Educação, Arte e Performance: performando o corpo da juventude na cidade.

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O presente artigo amplia e revisa questões que já foram desenvolvidas num estudo anterior intitulado "A performance como prática pedagógica, intervenção artística e projeto social" que foi publicado nos anais do 24 Seminário Nacional de Arte e Educação da FUNDARTE (Montenegro, Rio Grande do Sul).

Professor de teatro do Instituto de Arte TEAR e da Fundação Cultural de Casimiro de Abreu; UNIRIO – mestrando em Artes Cênicas. Bolsista FAPERJ.

Idealizado e coordenado por Ana Kfouri, reconhecida diretora de experimentação da cidade do Rio de Janeiro, o centro possuía oficinas que eram ministradas pelos atores de seus grupos Alice 118 e Cia. Teatral do Movimento.

Posso incluir aqui alguns desses artistas: Alessandra Grácio, Amanda Dórea, Ana Paula Penna, André Rodrigues, Cadu Santoro, Clarisse Monteiro, Lucas Nascimento, Natali Pazete e Tatiane Santoro.

Aqui cito alguns dos trabalhos criados e realizados pelos alunos. Deixe seu recado, concebido por Beatriz Lemos, consiste em convidar os transeuntes para escreverem mensagens ao longo do corpo da performer. Escuto seus problemas é a proposta de Gabriela Heringer para ouvir qualquer pessoa que desejasse contar uma questão que atualmente lhe incomoda. Indo e Vindo é uma ação conjunta das alunas Allen Lohany e Bruna Benevenuto que propõe gestos de repetição e imitação dos corpos das pessoas que cruzam a rodoviária. Massagem de trânsito, criada por Queila Serafim Souza, oferece um banco vazio para que transeuntes possam se sentar, receber uma massagem e contar algum episódio de sua vida.

Esta performance faz parte do meu repertório particular de peças de conversação. No caso, "Picnic Poesia" já foi realizado outras duas vezes em diferentes contextos. A primeira versão aconteceu em Paquetá como uma das minhas proposições para a disciplina de pós-graduação da Unirio "Arte Relacional", ministrada pela minha orientadora Tania Alice. A última variação se deu no Museu da República no Catete dentro da Festa ÁrvoreSer do Instituto de Arte Tear. Nesta última versão, o "Picnic Poesia" prestou homenagem comemorativa para o poeta Manoel de Barros.

O Grupo de Estudos e Investigação sobre Processos de Criação Performáticos e Cênicos iniciou formalmente o seu trabalho em abril de 2014 e desde então vem realizando atividades dentro e fora da cidade de Casimiro de Abreu. Coloco aqui os nomes de todos aqueles que já estiveram presentes e participaram dos nossos encontros de criação e investigação: Alberico Dolabella, Aline Leite Nunes, Allen Lohany, Alessandra Gripp, Arthur Martins, Beatriz Lemos, Bruna Benevenuto, Gabriela Heringer, Isabella Cristina, Jefferson Lopes, Jéssica Morais, João Branco, Juliana Azevedo, Juliana Lima Amaral, Juliana Manhães, Patrick Lyan, Vanilson Veloso, Larissa Cunha, Leandro Triervailer, Letícia Gravitol, Lenilce Oliveira, Lívia Barros, Lorrayne Lopes, Queila Souza, Vanessa Sabrina e Victtoria Shinkawa.
Educação, Arte e Performance:
performando o corpo da juventude na cidade

Davi Giordano
Resumo: A presente comunicação propõe uma reflexão sobre a possibilidade de pensar a arte da performance como um dispositivo capaz de relacionar simultaneamente a pedagogia, o trabalho artístico e a dimensão social. O nosso objetivo é investigar a prática performativa como um canal potencializador dentro do contexto da arte educação nas instituições de ensino não formais com jovens nas regiões do interior do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: arte educação; pedagogia; performance;

[Grupo de Estudos e Investigação sobre Processos de Criação Performáticos e Cênicos]
No livro Education for socially engaged art, o autor Pablo Helguera (2011) propõe o conceito de "arte socialmente engajada" para entrelaçar os campos da pedagogia, do trabalho artístico e da dimensão social. De acordo com o autor, o seu conceito possui como objetivo dissolver as fronteiras entre uma instância e outra num terreno híbrido. A sua proposta busca estimular a criação artística e coletiva dentro de comunidades, provocando um projeto estético e político em seu caráter performativo.
Para investigar tais proposições, dentro do meu contexto pedagógico como professor de teatro da Fundaç o Cultural de Casimiro de Abreu, eu criei o Grupo de Estudos e Investigação sobre Processos de Criação Performáticos e Cênicos. Inicialmente, a proposta teve o intuito de estimular atividades e espaços de criação artística a partir de encontros semanais, onde foi possível reunir alunos de teatro de diferentes turmas e idades, assim como visitantes e outras pessoas interessadas. Em tais encontros, criamos modos de convívio para refletir juntos sobre a arte da performance e elaborar intervenções urbanas como forma de experimentar os conceitos discutidos através de nossas próprias práticas artísticas.
A proposta de realizar encontros abertos sobre performance surgiu como uma tentativa de elaborar um espaço de investigação e experimentação artística em caráter de ensino não formal para jovens, algo muito difícil de se encontrar no Brasil, onde infelizmente a arte de experimentação é muito pouco estimulada e fomentada, diferente de outros países como os Estados Unidos e alguns países da Europa. Certamente a ideia desses encontros possui relação direta com a minha trajetória de formação. Quando adolescente, fui aluno do antigo Centro de Estudo Artístico Experimental que teve ocupação no Sesc Tijuca no período de 2001 a 2007. Naquele período, este foi uma referência muito importante na área de arte educação e produção de novas pesquisas cênicas para o contexto da cidade do Rio de Janeiro, promovendo apresentações de experimentos cênicos, debates, oficinas, mostras de novas dramaturgias etc. Muitos dos jovens alunos daquele período depois ingressaram em importantes universidades de Artes Cênicas do país e atualmente trabalham profissionalmente com o teatro.
Esta experiência da adolescência em contato com a formação artística experimental me provocou pensar a criação desse grupo de estudos e investigação, onde eu não estaria ali para ensinar conteúdos e demandas curriculares, como já faço nas aulas de teatro. Ao invés disso, nesta outra perspectiva, o meu papel pedagógico funciona mais como um mediador entre a apresentação de problemas, a reflexão sobre os mesmos e o estímulo para a elaboração de intervenções urbanas que são concebidas e realizadas em caráter de criação coletiva. Nesse sentido, os alunos são artistas e produtores de suas próprias propostas, sendo a minha participação importante em caráter de orientação para que os alunos concebam a sua própria hipótese de criação.
Como metodologia de trabalho, encontrei na arte da performance um achado interessante para pensar a arte contemporânea, problematizar questões interessantes para o contexto pedagógico e criar um canal de diálogos com a prática das aulas de teatro. Antes da criação do grupo de pesquisa e criação, nas aulas de teatro com meus alunos entre doze e vinte anos, percebi algumas dificuldades de trabalhar concentração, autonomia criativa, criação em grupo, reflexão crítica sobre o fazer artístico etc. Com o objetivo de encontrar uma forma mais dinâmica de colocá-los em contato direto com a experiência artística que lida com a presença, o contato com o público e o lugar da experimentação, decidi estimulá-los a desenvolverem intervenções urbanas. O ato de performar pressupõe que os alunos lidem com o conceito de experiência. De acordo com o filósofo e pedagogo espanhol Jorge Larrosa, a noção de experiência é: "o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece" (LARROSA, 2002, p.21). Quando os jovens concebem uma proposta artística que é executada na rua, estamos lidando com o campo do real e seus acasos. Por isso, uma de minhas principais hipóteses foi relacionar a efemeridade da performance com a ansiedade que é natural dos jovens. Em minha atuação profissional como arte educador, reconheço que muitos colegas de trabalho possuem muitas dificuldades ao lidar com essa situação, o que gera diversos casos de repressão das ansiedades dos alunos ao invés de estimulá-las num caminho positivo. Nesse sentido, uma de minhas principais preocupações foi transformar as performances em experimentações necessárias para trabalhar pedagogicamente com os jovens uma articulação entre teoria e prática na criação de novas maneiras de perceber o mundo e produzir suas subjetividades.
Isso me permite trabalhar a educação do olhar através de um processo de sensibilização estética e crítica que consiste em trazer para eles novas referências ao lidar com mundos antes desconhecidos. Ao apresentar outros contextos e universos que não estão presentes em seu cotidiano, o meu trabalho ativa modulações pedagógicas que despertam o interesse e a criatividade, permitindo que eles construam e desconstruam novas formas de pensar. Para isso, busco trabalhar com os alunos diversas formas de relaxamento, meditação, conscientização psicofísica e treinamento de escuta em relação ao grupo (outros integrantes) e ao espaço. Para isso, uma de minhas principais preocupações é não trabalhar diretamente sobre o campo da técnica nem de exercícios, pois estes pressupõem uma pedagogia diretiva que impõe um caminho determinado e moralista em relação ao que o professor espera de seus alunos. Por isso, sempre me preocupo em diferenciar as noções de exercício e experiência. Enquanto a primeira diz respeito a uma ideia de superação e rendimento que transita entre o erro e o acerto, a segunda está vinculada à exploração e tentativas a partir das quais se encontram descobertas e aprendizados. O objetivo dessa proposta é problematizar as perspectivas políticas, críticas e estéticas advindas de um pensamento oriundo da prática educativa. Ao invés de uma transmissão diretiva de conhecimento, estou mais interessado no princípio otimista de sempre abrir perspectivas e caminhos de aprendizados a partir de uma atitude ativa do próprio aluno diante das experimentações proporcionadas. Isso se aproxima da concepção de "aprendizagem significativa" (ibidem, 2002, p.23), que estaria vinculada a um saber oriundo da experiência. Nesse sentido, o processo de aprendizagem que abordo em minhas práticas está mais vinculado à criação de um dispositivo da experiência do que um dispositivo da informação. Visto isso, para a nossa pesquisa, a opção por contornar um assunto ao invés de fechá-lo se torna uma estratégia para criar reflexões significativas a partir da constituição dos encontros em relação ao caráter da experiência, permitindo que as conexões dos alunos sobre a compreensão dos temas aconteçam por rizomas (conexões) e não por acúmulos de informação. Dessa forma, estamos tratando de pensar os encontros como dispositivos de produção de marcas e vestígios de conhecimento. Cultivar a arte do encontro é a possibilidade de criar tempo e espaço para a presença entre sujeitos daquilo que Larrosa denomina como sujeitos da experiência (ibidem, p.24), os quais se distinguem dos sujeitos da informação. De acordo com o autor:
O sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos (...) o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar a que chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e que, ao receber, lhe dá lugar (...) o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos (ibidem, p.24, grifo meu).
Cultivar a arte do encontro é valorizar a qualidade da experiência e também daquilo que Jacques Ranciére (2009) denomina como a partilha do sensível. Assim, acredito que a proposta que ofereço para meus alunos é colocá-los expostos e vulneráveis na zona do risco. É nesse lugar de potência que acredito estar uma maior disponibilidade para a construção do saber. Um conhecimento que se produz a partir do encontro entre sujeitos pensantes, reflexivos e críticos com o desejo de criar um saber compartilhado e sensível pela disponibilidade e escuta das circunstâncias da presença, do tempo e do espaço. Daí o viés político que se encontra presente na proposição filosófica desse tipo de pesquisa pedagógica que permite uma ética de abertura do aluno para a descoberta dos seus próprios desejos de aprendizado e de experimentações, fazendo com que ele seja atravessado e interpelado pelas circunstâncias de sua experiência de vida e de pesquisa.
Em função disso, para essa linha específica de trabalho, proponho que o processo de construção dos encontros se dá a partir da vivência direta do professor numa relação de horizontalidade com seus alunos. Para isso, busco criar um canal de diálogos claro e direto que nos possibilita dar conta da pluralidade dos pontos de vista que são levantadas por cada um. Visto isso, enfatizo a opção escolhida por um planejamento coletivo in progress, ou seja, aquele que se faz junto e durante o próprio encontro que realizo com os alunos. Dessa forma é criada uma metodologia performativa e aberta à pluralidade dos encontros, dos diálogos e das experiências. Isso permite que o método apareça como desvio e não como plano. Assim, os alunos desenvolvam o treinamento para a criação de um corpo performativo e disponível, entendido por nós como um corpo vibrátil, pois dessa forma os alunos estão imersos na possibilidade de ativar uma forma de "conhecimento sensível do mundo" (ROLNIK, 2006, p.3). Foi interessante perceber como tais mecanismos foram suficientemente dinâmicos como instrumentos pedagógicos, os quais geraram mais efeitos para o trabalho com concentração e reflexão do que o que antes buscávamos trabalhar somente nas aulas de teatro.
Em paralelo, desenvolvemos uma série de intervenções e ações de rua. A primeira delas foi a criação de um passeio coletivo de forma desacelerada pela principal rua da cidade com a duração de quarenta e dois minutos. A alteração de velocidade provocou um estranhamento nos transeuntes e trabalhadores das lojas e comércios, porque houve a interrupção do fluxo cotidiano. Isso se aproxima da concepção de ação disruptiva, como é proposta pelos autores Tania Alice e Antônio Araújo: "Disrupção é sinônimo de quebra, de fratura, de interrupção do curso normal de um processo" (ALICE & ARAÚJO, 2010, p.13). Isso nos ajuda a compreender que nossa ação foi capaz de criar uma desestabilização na percepção da experiência dos transeuntes e consequentemente alterar os hábitos, padrões e convenções do cotidiano.

[Ação 1: Passeio coletivo de forma desacelerada]
A segunda ação teve como tema "Arte Relacional" a partir do conceito homônimo criado pelo autor francês Nicolas Bourriaud (2009). Em função disso, os alunos criaram solos relacionais que foram realizados simultaneamente na rodoviária da cidade, local de trânsito, movimento e fluxo. A proposta foi gerar um curto circuito no entorno do espaço. A terceira ação foi uma atividade de ocupação do Teatro da cidade vizinha de Silva Jardim. Recebemos o convite dos criadores do Aldeia Arte (Aline Leite Nunes e Marcos Vasec) que tiveram como objetivo questionar por que o teatro abandonado está sendo usando por políticos e não pelos artistas que são os verdadeiros donos do palco.
O nosso grupo levou uma ação estética-política-social com um teatro interativo para as crianças.

[Ação 3: Intervenção política no Teatro de Silva Jardim]
Nossa quarta ação foi uma intervenção política e artística no Desfile Comemorativo da cidade de Casimiro de Abreu. 
O nosso objetivo foi através de nossa arte questionar "O que é teatro?".
Dessa forma, o nosso desejo foi provocar pensar qual o papel do artista em sua cidade? Conversamos que em muitos contextos confundem o papel do artista como uma "decoração de eventos" quando a arte é vista apenas como utilitarismo para propaganda pública ou apenas com a única e restrita função de agradar. Isso nos mostrou que as pessoas ainda têm dificuldades de entender o valor cultural de nosso trabalho.
Por isso, a nossa ação foi a seguinte: cada aluno se transfigurou de alguma figura clichê e decorativa. Eles criaram uma sequência de movimentos que foi repetida ciclicamente ao longo do desfile. Tivemos como inspiração "Tempos Modernos" de Charles Chaplin, onde o artista através do gesto de repetição questiona o trabalho alienado dentro de um sistema manipulado. Em paralelo com as ações de repetição, uma das alunas lia depoimentos que colhemos de pessoas da cidade ao serem perguntadas sobre "o que para elas seria teatro?". Como quinta ação, os alunos manifestaram o desejo de ler textos e referências teóricas sobre a história do teatro. Em função disso, criamos o "Escritório aberto de arte" que foi uma conversa pública com transeuntes que desejassem se sentar conosco para discutir textos de arte. A sexta ação possuiu também uma linhagem de peça de conversação. O nome da intervenção se chamou "Picnic Poesia". Nela, os performers preparam um picnic no meio da principal praça da cidade. Eles colocam um grande tapete sobre o chão com comidas e livros de poesia e convidam as pessoas para se sentarem e dialogarem através de trechos poéticos.

[Ação 6: Picnic Poesia na Praça Feliciano Sodré]
A sétima ação foi uma intervenção que realizamos dentro do recreio do Colégio Estadual de Casimiro de Abreu, estabelecimento voltado para o ensino médio de jovens estudantes da cidade. Criamos uma encenação performática na qual três atores desenvolvem um jogo corporal de fuga e resistência com a utilização do conhecido poema "Intertexto" de Bertolt Brecht. O jogo funcionou da seguinte maneira. Três atores invadem o pátio do espaço escolar. O primeiro ator possui objetivo de fugir do segundo, enquanto este deve criar um movimento de resistência para a contenção do movimento do primeiro. Enquanto isso, o terceiro ator possui a função de recitar frase por frase do poema de Brecht que é repetido consecutivamente pelo primeiro ator. Com isso, o movimento de tentativa de fuga, de cansaço e de exaustão do corpo estimula diferentes atos de fala em relação à poesia brechtiana que adquire variados sentidos performativos. Após o tempo determinado de dois minutos, o terceiro jogador que recita o texto sinaliza em voz alta o comando de "troca" a partir do qual as posições entre o primeiro e o segundo ator se invertem. Agora o segundo ator é responsável pela fuga, enquanto o primeiro é responsável pela resistência e repetição do texto. Dessa forma, os performers estavam ligados uns aos outros através de movimentos de fuga e resistência, criando um corpo coletivo e performático. Trata-se se uma cena criativa permeada pela instalação de um jogo cênico cujo propósito é atualizar o texto de Brecht através de uma concepção performática e corporal. Posteriormente, inscrevemos este trabalho para o Festival de Cenas Curtas da Ocupação Glauce com Vida, quando tivemos a oportunidade de levar o nosso grupo para o Rio de Janeiro e apresentar o trabalho de encenação performática em outro contexto de recepção. Esta última ação realizada permitiu o intercâmbio de experiências com outros grupos ao mesmo tempo em que possibilitou o contato com a fruição estética de outros modelos de produção e criação de linguagens teatrais.

[Encenação performática no Festival de Cenas Curtas da Ocupação Glauce com Vida]
Todos esses trabalhos foram desenvolvidos em caráter de criação coletiva, motivo pelo qual todos os participantes ficaram envolvidos em diferenciadas funções. Tal investigação prática consistiu em diferentes perspectivas – alguns foram performers, enquanto que outros se ocuparam com a documentação e registro (através de fotos e filmagem). Isso foi fundamental para o desenvolvimento do trabalho, porque todos se sentiram incluídos de acordo com seus desejos e necessidades. Esta estratégia permitiu um aprendizado sobre a macroperspectiva do trabalho artístico. Nesse sentido, defendo que os alunos, além de criadores, são também produtores do seu próprio trabalho, proporcionando o conhecimento sensível na capacidade de trabalhar e pensar em grupo. Para isso, tomo como uma das minhas inspirações o princípio do dialogical learning, bastante aplicado em estabelecimentos de ensino e universidades americanas, que pressupõe um conhecimento criado e atravessado pelos diálogos e por uma pedagogia não diretiva. Isso permite o estímulo para que cada aluno manifeste o seu desejo individual de pesquisa e descoberta sobre a questão inicial que é proposta pelo professor. Outra questão fundamental é conceber as aulas como encontros e laboratórios de criação, considerando os alunos como artistas e pesquisadores. Esta indagação traz para o contexto de ensino não formal um caráter de pesquisa em arte, o que permite que as práticas artísticas vivenciadas entre professores e alunos se tornem a própria pesquisa e condução do processo de trabalho.
Quando apresentei uma comunicação sobre este projeto no 24 Seminário Nacional de Arte e Educação, em outubro de 2014, na cidade de Montenegro (Rio Grande do Sul), muitas das pessoas presentes no auditório comentaram que ficaram bastante interessadas nesse tipo de projeto, mas alegaram que infelizmente isso não seria viável para os seus contextos de ensino devido às limitações, restrições e resistências de diversos níveis: falta de espaço, de estrutura, de aceitação e de liberdade. Isso me provoca pensar que este tipo de pesquisa requer risco, ousadia e experimentação que são dados essenciais para qualquer trabalho de nível performático. Com isso, o trabalho pedagógico implicado pelo professor se torna uma proposição de repensar os estabelecimentos de ensino e criar espaços de ruptura não somente no trabalho com os alunos, mas também com os outros profissionais que estão envolvidos no contexto formal e burocrático. Trata-se mais de questionar o sistema de ensino e romper com as convenções e padrões que os outros profissionais possuem em relação ao nosso trabalho. Logo, o nosso papel também caminha no sentido de ressignificar os espaços e provocar os sistemas de ensino. Nesse sentido, defendo que os elementos da performance contribuem para o espaço de ensino, trazendo os temas transversais dos Novos Parâmetros Curriculares Nacionais, como a ecologia, questões de genro, etnias, ética, pluralidade cultural, atualidades políticas etc.
Em geral, as performances estão associadas com ambientes urbanos, principalmente com a imagem das grandes metrópoles contemporâneas. Em nosso caso, isso se deu de forma diferenciada porque concentramos nossas ações nas regiões do interior do estado do Rio de Janeiro. Visto isso, as performances realizadas trouxeram para a cidade um caráter de estranheza além do que se poderia esperar de outros trabalhos de performances dos quais já estamos acostumados em cidades grandes. Nossas ações performáticas criaram tanto para os alunos como também para os transeuntes uma despadronização do espaço da rua e diferentes curtos circuitos de tensionamentos e percepções em relação ao espaço público. Por isso, identificamos que a arte da performance possui o viés político na medida em que ela também se torna uma crítica ao uso funcionalista que fazemos do espaço urbano. Muitas vezes, nós passamos pela realidade sem conseguir percebê-la. Enquanto isso, a arte tem o papel de tomar a realidade e encená-la através de outros pontos de vista. Logo, penso que a arte é responsável pela produção de perceptos e afectos (DELEUZE & GUATARRI, 1992, p.211-257) que provocam no espectador uma dilatação da observação sobre a sua própria realidade. Além disso, levar os alunos para as ruas provoca o aprendizado ao nível da experiência e da vivência, pois o professor deve estar vulnerável para lidar com questões que transcendam a sala de aula. Nesse sentido, o professor deve inventar modos de ser docente e acreditar na sua atuação como um professor que é simultaneamente artista, pesquisador e observador. Tal prática artivista reflete criticamente sobre a compreensão do docente como parte integrante do circuito da arte contemporânea.
Em suma, concluo que é fundamental estimular projetos artísticos e sociais que possam estimular jovens a pensar e desenvolver trabalhos artísticos, principalmente quando estão inseridos numa dimensão de experimentação e investigação que pressupõe o contato direto com questões da arte contemporânea. Penso que as análises desenvolvidas dentro desse projeto possam servir como estímulo para professores, arte educadores e artistas que se proponham a criar um trabalho articulado entre as dimensões artísticas, sociais e pedagógicas. Da mesma forma, é necessário cada vez mais pensar um movimento estético e político dentro do âmbito da arte educação que se diferencie das demandas curriculares associadas aos imperativos do mercado. A experiência analisada através deste texto revela que é possível pensar uma produção artística criada e realizada por jovens que podem experimentar o contexto da rua como um lugar de criação, produção e aprendizado. Dessa forma, o nosso papel é refletir sobre o corpo da juventude em contato com a cidade com o objetivo de apontar novos caminhos para compreender a arte como um campo da experiência, do encontro e o compartilhamento mútuo de afetos e subjetividades.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, A. & ALICE, T. A ação disruptiva no espaço urbano: um treinamento ativista. BRAGA, Bya (Org.). Treinamentos e Modos de Existência. Rio Grande do Norte: EDUFRN, 2013, p.10-20.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. O que é a filosofia?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
FEIX, Tania Alice. O Re-Enactment como prática artística e pedagógica no Brasil. E-misférica, New York, v.8.1, s/n, 2010, p.81.
HELGUERA, Pablo. Education for socially engaged Art. New York: Jorge Pinto Books, 2011.
LARROSA, Jorge. Notas sobre experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v.1, n. 19, jan, 2002, p.20-28.
ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental, Transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.

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