha de água principal e o limite da paleolaguna. Procurou-se, em seguida, inferir sobre a configuração da rede de drenagem na área colmatada pelos sedimentos plisto-holocénicos. Para esse efeito, foi utilizada uma combinação de dois métodos (Fig. 5): 1 - Realização de vários perfis transversais nos atuais vales baseados no MDT (modelo digital de terreno) produzido, a partir dos quais foram extrapoladas as inclinações das encostas e o seu ponto de interseção em profundidade foi projetado à superfície; 2 - Determinação, da linha que se encontre a meia distância de encostas opostas da paleolaguna, assumindo que o paleotalvegue era simétrico.

Fig. 5. Figura ilustrativa dos vários métodos aplicados para a determinação da configuração da paleo-rede de drenagem na planície aluvial da Pederneira. Fig. 5. Illustration of the two methods used to determine the configuration of the Pederneira paleo-drainage.

77

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

Estes resultados foram ajustados sempre que os mesmos se mostraram contraditórios ou que os dados de campo se mostraram insuficientes. O ajuste foi efetuado com base no contexto geomor-

fológico da área de estudo. A linha de paleotalvegue resultante é composta por um segmento principal que atravessa os dois setores e três tributários menores (Fig. 6).

Fig. 6. A - Configuração possível da paleo-rede de drenagem no interior da paleolaguna da Pederneira. B - Composição da paleorede de drenagem no interior da paleolaguna da Pederneira. Fig. 6. A - Possible configuration of the Pederneira paleo-drainage; B – Different tributaries.

3.2.3. Reconstrução holocénica

3.2.2. Atribuição de valores de elevação

Após a definição planimétrica da linha de paleotalvegue foi determinada a respetiva elevação. Para cada segmento, foram utilizados todos os pontos vizinhos com informação altimétrica conhecida e projetados esses dados num gráfico que relaciona a elevação com a correspondente distância à embocadura. Em todos os casos, o ponto mais alto coincide com os pontos de referência anteriormente referidos e o ponto mais baixo com o estrangulamento rochoso (Ponte das Barcas), com o valor de elevação de -37m (cota deduzida a partir dos dados de sondagens). A cada curva foi aplicada a equação anteriormente referida (que traduz o perfil longitudinal do rio). Dado que entre estes dois pontos fixos é possível fazer passar qualquer curva de função logarítmica, a sua curvatura vai depender da variação do parâmetro (p-x). A determinação da melhor curva (que representa o perfil longitudinal de cada segmento) foi executada por iterações sucessivas fazendo variar o parâmetro referido de modo a que a equação obtida produzisse valores de elevação para cada segmento o mais próximo dos valores reais conhecidos.

da

paleosuperfície

plisto-

Na posse da planimetria e altimetria da paleo -rede de drenagem, procedeu-se à interpolação da paleosuperfície de acomodação do enchimento sedimentar plisto-holocénico, usando para isso dados dos relatórios de sondagens, dos pontos ao longo da linha de paleotalvegue e dos pontos que limitam a planície aluvial (extraídos do MDT). Para a interpolação da paleosuperfície foi o usado o método do vizinho natural (ArcGIS v.10). A superfície produzida apresenta um intervalo de valores de elevação entre cerca de -37 e 23 m e uma rede de drenagem que reflete os constrangimentos estruturais, favorecendo o desenvolvimento de uma curva larga no setor leste com o talvegue encostado ao bordo sul, apresentando uma seção transversal assimétrica. No setor oeste a incisão do talvegue é muito mais pronunciada, embora produzida por tributários mais pequenos. As seções transversais apresentam-se mais simétricas (Figs. 7 e 8).

78

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

Fig. 7. Superfície A que representa a paleosuperfície de acomodação do enchimento sedimentar plisto-holocénico da paleolaguna da Pederneira e secções transversais às linhas de água . Fig. 7. Surface A, representing the surface that acomodate the pleisto-holocene infill of Pederneira paleolagoon and crosssections of the valleys.

Fig. 8. Paleosuperfície plisto-holocénica visualizada em 3D no programa ArcSene (escala gráfica aproximada). Fig. 8. 3D view of the pleisto-holocene surface obtained in ArcSene (approximate graphic scale).

representam os limites que separam as várias unidades litoestratigráficas desse mesmo enchimento sedimentar. A sua reconstrução não integra os mesmos pontos de interpolação nem os mesmos pressupostos referidos no item anterior. Para a interpolação da paleosuperficie que limita a unidade fluvial antiga da unidade marinha/ lagunar, foram utilizados dados de sondagens. Usou-se Krigagem ordinária (ArcGIS v.10, sem

3.2.4 Reconstrução das paleosuperfícies holocénicas

A reconstrução das superfícies que materializam o limite entre as várias unidades litoestratigráficas do enchimento plisto-holocénico tem, na sua concetualização, um pressuposto diferente do da paleosuperfície plistocénica. Enquanto esta última representa a bacia de acomodação de todo o enchimento sedimentar plisto-holocénico, as primeiras 79

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

efeito de pepita, sem anisotropia e com uma vizinhança padrão, com um máximo de 5 e mínimo de 2 vizinhos). A superfície resultante apresenta uma forma acanalada, com os valores de elevação entre cerca de -35 e -4 m, registando-se os valores mais baixos ao longo do traçado do paleotalvegue (Figs. 9 e 10). A unidade Fluvial antiga corresponde a uma sedimentação grosseira alimentada por materiais provenientes da bacia hidrográfica, portanto de origem continental, terrígena. Representa a sedimentação num troço declivoso do rio, que desaguava mais a oeste. Desta forma, devido

à sua génese fluvial, faz sentido que esta unidade possa ter configuração de uma camada que reveste o referido paleorelevo, com zonas de sedimentação e outras de erosão resultantes da dinâmica da rede hidrográfica que a gerou. É pois expectável que a superfície que limita superiormente esta unidade tenha uma configuração e geometria herdadas da paleosuperfíce que a antecede e lhe serve de base, que corresponde ao paleorelevo esculpido pela rede de drenagem plistocénica. A superfície obtida apresenta uma configuração bastante plausível e em concordância com o modelo indicado.

Fig. 9. Superfície B, limite entre a unidade fluvial antiga e a unidade marinho/ lagunar. Fig 9. Surface B, limit between the basal litostatigraphic unit (fluvial environment) and the intermediate litostatigraphic unit (marine/lagoonal environment).

Fig. 10. Superfície B visualizada em 3D no programa ArcSene (escala gráfica aproximada). Fig. 10. 3D view of surface B obtained in ArcSene (approximate graphic scale). 80

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

ção a terra), com valores de elevação entre cerca de – 4 e 3 m. Esta superfície representa o término da sedimentação marinho/lagunar e o início da sedimentação fluvial recente, sendo plausível uma configuração sub -horizontal (Figs. 11 e 12).

Para a interpolação da paleosuperficie que limita a unidade marinha/lagunar da unidade fluvial recente foram igualmente utilizados dados de sondagens. Para a interpolação foi utilizada uma superfície de tendência do primeiro grau (ArcGIS v.10). A superfície produzida apresenta-se subhorizontal, ligeiramente inclinada para leste (em dire-

Fig. 11. Superfície C, limite entre a unidade marinho/lagunar e a unidade fluvial recente. Fig. 11. Surface C, limit between the intermediate unit, marine/lagoonal environment, and the top unit, aluvial environment.

Fig, 12. Superfície C visualizada em 3D no programa ArcSene (escala gráfica aproximada). Fig. 12. 3D view of surface C obtained in ArcSene (approximate graphic scale).

81

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

distribuem de forma uniforme em toda a área da paleolaguna. Regista-se uma maior expressão da unidade marinho/lagunar no setor oeste, perdendo importância em detrimento da unidade fluvial recente no setor leste. Na zona do estrangulamento de Valado de Frades nota-se um quase equilíbrio entre estas duas unidades (Fig. 13).

3.2.5. Perfis e seções

Após a definição destas paleosuperficies, foi possível construir perfis e seções que mostram o enchimento sedimentar plisto-holocénico e assim aferir a sua geometria. Da observação destas seções podemos inferir que a unidade mais expressiva é a marinho/lagunar e que as unidades não se

Fig. 13. Representação das várias secções do enchimento sedimentar plisto-holocénico da paleolaguna da Pederneira. Fig. 13. Sedimentary infill of Pederneira paleolagoon visualized in several cross-sections.

78 milhões de m3, sendo a unidade Marinha/ Lagunar a unidade com maior expressão (cerca de 145 milhões de m3). Por forma a aferir a qualidade destes resultados, foi calculado o rebaixamento da superfície da bacia hidrográfica necessário para produzir o volume referido. Os sedimentos constituintes deste depósito sedimentar são oriundos, maioritariamente, da bacia hidrográfica da paleolaguna da Pederneira e uma pequena parte (negligenciável) corresponde a material trazido do oceano durante a transgressão marinha. Neste contexto, determinou-se a taxa de erodibilidade da bacia de drenagem durante o Holocénico. O volume de sedimentos acumulados (265x106 m3), na paleolaguna da Pederneira,

3.2.6 Volumetria do enchimento sedimentar plistoholocénico

Na posse destas paleosuperficies, em ambiente SIG (recorrendo à ferramenta Surface Volume disponível no softawre ArcGIS v.10), foi possível determinar a volumetria associada à totalidade do enchimento sedimentar da paleolaguna da Pederneira bem como das diferentes unidades constituintes (Tabela 1). De acordo com os dados obtidos, o volume total do enchimento sedimentar plistoholocénico da Lagoa da Pederneira corresponde a 265 milhões de m3 de sedimentos. Este volume divide-se pela unidade Fluvial antiga que apresenta uma menor expressão (cerca de 43 milhões de m3), seguida pela unidade Fluvial recente com cerca de

Tabela 1. Tabela dos volumes das diferentes unidades litoestratigráficas e do volume total da paleolaguna da Pederneira. Table 1. Volume of the different lithostratigrafic units and total sediment volume of Pederneira paleolagoon.

Unidade litoestratigráfica

Volume (m3)

Unidade III (Fluvial recente)

7,76E+07

Unidade II (Marinha/ Lagunar)

1,45E+08

Unidade I (Fluvial antiga)

4,25E+07

Volume total (m3) Volume total (m3) (obtido diretamente (obtido da soma dos entre a paleosuperfície e volumes das três a superfície topográfica unidades) atual)

2,65E+08

82

2,66E+08

Diferença associada à diferença dos dois volumes totais (%)

0,25

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

foi dividido pela área da bacia hidrográfica (420 km2), obtendo-se assim o valor de 0,63 m. Este valor representa o rebaixamento que a superfície da bacia hidrográfica sofreu para produzir o volume de sedimentos do enchimento sedimentar da paleolaguna. Dividindo este rebaixamento pelo tempo que levou a produzi-lo (aproximadamente 10 000 anos), obtemos uma taxa de erosão média da bacia hidrográfica de ~ 0,06 mm/ano. No entanto, há que ter em conta que nem toda a superfície da bacia hidrográfica contribui de forma igual para o enchimento sedimentar, pois é constituída por formações diferentes, umas mais erodíveis do que outras. Assim, utilizando apenas a área da bacia hidrográfica que corresponde às formações mais erodíveis (275 km2), chegamos ao valor de ~0,1 mm/ano. Se compararmos este valor com taxas de erosão determinadas para a mesma tipologia de rochas e de clima na Europa (0,03 mm/ano), Ásia (0,13 mm/ano) ou Espanha (0,10-0,30 mm/ano) (HARRISON 1994; CANTÓN et al. 2001), verificamos que o valor determinado para a área de estudo insere-se na mesma ordem de grandeza dos referidos na bibliografia. 4.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é uma contribuição do projecto de I&D PTDC/CTE-GEX/65789/2006 – Evolução paleoambiental da planície litoral a sul da Nazaré desde o Tardiglaciar (PaleoNaz) financiado pela FCT. BIBLIOGRAFIA ALDAY, M.; CEARRETA, A.; CACHÃO, M.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C. & GAMA, C. 2006. Micropaleontological record of Holocene estuarine and marine stages in the Corgo do Porto rivulet (Mira River, SW Portugal). Estuarine, Coastal and Shelf Science, 66: 532‐543. BAO, R.; FREITAS, M.C. & ANDRADE, C. 1999. Separating eustatic from local environmental effects a late holocene record of coastal change in Albufeira lagoon, Portugal. The Holocene, 9 (3): 341-352. CABRAL, M.C.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C.; MOREIRA, S. & CRUCES, A. 2011. Holocene ostracods of Pederneira (Nazaré, Portugal), a structurally-segmented infilled lagoon. JOANNEA GEOLOGIE UND PALÄONTOLOGIE, 11: 36-38. CABRAL, M.C.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C. & CRUCES, A. 2006. Coastal evolution and Holocene Ostracods in Melides lagoon (SW Portugal). Marine Micropaleontology, 60: 181-204.

CONCLUSÕES

A aplicação de técnicas de geoprocessamento, recorrendo a aplicações de Sistemas de Informação Geográfica (ArcGIS v.10,) permitiu, através de interpolação, gerar não só a paleosuperfície de acomodação do enchimento sedimentar plistoholocénico (morfologia e altimetria) da paleolaguna da Pederneira, como também as superfícies que limitam as várias unidades litoestratigráficas consideradas nesse enchimento. Conclui-se que a unidade basal (unidade Fluvial antiga), que corresponde a um depósito fluvial produzido pela dinâmica da rede de drenagem, é a de menor expressão, com um volume associado de cerca de 43 milhões de m3. A transgressão marinha originou a maior unidade do enchimento sedimentar (unidade Marinha/Lagunar), com cerca de 145 milhões de m3 de sedimentos, formando uma camada sub-horizontal em forma de cunha diminuindo de espessura em direção a terra. Por último, representando uma fácies continental, formou-se a unidade Fluvial recente, também sub-horizontal em forma de cunha diminuindo de espessura em direcção ao mar, apresentando um volume de sedimentos na ordem dos 78 milhões de m3. A volumetria total corresponde a cerca de 265 milhões de m3, resultado de uma taxa média de erosão da bacia hidrográfica de cerca de 0, 06 mm/ano. A metodologia usada para a modelação tridimensional geológica do enchimento sedimentar da paleolaguna da Pederneira, produziu resultados satisfatórios e mostrou-se uma ferramenta eficaz na problemática da reconstrução paleoambiental em zonas com pouca informação geológica de base.

CANTÓN, Y.; DOMINGO, F.; SOLÉ-BENET, A. & PUIG DE FÁBREGAS, J. 2001. Hydrological and erosion response of a badlands system in semiarid SE Spain. Journal of Hydrology, 252: 65-84. CEARRETA, A.; ALDAY, M.; FREITAS, M.C. & ANDRADE, C. 2007. Postglacial foraminifera and paleoenvironments of the Melides lagoon (SW Portugal): towards a regional model of coastal evolution. Journal of Foraminiferal Research, 37, 2: 125‐135. CEARRETA, A.; ALDAY, M.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C. & CRUCES, A. 2002. Modern and Holocene foraminiferal record of alternating open and restricted environmental conditions in the Santo André lagoon, SW Portugal. Hydrobiologia, 475/476: 21-27. CEARRETA, A.; CACHÃO, M.; CABRAL, M.C.; BAO, R. & RAMALHO, M.J. 2003. Lateglacial and Holocene Environmental Changes in Portuguese coastal lagoons: 2 – Microfossil multiproxy reconstruction of the Santo André coastal area. The Holocene, 13, 3: 447-458. CHRISTOFOLETTI, A. 1980. Geomorfologia. 2a. Ed. São Paulo. Edgard Blucher Lda. CRUCES, A. 2001. Estudo a micro e meso-escala temporal de sistemas lagunares do SW alentejano (Portugal): as lagunas de Melides e Santo André. Tese de mestrado. Universidade de Lisboa. CRUCES, A.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C., MUNHÁ, J.; TASSINARI, C.; VALE, C. & JOUANNEAU, J.‐M. 2006. The importance of geochemistry in multidisciplinary studies of lagoonal environments at different time scales: the case of Santo André lagoon (SW Portugal). Journal of Coastal Research, SI 39: 1716‐1722. DIAS, J. M. A.; BOSKI, T.; RODRIGUES, A. & MAGALHÃES, F. 2000. Coastline evolution in Portugal since the Last Glacial Maximum until present – a synthesis. Marine Geology, 170: 177-186. 83

V. P. Lopes, M. C. Freitas, C. Andrade & R. Taborda

DINIS, J. & COSTA, P. J. M. 2004. Holocene infill of the Caldas da Rainha Valley. Anthropological and natural impacts in the fast evolution of three coastal lagoons. In Leroy S. and Costa P. (eds.), ICSU Dark Nature - IGCP 490, Mauritania, 1st joint meeting Mauritania: the desert and the coast. MauritaniaVolume of abstracts and field guide: 63-66.

FREITAS, M.C.; ANDRADE, C.; RAMOS, R.; CRUCES, A. & HENRIQUES, V. 2010. Evolução paleoambiental da planície litoral a sul da Nazaré desde o Tardiglaciar. Integração no modelo de evolução do litoral ocidental Português. Proceedings, Iberian Coastal Holocene Paleoenvironmental Evolution, Coastal Hope 2010: 48-58.

DINIS, J. & TAVARES, A. 2006. Condicionantes naturais e antrópicas na evolução holocénica de 3 lagunas do centro de Portugal (Óbidos, Alfeizerão e Pederneira). Actas do 2º Seminário sobre Sistemas Lagunares Costeiros. Vila Nova de Santo André, Biblioteca Municipal, 2006. Escola Superior de Educação João de Deus: 25-41.

FREITAS, M.C.; ANDRADE, C.; ROCHA, F.; TASSINARI, C.; MUNHÁ, J.M.; CRUCES, A.; VIDINHA, J. & SILVA, C. M. 2003a. Lateglacial and Holocene environmental changes in Portuguese coastal lagoons: 1. The sedimentological and geochemical records of the Santo André coastal area (SW Portugal). The Holocene, 13, 3: 433-446.

DINIS, J. L.; HENRIQUES, V.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C., & COSTA, P. 2006. Natural to anthropogenic forcing in the Holocene evolution of three coastal lagoons (Caldas da Rainha valley, western Portugal). Quaternary International, 150: 41-51.

FREITAS, M.C.; CACHÃO, M.; ANDRADE, C. & CRUCES, A. 2003b. O ciclo sedimentar do Tardiglaciar e Holocénico. Exemplos do litoral SW português. VI Congresso Nacional de Geologia, Ciências da Terra (UNL), Lisboa, nº esp. V, CD‐ROM: H61‐H64.

DRAGO, T.; FREITAS, C.; ROCHA, F.; CACHÃO, M.; MORENO, J.; NAUGHTON, F.; FRADIQUE, C.; ARAÚJO, F.; SILVEIRA, T.; OLIVEIRA, A.; CASCALHO, J. & FATELA, F. 2006. Paleoenvironmental evolution of estuarine systems during the last 14000 years – the case of Douro estuary (NW Portugal). Journal of Coastal Research, SI 39: 186‐192.

HACK, J. T. (1957) – Studies of longitudinal stream profiles in Virginia and Maryland. U. S. Geol. Sur. Prof. paper. Washington, EUA. (294-B): 45-97. HARRISON, C. G. A. (1994) - Rates of continental erosion and mountain building. Geol Rundsch, 83: 431-447. HENRIQUES, M.V. 2013. O litoral dos coutos de Alcobaça. Evolução sedimentar e histórica da Lagoa da Pederneira. In J.A. Carreiras (dir.) Atas de Congresso Mosteiros Cistercienses, História, Arte, Espiritualidade e Património, Alcobaça, Tomo III: 423-442.

DRAGO, T.; NAUGHTON, F.; MORENO, J.; ROCHA, F.; CACHÃO, M.; SANCHEZ GOÑI, M.F.; OLIVEIRA, A.; CASCALHO, J.; FATELA, F.; FREITAS, C. & ANDRADE, C. 2002. Geological record of environmental changes in the Douro estuary (NW Portugal), since the Late Glacial. Proceedings, LITTORAL 2002, Eurocoast, Vol. III: 341‐346.

HENRIQUES, M.V. & DINIS, J. 2006. Avaliação do enchimento sedimentar holocénico na planície aluvial da Nazaré (Estremadura Portuguesa). Proceedings X Colóquio Ibérico de Geologia. A geografia Ibérica no contexto Europeu. Évora. PDF079: 16 p.

FERREIRA, T.; FREITAS, M.C.; CRUCES, A. & ANDRADE, C. 2004. Lagoas Interdunares - exemplos do Litoral SW Alentejano. Livro de resumos, 1º Seminário de Sistemas Lagunares Costeiros, Santo André: p. 15.

HENRIQUES, M.V. 2003. Análise morfológica e evolução sedimentar da planície aluvial da Nazaré (Estremadura Portuguesa). Thalassas, 19 (2a): 5456.

FERREIRA, T.; RAMOS, R.; FREITAS, M.C. & ANDRADE, C. 2009. Morphological evolution of the Óbidos lagoon (western coast of Portugal) since the Holocene transgressive maximum. Journal of Coastal Research, SI 56, V. I: 612‐616.

HENRIQUES, M.V. 1996. A Faixa litoral entre a Nazaré e Peniche. Unidades geomorfológicas e dinâmica atual dos sistemas litorais. Tese de doutoramento, Universidade de Évora.

FREITAS, C. & ANDRADE, C. 1998. Evolução do litoral português nos últimos 5000 anos. Alguns exemplos. Almadan, Centro de Arqueologia de Almada: 64‐ 70.

HENRIQUES, M.V.; FREITAS, M.C.; RAMOS, R. & ANDRADE, C. 2010. A Lagoa da Pederneira – Evolução geomorfológica e contexto socioeconómico regional. Proceedings, Iberian Coastal Holocene Paleoenvironmental Evolution, Coastal Hope 2010: 67-69.

FREITAS, M. C. 2006. A Lagoa da Pederneira no contexto da evolução Holocénica do Litoral Centro. Colóquio “Lagoa da Pederneira: Geologia e História”, Câmara Municipal da Nazaré: 2 p.

HENRIQUES, M.V.; FREITAS, M.C.; ANDRADE, C. & CRUCES, A. 2002. Alterações morfológicas em ambientes estuarinos desde o último máximo transgressivo: exemplos da Estremadura e Alentejo. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, vol. I, APGeom, Lisboa: 99-109.

FREITAS, M.C.; ANDRADE, C.; FERREIRA, T.; CRUCES, A. & ARAÚJO, M.F. 2007. Wet dune slacks, sea‐level and coastal evolution in the southwestern Portuguese façade. Journal of Coastal Research, SI 50: 231‐ 236.

HUGGETT, R. J. 2003. Fundamentals of Geomorphology. London. Routledge Fundamentals of Physical Geography.

FREITAS, M.C. & ANDRADE, C. 1997. Sistemas fluvio‐ lagunares a Sul do Tejo: evolução a escalas temporais diferentes. Colectânea de Ideias sobre a Zona Costeira de Portugal. Associação Eurocoast‐ Portugal: 525‐545.

LEOPOLD, B.L.; WOLMAN, G.M. & MILLER, P.J. 1964. Fluvial processes in geomorphology. San Francisco. W. H. Freeman and Company.

FREITAS, M.C.; ANDRADE, C. & CRUCES, A. 2002. The geological record of environmental changes in southwestern Portuguese coastal lagoons since the Lateglacial. Quaternary International, vol. 93-94 (C): 161-170.

LEORRI, E.; FATELA, F.; MORENO, J.; ANTUNES, C.; CEARRETA, A.; FREITAS, M.C. & ANDRADE, C. 2009. Intertidal foraminifera in the Mira estuary, SW Portugal, and their use as sea‐level proxies. Geogaceta, 46: 71‐74. 84

Modelação geológica do enchimento sedimentar Plisto-Holocénico da paleolaguna da Pederneira

LOPES, V.P. 2013. Modelação geológica tridimensional: aplicação à evolução da várzea da Pederneira (Nazaré). Tese de Mestrado, Universidade de Lisboa. MOREIRA, S.; FREITAS, M.C.; ARAÚJO, M.F.; CRUCES, A.; ANDRADE, C.; REGALA, R. & LOPES, V. 2010. Paleoenvironmental evolution of Pederneira lagoon (Nazaré, Portugal) using sedimentological and geochemical proxies. Proceedings, Iberian Coastal Holocene Paleoenvironmental Evolution, Coastal Hope 2010: 76-77. MORISAWA, M. (1985) - Geomorphology texts 7, Rivers. New York. Longman Group Ltd. NAUGHTON, F.; SÁNCHEZ GOÑI, M. F.; DRAGO, T.; FREITAS, M.C. & OLIVEIRA, A. 2007a. Holocene changes in the Douro estuary (northwestern Iberia). Journal of Coastal Research, 23: 711‐720. NAUGHTON, F.; SANCHEZ GOÑI, M.F.; DESPRAT, S.; TURON, J.‐L.; DUPRAT, J.; MALAIZÉ, B.; JOLI, C.; CORTIJO, E.; DRAGO, T. & FREITAS, M.C. 2007b. Present‐day and past (last 25000 years) marine pollen signal off western Iberia. Marine Micropaleontology, 62: 91‐ 114. SANTOS, L., & SANCHEZ GOÑI, M.F. 2003. Lateglacial and Holocene environmental changes in Portuguese coastal lagoons 3: vegetation history of the Santo André coastal area. The Holocene, 13, 3: 459-464. SCHEIDEGGER, E.A. 1991. Theoretical Geomorphology. Third edition. Berlin. Springer-Verlag. SPARKS, B. W. 1972. Geomorphology. Second edition. Great Britain. Longman Group Ltd.

85

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.