EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE COMO DISCIPLINA NA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Share Embed


Descrição do Produto

IV Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica 17 a 19 de julho de 2015

Grupo de Trabalho:

10 – Gênero e sexualidade – o que o ensino de

Sociologia/Ciências Sociais na Educação Básica tem a ver com isso

Título do Trabalho EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE COMO DISCIPLINA NA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Cíntia de Souza Batista Tortato, IFPR-Paranaguá, Doutora – e-mail [email protected] Maria

Lucia

Buher

[email protected]

Machado,

IFPR-Paranaguá,

Doutora



e-mail

Resumo Este trabalho trata da criação de uma disciplina específica para trabalhar com questões de gênero e diversidade na educação dentro da formação oferecida no curso de Licenciatura em Ciências Sociais do Instituto Federal do ParanáCampus Paranaguá. A ementa da disciplina propõe reflexões sobre a relação entre educação, diversidade e relações de poder no espaço escolar. A proposta é analisar os conceitos de identidade e de diversidade à luz das principais perspectivas teóricas da área, em temas relativos à diversidade social, cultural, e étnico-racial no contexto dos processos educativos, e como as características multiétnicas, multirraciais, de gênero e de classe na sociedade brasileira são abordadas no cotidiano escolar e nas políticas educacionais, discussões essas imbricadas com as questões do currículo oculto. Sabe-se que a inserção da perspectiva de gênero na educação básica brasileira começou a surgir nos documentos legais a partir da Constituição de 1988 e depois com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998), no entanto, pesquisas com professores revelam que questões diretamente correlacionadas com gênero e diversidade ainda se caracterizam como desafios diários nas salas de aula abrindo espaço para a criação e manutenção de desigualdades e preconceitos de toda forma. O trabalho com a disciplina está sendo realizado com o último ano do curso e com a experiência acumulada por uma das docentes em cursos de formação em gênero e diversidade inseridos no programa GDE – gênero e diversidade na escola, oferecido por Universidades Públicas a professores da Educação Básica. A base teórica- metodológica da disciplina está relacionada com os estudos de gênero em uma perspectiva relacional, aos estudos culturais e ao pósestruturalismo, assim como as orientações contidas nos documentos legais que tratam do trabalho com gênero e diversidades na Educação Básica. As considerações sobre esse trabalho estão em processo de reflexão constante já que a prática vem acontecendo no decorrer do primeiro semestre de 2015.

Introdução 1. Sobre sexo, gênero e feminismos1 O entendimento de que homens e mulheres pertencem a sexos diferentes é bastante recente na história da medicina: só se deu a partir do século XVIII, sobretudo no século XIX, e mais em virtude de razões políticas do que por motivos propriamente científicos. Conforme Laqueur (2001), no final do século XVIII homens e mulheres passaram a ser considerados pela ciência como dois sexos diferentes e não um como derivação do outro. Assim, “Em alguma época do século XVIII, o sexo que nós conhecemos foi inventado”. (Laqueur, 2001, p. 189). Até então o que se acreditava era que havia um sexo único, o masculino e sua variação imperfeita, a mulher (LAQUEUR, 2001). Contudo, a biologia, no final do século XIX, como uma ciência voltada a explicar as diferenças entre os sexos já havia relacionado características sociais a argumentações baseadas na natureza, onde passividade, indolência, variação, foram atribuídas ao sexo feminino como parte de uma natureza própria. Para Laqueur (2001, p. 18): A visão dominante desde o século XVIII, embora de forma alguma universal, era que há dois sexos estáveis, incomensuráveis e opostos, e que a vida política, econômica e cultural dos homens e das mulheres, seus papéis de gênero, são de certa forma baseados nesses “fatos”. A biologia – o corpo estável, não-histórico e sexuado – é compreendida como o fundamento epistêmico das afirmações consagradas sobre a ordem social.

No campo das Ciências Sociais a desigualdade resultante dessa forma de pensamento se concretiza na concepção que se assume de sujeito, a construção social e histórica resultante de uma sociedade assumidamente androcêntrica é de um “sujeito social universal, livre, autônomo e racional” (imaginado como masculino) (MARIANO, 2005, p.483). Os registros oficiais da história do mundo, bem como suas interpretações foram construídos sob o ponto de vista masculino entendido como universal. Foi o movimento feminista que questionou essa construção. Para Stuart Hall (2006, p.45) “o feminismo teve também uma relação mais direta com o descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico”. O autor Os itens 1 e 2 são parte da Tese de Doutorado intitulada “Articulações entre gênero, empoderamento e docência”, de autoria de Cíntia de Souza Batista Tortato. (TORTATO, 2014). 1

menciona que ao questionar a distinção entre público e privado o feminismo abriu um universo de possibilidades tanto na vida doméstica quanto na vida social. Ao fazer isso todo o conjunto de crenças e naturalizações com relação aos homens e mulheres foi posto à prova e o que parecia imutável transformou-se em um processo passível de interferência. No tocante às ciências humanas, a história mostra um campo de conhecimento onde o feminismo destaca importantes contribuições de mulheres que estavam na invisibilidade e repensado sobre as bases que fundamentaram os saberes constituídos. Para Carvalho (2011, p. 410) “A crítica feminista à sociedade de tradição patriarcal incide sobre a exclusão das mulheres de várias dimensões da vida que resultou em diversos movimentos sociais”. Assim, as contribuições dos movimentos feministas, a entrada das mulheres em áreas tradicionalmente masculinas trouxe outros modos de interpretação de fatos e verdades consagradas pela ciência e pela sociedade. Ao inserir a análise feminista na ciência o próprio campo de estudo se modificou e o que se tem a partir daí são análises mais abrangentes e um redimensionamento da prática e da construção da teoria. Segundo Aguiar (1997, p. 27): Enquanto os teóricos clássicos das Ciências Sociais veem o capitalismo como um sistema que transforma as relações patriarcais e patrimoniais, o feminismo analisa a continuidade entre patriarcado e capitalismo, apontando como as relações pessoais se tornam mais exclusivas no espaço doméstico, quando as atividades remuneradas são excluídas do mesmo. A revolução liberal aponta a análise feminista, libertou os filhos do jugo absolutista dos pais, mas não modificou a condição de subordinação das mulheres.

Na antropologia, o feminismo veio a problematizar conceitos clássicos construídos e naturalizados ao longo do tempo. A antropologia clássica, ainda que se debruçasse nas diferenças entre homens e mulheres não tinha como fundamento questionar a construção e a manutenção dessas diferenças nas mais diversas sociedades, durante muito tempo se constituiu como uma ciência prioritariamente masculina. Suárez (1997, p. 39) destaca o pensamento de Louis Dumont para exemplificar a premissa que durante tanto tempo reafirmou uma inferioridade feminina vista como natural: O trabalho de Dumont tem a virtude de desvendar o fato de que a existência das mulheres, enquanto sujeitos sociais completos, sempre foi "domesticada" pelo pensamento antropológico clássico

através da ideia de que o homem engloba, representa ou incorpora a mulher. Ele é a totalidade suficiente, ela é a parte insuficiente.

Suárez (1997) destaca os trabalhos de Bronislaw Malinowski e Gregori Bateson (Inglaterra) e Margareth Mead (EUA) e os considera como “precursores de uma antropologia do gênero” (SUÁREZ, 1997, p. 40). Isso porque estudaram o feminino e o masculino como construções sociais, portanto abrindo a possibilidade de questionar a naturalização suposta pelos antropólogos clássicos como Morgan e Levi-Strauss. Como contribuições de uma ótica feminista, Schiebinger (2008, p.271) afirma que “inovações envolvendo mulheres e gênero abalaram os mundos da ciência e da tecnologia nas últimas três décadas”. A autora se refere às mudanças que vem sendo percebidas em várias áreas da ciência e da tecnologia a partir da entrada das mulheres como sujeitos atuantes nesses meios e para cita uma série de exemplos de “como a supressão do preconceito de gênero pode abrir novas perspectivas”. (SCHIEBINGER, 2008, p.275). Deste modo, o conceito de gênero foi estabelecido pelas teorias feministas nos anos 1970 como uma forma de desnaturalizar as diferenças e denunciar as desigualdades entre os sexos (TUBERT, 2003; CARVALHO, 2010). A questão veio de encontro a outras áreas do conhecimento, como a psicanálise, que estavam direcionando seus estudos às dimensões das identidades dos sujeitos em dimensões relacionais e diferenciais onde mesmo a categoria feminista ‘mulheres’ seria um fator limitante. Para Sohiet e Pedro (2007, p. 285) a partir de então “a interdisciplinaridade assume importância crescente nos estudos sobre as mulheres”. E ainda, segundo Yannoulas, Vallejos e Lenarduzzi (2000, p. 429): “Os estudos de gênero exigem uma abordagem multidisciplinar”. Para Soihet (1997) o termo gênero engloba uma noção que rejeita o determinismo biológico e privilegia o aspecto relacional considerando que a sociedade é formada e constituída por homens e mulheres. Essa ideia é baseada nos estudos de Joan Scott (1995), que definiu o gênero como uma categoria de análise que “fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana”. (SCOTT, 1995, p. 89). A inserção da questão de gênero como uma

categoria de análise vem para tornar mais abrangente as reflexões e mais visíveis as desigualdades e jogos de poder presentes na sociedade em geral.

2. Sobre gênero e educação e formação de professores(as) Segundo

Nunes

(2001),

as

pesquisas

sobre

formação

de

professores(as) têm, a partir dos anos 1990, procurado pensar o ofício docente além da questão puramente acadêmica e técnica, preocupando-se com os outros aspectos que que permeiam a prática docente em toda sua complexidade

envolvendo

o

desenvolvimento

pessoal,

profissional

e

organizacional da profissão. Quanto à questão de gênero, como um tema que atravessa os conteúdos

do

currículo

e

requer

conhecimento,

aprofundamento

e

envolvimento, as dificuldades aumentam. Em geral, os professores e professoras lançam mão de suas próprias concepções de homem e mulher, de masculino e feminino, fortemente baseadas em dicotomias e binarismos e na biologia dos corpos, é importante considerar que “os professores se constituíram sujeitos num contexto marcado pela hegemonia de concepções biomédicas ou morais e religiosas acerca de gênero e sexualidade” (GESSER et al., p. 231, 2012). As crenças e os valores pessoais se misturam a um saber sem aprofundamento teórico, fazendo com que as questões de gênero fiquem na obscuridade ou nem sejam percebidas (AVILA et al., 2011). Xavier Filha (2008, p. 95) em sua pesquisa com professoras observou que (...)elas educam sexualmente reforçando ideários de recato e contenção para as meninas. Utilizam-se de exemplos pessoais para reforçar algumas condutas a partir de discursos que privilegiam um ideal de feminilidade.

Segundo Vianna (2001, p. 94) ”os significados masculinos e femininos atribuídos ao professorado e à profissão docente são contraditórios e múltiplos”, o que, completa o quadro. É com essa base que as políticas públicas relacionadas à inserção de gênero na educação são interpretadas por quem faz o dia a dia na escola. Na aplicação das políticas e dos instrumentos propostos as/os professoras/es reinterpretam as diretrizes pedagógicas a partir de seus próprios referenciais

(DINIZ; VASCONCELOS, 2004). No campo dos saberes da experiência pessoal e profissional o professor se baseia em seus conhecimentos anteriores e precisa dialogar com outros pares que por sua vez carregam também sua bagagem assim como os alunos e a comunidade escolar. Baseados fortemente na naturalização das diferenças decorrente do discurso biológico, professores e professoras repetem “discursos de verdade” sem o discernimento de que esses estão ligados a sistemas de poder que os reproduzem e sustentam (FOUCAULT, 1988). Numa sociedade patriarcal, heteronormativa, sexista, essas verdades servem a um propósito, assim, determina “os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros” (FOUCAULT, 1993, p.12) Segundo Damasceno e Silva (1996, p.20): Pensar na formação do professor envolve, assim, capacitá-lo, dentre outras coisas, para lidar com o conflito resultante do confronto entre os saberes diversificados dos diferentes grupos sociais que frequentam a escola, e aquele saber sistematizado presente em um determinado momento histórico-social e que a escola se propõe a transmitir.

As questões apresentadas ajudam a formar um panorama do campo de formação de professores(as) e da atividade docente, existem ainda outros fatores a serem considerados pois, como sujeitos os professores e professoras também são atravessados por questões relacionadas a gênero, classe social, geração, etnia/raça, etc. E pelo tipo de ofício que se faz principalmente em sala de aula, a possibilidade de deixar questões polêmicas ou que não se tenha preparo do lado de fora da porta é grande pois “há embates de contrários que ganham corpo nas distâncias entre o que está no papel e a realidade das salas de aulas e nos documentos oficiais” (AVILA et al, 2011).

3. Sobre gênero nas licenciaturas Em artigo publicado em 2006 pelas pesquisadoras Cláudia Vianna e Sandra Unbehaum, voltado para a análise das políticas públicas na Educação Básica e o processo de implantação da abordagem de gênero nos currículos, é sinalizado o que seria o início dos cursos promovidos pela Secad, enquanto projeto piloto que começaria a ser desenvolvido naquele ano, e destacado que o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, do ano de 2004, estabeleceu como uma das ações “propor a inclusão das temáticas de gênero, raça, etnia e

orientação sexual nos currículos do Ensino Superior”. Além disso, as autoras apontam os desafios na relação currículo, políticas públicas e mudanças estruturais da sociedade: A consolidação do gênero nas políticas públicas de educação é uma tarefa do Estado, e esta dependerá da disponibilidade de recursos e da inclusão das demandas de gênero na educação pelos governos que se sucederem. Não somente como demandas pontuais, em um ou outro aspecto do currículo. Essa tarefa exige, entre outras medidas, uma revisão curricular que inclua na formação docente não só a perspectiva de gênero, mas também a de classe, etnia, orientação sexual e geração. Mais do que isso, é preciso incluir o gênero, e todas as dimensões responsáveis pela construção das desigualdades, como elementos centrais de um projeto de superação de desigualdades sociais, como objetos fundamentais de mudanças estruturais e sociais. (VIANA; UNBEHAUN, 2006, p. 425, grifos nossos).

Embora seja necessária uma pesquisa mais aprofundada para afirmar-se que a ação proposta em 2004 no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres ainda não foi implantada, um estudo inicial fornece pistas sobre os limites dessa proposta, mesmo que restrito a análise de 12 matrizes curriculares. É importante observar que o Plano Nacional se refere ao Ensino Superior de forma abrangente, indicando a necessidade da inclusão das temáticas de gênero em todos os cursos, para além das licenciaturas; porém sequer nesse campo, que seria prioritário ao considerar-se que forma futuros profissionais que atuarão na Educação Básica, temos percebido avanços. A questão da abordagem de gênero nas licenciaturas foi tema do Mestrado desenvolvido por Thaisa de Souza Ferreira (2013), que analisou a Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana. Entre suas perguntas centrais estava: “Como as questões de gênero e sexualidade são trabalhadas nas práticas curriculares no curso de Pedagogia? ”. Com base em análise documental e entrevistas com docentes, a autora constatou que gênero e sexualidade estão presentes nas brechas do curso, e ausentes da formação permanente oferecida ao longo do curso de Pedagogia: (...) A ausência de disciplinas obrigatórias é percebida pelos(as) docentes como elemento problemático quando se considera a construção de uma proposta que abra os discursos para se pensar e faça algo diferente no que diz respeito às relações que envolvem gênero e sexualidade nas distintas instâncias sociais. Desta forma, o debate sobre as temáticas são constituídas dependendo muito de iniciativas pessoais dos(as) docentes. (...) Pareceu-nos que a inexistência de uma intencionalidade explícita e articulada no

currículo do curso de Pedagogia em torno do gênero e da sexualidade, através da permanência de ações isoladas, pode refletirse uma ação momentânea sem grandes modificações estruturais, posto que as ações relacionam-se em grande medida com os esforços individuais dos(as) docentes ou afeições ao tema por conta da vivência de certas experiências. (FERREIRA, 2013, p.215-217)

O processo de construção de uma matriz curricular é atravessado por um conjunto de elementos onde são acionadas desde a legislação, até a trajetória de formação de seu colegiado e obviamente suas concepções de mundo, imbricados política e teoricamente, ou seja, se há uma disputa sobre o que é científico, há ainda uma disputa entre o que é prioritário na construção de um currículo. Transformando tal questão em um exercício simples de reflexão ao se traçar um programa curricular obrigatório: Quais temáticas, autores/as, teorias são imprescindíveis na formação dos/as futuros/as docentes? As pesquisas desenvolvidas nesse âmbito têm evidenciado que a compreensão da temática “gênero” vem sendo renegada a um segundo plano nesse processo de seleção de prioridades. Kelly da Silva (2011) também propõe em seu Mestrado o estudo da organização curricular de Pedagogia, porém, em três instituições de Minas Gerais. Com base na análise dos Planos de Curso e em entrevistas com as coordenações, a autora chega a uma conclusão muito próxima a de Ferreira (2013) sobre as ausências de modo sistematizado das temáticas de gênero na organização curricular dos cursos de Pedagogia, a restrição ao oferecimento de disciplinas optativas nesse campo, e a centralidade em ações individuais de docentes para que as discussões sejam inseridas na formação inicial docente: Dessa forma, a possibilidade de se tratar os temas gênero e sexualidade nestes currículos existe, o que faltam são pessoas dispostas a atuar neste campo, pois, a discussão parece estar ligada aos atores. Isso quer dizer que só teremos a presença formalizada da temática sobre gênero e sexualidade nas instituições, quando um/a professor/a ou estudante acionar o tema. Quando um sujeito a assumir como “sua lei, sua questão”. (...) Quem sabe pensar a discussão de gênero e sexualidade a partir da demanda dos/as estudantes não seja uma possibilidade de trazer este diálogo para a academia? (SILVA, 2011, p. 180).

Os apontamentos das pesquisas indicadas suscitam reflexões: Qual a relevância das discussões de gênero ser inserida em um componente curricular obrigatório nas licenciaturas? Diante da própria característica do tema, não

seria mais adequado um tratamento transversal do que um campo específico? A grande questão da transversalidade é que, em casos onde não há um preparo teórico e metodológico para essa abordagem, esta pode promover a invisibilidade de determinados temas, como também o risco da superficialidade. Como abordar as questões de gênero se o quadro de docentes da licenciatura não teve uma formação nessa área? Ao que parece, o próprio argumento desse estudo, pautado na defesa de um componente curricular específico nas licenciaturas, responde esta última questão, ou seja, ao passo que esta temática se tornar obrigatória na formação inicial docente, teremos profissionais preparados para realizar tal abordagem em qualquer nível de ensino. Não pode-se afirmar que as questões de gênero estão ausentes das licenciaturas, estas podem ser abordadas tanto em disciplinas optativas, quanto ainda estarem diluídas em outros componentes curriculares, porém, essa aparente diluição na organização curricular revela o espaço reservado para a temática. A pesquisa de Figueiredo Primo, indicada por Mindal e Guérios (2013, p.28), destacou, a partir da visão de egressos, como ações individuais de docentes podem reverter um quadro estático de matriz curricular, que não dialoga com o contexto atual que a formação docente exige: Essa investigação detectou um descontentamento generalizado com a estrutura formal do curso representado pela infraestrutura física das unidades de ensino e pelos conteúdos formais trabalhados no interior das disciplinas, que foram avaliados como parcialmente sintonizados às demandas do exercício profissional. No entanto, parte pequena de docentes foi responsável pelas principais marcas do processo de formação acadêmica dos alunos, o que gerou um processo de aprendizado particular. Esse mecanismo de intervenção intencionada desse grupo de docentes configurou o que o autor chamou de currículo marginal na formação para superar as limitações de uma formação que tinha no projeto político-pedagógico uma matriz teóricofilosófica progressista, mas na estrutura curricular das disciplinas, na infraestrutura física e no quadro docente em geral um modelo de formação de três décadas atrás. (MINDAL; GUÉRIOS, 2013, p.28).

A questão central nesta discussão parece se tratar de uma abordagem velada da temática de gênero nas licenciaturas, permeada pela invisibilidade, e pela diluição a partir da nomenclatura diversidade. Não obstante seja indiscutível a indissociabilidade entre as categorias de análise e temáticas como

gênero,

classe

social,

questões

étnico-raciais,

sexualidade,

desigualdades, há especificidades no direcionamento que se pode dar a cada uma delas, e essa priorização, de acordo com o que as pesquisas indicam, são estabelecidas a partir da ação individual da/do docente, isso quando ocorre alguma discussão dentro dessas vertentes.2

4. A inserção da disciplina Educação e Diversidade na Licenciatura em Ciências Sociais no Instituto Federal do Paraná- Campus Paranaguá Diante do entendimento da importância de abordar as questões de gênero na escola, sobretudo na escola básica, vê-se como indiscutível a necessidade de especificar uma disciplina direcionada na formação de futuros professores de sociologia. Obviamente, como uma categoria de análise, todas as disciplinas de um curso de Licenciatura em Ciências Sociais podem fazer e propor análises considerando a categoria gênero, contudo, os aspectos de fundamento teórico e os aprofundamentos necessitam de um trabalho direcionado. Pensando nesse trabalho direcionado a disciplina Educação e Diversidades foi inserida no curso, tendo a primeira turma acontecido no primeiro semestre de 2015. Foi previsto o trabalho com as diversidades, sendo: diversidade cultural, étnico-racial, socioeconômica, de gênero, sexual. Os conteúdos foram organizados de forma a focar cada diversidade a fim de perceber e estudar as especificidades, mas também, ter condições de perceber as inter-relações entre os fatores, as diversidades e as identidades. Dado o fato de que o trabalho está em fase de finalização, ainda não é possível perceber os resultados consequentes, contudo, a reação e os depoimentos das alunas e alunos tem sido bastante eloquente. A turma relata 2

Em um ensaio de pesquisa, analisamos a matriz curricular de nove licenciaturas em funcionamento em três Instituições Públicas de Ensino Superior localizadas no litoral paranaense. O objetivo era investigar, a partir da nomenclatura dos componentes curriculares, a ausência ou presença da temática de gênero na organização do currículo desses cursos. Entre as nove licenciaturas em funcionamento nessas instituições, constatamos que entre 270 componentes curriculares, somente três apresentam em sua organização curricular um componente didático que utiliza a nomenclatura “diversidade”, e nenhuma utiliza a palavra “gênero”. Quando a atenção se focou na ementa desses três componentes curriculares, percebeu-se que somente uma delas faz referência específica à abordagem sobre as relações sociais de gênero, bem como é a única que apresenta uma bibliografia específica sobre as discussões de gênero, as demais estão voltadas para questões como a educação quilombola, indígena ou ainda indicam o estudo de libras no seu ementário.

que, além de aprender novos conhecimentos se tornaram capazes de significar outros tantos conhecimentos que já haviam alcançado.

Considerações Finais

A partir da experiência acumulada em cursos de capacitação para professores envolvendo questões de gênero e de diversidade sexual, o despreparo é notório. Fica claro que não há nenhum tipo de abordagem relacionada a esses assuntos nas mais diversas graduações que envolvem a docência. No contato com professores e professoras percebe-se a lacuna em termos de conhecimento, o que faz com que o senso comum impere nos discursos, entremeado com todo tipo de desinformação e preconceitos. Sendo a escola um espaço de difusão de conhecimentos e formação de sujeitos esse quadro fica extremamente complicado. É fundamental a compreensão de que tais discussões se inserem enquanto questões universais para a sociedade, e que, conforme destaca Guacira Louro (2001), abordar as imbricações entre Gênero, Educação e Currículo, é uma questão política que precisa ser assumida pela coletividade dos profissionais da educação. Infelizmente os desafios que se colocam para a formação inicial docente são inúmeros, e certamente passam pela necessária discussão da organização curricular, das metodologias de ensino, dos processos de avaliação, o que pode reverter a ausência de diálogo entre docentes que atuam em um mesmo curso, porém ligados a campos teóricos diferentes, aspecto também apontado nas pesquisas de Gatti (2010,2013). Há ainda, conforme aponta a autora, uma dissonância entre os Projetos Pedagógicos dos cursos e a estrutura do conjunto de disciplinas e suas ementas, como se ambos os documentos não fizessem parte da mesma proposta, isso para não avançarmos na análise de como essa organização curricular concretiza-se no cotidiano das licenciaturas. Ao destacar que a formação inicial docente deve ser pensada a partir da função social da Escola, Gatti (2013, p. 56) ressalta:

O profissional docente da educação básica merece uma atenção maior de conselheiros de educação, gestores, coordenadores de curso, professores do ensino superior, no que se refere à sua iniciação formativa – estrutura, currículo e dinâmica das licenciaturas. Esse problema vem assumindo contornos éticos, de respeito e valor. Dos que detêm responsabilidades sobre essa questão se requer conhecimento e compromisso com a educação básica e com a própria licenciatura e seus estudantes.

O compromisso com a Educação Básica passa pelo compromisso com a formação inicial docente. No que se refere às abordagens de gênero e também de sexualidade, muitas vezes se constata o despreparo de docentes que atuam na Educação Básica, e se estabelece uma culpabilização desse docente pelo silenciamento ou pela forma como aborda tais temáticas em sala de aula. Ora, se não há uma discussão sistematizada dessas questões na formação inicial, que prime pela profissionalização desse saber, superando as subjetividades e juízos de valor individual, como culpar o profissional da Educação Básica pela ausência dessas discussões no cotidiano escolar se elas estão ausentes do próprio Ensino Superior?

Referências AGUIAR, Neuma. Gênero e ciências humanas – desafio às ciências desde a perspectiva das mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997. AVILA, André Heloy; TONELI, Maria Juracy Filgueiras; ANDALO, Carmen Silvia de Arruda. Professores/as diante da sexualidade-gênero no cotidiano escolar. Psicol. estud., Maringá, v. 16, n. 2, Junho, 2011. BRASIL. MEC, SPM, Seppir. Gênero e Diversidade na Escola: formação de professoras/es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações ÉtnicoRaciais. Rio de Janeiro: Cepesc; Brasília: SPM, 2009. (Livro de conteúdos) CARVALHO, Marilia Gomes de. Ciência, tecnologia e gênero: abordagens ibero-americanas. Curitiba: UTFPR, 2011. DAMASCENO, M. C. G.; SILVA, I. M. Saber da prática social e saber escolar: refletindo essa relação. Anais 19ª. Reunião da ANPED, 1996. DINIZ, Margareth; VASCONCELOS, Renata Nunes (orgs). Pluralidade cultural e inclusão na formação de professoras e professores, Gênero, Sexualidade, Raça, Educação especial, Educação indígena, Educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Formato. (pp. 80-108), 2004. FERREIRA, Taisa de Sousa. Entre o real e o imaginário: problematizando o currículo do curso de Licenciatura em Pedagogia em relação a gênero e

sexualidade Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2013.Feira de Santana, BA, 2013. 319 f.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,1993. _____. História da sexualidade I: a vontade de saber (17ª ed.). Rio de Janeiro: Graal, 1988. GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, 2010. __________.A. Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses. Educ. rev. [on-line]. 2013, n. 5, p. 51-67. Disponível em: . Acessos em: 15 mai. 2014. XAVIER FILHA, Constantina. A sexualidade feminina entre as práticas divisoras: da mulher: “bela adormecida” sexualmente à multiorgástica – imprensa feminina e discurso de professoras. In: RIBEIRO, Claudia Maria; SOUZA, Ila M. S. (Orgs). Educação inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas redes de proteção. Lavras: Ed.UFLA, 2008. YANNOULAS, S. C., VALLEJOS, A. L., & LENARDUZZI, Z. V. (2000). Feminismo e academia. Revista brasileira de Estudos pedagógicos, 81(199).

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.