Educação e currículo: reflexões sobre o repertório musical no ensino de música

June 6, 2017 | Autor: F. da Silva Sá | Categoria: Educação, Música, Educação Musical, CURRICULO, Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais
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Educação e currículo: reflexões sobre o repertório musical no ensino de música Fábio Amaral da Silva Sá130 [email protected] Brasil Eliane Leão131 [email protected] Brasil Resumo: O objetivo deste texto é refletir sobre o conceito de currículo a fim de buscar compreender como a luta de interesses e as relações de poder interferem na sua construção, sobretudo, na área de música. Elaborou-se uma breve discussão das contribuições de teóricos da sociologia e da educação visando abordar a educação e conteúdos a serem contemplados no sistema de ensino. Por fim, realizou-se uma reflexão sobre as contribuições teóricas desses temas para analisar o repertório musical, com o objetivo de valorizar o ensino de música no Brasil. Palavras-chave: Educação. Currículo. Repertório musical. Abstract:El objetivo de este artículo es reflexionar sobre el concepto de plan de estudios con el fin de tratar de comprender cómo la lucha de intereses y relaciones de poder interfiere en su construcción, especialmente en el área de música. Hemos preparado una breve discusión de las aportaciones teóricas de la sociología y la educación con el fin de abordar la educación y los contenidos que se incluirán en el sistema educativo. Por último, hubo una reflexión sobre las aportaciones teóricas de estos temas para analizar repertorio musical, con el fin de mejorar la enseñanza de la música en Brasil. Palabras clave: Educación. Currículo. Directorio de Música.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre o conceito de currículo a fim de buscar compreender como a luta de interesses e as relações de poder interferem na sua construção, sobretudo, na área da música, a partir da escolha do repertório musical. Parte-se da análise teórica de autores da sociologia clássica e contemporânea, com o objetivo de refletir sobre suas possíveis contribuições para o ensino da música na contemporaneidade. É importante dizer que embora os autores da sociologia 130

Fábio Amaral da Silva Sá, Graduado em Educação Musical pela UFG. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Sociedade Brasileira de Educação e Cultura. Aluno bolsista (CNPq) no Programa de Mestrado em Música da UFG, com pesquisa na área de Ensino Coletivo de Violão. Professor de Música e Ensino Coletivo de Violão na Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás. 131

Dra. Eliane Leão, doutora pela UNICAMP. Mestre pela Purdue University. Pós-doutora pela Auburn University/CNPq. Editora de música do Art Research Journal, representante da ANPPOM. Professora no Mestrado em Música da EMAC/UFG. Pesquisadora na área de Desenvolvimento Cognitivo Musical, Metodologias de Ensino da Música, Criatividade, Ensino Coletivo e Interdisciplinaridade. Autora do livro Pesquisa em Música: apresentação de metodologias, exemplos e resultados, da Editora CRV.

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clássica não utilizem o termo currículo, apontam discussões importantes sobre conteúdos e objetivos da educação, o que configura parte integrante da construção do currículo escolar. O texto132 se justifica pela importância da escolha do repertório musical para o processo metodológico a ser utilizado nas aulas de músicas, pois que muitos currículos são construídos a partir da escolha do repertório musical. É importante salientar que em certos casos, o repertório musical pode estar diretamente atrelado ao nível de interesse e desempenho dos alunos. Foi utilizada a revisão bibliográfica como Metodologia de pesquisa. “*...+ aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, teses etc.” (SEVERINO, 2007, p. 122). A primeira parte deste texto é dedicada a uma breve discussão sobre as contribuições de teóricos clássicos da sociologia, especificamente, os autores Émile Durkheim (1965), Karl Marx e Friedrich Engels (2004), a fim de entender como a educação e o conteúdo é contemplado no sistema de ensino. Além disso, realiza-se uma reflexão da influência tanto da sociedade como da comunidade na formação do indivíduo por meio de contribuições de Karl Mannheim (1974), considerado um contemporâneo clássico. A segunda parte é destinada a pensar a relação entre o desempenho escolar e a meritocracia, a partir das reflexões de Pierre Bourdieu (1998) e François Dubet (2004). Em seguida, busca-se realizar uma análise do conceito de currículo a partir de Silva (2007), Sacristan (2000) e Young (2007, 2014), bem como a relação do jogo de poder e de interesses na sociedade e no sistema educacional. Por fim, realiza-se uma reflexão sobre as contribuições teóricas na educação e no currículo, numa tentativa de analisar o repertório musical valorizado no ensino de música no Brasil. MARX, ENGELS, DURKHEIM E MANNHEIM: CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES CLÁSSICOS PARA PENSAR O CURRÍCULO NO ENSINO DE MÚSICA Para Durkheim (1965), a existência da sociedade está atrelada a uma certa homogeneidade entre os membros que a integram. Para ele, a educação seria a 132

Esse texto integra uma pesquisa de mestrado em música em andamento na UFG, que visa estudar a aprendizagem musical, a partir de um proposta metodológica por meio de aulas coletivas de violão.

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maneira de permitir o funcionamento de toda estrutura da sociedade através da preparação das crianças pelas gerações adultas, criando as condições necessárias para administrar sua própria existência e para exercer a vida social. Assim, o sujeito aprendiz é visto como um agente passivo recebedor do conhecimento do professor. Portanto, a educação social se torna uma forma de manter a estrutura da sociedade em funcionamento e de tentar prevenir as anomalias que podem ocorrer causadas pelo seu mau funcionamento. Sua visão de educação não é a de uma educação emancipadora, mas sim, de uma educação tradicional que busca conservar uma estrutura vigente. A educação é vista pelo teórico como função social, cabendo ao Estado, a obrigação de gerir o sistema educacional, fiscalizando a esfera privada. A análise dessa perspectiva, permite compreender que a discussão sobre os objetivos da educação a serem trabalhados nas instituições de ensino, leva à discussão do conteúdo a ser ensinado, remetendo-nos à reflexões sobre o currículo escolar. Para Karl Marx, o indivíduo que passa horas com a mesma ocupação, perde a oportunidade de desenvolver sua inteligência. Em seu pensamento "a subdivisão do trabalho é o assassinato de um povo." (MARX; ENGELS, 2004, p. 32). Por esse motivo, o indivíduo deveria se dedicar a várias ocupações para evitar o seu embrutecimento e, assim, alcançar o desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais, físicas e técnicas. Na área educacional percebe-se que o conteúdo a ser ensinado deveria ser igual para todas as camadas da sociedade, tanto operárias como burguesas, para ser considerada universal. Segundo estes pressupostos, a educação das crianças deveria contemplar, em sua estrutura, conteúdos que garantissem o desenvolvimento corporal, intelectual e tecnológico.  A aprovação da Lei n. 11.769/2008, que implementa a música como conteúdo obrigatório nas escolas de ensino regular no Brasil, vem contribuir com esse pensamento. Com a lei, o ensino da música não deve ser relegado apenas à conservatórios e cursos técnicos ou ainda àqueles indivíduos que possuem condições de pagar uma aula particular. Com a aprovação da lei, há a possibilidade de oportunizar o acesso ao ensino da música a todas as crianças do país, estudantes de escolas públicas e particulares.  Para Marx e Engels (2004), o processo educativo está relacionado à formação

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da sociedade e ao preparo da mão de obra, aspectos que permeiam o currículo escolar. É a partir da definição dos conteúdos ensinados nas unidades escolares que seria possível, inclusive, contemplar a formação para o mercado de trabalho.  Outro ponto a ser mencionado, se refere a importância que a comunidade pode exercer no processo educativo. Se para Durkheim (1965) a sociedade era a responsável por exercer a maior influência sobre o indivíduo, para Mannheim e Stewart (1974) a comunidade executava esse papel. Para este, a educação é fruto da sociedade e o indivíduo é modelado visando atender a um determinado grupo. Dessa forma, a comunidade é apresentada como um "agente educativo" central, em que o processo educativo é operado de acordo com as ideias e os padrões dominantes no interior da comunidade em que o indivíduo vive. Portanto, é possível perceber que a escola não tem o poder exclusivo da educação, pois o convívio na comunidade contribui de forma direta com todo o processo educacional. Mannheim e Stewart (1974) destacam a centralidade da comunidade, da democracia e do meio social para pensar a educação. Enfatiza a necessidade de pensála inserida em um contexto social, político e comunitário. Dessa forma, no caso do ensino da música, não é possível pensar o currículo a ser ministrado sem refletir sobre os interesses que permeiam a comunidade em que a escola está inserida. Para os autores, a criança sofre influências em certas conjunturas muito mais profundas do meio em que vive, em contato com seus pais e amigos, do que participando de uma formação educacional institucionalizada. Os teóricos discutidos acima trouxeram contribuições quanto aos objetivos da educação e da importância da seleção de conteúdos, que consequentemente, reproduzem e/ou transformam a sociedade. Também foi possível observar a importância da sociedade e da comunidade para o processo educativo/socializador dos indivíduos. Segue-se a reflexão sobre a relação entre desigualdade e educação, com Bourdieu (1998) e Dubet (2004).

BOURDIEU E DUBET: UMA REFLEXÃO SOBRE O DESEMPENHO ESCOLAR

Para Bourdieu (1998), a escola é um fator de conservação social, ela exige consciente e inconscientemente dos alunos uma vivência cultural anterior que se

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aproxima muito mais dos alunos originários da elite do que dos alunos provenientes das camadas da pequena burguesia, operárias e camponesas. Nesse aspecto, alunos provenientes de famílias cultas já chegam à escola com vantagens em relação aos demais, pois já aprenderam de maneira osmótica no seio familiar o gosto pelo bom gosto, bem como, os códigos linguísticos, culturais e até mesmo atitudes e posturas que são valorizadas pelo sistema de ensino e pela sociedade. Esses valores implícitos transmitidos pela família de forma indireta acabam por permanecer de forma interiorizada, guiando a conduta dos alunos, o que configura a formação de um ethos como denomina Pierre Bourdieu (1998).Tudo isso vem desmistificar a crença no dom ou nas qualidades naturais, ao revelar todos esses mecanismos que estão por detrás do êxito escolar dos alunos provenientes das famílias das classes cultas. Para o autor, tanto o capital cultural133 como o ethos, colaboram para determinar os comportamentos dos alunos diante da escola. As vantagens ou desvantagens sociais irão favorecer a longo prazo as vantagens e desvantagens escolares. Assim, a escola não é uma instituição neutra, que transmite seus valores de modo universal e igual. Os estilos e gêneros musicais valorizados no sistema de ensino, bem como as disciplinas consideradas de maior valor, são muitas vezes reflexo do gosto da cultura dominante. Constata-se nessa perspectiva que a construção do "[...] currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante." (SILVA, 2004, p. 35). Desse modo, é possível afirmar que a escola é um agente reprodutor de desigualdades "[...] na medida em que os alunos que já trazem da família o capital cultural exigido na escola terminam por ter melhor desempenho escolar, pois, aprendem com maior facilidade os códigos que lhe são ensinados". (SÁ; LEÃO, 2014, p. 137) Fraçois Dubet (2004), assim como Bourdieu (1998), realiza análise sobre a desigualdade no sistema de ensino, no entanto, não a faz a partir do conceito de capital cultural, mas sim a partir da perspectiva de justiça escolar em sociedades democráticas, onde a meritocracia é eleita como uma competição justa entre os 133

Capital cultural é uma expressão cunhada e utilizada por Bourdieu para analisar situações de classe na sociedade. De uma certa forma o capital cultural serve para caracterizar subculturas de classe ou de setores de classe.

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desiguais e considerada "[...] um princípio essencial de justiça." (DUBET, 2004, p. 541). Para o autor a simples existência de "[...] um espaço de competição escolar objetiva não elimina as desigualdades." (Ibid., p. 542). Nos mostra, como Pierre Bourdieu, que as desigualdades sociais acabam tendo uma grande influência no desempenho escolar e consequentemente também nas desigualdades escolares. Dessa forma, o modelo meritocrático acaba legitimando os resultados. Os alunos que não conseguiram êxito mediante todas as chances oferecidas pelo sistema de ensino, acabam tendo que arcar sozinhos com a responsabilidade do seu próprio fracasso. Ao mesmo tempo que o autor parte da concepção de meritocracia como uma forma de justiça, apresenta também suas limitações. Assim, Dubet (2004) propõe formas compensatórias pois a escola está longe de alcançar esse ideal meritocrático. Ciente das limitações de modificar as desigualdades escolares com ações distributivas, bem como a resistência gerada entre os que são beneficiados pelo modelo meritocrático puro, revela que a meritocracia utilizada como modelo de justiça escolar deve ser repensada. Tal discussão aponta para a necessidade da busca de outros princípios de justiça a serem aplicados no sistema de ensino. Esses autores destacam a necessidade de se pensar a educação como um sistema que pode ser reprodutor de desigualdades. Faz-se, a seguir, uma análise do conceito de currículo, dado que é importante o entendimento do currículo para a compreensão do processo educacional; tendo como base teórica os autores Silva (2007), Sacristán (2000) e Young (2007, 2014).

SILVA, SACRISTÁN E YOUNG: REFLEXÕES SOBRE O CURRÍCULO

Para Silva (2007), o currículo define o que será ensinado a partir da seleção de um universo amplo de conhecimentos. Essa seleção acaba por influenciar diretamente a construção da identidade daqueles que estão envolvidos no processo de ensino aprendizagem. Assim, o currículo pode ser considerado um elemento de poder a partir de um jogo de interesses, definindo o que será e o que não será contemplado dentro da sala de aula. Ou seja, toda teoria do currículo, se esbarrará na escolha de quais conhecimentos e conteúdos ensinar e consequentemente no dilema de que perfil de identidades se quer construir.

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Para Sacristán (2000), o conceito de currículo é recente em nosso meio, no entanto, no que se refere à teorização, o termo não está adequadamente sistematizado. Diante das várias definições de currículo existentes o autor salienta que: não podemos esquecer que o currículo supõe a concretização dos fins sociais e culturais, de socialização, que atribui à educação escolarizada [...] As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais e intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas” (SACRISTÁN, 2000, p. 15-16).

Através do currículo realiza-se os fins da educação no sistema de ensino; desse modo,

compreender o objetivo da instituição de ensino passa pelo exame do

currículo, por meio da análise dos conteúdos, pois o currículo acaba refletindo os valores que vigoram na instituição de ensino e também os conflitos de interesses existentes. Nessa perspectiva, currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações" (SACRISTÁN, 2000, p. 15-16).

Já Young (2007) acredita que a comunidade não possui a centralidade da educação como acreditava Mannheim (1974). Pois para o autor, as escolas "[...] podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade [...]" (Ibid., p. 1294). O autor ao buscar responder a pergunta 'Para que servem as escolas?' , nos apresenta a diferenciação entre dois tipos de conhecimento. O primeiro, dito conhecimento dos poderosos, pertencente aos indivíduos detentores de maior poder na sociedade e, consequentemente, com privilégio de acesso a certos tipos de conhecimento. O segundo, conhecimento poderoso, sendo um conhecimento especializado, geralmente não disponível em casa, mas sim transmitido pelas escolas por meio de conteúdos pré-selecionados através de um currículo escolar. Young (2007) nos alerta que "não há nenhuma utilidade para os alunos em se

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construir um currículo em torno da sua experiência, para que este currículo possa ser validado e, como resultado, deixá-los sempre na mesma condição." (Ibid., p. 1297). Nesta perspectiva Canen (2010) nos mostra ainda os perigos da guetizaçãocultural, quando professores consideram apenas a cultura do aluno e não apresentam novas possibilidades culturais. Para a autora "a guetização curricular implica uma perspectiva em que grupos ou identidades étnicos-culturais optam (ou são levadas a optar) por propostas curriculares que se voltam exclusivamente ao estudo de seus padrões culturais específicos." (CANEN, 2010, p. 185). Um currículo que se comporta dessa maneira, não oferece a oportunidade do aluno ter acesso ao dito conhecimento poderoso e assim acaba por prendê-lo no gueto de sua particularidade, isolando-o. Neste ponto da discussão, é preciso ressaltar a tendência dos professores de música de somente ensinar a musica de interesse dos alunos, aquela a que estão expostos no ambiente em que estão inseridos. Não é oferecido ao aluno a chance de aprender novos conteúdos ou mesmo, os elementos da complexidade musical; ampliando o seu conhecimento musical. Dando a eles a oportunidade de sair dos contextos deste guetocultural. A partir do pensamento de Young (2014) se entende currículo como uma forma especializada de saberes que podem ser desenvolvidos de forma a expandir as oportunidades para o aprendizado. O currículo tem um papelnormativo, essa afirmação possui dois significados distintos. O primeiro faz referência às regras ou normas que norteiam a construção do currículo. O segundo "[...] refere-se ao fato de que a educação sempre implica valores morais sobre uma boa pessoa e uma “boa sociedade”. (ibid., p. 194). Entende-se a partir das reflexões realizadas, que um professor de música não deve impor seu conhecimento ensinando somente os conteúdos musicais que os alunos já apreciam Tem que ir mais além; não esquecendo de partir do gosto musical dos alunos para avançar e ensinar gêneros e temas novos. Deve-se considerar como valor os conhecimentos trazidos pelos alunos, mas somente como ponto de partida para dar a eles oportunidade de conhecer, criar e aprender mais. Assim eles alcançam avanços em sociedade. Nessa perspectiva, um professor de música poderá construir um currículo para grupos específicos de alunos, levando "[...]emconsideraçãooconhecimentoanteriordequeestesdispõem." (YOUNG, 2014, p.

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199).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na reflexão realizada acima, foi possível constatar que é fundamental pensar o sistema educacional como um espaço constituído a partir de relações de poder, sendo parte integrante da construção social dos indivíduos. No entanto observa-se que a constituição do currículo escolar envolve o atendimento de interesses de diferentes grupos. No entanto, é preciso empoderar o aluno, pois que conhecer é poder. Ao estudar e identificar a educação e o currículo como uma construção social permeada por relações de poder presente nas diversas áreas do conhecimento, constata-se que a construção do currículo no campo da música, deve ser realizada com consciência de que a seleção de gêneros e estilos musicais a serem contemplados no currículo, perpassa também por essas relações de poder. E que ao aluno deve-se dar a oportunidade de conhecer mais do que o regular, comum e familiar. A ele é devido o ensino do que é novo, criativo e desconhecido. As teorias em torno do currículo, permitem perceber que as relações de poder podem estar presentes na escolha de um repertório musical, como parte integrante das aulas de música. Ao pensar na seleção do repertório musical, é possível observar que o professor poderá selecioná-lo objetivando reproduzir um determinado tipo de cultura ou valorizar a diversidade cultural que existe na sociedade. Identifica-se a necessidade da escola contribuir com a ampliação de visão de mundo dos alunos, oferecendo-lhes novas perspectivas, possibilitando-lhes entrar em contato com novos gêneros e estilos musicais que não fazem parte do meio em que vivem. Ao obsevarmos como ocorre essa seleção de repertório musical nas aulas de músicas nas escolas, é possível notar que existe uma disputa de poder em relação ao tipo de repertório que deve ser ensinado. Em uma parcela de instituições há a valorização, de forma quase exclusiva, de uma repertório de músicas eruditas de origem europeia. Em outras, há a busca da definição do gosto musical dos alunos; mas uma parcela de professores, muitas vezes

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trabalham quase que exclusivamente com o repertório musical predominante na comunidade e deixam de oferecer aos alunos novas possibilidades culturais, praticadas em outros contextos. Observa-seem algumas escolas que a questão da escolha do repertório é secundária. Visam somente atender às necessidades referentes às datas comemorativas tais como a seleção das músicas para o dia das mães, para a páscoa, para as festas juninas e para o natal. É o que definimos como ensino de música para o palco. Ou seja, a música é utilizada como adorno para ser um pano de fundo para os trabalhos pedagógicos desenvolvidos nas referidas datas, cumprindo uma função meramente cívica, depreciando sua importância como conteúdo sério na formação integral dos estudantes. Assim, observa-se que o currículo pode ser construído com diferentes objetivos a partir do jogo de interesses e de poder. Da mesma forma que práticas pedagógicas de ensino de música, que se fundamentam em princípios do desenvolvimento do talento e do “dom”, podem contribuir para o privilégio de poucos, menosprezando o fato de que aprender musica é um direito de todos. Acredita-se que a educação musical deve considerar o que os alunos trazem para dentro da sala de aula, contemplando a diversidade cultural existente no país; mas que também há o compromisso dos educadores musicais de ensinarem e alfabetizarem musicalmente. O currículo não deve ser somente teórico e a vivência musical deve ser o objetivo principal do professor de música. Desse modo, concorda-se com Swanwick (2003) e Queiroz (2004) que a educação musical deve proporcionar novas experiências musicais, sem nunca deixar de considerar o discurso musical dos próprios alunos. Acredita-se, como Fernandes (2003), que o cotidiano que o adolescente vive, como as músicas populares e da mídia, devem fazer parte da prática musical.

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novo milênio. In: LOPES, A. C. e MACEDO, E. (Org.). Currículo: debates contemporâneos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 174-195. DUBET, François. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa,v. 34, n. 123, p. 539555, set./dez. 2004. FERNANDES, José Nunes. Educação Musical: temas selecionados. Curitiba: CRV, 2013. DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução do Francês: Lourenço Filho. 6 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965. MANNHEIM, Karl; STEWART, W.A.C. Introdução à Sociologia da Educação. Tradução do Inglês: Octaviano Mendes Cajado. 3.ed. São Paulo: Cultrix, 1974. MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino.Tradução do Alemão: Critique de L'education et de L'enseignement. 2.ed. São Paulo: Editora Centauro, 2004. QUEIROZ, Luiz Ricardo Silva. Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade cultural no ensino e aprendizagem da música. Revista da ABEM,Porto Alegre, v. 10, 2004. p. 99–107. SÁ, Fábio Amaral da Silva; LEÂO, Eliane. A construção do repertório musical para o ensino coletivo de violão: uma análise das teorias do currículo. In Seminário Nacional de Pesquisa em Música da UFG. 2014. Goiânia. Anais... Goiânia: UFG, 2014, p. 133-140. SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. SILVA, Tomás Tadeu da. Documentos de identidade. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2007. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico.23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003. YOUNG, Michel. Para que servem as escolas? Educ. Soc. Campinas, v. 28, n. 101, p. 1287-1302, set./dez. 2007. YOUNG, Michael. Teoria do currículo: o que é e por que é importante. Cadernos de Pesquisa, v. 44, n. 151, 2014. p. 190–202.

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NÚMERO DE ISBN

978-85-65336-01-7

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