EDUCAÇÃO, CIDADANIA E IDENTIDADE: OS DESAFIOS DA CIDADANIA FRENTE AS INCONSTÂNCIAS DA PÓS-MODERNIDADE

May 26, 2017 | Autor: Lucas Rodrigues | Categoria: Education, Postmodernism, Sociologia da Educação, Educação, Cidadania, Pós-Modernidade
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – LICENCIATURA

EDUCAÇÃO, CIDADANIA E IDENTIDADE: OS DESAFIOS DA CIDADANIA FRENTE AS INCONSTÂNCIAS DA PÓS-MODERNIDADE

LUCAS DE OLIVEIRA RODRIGUES

Goiânia 2013

EDUCAÇÃO, CIDADANIA E IDENTIDADE: OS DESAFIOS DA CIDADANIA FRENTE AS INCONSTÂNCIAS DA PÓS-MODERNIDADE

LUCAS DE OLIVEIRA RODRIGUES

Trabalho de Conclusão de Curso realizado sob orientação do Professor Dijaci David de Oliveira e apresentado como prérequisito para a aprovação na disciplina Trabalho Final de Curso 2, da Faculdade de Ciências Sociais.

Goiânia 2013

Rodrigues, Lucas de Oliveira. Educação,Cidadania e Identidade : Os desafios da Cidadania frente as inconstâncias da Pós-modernidade -- Goiânia Goiás, 2013. 30f. Monografia (Curso de Ciências de Ciências Sociais/ Licenciatura) – Faculdade de Ciências Sociais - UFG 1. Ciência Sociais. 2. Educação I. Título.

LUCAS DE OLIVEIRA RODRIGUES

Educação,Cidadania e Identidade : Os desafios da Cidadania frente as inconstâncias da Pós-modernidade.

Trabalho de graduação aprovado como requisito parcial para a conclusão do Curso de Ciências Sociais- Licenciatura, na Universidade Federal de Goiás, Campus II Samambaia, pela comissão formada pelos professores:

Orientador:

Prof. Dijaci David de Oliveira Faculdade de Ciências Sociais, UFG

Membros: Prof. Ricardo Barbosa de Lima Faculdade de Ciências Sociais, UFG Prof. Robson dos Santos Faculdade de Ciências Sociais, UFG

Goiânia, 20 de dezembro de 2013

Resumo O presente trabalho tem por objetivo construir uma leitura do arcabouço teórico das teorias pós-modernistas de Bauman, Stuart Hall e as observações acerca da modernidade de Giddens que tratam dos processos e dos problemas enfrentados pelos sujeitos inseridos em nossa realidade, buscando apreender os efeitos dos fenômenos que caracterizam o sujeito “líquido” na tentativa de traçar um paralelo entre os fenômenos sociais que se desenrolam em nossa atual configuração política e a construção do sujeito cidadão levando em conta o processo que Bauman se refere como “derretimento dos sólidos”. Para tanto nos voltamos para uma crítica do atual constituição de nossa educação formal e a problemática de uma educação altamente tecnicista e reducionista, que serve mais como ferramenta a serviço da estratificação social que órgão formador de sujeito “plenamente aptos a exercer sua cidadania.” PALAVRAS-CHAVE: Cidadania, Modernidade, Fragmentação, Educação, Estado

Abstract This work aims to construct a theoretical framework from the postmodernists works of Bauman and Hall, and the observations of Giddens about our modernity times that deals with the process and the problems faced in our reality, seeking to understand the effects of the phenomena that compose the cracteritcs of the “liquid modernity” in an attempt to draw a parallel between the social phenomena that take place in our current political configuration and construction of the “citizen”, taking into account the process that Bauman refers to as the "melting of solids." For this we turn to a review of the current constitution of our formal education and the problems within a highly technical and reductionist education, serving more as a tool in the service of social stratification than a organ responsible for the education of a individual “fully able to exercise their citizenship.” Keywords: Citizenship, Modernity, Fragmentation, Education, State

Agradecimentos Aos meus pais, pois sem eles nada teria começado ou terminado. Ao meu irmão, por ser uma criança e ainda conseguir perdoar meu mal humor. Ao meu querido amigo Flávio, que acreditou mais em mim que eu mesmo. A minha querida Lilian, que sempre esteve ao meu lado. Ao professor Dijaci, pelo voto de confiança. Muito obrigado!

SUMÁRIO

Introdução …............................................................................................................ 9 1. Modernidade e Pós-modernidade: Contextualizando o sujeito líquido e o Estadonação na pós-modernidade....................................................................................... 12 2. A educação para Formação cidadã na modernidade líquida …....................... 21 2.1 Escola: ensino reducionista tecnicista e o desenvolvimento humano............. 26

2.2 – Um vislumbre dos possíveis efeitos da individualização nas instituições políticas...................................................................................................................... 28

3. Considerações Finais............................................................................................ 31 4. Referências Bibliográficas .................................................................................. 33

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Introdução Este trabalho busca apreender diferentes concepções de cidadania no intuito de aproximá-las dentro do contexto do ensino escolar posto em nossos parâmetros curriculares da educação básica. Partimos do fato que a cidadania não é traço natural do ser humano e que, assim sendo, ela deve ser construída como qualquer outro traço social. Logo, a cidadania está intimamente ligada à educação, que é produto de necessidades socialmente construídas. O campo de nossas ações civis, de forma ampla, está legal e socialmente delimitado por nossos aparatos públicos e políticos. Assim sendo, criamos inúmeros mecanismos institucionais reguladores de nossas vontades e atitudes, para garantir que um ato “simples” de conviver com outros indivíduos seja possível, e o sujeito civil deve estar apto a compreender minimamente seus aparatos para agir no âmbito institucional. Estes que obtiverem sucesso nesta grandiosa empreitada são reconhecidos como cidadãos. É esta a função que o discurso do ensino para a formação do cidadão tenta desenvolver. Para tanto, se baseia na premissa instituída na LDB que determina que o ensino básico escolar “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o exercício da cidadania” (BRASIL. LDB 1996). No entanto, a ideia de cidadania fixa e modelada dentro de premissas modernas, tal como parecem ser exigidas em nossas leis de ensino, não parece mais ser suficiente e falha em seu papel ao não contemplar a enorme gama de características distintas entre as diferentes idealizações de cidadania e do sujeito fragmentado de nossa realidade. Partimos do pressuposto de que a escola (ou o ensino formal básico) é responsável pela maior parte do processo de construção de um sujeito civil, tendo de torná-lo capaz de apreender o enorme número de significados, deveres e direitos aos quais a cidadania está atrelada. Bourdieu (2007) nos auxilia ao definir a escola como instrumento de reprodução social, que tende a moldar o aluno e sua estrutura interpretativa (moral e ética) de acordo com a realidade hierárquica a qual está inserido. Porém, a realidade específica de cada indivíduo também exerce grande influência em sua formação valorativa em nosso contexto contemporâneo. Essa, por sua vez, está intimamente ligada em suas relações hierárquicas que, quase sempre, são delimitadas pela condição material de cada indivíduo. A construção de um ideal de cidadania se apoia em princípios de igualdade de sujeitos dentro de um Estado civil. Uma vez que tal igualdade não se concretiza, dentro das diversas e

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complexas redes hierárquicas de poder e das diferenças inerentes de cada indivíduo, tanto material quanto cultural, como conciliar desigualdades com as quais os sujeitos devem conviver e a noção de igualdade cuja a ideia de cidadania se refere? Fishman e Haas observam que, Em sociedades contemporâneas, a legitimidade da figura de um cidadão democrático é inerente e constantemente desafiada porque o cidadão educado – que é tanto governante como governado – deve conciliar simbolicamente um igualitarismo proclamado com a crua realidade de múltiplas formas de desigualdade (...) O acesso a instituições educacionais é muito importante; contudo, não consegue anular completamente a experiência diária vivida que ocorre no restante da vida dos estudantes. (FISCHMAN; HAAS – Cidadania - 2012).

Tal situação nos traz contradições fundamentais em nossa atual constituição social, tendo em vista os pressupostos de uma sociedade democrática na qual direitos e deveres devem ser tomados por seus indivíduos de forma justa e igual. Essa desigualdade que fere os princípios de igualdade de um Estado democrático trabalha como um agente de segregação social, cultural e econômica, fatalmente interferindo nas formas de atuação civil daqueles afligidos com tal mal. Ao nos depararmos com tal contradição devemos colocar em questionamento não apenas o atual formato educacional, mas a própria concepção posta de cidadania. Um modelo deslocado no tempo e inflexível diante da dinâmica de nosso tempo. Parece justo afirmar que o paradigma educacional brasileiro gira em torno de uma demanda social criada pela atual configuração política e econômica em que estamos invariavelmente submetidos. O sistema de valorização e toda a hierarquia social é enviesada por esse mesmo caminho e da mesma forma as instituições de controle. A escola é então o instrumento de maior poder imediato regulador e perpetuador de valores morais e culturais, um instrumento de reprodução social e cultural. Como resultado, grande parte dos métodos educacionais são direcionados para suprir esta demanda explícita da aquisição do poder imediato que a condição monetária nos proporciona. Esta mesma demanda também é responsável pela manutenção das prioridades educacionais, tornando a vida escolar do aluno um enorme curso probatório de capacidade de absorção de informações técnicas e de adaptação com os seus arredores, sem propor uma reflexão do porquê de tal exigência ou de assuntos pertinentes à formação ética do sujeito.

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Partindo da premissa de que a educação é a base para a formação civil onde, o exercício da cidadania é, não somente direito mas, dever de todos os integrantes de determinada estrutura social, é possível afirmar que um sujeito com maior educação formal se torna um melhor cidadão? E não apenas isso, mas está o Estado atual preparado para tratar dos conflitos inerentes de nossa sociedade em seu estado pós-moderno? Assim, o trabalho propõe uma análise crítica dos adventos de nossa contemporaneidade, tendo em mente as mudanças em nossa constituição social apontadas por Bauman e Hall, diante da noção de uma formação escolar que capacite o sujeito para o “exercício pleno da cidadania” em um momento de fragmentação e fluidez do sujeito inserido em uma “modernidade liquida”. Para tanto, se discute o processo educativo voltado para o civismo, o pragmatismo do ensino técnico generalizado frente à extrema racionalização apresentada por Giddens e Weber. Analisando sob a luz das observações de Bauman acerca das transformações ocorridas na sociedade “moderna líquida”, diante de fenômenos como a crise identitária dos sujeitos, a globalização e o processo de individualização da sociedade, tenta-se pinçar os pontos de conflito entre o atual formato da educação cidadã, a formação do sujeito cidadão e o processo de construção identitária do sujeito em tempos de modernidade líquida. Tratamos então no primeiro capitulo dos processos de mudanças da relação entre sujeitos, Estado-nação e o caráter do processo de construção da identidade do sujeito que tomaram parte no período moderno, e posteriormente as mudanças que transformaram o processo social e o sujeito que se relaciona a estas mudanças. A teoria de Bauman e Giddens serão as que guiaram este processo inicial de clarificação dos principais conceitos utilizados no trabalho. No segundo capitulo o trabalho tratará das possíveis consequências relacionadas a construção de um sujeito civil em um contexto social “líquido”, tendo em vista o atual formato da educação brasileira e as formas dicotômicas entre a educação institucionalizada e a realidade social do sujeito pós-moderno. Finalmente, o trabalho tentará traçar uma correlação entre os contextos conflitantes da educação e do indivíduo da modernidade liquida e os movimentos de protestos ocorrido em junho de 2013 por todo o país.

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1- Modernidade e Pós-modernidade: Contextualizando o sujeito líquido, educação e a Cidadania

É um trabalho árduo estruturar e diferenciar esses dois períodos que nos remetemos tantas vezes, sem que sejamos precisos quanto ao que é essa modernidade ou sua sucessora. Porém, ao trabalhar com essas categorias devo me dispor a tanto. Apresentando as divergências quanto o reconhecimento de uma ideia de uma pós-modernidade, ou da superação da modernidade, dentro do campo da sociologia, me disponho, no entanto, a concordar com o processo de sucessão de nossa modernidade, uma vez que, Nada na história simplesmente termina, nenhum projeto jamais é concluído e descartado. Fronteiras nítidas entre épocas não passam de projeções da nossa ânsia inexorável de separar o inseparável e ordenar o fluxo. A modernidade ainda está conosco. Ela vive como pressão de esperanças e interesses não satisfeitos sedimentados em instituições que se auto-reproduzem; como zelo de imitadores forçosamente atrasados, que desejam juntar-se ao banquete outrora desfrutado com orgulho por aqueles que agora o abandonam com nojo (BAUMAN, 1999, p.287).

Assim, observadas as transformações históricas e sociais apontada por Bauman em relação a modernidade, que, embora tenham ocorridas em um espaço curto e em uma velocidade assustadora quando comparada com os demais processos de transformação da razão e do convívio humano mas que pode ser encarada como característica do período a que se relaciona, tomaram parte do processo de modificação de características chaves de nossa realidade, não vejo como não me sentir a deriva, como nas metáforas do “barco geleiro” sugeridas pelo autor, ou a margem de uma obra (modernidade) que alcança agora o momento de suas considerações finais. Onde se inicia a modernidade é uma questão discutível, uma vez que não há acordo sobre datas específicas ou consenso sobre o que se deve datar para tanto. No entanto Bauman a caracteriza pela super valoração da ordem, das classificações, da modelagem do “natural” e a naturalização do artificialismo. O nascimento da “consciência de ordem” é a marca do início da modernidade para Bauman. O autor percebe que o surgimento do Estado hobbesiano, não sob o poder de um homem mas sob o poder da entidade Estado, é marcado pela intervenção da razão humana em nome de um estado de ordem maior.

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Hobbes entendia que um mundo em fluxo era natural e que a ordem devia ser criada para restringir o que era natural... A sociedade não é mais um reflexo transcendentalmente articulado de algo predefinido, externo e para além de si mesma que ordena a existência hierarquicamente. É agora uma entidade nominal ordenada pelo Estado soberano, que é seu próprio representante articulado... a ordem começava a ser entendida não como natural, mas como artificial, criada pelo homem e manifestamente política e social ... A ordem deve se destinar a restringir o que parecia onipresente [isto é, o fluxo] ... A ordem tornou-se uma questão de poder e o poder uma questão de vontade, força, cálculo... Fundamental para toda a reconceitualização da ideia de sociedade foi a crença de que a comunidade, como a ordem, foi uma criação humana. (COLLINS, 1989 apud BAUMAN,1999, p,13).

Essa ideia dicotômica traria à tona um embate interdependente. Esse conflito, ao qual Bauman se refere com ambivalência, surge no momento em que se determina o que é e o que não é parte da ordem. O autor observa que o estabelecimento de uma ordem instituída pela razão constituída por uma filosofia categórica é, ao mesmo tempo, a fonte da construção do caos ao qual se propõem destruir. “A ordem é o contrário do caos; este é o contrário daquela. Ordem e caos são gêmeos modernos. Foram concebidos em meio à ruptura e colapso do mundo ordenado de modo divino, que não conhecia a necessidade nem o acaso, um mundo que apenas era, sem pensar jamais em como ser.” (BAUMAN, 1999, p.12) Bauman enxerga a origem dos conflitos modernos na busca pela ordem artificial a qual a modernidade se propôs a alcançar. Diante do fluxo natural, ao qual o caos se instauraria, se interpunha a ordem, salvadora da civilidade e da sociedade, de sua naturalidade supostamente primitiva. O rigor linear, a exatidão matemática e científica trariam a resolução de todos os problemas, e a razão humana se salvaria do caos ao qual a natureza conduzia e o Estado se encarregaria de manter a salvo tudo aquilo que aceitasse se submeter ao cinzel da civilidade. O domínio da “razão pura” traria então o estabelecimento da ordem, tratando tudo mais que não se encaixasse sob o molde do “Estado jardineiro” como refugo, rejeito dispensável, o antagonista do teatro da razão.

O Estado moderno nasceu como uma força missionária, proselitista, de cruzada, empenhado em submeter as populações dominadas a um exame completo de modo a transformá-las numa sociedade ordeira, afinada com os preceitos da razão. A sociedade racionalmente planejada era a causa finalis declarada do Estado moderno. O Estado moderno era um Estado jardineiro.

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Sua postura era a do jardineiro. Ele deslegitimou a condição presente (selvagem, inculta) da população e desmantelou os mecanismos existentes de reprodução e auto-equilíbrio. Colocou em seu lugar mecanismos construídos com a finalidade de apontar a mudança na direção do projeto racional. O projeto, supostamente ditado pela suprema e inquestionável autoridade da Razão, fornecia os critérios para avaliar a realidade do dia presente. Esses critérios dividiam a população em plantas úteis a serem estimuladas e cuidadosamente cultivadas e ervas daninhas a serem removidas ou arrancadas. (BAUMAN, 1999, p.29).

O conceito de ambivalência nos serve aqui como uma ferramenta de análise de algumas perspectivas comuns. A constante busca pela “higienização” social, que transforma cadeias e manicômios, instituições de “recuperação”, em depósitos dos “expurgos sociais”. Daqueles que não nos agrada ou são necessários, os atores da violência explícita, analfabetos, tanto nas artes das letras quanto na arte da violência veleada, os sujos, indigentes, etc. Todos aqueles que ousarem não ter meios de arcar com as métricas exigências inconspícuas. Por mais dramática que soe a descrição a cima, não poderia deixar de ser verdade quando olhamos para os acontecimentos mais traumáticos da era moderna que tomaram forma nas guerras seguidas à Primeira Guerra Mundial, com ênfase na Segunda, onde a racionalização extrema dos meios de estratificação ganharam proporções industriais com o extermínio em massa de etnias e culturas. O fato é ainda mais impressionante ao observamos o nível extremo de cálculos e planejamentos de frieza nunca vista. O neomaltusianismo concreto, as justificativas produzidas na defesa de uma engenharia social, se tornariam fatos sintomáticos da racionalização extrema do sujeito moderno. É um engano, portanto, considerar tais acontecimentos como atitudes impensadas e irracionais. A construção da imagem antagônica do outro, do diferente, é uma ação construída racionalmente, e quando munida de promessas de harmonia em contrapartida da ameaça da perversão que o diferente traz é que o genocídio, tal como vimos, se torna plausível. Um ato tão sistemático e eficiente no que se propôs a fazer, dificilmente seria alcançado por mentes completamente passionais. É importante que sejamos claros quando falamos em razão e nos termos de racionalização extrema, uma vez que a razão é instrumento de ação do ser humano, o objetivo não é se posicionar negativamente quanto ao processo de racionalização ou construir uma ode

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a “irracionalidade”. A racionalização é um processo de dois gumes e Bauman é claro ao especificar que

(…) todas as visões de ordem artificial são por necessidade (nas suas consequências práticas, se não sempre de antemão em seu projeto) inerentemente assimétricas e com isso dicotomizadoras. Elas dividem o mundo humano num grupo para o qual deve ser erigida a ordem ideal e em outro que entra no quadro e na estratégia apenas como uma resistência a ser superada os inadaptáveis, os incontroláveis, os incongruentes e ambivalentes. Esse Outro nascido da "operação da ordem e da harmonia", resíduo do esforço classificatório, é jogado do outro lado desse universo de obrigação que une os de dentro do grupo e reconhece seu direito a serem tratados como detentores de direitos morais. (BAUMAN,1999, p. 46-47)

A razão, tal como se apresenta na modernidade, inflada em seu poder classificatório e completamente instrumentalizada, serviu, em momentos mais tardios, como meio de justificar e suportar a estrutura social tal como existia e em grande medida, como argumento neste trabalho, ainda parece ecoar os resultados de seu impacto neste momento a que Bauman se refere como modernidade líquida. O Estado de ordem estabelecida por aqueles que possuem meios para tanto, é então o aparato último de subjugação e segregação em nome de uma legitimação ilegítima (forçada) de um poder instaurado que vitimiza a todos, mesmo aqueles que estão no poder, negando este ou aquele caminho que não se encaixe nos parâmetros de sua ordem vigente. Porém não devemos diminuir a modernidade a racionalização extrema. Não afirmo que Bauman tenha limitado sua visão da modernidade a apenas essa características, mas Giddens propõem um panorama mais extenso quando trata de modernidade ao declarar que a modernidade ainda não chegou ao seu fim. No entanto, reconhece que experimentamos “momentos pós-modernos”. O autor resume sua definição ao afirmar que “a modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. (GIDDENS, 1991, p. 34). A modernidade é marcada pela descontinuidade produzida pela nossa nova forma de constituição

social

(quebra

de

tradições,

costumes

e

significados)

e

pela

multidimensionalidade institucional. O autor observa a importância da distinção estado-nação

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na teorização sociológica. Há, então, uma clara diferenciação entre Estado e suas instituições formais e a constituição sociopolítica que se entrelaça em seu interior. Assim sendo, é necessário que se distingua os dois objetos. Essa distinção é importante para que se compreenda que os meios de ação do Estado, como entidade reguladora e detentora do monopólio da violência, e do construto social multifacetado e diversos podem se intermitentes em sua relação, mas possuem processos independentes. A modernidade então é caracterizada pelo deslocamento do sujeito social no tempoespaço, onde o sujeito não conta mais com os modos tradicionais para justificar suas experiências sociais. Sob esta perspectiva, a memória do sujeito moderno, em transição para a pós-modernidade, pode ser vista como um livro com meio e fim, mas sem um começo. Tradições não sobrevivem ao caráter revisador da razão instrumental, o que não implica em seu desaparecimento absoluto, mas resulta na redução significativa de seu tempo de vida. Giddens (1991), no entanto, enxerga todos esses fenômenos como pertencentes ao desenrolar da modernidade, dando o status de “pós-moderno” apenas algumas partes específicas dos fenômenos sociais. Mas, em relação a estruturação socioeconômica, ao observar a organização econômica moderna, o autor abre mão da separação conceitual corriqueira entre industrialismo e capitalismo que, segundo o autor, restringe a compreensão do formato das interações sociais que estão intimamente conectadas as relações econômicas as quais os sujeitos modernos se submetem, nos serve como um ponto de observação ao tratarmos das relações individuais de poder, relações entre indivíduos e Estado e os conflitos que surgem da fragilização da imagem do Estado como instituição asseguradora do bem estar individual. Assim,

Podemos reconhecer as sociedades capitalistas como um subtipo específico das sociedades modernas em geral. Uma sociedade capitalista é um sistema que conta com diversas características institucionais específicas. Em primeiro lugar, sua ordem econômica envolve as características acima observadas (características relacionadas ao capitalismo e ao industrialismo). A natureza fortemente competitiva e expansionista do empreendimento capitalista implica que a inovação tecnológica tende a ser constante e difusa. Em segundo lugar, a economia é razoavelmente distinta, ou "insulada" das outras arenas sociais, em particular das instituições políticas. Dadas as altas taxas de inovação na esfera econômica, os relacionamentos econômicos têm considerável influência sobre outras instituições. Em terceiro lugar, a insulação do estado e da economia (que pode assumir muitas formas

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diversas) se fundamenta sobre a preeminência da propriedade privada dos meios de produção. (Propriedade privada aqui não se refere necessariamente a empreendimento individual, mas à posse privada difundida de investimentos.) A posse de capital está diretamente ligada ao fenômeno da “despossessão de propriedade”' — a transformação do trabalho assalariado em mercadoria — no sistema de classes. Em quarto lugar, a autonomia do estado é condicionada, embora não determinada num sentido forte, pela sua dependência da acumulação do capital, sobre a qual seu controle está longe de ser completo. (GIDDENS, 1991, p.54)

Desta forma, o sujeito moderno está inserido em um ambiente social instituído de

forma que a totalidade e a complexidade deste ambiente lhe parece distante de sua realidade concreta. A desconexão na qual se encontra é assustadora e sua razão instrumentalizada não lhe serve de amparo em um mundo “desencantado”. Sem ter sua possibilidade de ação assegurada, o sujeito se vê impotente, sempre vitimado por forças maiores e forçado a se render a vontades alheias a sua. Ao mesmo tempo, o sujeito se torna cada vez mais individualizado devido à fragmentação das instituições sociais e a desvinculação a uma identidade generalizante, seja ela nacional ou regional. Todo o processo classificatório tem como finalidade a especificação, a separação de categorias de forma a serem encaixadas no processo de racionalização. Quando nos deparamos com o incerto, ou o estranho e desconhecido, o não classificado, encaramos um problema hermenêutico de significado. O desconforto do não saber ou não compreender, é resultado do insucesso da tarefa a qual a modernidade se propôs a realizar. A racionalização do mundo leva o sujeito, que se vê despido dos meios de afirmação existencial e o ponto referencial que a tradição lhe servia, a um estado de incerteza e desconforto existencial. A razão que prometia o esclarecimento do mundo, a ordenação do caos natural e a salvaguarda da certeza científica, desempenhou o papel contrário na atual pós-modernidade. A maculação do divino e do perpetuo, que se escondia no véu da incerteza sustentada pela fé, diluiu o terreno onde se erguia os pilares afirmativos do mundo pré-moderno, sustentáculos da realidade construída até então vista como algo inquestionável. A modernidade se configura então entorno desta nova entidade, o Leviatã construído e sustentado pela própria relação conflitante dos sujeitos, antes concentrado nas formas tradicionais de manutenção social: o Estado.

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O Estado-nação, inicialmente, tomou para si esta função reguladora, se tornando o órgão organizador de sentidos aos quais os indivíduos, que por mais diferentes que fossem dependeriam do estabelecimento de uma ordem comum para que se localizassem em seu construto social, se voltariam em busca de parâmetros de afirmação e de salvaguarda de sua igualdade perante aqueles que partilham o mesmo território. Em grande parte a organização social pode ser interpretada como sedimentação do esforço sistemático de reduzir a frequência com que surgem os problemas hermenêuticos e de aliviar o aborrecimento causado ao serem enfrentados esses problemas. Provavelmente o método mais comum de conseguir isso é o da separação territorial e funcional. (BAUMAN, 1999, p.66)

O processo de determinação dos novos territórios tão amplos e difusos colocam em conflito direto as ambiguidades estabelecidas anteriormente. A divisão dicotômica do familiar e do estranho é evidenciada ao passo que novas nações expandem seus territórios e engolem novas diferenças. As indeterminações ganham mais espaço e o desconforto de se conviver com o não familiar se “institucionaliza”. Bauman se refere ao processo moderno como o ato do “derretimento dos sólidos”, sendo estes sólidos o formato da ordem pré-moderna, das relações de lealdade, valores éticos, em suma “derreter os sólidos significava, antes e acima de tudo, eliminar as obrigações 'irrelevantes' que impediam a via do cálculo racional dos efeitos.” Por isso, o processo de desconstrução da ordem pré-moderna deixaria “toda a complexa rede de relações sociais no ar- nua, desprotegida, desarmada e exposta, impotente para resistir às regras de ação e aos critérios de racionalidade... quanto mais para competir efetivamente com eles.” A fissão, portanto, entre os dois períodos ocorre de maneira similar, no entanto o “derretimento dos sólidos” adquire um novo sentido.

A tarefa de construir uma ordem nova e melhor para substituir a velha ordem defeituosa não está hoje na agenda - pelo menos não na agenda daquele domínio em que se supõe que a ação política resida. O "derretimento dos sólidos' traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que

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entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas - os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro. (BAUMAN, 2001, p.12)

O que se passa, segundo Bauman (2001), é a “realocação dos poderes de derretimento da modernidade”, voltados agora para as instituições que ela mesma teve de formar em nome de sua busca pela ordem fixa e engendrada pela racionalidade que conduziu todo o seu processo. Os moldes de conduta não deixaram de existir ou foram quebrados, “as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem.” Padrões, códigos e regras, erguidos pela ordem racionalizada da modernidade, que pelos quais podíamos nos deixar guiar e nos serviam como ponto fixo de referência, estão cada vez mais em falta. No entanto, isso não quer dizer que o indivíduo se desvinculou completamente da sociedade.

(...)quer dizer que estamos passando de uma era de "grupos de referência" predeterminados a uma outra de "comparação universal'' em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual está endêmica e incuravelmente subdeterminado, não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo. Hoje, os padrões e configurações não são mais "dados'' e menos ainda "autoevidentes"; eles são muitos, chocandose entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foi desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. E eles mudaram de natureza e foram reclassificados de acordo: como itens no inventário das tarefas individuais. Em vez de preceder a política- vida e emoldurar seu curso futuro, eles devem segui-la (derivar dela), para serem formados e reformados por suas flexões e torções. Os poderes que liquefazem passaram do "sistema" para a "sociedade' da "política" para as "políticas da vida" - ou desceram do nível “macro" para o nível "micro" do convívio social. (BAUMAN, 2001, p.14)

Observamos uma nova forma de individualização construída pelo novo Estado social que se modifica e abdica das categorias de “classes” a qual utilizava na categorização do indivíduo. O processo de passagem da pré-modernidade para a modernidade foi marcado pela desacomodação das formas “estamentais” de categorização individual, passando para o molde

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das “classes”e dos “gêneros”. “Uma vez rompidas as rígidas molduras dos estamentos, a tarefa de 'auto-identificação' posta diante de homens e mulheres do princípio da era moderna se resuma ao desafio de viver 'de acordo', de conformar-se ativamente aos emergentes tipos sociais de classe e modelos de conduta” (BAUMAN, 2001, p. 41). Está coletividade, no entanto, era constituída devido a necessidade de autoafirmação do sujeito que se encontrava em situação desigual, logo […] o 'coletivismo' foi a primeira opção de estratégia para aqueles situados na ponta receptora da individualização mas incapazes de se autoafirmar enquanto indivíduos se limitados a seus próprios recursos individuais, claramente inadequados […] Classe e gênero projetavam-se pesadamente sobre a gama de escolhas do indivíduo […] Para todos os efeitos, a classe e o gênero eram 'fatos da natureza', e a tarefa reservada à autoafirmação da maioria dos indivíduos era 'adaptar-se' ao nicho alocado, comportando-se como os demais ocupantes. (BAUMAN, 2001, p.42)

Em contrapartida, o sujeito da pós-modernidade, segundo Bauman, mesmo após passar pelo processo de “desacomodação” não consegue mais se fixar. Os “lugares” oferecidos são agora “frágeis e frequentemente desaparecem antes que o trabalho de 'reacomodação' seja completado” (BAUMAN, 2001, p.42). O sujeito líquido de Bauman se encontra desamparado e entregue a própria sorte, “amaldiçoado” com a liberdade de ser aquilo que individualmente conseguir ser, e ter de ser tão flexível quanto possível para mediar seus conflitos de interesses com o outro, tendo que pra isso, muitas vezes, se “violentar” no processo.

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2. A educação para formação cidadã na modernidade líquida. Nos deparamos, finalmente, com a questão da educação em tempos de fluidez, em que o indivíduo, que é “livre” e único responsabilizado pela construção de sua individualidade e do seu fracasso ou sucesso, deve ao mesmo tempo saciar seus anseios individuais e, ao fazêlo, atender às exigências de sua “política-vida” que exigirá uma capacidade de adaptação constante “e a renegociação diária de sua rede de entrelaçamentos chamada 'sociedade'” (BAUMAN, 2001, p.39). A pergunta que nos é relevante é: Como um Estado, líquido, “privatizado” e fragmentado, mas ainda sustentador de parâmetros generalizantes que, muitas vezes, são conflitantes com as exigências plurais, se mantêm diante de um sujeito deslocado e fluído que não consegue se ver representado pelas instituições agregadas ao formato deste Estado ao qual deve se submeter? A resposta talvez esteja no processo da construção da identidade nacional resultante da divisão territorial, que resultam na formação das nações e que Bauman se refere ao tratar da ambivalência moderna, como mencionado no capitulo anterior. Este mesmo processo, que divide e ao mesmo tempo interioriza o estranho e o comum, constitui uma das principais fontes de identidade cultural. Stuart Hall (2006) argumenta, no entanto, que “essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes” (HALL, 2006, p.47). Estas identidades nacionais são “formadas e transformadas no interior da representação” (Idem). Em “A identidade cultural na pós-modernidade” Hall apresenta o conceito de identidades culturais, que surgem a partir do sentimento de pertencimento tendo como referencia aspectos religiosos, culturais, raciais e nacionais. No entanto, essas identidades se tornam desgastas, processo que o autor denomina de “crise de identidade”, graças as transformações condicionadas pela sociedade atual no processo de globalização. As concepções de Hall e do sujeito na pós-modernidade caminham paralelas ás análises de Bauman acerca do sujeito “líquido” e sua situação no mundo social. Segundo Hall (2006), as sociedade do final do século XX têm sofrido mudanças estruturais que se alargam para transformações das “paisagens culturais”, se diferenciando em sua construção em pontos históricos diferentes. A partir disso, Hall indica três formatos de identidade diferentes. A primeira é a identidade do sujeito do iluminismo, caracterizada pela unificação e pela aprioridade das características do sujeito que nascia já com pré

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determinações de caráter, expressando uma visão individualista, onde prevalece a razão. A segunda, a identidade do sujeito sociológico, onde o sujeito se constitui pela interação com a sociedade, sendo construída a partir de interações com o meio social em que esta inserido. E a terceira concepção, identidade do sujeito pós-moderno, sem identidade permanente, fragmentada, que sofre influências e assim é formada e transformada., que possibilita o desenvolvimento de novos sujeitos. A mudança que Hall descreve está na constituição do próprio sujeito pós-moderno que assume variadas formas de identidade e não apenas uma única. Para Hall, a identidade nacional é um sistema simbólico imaginado que catalisa todas as demais modalidades de identidade (religiosas, étnicas...), a cultura nacional está carregada de significados. “Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos- um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional” (HALL, 2006, p. 49). O campo de ação da educação formal está portanto intimamente ligada ao processo de formação de identidades nacionais. Todo o processo educacional formal, fixado em premissas estabelecidas por órgão institucionais, se voltam para a construção de um sujeito fixo, um cidadão de caráter geral. É necessário reconhecer a necessidade de um formato generalizado, uma vez que não seria razoável exigir que o processo educacional se tornasse absolutamente individualizado. Como Hall nos indica, A formação de urna cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou urna única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. (HALL, 2006, p.49)

Porém, o novo sujeito apresentado por Bauman (1999) não está mais fixado em parâmetros únicos, o que o coloca em situação de desamparo Estatal, que não reconhece sua estado de conflito identitário dentro do campo político ao qual Hall e Giddens se referem. Este mesmo campo político, ainda que desapercebido, perpassa por quase todas as formas de interação social da vida civil. Porém não é o único agente regulador ou mediador de nossas vida social. Nos interessa tratar brevemente da construção da moral pós-moderna que,

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enquanto continua a ser a forma interior de nossas instituições regulamentadoras do comportamento social, a base sobre a qual todos os mecanismos reguladores, tanto institucionais quanto sociais, de nosso comportamento, nossas interpretações de “bem ou mal” e percepção de significados e valores estão fundamentados, está sujeita ao processo de “liquefação” contemporânea e exposta a permeabilizações por parte das experiências individuais de cada sujeito, sem no entanto perder todas as suas características generalizantes. Estas variações ocorrem no decorrer histórico de cada indivíduo, que molda com suas experiências o seu conjunto de ferramentas “morais” de acordo com o que lhe é apresentado como aceitável ou não aceitável. Por moral “entendemos uma herança normativa deontológica, baseada essencialmente no caráter obrigatório da norma, julgada universal e imposta do exterior” (Barrere, Martucceli 2001). Neste sentindo, o indivíduo moralmente capaz atende ao dever de escolher suas ações de acordo com um conjunto de normas socialmente preestabelecidas. Essas normas tomam forma de acordo com o conjunto de deveres estabelecidos socialmente, aos quais o indivíduo, munido da razão, deve seguir. Estas normas morais se interconectam no interior de cada indivíduo, tornando-o moralmente capaz de apreender os valores aos quais seu meio social está atrelado. Dessa forma, um sujeito que se desenvolve em contato com uma família religiosa, provavelmente herdará de sua convivência familiar princípios morais e uma constituição ética mais inclinada à moral religiosa, enquanto um sujeito que tem menos contato com o campo religioso tenderá a desenvolver sua moral de acordo com outras experiências que lhe sirvam como base de valoração. Entretanto, ainda que seja parâmetro de valorização, a moral está sujeita a mudanças parciais à medida que cada sujeito se desenvolve em seu meio social.

Desde o nascimento, com as trocas interpessoais e a intelectualização dos sentimentos, os valores vão sendo cognitivamente organizados, a partir dos julgamentos de valor que o sujeito realiza. Essas valorações mais estáveis levarão os sujeitos a definir normas de ação, que serão organizadas em escalas normativas de valores e, de uma certa forma, forçarão sua consciência a agir de acordo com eles. Desta maneira, cada sujeito constrói seu próprio sistema de valores, que integram-se à sua identidade. Neste sistema que cada um constrói, alguns valores "posicionam-se" como mais centrais e outros mais na periferia da identidade. A importância desse modelo teórico é compreendermos que cada um de nós, sujeitos psicológicos, possuímos determinados valores centrais em nossa identidade, que influenciam nossa conduta. (ARAÚJO, 2000, p. 100-101)

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Essa construção gradual ao qual o processo da educação está atrelado permite que o âmbito escolar exerça profunda influência na estrutura de valoração do aluno e consequentemente o processo de formação do sujeito cidadão. No entanto, o conceito de cidadania tem por si só grande complexidade e diferentes formas de abordagem. Mas em todas as formas de observação a cidadania está intimamente ligada a formação social de sujeitos tendo como base um processo de construção de um sujeito civil, capaz de navegar um mar de significados sociais, instituições, conflitos, diferenças inerentes ao convivo social e sua capacidade de compreender os mecanismos que constituem sua realidade social (leis, modus operandi de instituições de seu governo, etc.). Não estando apenas ligada a capacidade do indivíduo de se guiar dentro de uma máquina estatal, a cidadania está atrelada a outras variantes, como a construção de uma identidade nacional e o sentimento de pertencimento dos sujeitos que compõem uma nação, como ressalta Nunes (2009). O autor em seu artigo Cidadania e conflitos sociais em tempos de incertezas, ao citar Carvalho (2004), faz a distinção entre dois tipos de cidadania ao observar a relação entre pessoas e o estado e pessoas e nação. Segundo Nunes (2009), “Vemos o modelo de cidadania para nação, quando a cidadania centra seu significado na construção da identidade nacional, do civismo, isto é, do sentimento de pertencimento a uma comunidade nacional”. Olhando para a historia brasileira recente, podemos ver os claros registros de uma educação voltada para a institucionalização de uma educação que tinha como intuito a construção deste sujeito “nacionalizado”. O período pré-abertura democrática de 1988 é caracterizado pela implementação da reverência a símbolos patrióticos no meio escolar, na tentativa de se criar o sentimento de pertencimento a uma nação. Seu sucesso no entanto é questionável diante da aparente fluidez e decentralização de nossa identidade nacional. Por sua vez, também intimamente ligada ao processo de nacionalização, temos a cidadania voltada para o Estado, que Nunes (2009) descreve como sendo a que “[...] apresenta seu significado na participação política, tanto pela via do voto, quanto outros meios de participação política”. Muito embora as duas se diferenciem na forma como se relacionam perante aos sujeitos submetidos a estas formas de construção da cidadania, as duas são formas de agregar o indivíduo ao todo, seja nos moldes simbólicos de uma nação, seja nos moldes institucionais de um Estado. Compreendo que esta característica é percebida atualmente como a principal funcionalidade da cidadania perante a formação de um Estado civil, pôrem limitá-

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la a esta funcionalidade institucional é ignorar as profundas transformações sofridas em nosso contexto social, como demonstra Bauman (1999). A cidadania se conecta de formas variadas em cada indivíduo, não sendo construído a par das individualidades dos sujeitos. Muito embora exista parâmetros socialmente construídos e exteriores aos quais o sujeito deve se submeter na construção de sua cidadania, o inverso também ocorre. Parâmetros de ordem social (valores morais, posicionamentos políticos, etc....) são, muitas vezes, apropriados por indivíduos e transformados de forma a justificar certos aspectos do grupo especifico ao qual pertence. Isso pode ser observado com facilidade nos diversos grupos religiosos que se formam tendo uma mesma base inicial, mas se divergem em suas leituras e o estabelecimento de seus paradigmas. Estas particularidades podem ser entendidas como fruto do processo de individualização, visto que mesmo as linhas mais tradicionais da religião se fragmentam em concordância com diferentes visões da mesma obra. Novas necessidades de ordem jurídica surgem, como o movimento de luta feminino em busca de maior representação e possibilidade de atuação política no seculo XX, que devem ser atendidas e que modificam os parâmetros nos quais a noção de cidadania havia sido construída até então. Percebe-se então que a abordagem linear e rígida do Estado moderno deixa de ser suficiente, e uma visão multifocal se torna necessária para tratar dos problemas multifacetados que se apresentam em nossa sociedade multicultural e individualizada. Pinsky (2005, apud Nunes, 2009), indica que A noção de cidadania sofreu uma grande transformação na segunda metade do século XX, quando ao lado da cidadania baseada em direitos e deveres surgiram demandas culturais e identitárias, de cunho particularista: como é o caso da exigência pela ampliação de reconhecimentos de grupos feministas, étnicos, raciais, sexuais etc. (NUNES, 2009)

Estas transformações transpassam então o contexto jurídico e institucional, mas não os rejeita uma vez que é a partir do contexto jurídico e institucional que os conflitos sociais (enquanto direitos do cidadão) serão mediados. Daí surge a necessidade de um estado de direito que contemple diferenças de grupos, sem que para isso prejudique outros.

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O que se observa, entretanto, é o caminhar do Estado em direção a privatização de seus poderes e dos espaço públicos. Bauman (2009) nos adverte que “à medida que as companhias multinacionais definem o conteúdo da maior parte das mídias tradicionais, a privatização do espaço público e o compromisso cívico aparecem mais impotentes e os valores públicos ficam cada vez mais invisíveis”. 2.1 Escola: ensino reducionista tecnicista e o desenvolvimento humano A situação da atual da educação brasileira gira em torno de uma demanda social criada pela atual configuração política e econômica em que estamos invariavelmente submetidos. Este é o papel inicial da educação segundo Postman (2007) que define a função da escola com sendo uma instituição voltada para criar um público que servirá a determinados propósitos: alimentar o ciclo econômico e político por meio do trabalho e da participação democrática, perpetuar os valores culturais por meio da linguagem e dos costumes sociais e usufruir e/ou manter os recursos naturais. Em outras palavras, a escola é o reflexo de nossa condição social e dos paradigmas firmados em nossas bases culturais. O sistema de valorização e toda a hierarquia social é enviesada por esse mesmo caminho, logo não é de se espantar que os métodos educacionais estejam, em sua maior parte, direcionados para suprir esta demanda explicita da aquisição do poder imediato que a condição monetária nos proporciona. Este mesmo pragmatismo educacional parece ser responsável pela mudança de prioridades escolares, tornando o processo de ensino do aluno um enorme curso probatório de capacidade de absorção de informações técnicas, sem propor uma reflexão do porquê de tal exigência. Assim como todo modelo hierárquico e linear, a exigências excedem as possibilidades de acensão, tornando a escalada social exaustiva e exponencialmente custosa. Logo, temos um fator de diferenciação explícito: aqueles que possuem meios, disposição e maior afinidade com aquilo que é tido em maior estima, por produzir maior retorno financeiro, conseguem ascender dentro da hierarquia estabelecida. Já aqueles que não possuem os mesmos diferenciais passam a ter de sacrificar o próprio bem-estar em nome da possibilidade de garantir minimamente sua subsistência. Podemos observar então que a situação se alastra não apenas no formato educacional, mas este mesmo formato serve como uma ferramente reguladora da atual situação. As

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observações que Armstrong (2008) faz em seu texto “As melhores escolas: a prática educacional orientada pelo desenvolvimento humano”, apesar de serem feitas tendo como contexto a realidade estadunidense, são bastante parecidas com nossa realidade escolar. O autor relata a degeneração do sistema educacional estadunidense, que falha como instituição educadora ao construir seu planejamento educacional tendo como meta altas nota medidas por testes padronizados em nome de uma suposta defesa do progresso cientifico metodológico, em detrimento da valorização de uma educação em nome do desenvolvimento das capacidades do aluno. Os métodos de avaliação acabam por se tornar mais uma ferramenta de segregação social. Armstrong (2008) passa a desenvolver então o discurso da educação em nome do desenvolvimento humano, propondo uma mudança no paradigma educacional. O Discurso do Desenvolvimento Humano considera que “tornar-se integralmente um ser humano é o aspecto mais importante da aprendizagem”, contrário ao atual paradigma, chamado pelo autor de “discurso de resultados acadêmicos”, segundo o qual,

O discurso de resultados acadêmicos tende a estreitar as metas da educação apenas à aquisição exitosa de conteúdos e habilidades acadêmicos. Por outro lado, o Discurso do Desenvolvimento Humano aproxima-se mais de capturar o significado original da palavra inglesa education, que remete à palavra latina educare: ‘criar, cultivar’. Assim, descobrimos que, no âmago, a educação é, na verdade, o meio de facilitar o desenvolvimento humano. (ARMSTRONG, 2008, p.49).

A crítica de autor está centrada nos métodos de avaliação do progresso do aluno que, por si só, não mensuram experiência e aprendizagem, mas incentiva a forma competitiva da educação desconsiderando as diferentes formas de desenvolvimento que o aluno pode ter. Os principais problemas em relação a educação está na direção para qual segue. Giddens (1991) considera a escola como uma ferramenta utilitária, organizações disciplinares, responsáveis pela manutenção burocrática da realidade social do sujeito. A escola é um reflexo das necessidades criadas pelo meio social, e são agentes da manutenção dessa mesma realidade. A noção de reprodução das divisões sociais tem base nessa estrutura reguladora, que em seu interior passa a separar “capazes”e de “incapazes” de acordo com as demandas da realidade que está inserida.

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A resolução, segundo Armstrong (2008), está no desvio da atual conduta doutrinaria da escola. Em seu discurso do desenvolvimento humano, o autor sugere o desvio das prioridades educacionais, introduzindo meios para uma educação mais flexível e “individualizada”, oferecendo escolhas significativas aos alunos.

Em vez da mentalidade “tamanho único” do Discurso de resultados Acadêmicos, que faz com que os alunos percorram um labirinto acadêmico padronizado para atingir o sucesso escolar, o Discurso do Desenvolvimento Humano considera cada indivíduo como um ser humano singular, com sua própria maneira de lidar com os desafios de desenvolvimento oferecidos pela vida. Assim, há um respeito por qualquer aluno e por seu estilo e ritmo específicos de aprendizagem, bem como uma apreciação dos interesses, das aspirações, das capacidades, dos obstáculos, dos temperamentos e dos históricos que formam a base sob a qual uma pessoa cresce. (ARMSTRONG, 2008, p.51).

O principal ponto da discussão está na definição da real função da educação escolar, que não pode simplesmente se tornar uma instituição puramente holística, dando total ênfase na educação puramente humanística do individuo. Todo individuo necessita de meios de subsistência e, para que os obtenha, necessita de formação técnica e instrumental de modo que possa se utilizar de sua experiência educacional para sobreviver e conquistar sua independência financeira. Mas a supervaloração do tecnicismo traz o prejuízo da desigualdade educacional e da pobre formação de pontos essenciais da formação humana. A felicidade e o bem-estar de cada individuo estão diretamente relacionados ao desenvolvimento de suas capacidades e de sua individualidade, que, no atual formato educacional, é completamente negligenciado em nome de um ideal imediatista de progresso. Uma mudança estrutural nas bases da educação é o requerimento de maior peso para que ocorra a mudança nos paradigmas das desigualdades sociais.

2.2 – Um vislumbre dos possíveis efeitos da individualização nas instituições políticas.

O Estado, por sua vez, se torna cada vez mais fragmentado. Sua capacidade generalista e o papel que assumia na modernidade, de entidade “intocável” pelos interesses particulares, se degenera diante do processo de individualização pelo qual o sujeito líquido passa. Esta

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entidade que, presumidamente se responsabilizaria pela manutenção da igualdade de deveres e direitos daqueles que se submetem a seu poder, passa a ser permeada por interesses de grupos cada vez mais particulares e individualizados, perdendo seu caráter de “Pai atento e justo” diante do olhar socialmente construído. Devemos ainda ter em mente que mesmo a representação se torna conflituosa já que o enorme escopo de diferentes individualidades e particularidades fragilizam toda a estrutura representativa. Para observarmos os efeitos reais deste “desarranjo estrutural” (nos referindo a estruturação social coma a qual Karl Marx trabalha nos termos de estrutura e superestrutura) podemos voltar nossos olhares para a configuração política de nossa sociedade. A crise de representação pela qual nossos partidos políticos passam atualmente é o reboar de toda instabilidade identitária da configuração do sujeito que questiona a capacidade dos partidos, como estão atualmente configurados, em representar o enorme número de particularidades que surgem em nosso âmbito social. Poderíamos, e seria altamente enriquecedor para o conteúdo do trabalho, trabalhar com o formato atual das instituições políticas com os partidos e a postura generalizante que assumem os chamados partidos “catch all” tal como trabalhado por Otto Kirchheimer em seu ensaio “The Transformation of the Western European Party Systems” (1966). No entanto, o tempo disponível não nos permite. Mas poderíamos argumentar, sucintamente, que esta postura se torna necessária ao mesmo tempo que deflagra todo um processo de fragilização da imagem dos partidos que, no entendimento popular, deveriam representar um escopo especifico de uma sociedade. Mas, para sobreviverem, esses partidos precisam se generalizar uma vez que os sujeitos cada vez mais individualizados passam a ter necessidades políticas altamente variadas e não mais se prenderiam a uma única postura fixa. Esta é a contradição fundamental que marca o processo pós-moderno. O sujeito que exige amplitude em suas representações perante ao Estado que não pode se deixar fragmentar a tal ponto de abdicar de seu papel condutor de força social para entregá-lo ao âmbito particular individual. No entanto, não é mais possível a exigência cartesiana pela ordem absolutamente fixa e racionalizada sem considerar todo o processo de decentralização identitária pelo qual o sujeito passa. Talvez com isso seja possível compreender em parte os acontecimentos de junho de 2013, quando milhões de pessoas saíram às sob pretextos e com motivações tão variadas quanto a quantidade de pessoas que se uniram às marchas. Conto com minhas próprias

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observações realizadas em duas das manifestações ocorridas na cidade de Goiânia entre os dias 20 e 22 de junho de 2013. O desencontro e a confusão que pareciam imperar sobre as ações da massa que formada seguia seu caminho sem vista de um final, conduzida apenas pela direção comum que os milhares de pés, que tomavam o lugar e a tarefa da razão, dirigiam os seus respectivos donos. O engajamento consciente se perdia em meio a enxurrada de revindicações absolutamente variadas e desencontradas. Esta era a representação mais fiel de nossa realidade de sujeitos tão fragmentados que, mesmo em companhia de outros milhares, se mantinham sozinhos. A violência com a qual rechaçavam qualquer tentativa de participação de representantes de órgãos partidários me parecer ser sintoma de toda a crise de representação política pela qual o Estado passa. Devemos então nos questionar: quem são os cidadãos neste novo formato institucional que não consegue mais arrecadar a força positiva dos sujeitos que deveria representar? O filosofo Jean Baudrillard nos apresenta uma possibilidade assustadora em seu anuncio do “fim do social”. Ele declara que, A massa (pós-moderna) realiza esse paradoxo de ser ao mesmo tempo um objeto de simulação e um sujeito de simulação, capaz de refratar todos os modelos e de revertê-los por hiper-simulação […] Todas as tentativas para fazer dela um sujeito deparam com uma espantosa impossibilidade tomada de consciência autônoma. Todas as tentativas para fazer dela um objeto deparam com a evidência inversa da impossibilidade de uma manipulação determinada das massas ou de uma apreensão em termos de elementos, de relações. A massa atualiza a mesma situação limite e insolúvel no campo “social”. Ela não é objetável (em termos políticos: ela não é representável) e anula todos os sujeitos que pretenderiam captá-la (em termos políticos: anula todos aqueles que pretendiam representá-la). (BAUDRILLARD, 1985, p.29-30)

Não seria este o rumo para o qual caminhamos com a aparente apatia política em que o “cidadão” que, dentre outras características aqui tratadas, deveria ser agente ativo em seu meio social?

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Considerações finais Encerro o trabalho com a sensação de que levantei muito mais questionamentos que consegui responder. No entanto devo me lembrar que este não é a conclusão definitiva deste esforço que, particularmente, parece ser monumental. Tratar de identidades e de todo o processo que nos levam a nossa atual forma de condução institucional, cultural e identitária é o trabalho de várias vidas e, assim como os que vieram antes de mim, devo ter paciência. Acredito que os pontos levantados acerca da volatilidade da construção de nossa cidadania, que está apoiada nas delimitações transparentes que a pós-modernidade nos joga de encontro, são de grande relevância para a compreensão desta “nova” etapa da experiência humana, que é a superação da modernidade. Talvez seja este é o novo desafio de nossa educação: desnaturalizar a neutralidade política do sujeito e “despragmatizar” a formação humana de forma a regenerar o poder de representação do Estado. O sujeito por mais fragmentado e desassociado a uma noção generalizante é dependente das formas institucionais do poder. No entanto, a “velha” forma de categorização moderna não mais satisfaz as variadas necessidades de posicionamento do indivíduo pósmoderno que os moldes da cidadania fixa e genérica que ajudou a construir e a desconstruir o projeto da modernidade. Bauman nos sugere o que acredita ser o única forma de educação capaz de suprir as necessidades deste mundo “instantâneo”: a educação e a aprendizagem no ambiente líquidomoderno, para que seja úteis, devem ser contínuas e durar toda a vida. Nenhuma outra forma de educação satisfaças a função última de formação de um cidadão pleno se não a que consiga superar o ritmo estonteante de nossa realidade social liquida. A superestimação constante do ensino instrumental reducionista, que avança em detrimento de uma educação formadora de indivíduos capazes de reflexões morais e éticas de maiores complexidade, acaba por dessensibilizar o sujeito para problemas que ultrapassam sua percepção individual. Algumas das consequências de tal formato de educação são nossa própria forma de agir em nossas relações comunitárias, a discussão e a garantia de direitos humanos, a construção de uma sociedade democrática e nossa apatia em relação a problemas que aparentemente não nos afetam. O processo contínuo de formação do sujeito é, segundo o autor, o único formato de educação efetiva em uma realidade na qual as rápidas mudanças e um mundo em constante

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“reacomodação”, em que demandas surgem e desaparecem como os dias passam, fazem parte do dia a dia das pessoas que o integram. É apenas dentro de uma constante e incessante formação do sujeito “líquido” que podemos obter alguma “solidez”. É essa a condição básica para a formação de cidadãos capazes de agir em seu contexto público e político. O caminho que Bauman nos aponta, quando postas em conjunto com as ideias de Armstrong para uma escola para o desenvolvimento humano, me parecem factíveis e não tão distantes. Acredito que é preciso aceitar que somos uma sociedade "do conhecimento e da aprendizagem contínuos", que convivemos com as inquietações das incertezas de um mundo fluído, em que somente com a formação e a educação continua é que capacitaremos cidadãos para agirem em seu contexto sociopolítico de forma a “alcançarem os próprios objetivos com ao menos um pouco de independência, segurança de si mesmos e esperança de sucesso”.

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Bibliografia ARAUJO, Ulisses. Escola, Democracia e a construção de personalidades morais Revista Educação e Pesquisa (FEUSP), vol.26, n.2, pp. 91-107 ARMSTRONG, Thomas. As melhores escolas: a prática educacional orientada pelo desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2008 BARRERE, Anne; MARTUCCELLI, Danilo. A escola entre a agonia moral e a renovação ética. Educação & Sociedade, ano XXII, no76, Outubro/2001 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. Disponível em: Último acesso em: 10/11/2013. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas ou O fim do social e o surgimento das massas. 2ª ed. brasiliense, SP. 1985. BAUMAN,Zygmunt. Entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos e modernidade líquida.

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