Editorial Criação & Crítica N. 17. Autoficção: a reprodução (quase) interdita
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LLrítica
LLrítica
o ãçair
o ãçair
A reprodução (quase) interdita O texto de Diana Klinger, O escritor fora de si, que
em Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll, Ânder-
Willian Vieira
inaugura esta edição, não trata especificamente da au-
son Martins Pereira e Ariane Avila Neto de Farias ana-
Claudia Amigo Pino
toficção, mas daquele que a cria e é seu tema: o autor.
lisam a fragmentação do narrador de Noll, repleta de
De Platão à Foucault, passando por Rimbaud e Dom
referências ao autor. Paulo Bungart Neto aborda em
ausar estranhamento. Provocar
Quixote, o texto relaciona a autoria ao entusiasmo, à
Quase memória / quase autoficção: o embrulho mis-
sujeito que escreve, que assina e que,
o status quo. Questionar as formas do
inspiração, ao inconsciente, numa história de morte e
terioso como legado do pai na obra de Carlos Heitor
por fim, fala de si. Como um Golem, um
estético, do ético e do político: fazer
ressurreição. Essa história continua no artigo seguinte,
Cony o topoi do embrulho em ao menos três obras do
Frankenstein, essa criatura causa as-
sentir algo novo além da representação
De um corpo para outro, de Claudia Amigo Pino, que
autor, tanto as ficcionais quanto a obra memorialísti-
sombro, medo, atração. Ela é ideia, uma
gasta do mundo. A literatura, sobretudo
tenta entender como a morte do autor levou Barthes
ca. E Letícia Gonçalves Ozório Silva vê em Nos limites
ideia de autor – mas é também uma for-
quando imbuída de um espírito de van-
a propor o biografema, noção revivida nas discussões
entre o real e o ficcional: a AIDS na obra de Caio Fer-
ça no mundo, um artefato, uma práti-
guarda e autoconsciência, sempre trou-
mais recentes sobre autoficção.
nando Abreu como as crônicas e contos do escritor
ca, um devir. No mundo do autor que
como a produção literária de cunho intimista funcio-
se presume acessar existe uma ética,
na como um retrato de um momento histórico.
uma estética e uma política da voz. De
L
xe ao leitor um acesso ao impensável –
Essas discussões são justamente o tema de Autofic-
quiçá, até ao interdito. Um romance é
ção: um percurso teórico, no qual Anna Faedrich ofe-
uma caixa de Pandora: abri-lo é concor-
rece um estado da arte da autoficção, trazendo um
Fazendo uma ponte final entre o contexto inicial fran-
lá parte a voz. E ela age, fere, faz gozar.
dar em sair da zona de conforto da rea-
panorama sobre o campo nas últimas quatro déca-
cês e o brasileiro, Willian Vieira propõe, em A última
Desde que Serge Doubrosvky cunhou
lidade cotidiana e adentrar, temporaria-
das, sobretudo na França, onde o termo foi cunhado.
volta no parafuso da autoficção: justiça e literatura em
o termo autoficção em 1977, para bati-
mente, uma outra, dada pelo autor.
É de lá que vem a inspiração para Guilherme Fernan-
Christine Angot e Ricardo Lísias, um estudo comparati-
zar seu próprio romance Fils, a análise
Mas, e quando o nome desse autor
des e seu Hervé Guibert: autoficção e o corpo teatra-
vo da obra recente de um brasileiro e de uma francesa,
de romances relacionados à biografia
que assina surge na história que se lia,
lizado, que analisa o diálogo entre a escrita e a vida
ambos com questões em torno da justiça.
do autor e cujo estatuto ficcional é
até então, como simples ficção – ou
do autor francês.
Tais artigos, longe de dar conta de todo o pano-
marcado pela ambiguidade tem sido
quando sua história de vida, conhecida
Prova de que o debate autoficcional ganhou outros
rama das autoficções e seus congêneres no mundo
de outros discursos em tempos de so-
terrenos é o artigo de Karen Kazue Kawana, Destes-
da produção e da crítica literária atual, demonstram
Além da autobiografia, na qual al-
ciedade do espetáculo, mescla-se à do
to Ficção: Osamu Dazai e o Watakushi Shôsetsu, que
como a autoficção tem se mantido como vanguarda
guém conta factualmente sua vida a
narrador – como segue a leitura? Como
descreve um gênero específico da cultura japonesa,
no último meio século. É essa, inclusive, a propos-
partir de um ponto de vista do presen-
fica seu estatuto textual, a que gênero
composto de diários (ao menos em parte) ficcionais.
ta de Philippe Gasparini em seu mais recente livro,
te, há hoje um catálogo interminável de
pertence, que verdade carrega sobre o
O mesmo vale para a Argentina. Como mostra Marie-
Poétiques de je: du roman autobiographique à l’au-
outros conceitos sobre textos que lidam
mundo – o mundo do personagem, do
la Peller em Lugar de hija, lugar de madre: autofic-
tofiction, resenhado para esse número, no qual ele
com a vida do autor que os assina: auto-
leitor e, sobretudo, do autor?
ción y legados familiares en la narrativa de hijas de
delineia o que seria a especificidade dessa prática, ou
narração, autofabulação, factual fiction,
Entre o texto literário e o leitor exis-
desaparecidos en Argentina, é na autoficção que as
o que seria uma poética da autoficção.
romance autobiográfico, autoficção.
te uma voz que denota uma vida – vida
descendentes de desaparecidos encontram uma for-
que se projeta em cada palavra que vem
ma de narrar sua história.
alvo de uma intensa polêmica.
Porém, por mais que tentamos definir a autoficção,
Cada conceito refere-se a um contex-
esse eu que assina o texto jamais encontrará um abri-
to cultural, detém suas especificidades,
ao mundo com o signo dessa voz. A vida
No Brasil, onde a discussão específica sobre o que
go conceitual: sua existência só pode ser pensada em
dialoga mais ou menos com um gêne-
do autor, esse sujeito que se dessujeti-
se convencionou chamar de autoficção é ainda inci-
meio do esfacelamento das fronteiras entre o real e o
ro, uma escola crítica, uma tradição.
viza em busca de si mesmo, ganha vida
piente, quatro autores trazem contribuições bastante
ficcional, o biográfico e, inclusive, o crítico. Exemplo
Todos tentam, à sua maneira, compre-
própria cada vez que o nome que assina
diversas para esse número. Nelson Martinelli Filho,
desse esfacelamento é nosso texto final, o exercício
ender uma ambiguidade. Mas a auto-
a obra dá um passo além. Esse nome é
por exemplo, não teme, com Um ficcionista em Ma-
de estilo Apenas a minha versão de “Petaluma” ou
ficção é o termo que se enraizou. A ele
algo que vive: é a noção de um autor, um
chado de Assis, adentrar o perigoso terreno da for-
“Petaluma” é apenas uma versão de mim, no qual
consagramos este número.
tuna crítica de Machado para analisar o narrador
Tiago Velasco Monteiro analisa os vários eus de um
Bentinho sob o prisma das escritas de si. Em Um es-
conto do mesmo Tiago Velasco Monteiro. É um limite
trangeiro de mim mesmo: a identidade fragmentada
que só se define no esfacelamento de todo limite.
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