Editorial Criação & Crítica N. 17. Autoficção: a reprodução (quase) interdita

May 25, 2017 | Autor: Claudia Amigo Pino | Categoria: Autofiction, Autofictional/autobiographical Writing
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LLrítica

LLrítica

o ãçair

o ãçair

A reprodução (quase) interdita O texto de Diana Klinger, O escritor fora de si, que

em Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll, Ânder-

Willian Vieira

inaugura esta edição, não trata especificamente da au-

son Martins Pereira e Ariane Avila Neto de Farias ana-

Claudia Amigo Pino

toficção, mas daquele que a cria e é seu tema: o autor.

lisam a fragmentação do narrador de Noll, repleta de

De Platão à Foucault, passando por Rimbaud e Dom

referências ao autor. Paulo Bungart Neto aborda em

ausar estranhamento. Provocar

Quixote, o texto relaciona a autoria ao entusiasmo, à

Quase memória / quase autoficção: o embrulho mis-

sujeito que escreve, que assina e que,

o status quo. Questionar as formas do

inspiração, ao inconsciente, numa história de morte e

terioso como legado do pai na obra de Carlos Heitor

por fim, fala de si. Como um Golem, um

estético, do ético e do político: fazer

ressurreição. Essa história continua no artigo seguinte,

Cony o topoi do embrulho em ao menos três obras do

Frankenstein, essa criatura causa as-

sentir algo novo além da representação

De um corpo para outro, de Claudia Amigo Pino, que

autor, tanto as ficcionais quanto a obra memorialísti-

sombro, medo, atração. Ela é ideia, uma

gasta do mundo. A literatura, sobretudo

tenta entender como a morte do autor levou Barthes

ca. E Letícia Gonçalves Ozório Silva vê em Nos limites

ideia de autor – mas é também uma for-

quando imbuída de um espírito de van-

a propor o biografema, noção revivida nas discussões

entre o real e o ficcional: a AIDS na obra de Caio Fer-

ça no mundo, um artefato, uma práti-

guarda e autoconsciência, sempre trou-

mais recentes sobre autoficção.

nando Abreu como as crônicas e contos do escritor

ca, um devir. No mundo do autor que

como a produção literária de cunho intimista funcio-

se presume acessar existe uma ética,

na como um retrato de um momento histórico.

uma estética e uma política da voz. De

L

xe ao leitor um acesso ao impensável –

Essas discussões são justamente o tema de Autofic-

quiçá, até ao interdito. Um romance é

ção: um percurso teórico, no qual Anna Faedrich ofe-

uma caixa de Pandora: abri-lo é concor-

rece um estado da arte da autoficção, trazendo um

Fazendo uma ponte final entre o contexto inicial fran-

lá parte a voz. E ela age, fere, faz gozar.

dar em sair da zona de conforto da rea-

panorama sobre o campo nas últimas quatro déca-

cês e o brasileiro, Willian Vieira propõe, em A última

Desde que Serge Doubrosvky cunhou

lidade cotidiana e adentrar, temporaria-

das, sobretudo na França, onde o termo foi cunhado.

volta no parafuso da autoficção: justiça e literatura em

o termo autoficção em 1977, para bati-

mente, uma outra, dada pelo autor.

É de lá que vem a inspiração para Guilherme Fernan-

Christine Angot e Ricardo Lísias, um estudo comparati-

zar seu próprio romance Fils, a análise

Mas, e quando o nome desse autor

des e seu Hervé Guibert: autoficção e o corpo teatra-

vo da obra recente de um brasileiro e de uma francesa,

de romances relacionados à biografia

que assina surge na história que se lia,

lizado, que analisa o diálogo entre a escrita e a vida

ambos com questões em torno da justiça.

do autor e cujo estatuto ficcional é

até então, como simples ficção – ou

do autor francês.

Tais artigos, longe de dar conta de todo o pano-

marcado pela ambiguidade tem sido

quando sua história de vida, conhecida

Prova de que o debate autoficcional ganhou outros

rama das autoficções e seus congêneres no mundo

de outros discursos em tempos de so-

terrenos é o artigo de Karen Kazue Kawana, Destes-

da produção e da crítica literária atual, demonstram

Além da autobiografia, na qual al-

ciedade do espetáculo, mescla-se à do

to Ficção: Osamu Dazai e o Watakushi Shôsetsu, que

como a autoficção tem se mantido como vanguarda

guém conta factualmente sua vida a

narrador – como segue a leitura? Como

descreve um gênero específico da cultura japonesa,

no último meio século. É essa, inclusive, a propos-

partir de um ponto de vista do presen-

fica seu estatuto textual, a que gênero

composto de diários (ao menos em parte) ficcionais.

ta de Philippe Gasparini em seu mais recente livro,

te, há hoje um catálogo interminável de

pertence, que verdade carrega sobre o

O mesmo vale para a Argentina. Como mostra Marie-

Poétiques de je: du roman autobiographique à l’au-

outros conceitos sobre textos que lidam

mundo – o mundo do personagem, do

la Peller em Lugar de hija, lugar de madre: autofic-

tofiction, resenhado para esse número, no qual ele

com a vida do autor que os assina: auto-

leitor e, sobretudo, do autor?

ción y legados familiares en la narrativa de hijas de

delineia o que seria a especificidade dessa prática, ou

narração, autofabulação, factual fiction,

Entre o texto literário e o leitor exis-

desaparecidos en Argentina, é na autoficção que as

o que seria uma poética da autoficção.

romance autobiográfico, autoficção.

te uma voz que denota uma vida – vida

descendentes de desaparecidos encontram uma for-

que se projeta em cada palavra que vem

ma de narrar sua história.

alvo de uma intensa polêmica.

Porém, por mais que tentamos definir a autoficção,

Cada conceito refere-se a um contex-

esse eu que assina o texto jamais encontrará um abri-

to cultural, detém suas especificidades,

ao mundo com o signo dessa voz. A vida

No Brasil, onde a discussão específica sobre o que

go conceitual: sua existência só pode ser pensada em

dialoga mais ou menos com um gêne-

do autor, esse sujeito que se dessujeti-

se convencionou chamar de autoficção é ainda inci-

meio do esfacelamento das fronteiras entre o real e o

ro, uma escola crítica, uma tradição.

viza em busca de si mesmo, ganha vida

piente, quatro autores trazem contribuições bastante

ficcional, o biográfico e, inclusive, o crítico. Exemplo

Todos tentam, à sua maneira, compre-

própria cada vez que o nome que assina

diversas para esse número. Nelson Martinelli Filho,

desse esfacelamento é nosso texto final, o exercício

ender uma ambiguidade. Mas a auto-

a obra dá um passo além. Esse nome é

por exemplo, não teme, com Um ficcionista em Ma-

de estilo Apenas a minha versão de “Petaluma” ou

ficção é o termo que se enraizou. A ele

algo que vive: é a noção de um autor, um

chado de Assis, adentrar o perigoso terreno da for-

“Petaluma” é apenas uma versão de mim, no qual

consagramos este número.

tuna crítica de Machado para analisar o narrador

Tiago Velasco Monteiro analisa os vários eus de um

Bentinho sob o prisma das escritas de si. Em Um es-

conto do mesmo Tiago Velasco Monteiro. É um limite

trangeiro de mim mesmo: a identidade fragmentada

que só se define no esfacelamento de todo limite.

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