EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA: UM DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E JOHN DEWEY.

September 12, 2017 | Autor: Mara Brum | Categoria: Teacher Education
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Educação e Democracia: Um diálogo entre Paulo Freire e John Dewey. Elizane Pegoraro Bertineti [email protected] Ana Lúcia Vergara Pereira [email protected] Liana Barcelos Porto [email protected] Mara Lucia Teixeira Brum [email protected]

Eixo: PAULO FREIRE em diálogo com outros (as) autores (as)

Resumo Este texto pretende discutir as contribuições de dois grandes pensadores que possibilitaram novos entendimentos sobre a importância da democracia na Educação. São eles: John Dewey e Paulo Freire, sendo que Dewey considera necessário preparar o ambiente em que os indivíduos agem, pensam e sentem, viabilizando a sua adaptação e sobrevivência em uma sociedade em mudança. E Freire propunha, através do uso de temas geradores, transformar a desigualdade que vivenciamos no meio social, vendo a educação como uma possibilidade para isso. A proposta fundamental é de trazer para discussão a democracia de Dewey e seu pensamento educacional (DEWEY, 1979) e Freire e sua visão de educação democrática (FREIRE, 1981), buscando uma discussão sobre a importância da educação democrática, através do diálogo entre os dois autores. Palavras – Chave: Educação, Diálogo e Democracia.

1. Educação e Democracia: Provocações iniciais A democracia está assentada na liberdade de escolha, no livre-arbítrio individual, para o Filósofo John Dewey,(…) a democracia é mais do que uma forma do governo, é uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, 1959). Pensar em uma sociedade democrática, que contempla uma educação de fato democrática exige imediatamente ações que sejam democráticas. Desse modo, não teremos como estudar democracia para depois implantá-las em nossas escolas, precisamos viver a

democracia diariamente, acreditar nas práticas democráticas simples do nosso cotidiano. Para confirmar esta ideia, precisamos considerar o que Franco e Pogrebinschi (2008) mencionam sobre o pensamento de Dewey, [...] deveria ser óbvio que só se pode alcançar a democracia praticando democracia. Não é possível tomar um atalho autocrático para uma sociedade democrática. A democracia é, como ele diz, simultaneamente, meio e fim, constituindo-se, portanto, como alternativa de presente e não apenas como modelo utópico de futura sociedade ideal. Assim, não se pode chegar a uma sociedade democrática a não ser por meio do exercício da democracia. (FRANCO e POGREBINSCHI, 2008, p.13 e14).

Falar em democracia, remete-nos ao que chamamos de ideal democrático e ao ressaltarmos este ideal, precisamos levantar o fato de que Dewey (1979) defende que existem dois elementos orientadores para a democracia. O primeiro fato diz respeito aos numerosos e variados pontos de participação do interesse comum, como também, maior reconhecimento de interesses que são recíprocos, fatores de regulação e direção social. Pensar a Democracia vai além de pensar um sistema de governo, pensar e agir democraticamente exige que consigamos pensar e ver o outro como alguém capar de agir e interagir e construir sua vida de forma individual e coletiva. Nesta perspectiva, ressaltamos o pensamento de Dewey que foi expresso por Franco e Pogrebinschi, no livro Democracia Cooperativa (2008), A democracia, para ele, não se refere - nem apenas, nem principalmente - ao funcionamento das instituições políticas, “mas é um modo de vida” baseado em uma aposta “nas possibilidades da natureza humana”, no “homem comum”, como ele diz, “nas atitudes que os seres humanos revelam em suas mutuas relações, em todos os acontecimentos da vida cotidiana”. Segundo Dewey, a democracia é uma aposta generosa na capacidade de todas as pessoas para dirigir sua própria vida. (FRANCO e POGREBINSCHI, 2008, p.15 e16).

De acordo com as ideias de Dewey, uma sociedade de fato democrática “repudia o princípio da autoridade externa e deve dar-lhe, como substituto, a aceitação e o interesse voluntários, e unicamente a educação pode criá-los (…) uma democracia é mais do que uma forma do governo; é, primacialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, 1959, p.93). Deste modo, a democracia é um modo de vida em que todas as pessoas possuem o direito de participar da formação dos valores para a vida dos homens que vivem em sociedade. Pensando por este viés na democracia, as aspirações dos indivíduos não podem ser inibidas, mas sim, estimuladas, para que se alcancem os objetivos desejados.

Estudando o conceito de democracia a partir de Dewey, podemos encontrar a distinção entre democracia como uma ideia de vida social e democracia política como um sistema de governo. Para o autor, a democracia como ideia de vida é considerada o sentido forte da democracia. Pensar a democracia em sentido forte não pode deixar de lado a democracia política, uma não anula a outra, sendo que não significa, portanto, que a democracia como sistema de governo seja menos importante do que a democracia em seu sentido “forte”, como “modo-de-vida”, porquanto a condição para que a democracia em seu sentido “forte” possa se realizar é a existência da democracia em seu sentido de regime político ou forma de administração do Estado (FRANCO E POGREBINSCHI, 2008, p.16). A educação oferece um espaço onde podem ocorrer práticas democráticas efetivas e, na opinião de Amaral (1990), a educação deve propiciar um ambiente favorável no sentido de permitir a atualização da natureza de cada indivíduo, restando-lhe a tarefa de reorganizar e de reconhecer a experiência democrática de vida. A educação possui necessidade de reconstruir, reorganizar ou reviver a experiência democrática, pois nós estamos ainda no processo de aprender como fazer democracia. E a luta por ela passa pela luta contra todo tipo de autoritarismo (Freire, 2000, p. 136). A democracia é uma forma pessoal de vida, controlada não apenas pela fé na natureza humana em geral, mas também pela fé na capacidade que os seres humanos possuem de julgar e agir inteligentemente, quando condições apropriadas lhes são oferecidas. Pensando a educação neste sentido, Dewey (1975) enfatiza que os educadores devem propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento integral do aprendiz, pois ensinar bem é direcionar a atividade educativa para o que o aluno já possui, dando-lhe oportunidade para que ele reconstrua suas capacidades em nova direção, afinal a escola pode ser um palco de lutas e onde os alunos devem perceber-se como sujeitos importantes, que possuem um história e que neste coletivo dentro da escola eles podem sim organizar-se par lutar pelos seus direitos, pois esse processo não pode apenas ser uma luta individual ou de um determinado grupo social, mas deve começar em um pequeno grupo e sim depois ser expandida. Começa sim pela minoria, mas passa depois a ser uma luta coletiva. Assim: As chamadas minorias , por exemplo, precisam reconhecer que, no fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e assim, criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substantiva, radical (Freire, 1994, p.154).

Na visão de Dewey (1979, p. 105), “[...] o ideal democrático da educação será uma ilusão tão ridícula quanto trágica, enquanto tais ideias não preponderarem mais e mais, em nosso sistema de educação pública”. A educação exige da administração pública as condições de acesso à escola, porém além de facilitar este acesso, é preciso que se rompa com uma organização baseada em ideias tradicionais sobre educação, bem como é preciso a modificação de conteúdos de estudo arcaicos que a nossa escola ainda oferece. Neste mesmo foco de Dewey podemos mencionar toda a obra de Paulo Freire onde encontramos a defesa de uma ação libertadora da opressão social, dialógica, em que: “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanização e negar os homens é uma mentira” (Freire, 1981, p.96). Para Freire a tarefa de todo ser humano é ir além de simplesmente existir no mundo, é se humanizar, é se tornar autônomo, consciente, sujeito da sua própria história. No entanto, ele defende que precisamos uns dos outros neste processo, afinal não podemos nos considerar como auto-suficientes, pois sempre afirmou que ninguém se liberta sozinho, e sim que os homens se libertam em comunhão. E diz mais: A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se (Freire, 1981, p.36).

Em uma escola, onde o autoritarismo prevalece, não podemos chegar ao que chamamos de real democracia, pois não existe liberdade onde há imposição, ameaças. Em um espaço como estes o aluno aprende o que é imposto, as ideias são depositadas, desta forma acontece uma educação bancária (FREIRE, 1981). A escola precisa ser vista como um espaço aberto, onde aconteça o diálogo, onde os sujeitos sintam-se importantes e possam valorizar o pensamento do outro e onde possam através da troca e do dialogo constituir-se enquanto sujeitos críticos e atuantes na sociedade. Freire reconhece o diálogo como o foco central de uma educação de fato verdadeira e que nhá significado, sendo que ele afirma “não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade” (FREIRE, 1981, p. 82). A transformação da realidade obrigatoriamente só acorre se for através do dialogo, nada se transforma se não a partir do dialogo entre os sujeitos e do dialogo dos sujeitos com a sua própria realidade. Existimos de forma coletiva e através da comunicação que

estabelecemos com o outro é que vamos nos descobrindo e desvendando o mundo do qual fazemos parte. A Educação da liberdade, da confiança, da crítica, da esperança e do comprometimento, é a educação que advém do diálogo. Para Freire “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1981, p.68). Pensando na realidade da Educação Brasileira podemos perceber que muitos foram os avanços no que tange a implantação de processos democráticos dentro das nossas instituições, porém ainda é visível a necessidade de uma escola que realmente contribua para o fim das desigualdades sociais e que ajude de fato para formação de sujeitos pensantes e atuantes, sendo que isso só é possível a partir da valorização da cultura do povo. Somos seres em constante transformação e somos capazes de aprender e ensinar a todos os instantes, porém para este processo ter significado para os indivíduos as ações devem estar fundadas na liberdade de expressão, desta forma então a escola passa as ser um espaço humano, democrático e de transformação.

2. Educação, Diálogo e Democracia: Paulo Freire e John Dewey

Podemos encontrar um diálogo entre Freire e Dewey, sendo que de certa forma podemos perceber como mediação neste diálogo o autor Anísio Teixeira. Ambos os autores são contra a qualquer forma de sociedade educação autoritária. Paulo Freire e John Dewey compartilham do pensamento de que é preciso saber ensinar a pensar, fazer com que o sujeito seja crítico, atuante e capaz de posicionar-se no meio no qual está inserido. Existe um forte diálogo entre Dewey e Freire, podemos perceber que a pedagogia de Freire sofre influência em alguns aspectos importantes: o aprender fazendo, o trabalho cooperativo, a relação entre teoria e prática, o método de iniciar o trabalho educativo pela fala dos alunos (...) (1996, p.92). Observando todos estes aspectos elencados, acabamos por levantar outro ponto chave para o diálogo entre os dois autores que é a questão da disciplina, pois os educadores preocupados com a ordem de suas aulas, acabam por não abrir espaços de exposição e discussão de ideias e assim tornam as aulas um depósito de conteúdos desvinculados da realidade, prevalecendo a autoridade, anulando a liberdade. No que tange o disciplinamento de alunos Dewey ressalta o quanto a autoridade desmedida dos professores entrava o processo educacional e neste mesmo sentido Freire defende que este doutrinamento que os professores acabam por fazer vai contra a liberdade dos sujeitos.

Quando ressaltamos a questão da disciplina e liberdade, não estamos querendo mencionar que não existe a necessidade da disciplina, pelo contrário ela deve existir sim, mas como forma de respeito ao outro e não como doutrinamento. Freire defende a disciplina, porém como forma de indicar limites, mas não como imposição autoritária, pois o autor traz a ideia de que a liberdade conquistada precisa ser vista também como uma responsabilidade assumida, pois no momento que tenho a liberdade de participar e decidir sobre algo, eu tenho responsabilidade com as decisões que foram tomadas. Para tornar um sujeito autônomo, a educação deve acontecer a partir do diálogo, educando e educador, precisam estabelecer uma relação de respeito e confiança, precisam ver no outro a possibilidade de aprender algo novo a partir da troca de experiências e vivências, pois somos seres humanos e estamos em constante transformação. Quem se percebe como um ser acabado, que suas ideias são supremas, não se permite considerar “quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira” (FREIRE, 1996, p. 121). Nesta relação de respeito pelo pensamento do outro e na abertura de espaço para falar e ouvir é que se desenvolve o diálogo. É do professor que precisa surgir às possibilidades desta relação dialógica, pois ele precisa compreender que ele não é o senhor do conhecimento e que pode aprender muito com as experiências dos alunos. A autonomia e o diálogo que Freire defende nas relações entre professores e alunos, de forma alguma vão contra as ideias de limites que percebemos nas relações democráticas defendidas por Dewey, afinal a liberdade de um sujeito não pode interferir na liberdade do outro, sendo que isso é mediado pelo respeito ao outro. Na proposta de Educação Democrática sabemos que toda a organização escolar precisa ser renovada, porém um passo crucial nesta mudança é diretamente voltado aos educadores que precisam perceber que não seres supremos e dotados de um saber inatingível. Ser um educador democrático exige que este se perceba como um sujeito em transformação e que considere que o ato de pensar é algo em movimento e que nos proporcionando novos olhares sobre uma mesma realidade. Dewey e Freire partilham dos mesmos pensamentos quando se referem que o pensamento não pode ser visto como algo sem movimento, irredutível e que não possa mudar, afinal somos seres humanos em constante construção.

3. Freire e Dewey: Algumas Conclusões

Podemos perceber depois de todas as questões elencadas que como John Dewey, Paulo Freire, insiste no conhecimento da vida e da comunidade nas quais os sujeitos estão inseridos. O que podemos dizer que a pedagogia de Freire aproveita de Dewey é a ideia do aprender fazendo, o trabalho cooperativo, a relação entre teoria e prática e o método de começar um trabalho sempre pela linguagem e experiência do aluno. Nos dois autores encontramos claramente a democracia, sendo que esta democracia de mostra centrada no diálogo. Desta forma sabemos que um diálogo verdadeiro exige a liberdade de expressão e a autonomia, porém precisam ser mediadas por regras, sendo que na escola esta mediação precisa ser feita pela pessoa do professor, onde este não se coloca como o detentor do conhecimento, mas como aquele que sabe sim, mas que pode além de ensinar também aprender neste processo de mediação.

Freire e Dewey dialogam facilmente e nos mostram a necessidade urgente de se construir o mundo da vida, onde de valorize a sujeitos envolvidos, e que se considere a realidade destes indivíduos. Nas ideias destes autores percebemos a defesa de uma educação na vida experimentada, refletida e orientada através do diálogo, deixando de lado as imposições e o autoritarismo. Acredita-se por fim que resgatar as ideias de Democracia de Dewey e a práxis de Paulo Freire é reafirmar a luta por uma sociedade e uma escola mais justa, democrática e humana.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Maria de C. P. Dewey: Filosofia e Experiência Democrática. São Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1990.

DEWEY, John. Democracia e Educação: Introdução à Filosofia da Educação. 4ª ed. São Paulo, Editora Nacional, 1979. _____________. Como Pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

FRANCO, Augusto de e POGREBINSCHI, Thamy(org ). Democracia Cooperativa: Escritos Políticos de John Dewey. Porto Alegre: EdipucRS, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

____________. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. ____________ . A Educação na Cidade. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2000. ___________. Vida e educação. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975. ______________. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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