EDUCAÇÃO CONTINUADA EM ODONTOLOGIA: COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIA E TRAUMATOLOGIA BUCO-MAXILO-FACIAL (ISSN-2179-877X).

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Educação Continuada em Odontologia ISSN 2179-877X

Vol. 2 nº5 2012

Utilização da oxigenoterapia hiperbárica (OHB) nas reconstruções de perdas ósseas da Mandíbula

Apoio

COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIA E TRAUMATOLOGIA BUCO-MAXILO-FACIAL 1

Educação Continuada em Odontologia

Utilização da oxigenoterapia hiperbárica (ohb) nas reconstruções de perdas ósseas da mandíbula Sylvio Luiz Costa de Moraes1 Alexandre Maurity de Paula Afonso2 Roberto Gomes dos Santos2 Ricardo Pereira Mattos2

Introdução

A física e a OHB

Historicamente, o ar comprimido tem sido empregado com fins terapêuticos desde 1664, quando o médico inglês H. Henshaw pressurizou um aposento, utilizando um fole de órgão para tratar “doença crônica”(1). O emprego do oxigênio sob condições de pressão – denominado oxigenoterapia hiperbárica (OHB) – tem como base a Medicina Hiperbárica. Os fundamentos estão relacionados aos conhecimentos básicos da física e da química – que se aprende ainda nos bancos escolares. Sabe-se que os três estados da matéria são: sólido, líquido e gasoso. Quanto ao peso, volume e forma pode-se afirmar que no estado:

Quanto a relação entre os estados líquido e gasoso, pode-se citar duas Leis Físicas e alguns processos bioquímicos que ajudam o entendimento sobre o mecanismo de ação da OHB e dos métodos utilizados na medicina hiperbárica – a Lei de Boyle: “A uma temperatura constante, o volume de um gás é inversamente proporcional à sua pressão”, ou seja, num ambiente pressurizado o gás sofre contração – e a Lei de Henry: “A solubilidade dos gases é diretamente proporcional à pressão, isto é, quanto mais alta for a pressão, maior será a capacidade do líquido de dissolver o gás”. O exemplo popular é o que constata ao abrir uma garrafa de refrigerante – o gás, sob pressão, contido na garrafa, acaba por se expandir quando se abre a mesma. Portanto, compreende-se que os gases contidos no sangue, quando sob pressão se liquefazem e melhoram a perfusão (aporte sangüíneo e conseqüente oxigenação para todos os tecidos). Deve-se atentar para o fato de que se vive sob 01 ATA. Todavia, quando se está praticando o “mergulho subaquático”, em média, a cada 10 (dez) metros há o acréscimo de 01 ATA de pressão sobre o corpo, ou seja, a 10 metros a pressão é de 02 ATA, a 20 metros de 03 ATA e assim por diante. A Câmara Hiperbárica reproduz tais condições, durante um mergulho real, possibilitando a execução de “mergulhos secos”, artificiais, no seu interior (Tabela 1).

a) Sólido os três parâmetros são constantes; b) Líquido só a forma é variável, vez que se adequa ao “recipiente” que o contém; e c) Gasoso somente o peso é constante – o volume e a forma são variáveis, pois todo o gás tende a se expandir. Na verdade, em termos de sangue deve-se atentar para os estados líquido e gasoso – importantes para se entender os efeitos da pressão no interior de uma câmara hiperbárica (câmara de alta pressão). De forma objetiva, a OHB consiste na administração intermitente de oxigênio a 100 % numa pressão ambiente – pressão atmosférica – atmosfera absoluta (ATA) – maior do que ao nível do mar, utilizando-se uma câmara hiperbárica. A pressão atmosférica, aquela sob a qual vivemos (01 ATA ao nível do mar) vem sendo objeto de curiosidade há muitos séculos. Alguns registros apontam o ano de 1654(3, 4) – em Magdeburgo, Alemanha – como aquele que efetivamente marcou a constatação da existência de uma força incidente sobre a superfície terrestre – a pressão atmosférica. É importante entender que no ar que se respira, existe uma mistura de gases em concentrações diferentes: nitrogênio (78%), oxigênio (21%) e outros gases – incluindo o gás carbônico (1%). Portanto, o gás predominante é o nitrogênio e não o oxigênio. Como o ar ganha as vias aéreas, chega aos pulmões e é transportado para o sangue, neste existem os mesmos gases – proporcionalmente nas mesmas concentrações.

Tabela 1. Relação entre as profundidades e as pressões absoluta e manométrica.

Profundidade Nível do Mar 10 m 20 m 50 m

Pressão manométrica 0 ATA 1 ATA 2 ATA 5 ATA

Pressão absoluta 1 ATA 2 ATA 3 ATA 6 ATA

Outro conceito que deve ser entendido é a diferença que há entre pressão absoluta e pressão manométrica: tPressão absoluta – É a força expansiva do gás agindo sobre as paredes do vaso que o contém. tPressão manométrica – É aquela “aferida com manômetro”. Conhecida como pressão relativa, pois não leva em conta o “peso do ar atmosférico” (1 ATA ).

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Efeitos benéficos Em bases consideradas científicas, a OHB é uma terapêutica que conta com uma história de meio século. É segura, eficiente e econômica. Sob condições de pressão, equivalente àquela encontrada a 15 (quinze) metros de profundidade de água salgada ou 2,4 a 2,5 ATA (atmosfera absoluta), devido ao notável aumento da fração de oxigênio dissolvido no plasma entre 9 a 10 vezes maior do que sob 01 ATA – “ao nível do mar”, além daquela carreada pela hemoglobina, ocorre um aumento da oferta de oxigênio em todo o organismo (Tabelas 2, 3 e 4). Figura 1a. Radiografia panorâmica na qual se observa extensa lesão lítica.

Tabela 2. Oxigênio do ar atmosférico sem pressão da câmara hiperbárica.

1 ATA

PO2 no Ar (O2 a 21%)

150mmHg

Árvore brônquica

PO2

100mmHg

O2 dissolvido no plasma

0,3 volumes% (0,3ml/100cm3)

Tabela 3. 100% de Oxigênio sob pressão de 1 ATA na câmara hiperbárica.

1 ATA

PO2 em 100% de O2

760mmHg

Árvore brônquica

PO2

650mmHg

O2 dissolvido no plasma

2 volumes%

Figura 1b. Radiografia panorâmica. Lesão lítica (ameloblastoma) em destaque.

Tabela 4. 100% de Oxigênio sob pressão de 3 ATA na câmara hiperbárica.

3 ATA O2 dissolvido no plasma

PO2 em 100% de O2

2280mmHg 6 volumes%

* PO2 : pressão parcial do Oxigênio

O aumento da concentração de oxigênio gera o aumento da oferta do seu trânsito dissolvido no plasma e, assim, ratifica a importância e utilidade da OHB como adjuvante no tratamento de diversas condições infecciosas, inflamatórias, necrotizantes e de insuficiência vascular, como as listadas a seguir (5-7):

Figura 1c. Radiografia panorâmica de 12 meses de reconstrução mandibular com enxerto de crista ilíaca

1. Gangrena gasosa (mionecrose clostridiana); 2. Infecções necrotizantes (fasceíte necrotizante); 3. Síndrome compartimental e isquemia periférica traumática aguda (lesões por esmagamento, reimplante de extremidades amputadas); 4. Osteomielites: agudas, crônicas e refratárias; 5. Osteoradionecroses; 6. Intoxicação por monóxido de carbono e cianeto; 7. Enxertos livres e retalhos; 8. Doença descompressiva (“mal dos caixões” - acidente de trabalho entre mergulhadores); e 9. Queimaduras. Por conferir uma acentuada melhora no processo de cicatrização, tem grande aplicabilidade na preservação de retalhos, enxertos cutâneos comprometidos, e especialmente na preparação local de enxertos, aonde tem se mostrado altamente benéfica (Figuras 1a, 1b, 1c, 1d).

Figura 1d. Radiografia panorâmica de 24 meses de reconstrução mandibular as setas mostram a área de integração do enxerto com remanescentes ósseos da mandíbula.

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Educação Continuada em Odontologia Efeitos adversos

Entre 1997 e 2011, no nosso Serviço foram operados pacientes portadores de tumores da mandíbula que, embora benignos, evoluem com grande invasão dos tecidos contíguos e ainda pacientes vitimas de agressões por projétil por arma de fogo (PAF) e ainda paciente com osteonecrose dos maxilares, por bisfosfonatos, que necessitaram da OHB como complemento terapêutico.

Os efeitos adversos apontados, em alguns estudos, têm sede no Sistema nervoso central (snc) e no aparelho respiratório. No SNC pode ocorrer excitabilidade (convulsões) – de acordo com as estatísticasa americanas a cada 10.000 pacientes, 1,3 evoluem com crises convulsivas. Sob o ponto de vista pulmonar, foram relatadas dor retroesternal, tosse seca e hemorragia em vias aéreas superiores. Todavia, tais efeitos eram observados quando se fazia a exposição ao oxigênio sob pressão em sessões diárias de 90 a 120 minutos com intervalos inferiores a 4 horas, o que não faz parte do protocolo praticado pelos autores.

Contra-indicações Com relação às contra-indicações citam-se as: Absolutas

1. Uso de drogas – doxorrubicina (anti-neoplásico); 2. Dissulfuram (antietanol), cisplatina (anti-neoplásico); 3. Pneumotórax não tratado; e 4. Gravidez.

Figura 2a. Radiografia Panorâmica, na qual se observa lesão lítica de ramo mandibular do lado esquerdo (ceratocisto).

Relativas

1. Infecções das vias aéreas superiores; 2. Hipertermia; 3. História de pneumotórax espontâneo; 4. Cirurgia otológica prévia; e 5. Infecção viral - fase aguda. Emprego

Utiliza-se o seguinte protocolo de tratamento (3, 4, 8-12): a) Pré-operatório: 20 (vinte) sessões diárias com 90 minutos de duração, sob uma pressão de 2,5 ATA (equivalente a 15 metros de profundidade) nas chamadas multi-câmaras (destinada a alguns pacientes por vez) ou sob as mesmas condições por 30 minutos nas chamadas monocâmaras (destinada a um único paciente por vez).

Figura 2b. Radiografia Panorâmica, em destaque, imediatamente pós-operatória. Pode-se notar a presença do enxerto ósseo oriundo da crista ilíaca.

b) Pós-operatório: o mesmo protocolo. A diferença entre as multi-câmaras e monocâmaras no que tange ao tempo das sessões reside da maior rapidez, das últimas, em chegar à profundidade do mergulho simulado e, portanto, às condições de pressão. Como o nosso Serviço presta atendimento a pacientes portadores de extensas lesões envolvendo o osso mandibular num percentual expressivo dos casos, o tratamento instituído, para tais condições, foi o cirúrgico. As operações consistiram em ressecção do segmento acometido, garantindo desta forma a chamada “remoção em peça única”, opção que diminuindo as chances de recidiva – seguida de reconstrução imediata através de enxerto ósseo livre oriundo da Crista Ilíaca, combinado a utilização de osteossíntese do tipo carga suportada, ou “load-bearing”, através de fixação esquelética em Titânio dos Sistemas “non-locking” e “locking” (2, 4, 8-12), sendo o “locking”, ou de travamento, considerado melhor devido as condições da importante estabilidade (8-13) que proporciona.

Figura 2c. Radiografia Panorâmica, em destaque, aos 06 meses de pós-operatório. As setas apontam para os sítios de interface mandíbula-enxerto.

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Educação Continuada em Odontologia

Figura 3a. Radiografia Panorâmica. Observa-se lesão (ceratocisto mandibular) comprometendo parte do corpo e ramo mandibular do lado esquerdo.

Figura 3d. Foto do segmento de osso da crista ilíaca preparado para enxertar a área de perda óssea.

Figura 3b. Tomografia computadorizada em cortes coronais. Constata-se que a base condilar está, aparentemente, livre da lesão.

Figura 3e. Radiografia Panorâmica imediatamente pós-operatória.

Figura 3c. Foto da peça ressecada.

Figura 3f. Radiografia Panorâmica aos 03 meses de pós-operatório.

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Educação Continuada em Odontologia que dispõem das chamadas monocâmaras e a multi-câmaras. No ano de 2009 os autores passaram a utilizar, inicialmente 20 (vinte) sessões pré e pós-operatórias ao invés das 30 (trinta) recomendadas no início da instituição do protocolo(8-12).

Conclusão O oxigênio sob pressão é um recurso versátil, indolor e que encontra nas bases físico-químicas do seu emprego, benefícios fisio-metabólicos que justificam a sua indicação. A despeito de no presente trabalho os autores utilizarem enxerto ósseo oriundo da crista ilíaca, nas reconstruções da mandíbula, os pacientes tratados evoluíram com reabsorção óssea, em média, da ordem de 10-20%, ao contrário da expectativa natural de 70-80 % de perda, considerando a origem endocondral do osso eleito para emprego. Finalmente a experiência do Serviço vem ao encontro da constatação de que a OHB representa hoje uma ferramenta eficiente como coadjuvante nos tratamentos das condições que envolvem a face, cabeça e o pescoço, bem como, no tratamento de muitas doenças ou complicações decorrentes das mesmas.

Figura 3g. Radiografia Panorâmica aos 12 meses de pós-operatório.

A partir de 1998, passou-se a empregar a OHB rotineiramente no pós-operatório, para assegurar melhores condições ao enxerto ósseo livre, bem como ao seu leito receptor. Em 1999, iniciou-se o protocolo que envolve o emprego da OHB tanto no pré quanto no pós-operatório. Para tal, conta-se com o apoio de Centros de Medicina Hiperbárica

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Questões:

Buco-Maxilo-Facial. T i r a g e m : 3.150 exemplare s. P e r i o d i ci d ad e : bime stral. A re sponsabilidade sobre os ar tigos assinados é exclusivamente de seus autore s, e as opiniões apresentadas não refletem necessariamente a opinião desta publicação. Coordenação Editorial:

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