EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA NOS CAMPOS E MATAS DO XINGU E TRANSAMAZÔNICA 1

June 7, 2017 | Autor: Gutemberg Guerra | Categoria: Education, Teacher Education, Educational Research
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- Revista EDUCAmazônia - Educação Sociedade e Meio Ambiente, Humaitá, LAPESAM/GISREA/UFAM/CNPq/EDUA – ISSN 1983-3423 – IMPRESSA – ISSN 2318 – 8766 – CDROOM – ISSN 2358-1468 - DIGITAL ON LINE

Ano 8, Vol XV, Número 2, Jul-Dez, 2015, Pág. 253-266.

EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA NOS CAMPOS E MATAS DO XINGU E TRANSAMAZÔNICA1 Gutemberg Armando Diniz Guerra2 RESUMO: Os marcos da cultura ocidental obedece a modelo que favorece a uma educação baseada na aplicação de ideias acriticamente, reproduzindo mecanicamente conhecimentos e práticas pertinentes em seus locais de origem e contextos, porém desajustados e inadequados em áreas colonizadas. Os professores e estudantes de pedagogia e ciências agrárias da Universidade Federal do Pará atuantes em áreas de fronteira refletem sobre estas questões tentando ajustar os seus cursos de formação de professores à realidade regional amazônica. Este texto parte do registro destas preocupações em sessões de reflexão promovidas no âmbito do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará, em área de influência da Rodovia Transamazônica, no Campus de Altamira. Dela se pode inferir a busca por um referencial de educação que implique em disciplinas ajustadas às necessidades materiais e imateriais dos povos que vivem nesta área da Amazônia, considerando fundamentalmente todo o processo de redefinição do perfil profissional e dos conteúdos disciplinares em curso, fundamentados principalmente na reavaliação e reposicionamento dos atores no que concerne a relação homem do homem com natureza. PALAVRAS CHAVE: Paidéia, educação, práxis, educação do campo, escolas ABSTRACT: The keystone of the Western Culture obeys a model that favors the education based on the application of non-argumentative ideas, mechanically replying knowledge and practice related to local residents and their local contexts; however, unfit and inadequate to the explored areas. The professors and students from Pedagogy and Rural Agrarian Sciences at the Universidade Federal do Pará [Federal University of Pará] working in border areas have reflected such matters trying to adjust their curriculum to the Amazon reality. This text begins with the recording of the concerns over reflective thinking sessions promoted by the Pedagogy Course at the Federal University of Pará, in its jurisdiction at the Transamazonica Highway, in city of Altamira campus. From that, we may infer the searching for reference in education that delivers subjects adjusted to the concrete and abstract needs of the local residents living in the Amazon, fundamentally considering the entire process redefining the profile of the professional and their subject topics in the course, based mainly on reevaluation e repositioning of actors concerning the man-nature relations. KEYWORDS: Paideia, education, praxis, field education, schools. 1

Apresentado em mesa redonda para alunos do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará, Campus de Altamira, em 08 de março de 2005. Promoção do Diretório Acadêmico e Coordenação de Extensão do Campus de Altamira. 2 Doutor em Socio Economia do Desenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França (1999). Professor associado e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Agriculturas Amazônicas do Núcleo de Ciências Agrarias e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Pará (2006-2007 e 2010-2011).

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As invenções da Amazônia O debate sobre a inserção da Amazônia na economia internacional dominou o cenário intelectual a partir dos anos 60 do século XX, demonstrando-se como uma necessidade premente, assumida pelos governos do período militar a ferro, fogo 3 e pata de boi. A ferro uma vez que a siderurgia se transformou em uma possibilidade concreta quando se descobriu, em 1967, a maior mina deste minério do planeta, justamente no Estado do Pará. A pata de boi porque se reconheceu e se validou a possibilidade de ocupação econômica com a implantação da pecuária extensiva, às custas de incentivos fiscais e à despeito do que uma e outra atividade pudessem provocar de impacto sócio ambiental. Tanto no que concerne à atividade mineral quanto à agropecuária, o fogo entra como elemento presente para reduzir os elementos da natureza ao ferro gusa e a mata à cinza fertilizadora, apesar de todas as perdas que ocorrem nestes processos. Em que pese o esforço de intelectuais que trabalhavam na temática do desenvolvimento e tinham acúmulo e reflexão com proposições críticas às construções ideológicas sobre este espaço (MENDES, 1974; GONDIN, 2007, PORTOGONÇALVES, 2001), prevaleceram as propostas e adequações a este processo de ocupação regido por ideias estranhas e gestadas fora dele. A integração foi feita com a indução à implantação de grandes projetos que implicavam em empreendimentos de porte como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a exploração mineral com a exportação do minério bruto e a indústria siderúrgica para o processamento primário do ferro encontrado no manancial fabuloso da região de Carajás.

Assumir a hibridez e a adequação às condições locais Educação se define, neste artigo, como uma prática consciente de domínio de códigos vigentes e de novos códigos a serem elaborados para dar conta das demandas identificadas na relação com estes mesmos códigos. No caso amazônico, em que a educação formal foi importada, os códigos, sinais e símbolos que vieram com ela apresentam limites para dar conta de uma realidade específica e em processo de ser devidamente compreendida. Por mais forte que seja a tentativa de expressar uma identidade própria, genuína, gestada autônoma ou hibridamente, não se pode deixar de lado o fato de ser o Brasil um país originário do processo de expansão comercial 3

Sobre a destruição da Mata Atlântica como inspiração para a da Amazônia, é obrigatória a leitura do livro de Warren Dean intitulado A ferro e fogo (1996).

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européia no século XVI e seguintes (PRADO JR, 1998), deixando-lhe uma pesada herança e traços indeléveis, ou raízes, para expressar com um termo usado por um dos fundadores da Antropologia Brasileira (HOLANDA, 1999). Ainda que os brasileiros se identifiquem como latinos, americanos do sul, brasileiros, a língua portuguesa que praticam hegemonicamente é uma língua europeia; a religião cristã que é dominante se moldou com as marcas da europeidade, difundindo-se principalmente pela escrita grega dos evangelhos, tradução portanto, ocidentalizada desta religiosidade; a universidade em que estudam é uma construção com marcos de origem europeia, com notável influencia da América do Norte principalmente nas áreas tecnológicas. Mas a América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México) são produtos do mesmo processo de conformação cultural e econômica da América do Sul, portanto, marcadas pelo domínio colonizador europeu em todas as áreas. Assumindo pelo menos a hibridez, mas permanecendo na perspectiva da forte participação européia desta sociedade, e na modulagem que essa influência teve na configuração das estruturas sociais, a educação brasileira é impregnada de visões eurocêntricas. Este dado foi suficientemente explorado e tentativas de inovações e adequações do processo educacional vem sendo tentadas por intelectuais e pedagogos brasileiros, sendo o mais notável e referenciado deles o professor Paulo Freire e a vasta obra que deixou como legado (FREIRE, 2005; 2006). O espaço de vivência em que se pratica a educação é especifico em termos de ambiente natural com suas características próprias de solo, clima, vegetação, fauna. O ambiente leva a práticas sociais e históricas ancoradas na relação entre homem e natureza, considerados aspectos sociais específicos como a mobilidade espacial (migrações), baixa escolaridade, dependência tecnológica e política, limitações socioeconômicas. O mundo concreto condiciona as práticas e estas checam as teorias e as obrigam a que sejam reajustadas. Se a teoria, aqui entendida como o conjunto de idéias produzidas sobre um determinado objeto, é produto das relações com o vivido, elas tendem a refletir a vivencia humana e é essa a sua pretensão. Os desajustes entre idéias e mundo concreto, exigem esforço intelectual e prático para re-elaborações e novas vivências e, essa tarefa cabe aos intelectuais. Os cursos nos diversos campi da Universidade Federal do Pará vivem esta tensão no seu cotidiano, por mais ajustados que sejam os seus perfis à realidade

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amazônica. O maior problema é que os parâmetros para sua aprovação não são os de ajuste à realidade na qual estão inseridos, mas às exigências formais que são feitas para qualquer curso em qualquer lugar do país. Os cursos são criados sob demandas e com as condições locais mas tendo que obedecer a um modelo geral e generalizante, devendo atender a requisitos estruturais mínimos e determinantes associados à qualidade do produto educacional. Os critérios de avaliação destes para o seu reconhecimento formal são dados por parâmetros estranhos ao norte do país e suas especificidades, o que compromete o surgimento de tentativas autóctones. A identidade destes cursos é construída pela fricção com os problemas regionais como agricultura camponesa, extrativismo, comunidades indígenas, cidades de pequeno e médio porte, estradas precárias, saneamento e saúde limitados e um contexto conflituoso entre atores sociais se afirmando na fronteira. A tensão se materializa quando do processo de reconhecimento dos cursos pelo Ministério de Educação que utiliza parâmetros vigentes em outras regiões e que não correspondem necessariamente aos padrões específicos e possíveis nesta realidade diferenciada e complexa. O que vem ocorrendo na Amazônia é o que costuma acontecer em todos os outros lugares, com maior ou menor intensidade. Surge um modelo ajustado às condições regionais, ressaltando-se a relação crescente com as comunidades rurais, estágios de convivência que privilegiam a relação do estudante com o agricultor e sua família, práticas educacionais associando pesquisa e ações de desenvolvimento. O esforço para ajustar as práticas educacionais à realidade não se faz sem um confronto direto com os mecanismos de controle da educação convencional e dominante. De um lado, estratégias de consolidar os ajustes se desenvolvem enquanto de outro o sistema de controle se aperfeiçoa, tentando manter nos marcos da cultura anterior, o processo educativo. Para exercitar a educação de forma a que ela possa atender às demandas da sociedade, estabelecem-se processos de negociação e de condução cada vez mais apropriados ou desajustados às exigências locais.

Os cursos de Licenciatura em Ciências Agrárias e Agronomia Críticos da revolução verde e do processo de formação profissional que preparou quadros para aumentar a produção e a produtividade agrícola, os engenheiros

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agrônomos vêm propondo uma abordagem que incorpora novos elementos paradigmáticos à produção do conhecimento nesta área. No período pós Segunda Guerra Mundial, a agricultura se pautou na perspectiva do aumento da produção física fundada em melhoramento genético, produtos agroquímicos para fertilização, controle de insetos e fungos, e mecanização, elementos que definem os marcos da Revolução Verde, ou os seus paradigmas, para usar um conceito de Kuhn (1992). A propósito, na definição de paradigmas há também embutida uma noção de estrutura do conhecimento que pode ser apropriada a este debate. A proposta da Revolução Verde funcionou, ou pelo menos foi plenamente aceito até o momento em que os seus efeitos colaterais sobre o meio ambiente e social começaram a ser questionados. Poluidor dos mananciais de água, agressor da camada de ozônio com efeitos no aquecimento do planeta, oferecendo alimentos de qualidade biológica duvidosa, redutor do universo das variedades genéticas, destruidor dos aspectos de sociabilidade e concentrador de riqueza, o modelo de produção agrícola tem sido exigido para uma reforma e reconsideração. A uniformização do modelo tecnológico como sendo aplicável a todo o planeta tem sido motivo de reflexões, obrigando a repensar os conceitos de modernidade, em que pese o viés dominante de que esta se define pela mecanização de todos os processos produtivos, pelo controle e artificialização da natureza e pelo aumento da produção e da produtividade, ainda que comprometendo a reprodutibilidade dos recursos naturais. As reflexões, porem, não se restringem ao setor agrícola. Em todos os domínios, a participação da população nos seus destinos tem sido uma exigência em que pese a formação profissional das décadas anteriores tenha sido efetuada sem estes parâmetros. O desafio que se coloca é se haverá condições de se produzir formas de desenvolvimento

sustentável

e

uma

formatação

de

cursos

acadêmicos

e

profissionalizantes que rompam com a matriz anterior, comprometida esta com o aumento da produção física e da produtividade para atender a demandas crescentes por alimento e outros produtos oriundos da atividade agropecuária. No fundo, o que se pretende é o estabelecimento de uma estrutura educacional que forme indivíduos para uma sociedade fraterna, culta, sadia e não há, pela rapidez com que se ocupou esta região, uma Paidéia amazônica, em que as disciplinas, as

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práticas, os conceitos, sejam ajustados às condições regionais e definidores de um modelo específico de educação que se possa considerar adequado às exigências locais e regionais. O conceito de Paidéia remonta à Grécia antiga e se refere a um modelo de educação promovida pelo estado que além de incluir disciplinas como a ginástica, a gramática, a retórica, a música, a matemática, a geografia, a história natural e a filosofia (ENCICLOPÉDIA BRITANICA, 2012). Esse conceito vai além da formação de um intelectual ou de um homem apenas educado, mas tem a perspectiva da formação de cidadãos em uma perspectiva que não separa o indivíduo de sua inserção política (JAEGER, 2003). Consolidou-se em propostas de educação promovida pelo estado, primeiro para os guardiões, os soldados, e em seguida expandindo-se como ideia para outros segmentos. Um elemento importante a considerar é que a Paidéia grega se estabelece com o surgimento da cidade (polis) e da cultura contrapondo-se à natureza. Este conceito é mais complexo do que expressões do mundo contemporâneo possam traduzir: Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os Gregos entendiam por Paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de emprega-los todos de uma só vez (JAEGER, 2001, p. 1).

No caso amazônico, a associação pode ter pertinência no momento em que se lha pensa como um espaço remoto e que precisa ser inserido em um mundo econômico pretensamente civilizado, moderno, integrado. De certa forma, as propostas de desenvolvimento da Amazônia e que tem fortes tons reivindicativos de introdução de elementos da modernidade (estradas, escolas, hospitais, comunicação, crédito...) são os contrapontos dos elementos da natureza ou próximos dela, negados como sendo cultura e civilização, por mais que se reivindique tais atributos. A visão eurocêntrica pode ter seu contraponto no conto de Jorge Pozzobon (POZZOBON, 2002) ancorado na cultura dos índios tucanos que concebem como sem alma os que não fossem pertencentes a esta etnia, ou seja, os que não tinham a mesma cultura. A semelhança com o debate sobre a existência da alma ou não nos índios e negros durante o processo colonizador das Américas não é mera semelhança.

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Em casos específicos de construções identitárias nessa região, há termos que se reportam ao ambiente e aos direitos constituídos ou pretendidos pelos povos da floresta, como é o caso do conceito de florestania, cunhado para se reportar àqueles que vivem naquele bioma. Os marcos dominantes da agricultura moderna estão dados e se chocam com os da agricultura ecológica, alternativa, biodinâmica, sustentável ou qualquer que lhe seja dada a denominação e adjetivo. As exigências de um ensino que considere o direito das gerações futuras ao acesso aos recursos naturais nas mesmas condições da atualidade e o poder de decidir o que, como e quanto produzir além de acessar os benefícios desta produção, elementos determinantes do conceito de cidadania, devem se inserir nos conteúdos do ensino moderno tanto quanto os conteúdos consagrados pela educação clássica. Este é o desafio das gerações presentes que praticamente se impôs com a emergência do paradigma ecológico (Pelizzoli, 1999).

Licenciatura em Ciências Agrárias: por que e para quem? O reconhecimento pelas organizações camponesas situadas ao longo da Transamazônica, em particular aquelas sediadas em municípios polarizados por Marabá e Altamira, no final da década de 1980, incluía em sua pauta a criação de pelo menos uma Escola Familiar Agrícola em cada um dos municípios da região compreendida entre os municípios de Itaituba e São João do Araguaia, cobrindo portando a área de influencia da rodovia no Estado do Pará. Um dos problemas identificados foi a carência de quadros qualificados de professores para concretizar a implantação destes cursos. Estes deveriam ter uma formação mista de pedagogos e técnicos agrícolas/agrônomos, que permitisse ensinar/aprendendo ou aprender/ensinando filhos de agricultores localizados neste perímetro que inclui 19 municípios4 e à época estimados com em torno de 200 mil famílias. A Universidade Federal do Pará, representada pelos campi de Marabá e Altamira, implementou uma proposta a partir de 1997, vigorando até 1999, conforme linha do tempo apresentada na figura 1.

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Itaituba, Rurópolis, Placas, Uruará, Medicilandia, Brasil Novo, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu, Altamira, Anapu, Pacajá, Novo Repartimento, Tucuruí, Itupiranga, Marabá, São João do Araguaia, São Domingos do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia e Palestina.

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NECAN Curso de Medicina Veterinária Castanhal

Início do Programa CAT Criação da equipe do LASAT

1991

Criação da equipe do LAET

Belém

1988 Marabá

Criação do Curso de Especialização em Agriculturas Familiares (DAZ)

1994

Criação do Mestrado em Ciência Curso de Criação do Licenciatura Animal Belém Curso de em Ciências Agronomia Agrárias 2000

Belém

1993 Altamira

1997 Altamira

Criação do NEAF/Centro Agropecuário

1999 Marabá

2001 Altamira e Marabá Mestrado em Agriculturas Familiares Belém

Figura 1 Linha do tempo do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural. Elaborado por GG 2007.

Embora a proposta tivesse pertinência na lógica dos movimentos sociais, as negociações com o poder público estadual tanto de reconhecimento oficial das Escolas Familiares Agrícolas quanto dos profissionais formados no quadro da Universidade Federal do Pará levaram a contradições que inviabilizaram os cursos de formação de professores e a proliferação das escolas na intensidade proposta pelos movimentos sociais. No caso das Escolas Familiares Agrícolas e Casas Familiares Rurais o maior problema continua sendo o de certificação dos alunos pelo sistema de educação, o que remete a um tipo de controle que passa por avaliação de currículo, projeto político pedagógico e equivalência aos níveis básico e fundamental. Quanto à formação dos profissionais, híbrida de Pedagogia e Agronomia, o maior problema se situou no não enquadramento pretendido dos formandos no Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia. Esta limitação implicava em uma restrição do mercado de trabalho tanto quanto da representação simbólica do curso que na compreensão dos egressos implicava em uma desvalorização do curso. Com estes argumentos e resistências, os professores da Universidade Federal do Pará optaram por não mais ofertar o Curso de Licenciatura em Ciências Agrárias, propondo o de Engenharia Agronômica. Em linhas gerais, esta formação, embora não habilitando à docência tanto 261

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quanto a licenciatura, pela carência de profissionais no mercado, finda por permitir a entrada destes profissionais nos campos da Extensão Rural, da Pesquisa Agropecuária e do Ensino, nichos tradicionais do mercado de trabalho desta área. Na linha do tempo apresentada na Figura 1 devem ser lembrados pelo menos três nomes de personalidades marcantes e que deslancharam a proposta de sensibilizar representantes de instituições de pesquisa e ensino para estarem a serviço do campesinato amazônico, este em processo de reconhecimento para uns, e de formação, para outros. Do lado dos pesquisadores, o religioso belga convertido em professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará, Jean Hebette e o pesquisador e professor martiniquês, Vincent de Reynal, da Universidade das Antilhas e Guianas. O primeiro engajou-se na região desde a sua chegada, em 1967, graduou-se em Economia e fez um curso de especialização no então recém criado Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Tornou-se diretor do Setor de pesquisa e em articulação com sindicalistas camponeses propôs um projeto de apoio às organizações deste segmento. O segundo se dispôs a participar do projeto e passou 9 anos habitando em Marabá, elaborando uma compreensão sobre a lógica de funcionamento dos estabelecimentos rurais familiares, liderando um processo de formação de profissionais da agronomia voltados para este mesmo

segmento. Do lado dos camponeses, o sindicalista Almir Ferreira Barros,

presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João do Araguaia, depois primeiro presidente da Fundação Agrária do Tocantins – Araguaia, a FATA, fundador da Cooperativa do Centro Agroambiental do Tocantins – a COCAT, membro ativo das articulações entre pesquisadores, sindicalistas e mediadores atuantes em organizações não governamentais no Sul e Sudeste do Pará, teve papel de destaque no encaminhamento das atividades que se materializaram no fortalecimento da agricultura familiar no Sudeste Paraense. Em que pese os primeiros investimentos terem sido feitos na formação de engenheiros agrônomos recém formados em estágios, cursos de especialização e mestrado, depois na formação de licenciados em Ciências Agrárias e Agronomia, a demanda por escolarização e formação profissional de filhos de camponeses estava posta. Ações de desenvolvimento eram promovidas no intuito de resolver problemas básicos da produção e comercialização de produtos agrícolas, tanto quanto eram investidos recursos para melhorar a capacidade de organização política dos camponeses

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filiados ou em processos de aproximação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais – os STRs. Neste processo de formação a que se propôs o Centro Agroambiental do Tocantins no Sul e Sudeste do Pará e o Programa Agroecológico da Transamazônica no Sudoeste Paraense, um dos mais destacados elementos foi a experiência de convivência de pesquisadores em formação e sindicalistas em pleno exercício de suas militâncias. Esta convivência se estendeu para os lotes de agricultores membros das organizações (sindicatos, associações, cooperativas) e permitiu um aprendizado de ambas as partes sobre os problemas enfrentados pelos camponeses, de um lado, e pelos pesquisadores, do outro, cada qual no seu campo de atuação. Estas dificuldades se traduziram igualmente em problemas de relacionamento entre agricultores e pesquisadores, em parte por que o tempo da produção de conhecimento não corresponde ao da resolução dos gargalos da produção agrícola (GUERRA, 1999). A criação da Escola Família Agrícola em Marabá e as Casas Familiares Rurais que proliferavam na região de Altamira, em velocidade reduzida para o nível da demanda, resultaram em propostas inacabadas, mas em experiências ricas de significados e de potencial replicativo, utilizado nas formulações seguintes de qualificação de professores das áreas de assentamentos, de povoados rurais e de sedes municipais recém instaladas (Anjos, 2009). A recorrente reivindicação por educação básica e fundamental para todos os habitantes do país, cravada na Constituição Federal se fez bandeira permanente de luta. Entre os habitantes de lugares distantes dos grandes centros de decisão e de serviços, concentrados demograficamente e com maior capacidade de pressão, o atendimento a esta necessidade básica tem sido insuficiente e precária. Mais do que isso, a precariedade é atribuída a um distanciamento identificado como insipiente para atender ao mínimo do que se espera de uma atividade educacional!

Que estrutura educacional para uma vida saudável na Amazônia Longas distâncias entre a moradia e a escola, relação direta com a natureza selvagem e domesticada, relações primárias com família e vizinhos, relativa autonomia produtiva e dos meios de produção, acesso crescente aos meios de comunicação à distancia, dificuldade de transporte de material concreto por deficiências nas redes de

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transporte físico e possibilidade concreta do controle da qualidade da alimentação, frágil relação como o mercado, estas são algumas das características do meio rural. Transferindo estes aspectos do cotidiano rural para o espaço da escola, quais seriam os itens a serem reforçados para compor uma educação adequada a um campesinato existente e real que sofre um processo de desagregação e diáspora e um campesinato virtual e pretendente a se estabelecer na realidade? A imposição dos modelos que lembram a alegoria da caverna apresentada por Platão se repete com a reprodução de visões de mundo que não correspondem ao mundo concreto amazônico mas a mundos que se refletem por imposição de uma colonização estrangeira com padrões descolados da realidade tropical. Deve-se ressaltar que há pelo menos dois elementos que não se pode dispensar de uma educação no espaço amazônico e que tem se inserido como opção assumida claramente mesmo que sob as críticas de que sejam explicitamente ideológicas, quais seja: 1 o destaque para a agricultura familiar, compreendendo-se esta como aquela agricultura de pequeno porte, diversificada, realizada em espaços que são ao mesmo tempo de moradia e produção de produtos utilizados para o sustento da família e 2 o enfoque agroecológico, compreendido este como aquele calcado no uso dos recursos naturais em processos que permitam a sua permanência para o uso das gerações futuras, utilizando-se o saber local, mantendo-se a autonomia dos produtores, considerando-se a formação de preços justos em uma economia que seja viável, que seja ecologicamente sustentável e socialmente justo. Sob inspiração e como projeção do Programa do Centro Agroambiental do Tocantins foi criado o Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, em 1996, com reconhecimento em 2000 pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior – CAPES, tendo os mesmos princípios orientadores dos cursos de graduação e especializações criados no mesmo âmbito (GUERRA E ANGELO-MENEZES, 2007). Há que se considerar que com a mudança de paradigmas ou pelo menos com o reconhecimento da importância do respeito ao meio ambiente e do direito à manifestação dos cidadãos em todas as esferas e áreas do conhecimento, não haverá formação contemporânea sem a inclusão destes elementos. Na prática, todo processo educacional doravante partirá do reconhecimento do indivíduo sobre sua condição de

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cidadão e de membro de uma coletividade socioambiental da qual ele se torna responsável por conviver em padrões de civilidade que estão se construindo cada vez com mais intensidade. Considerações finais A perspectiva de uma estrutura de disciplinas e matérias para uma educação ajustada às condições socioculturais amazônicas continua em aberto, em que pese toda a crítica aos modelos convencionais de educação e formação dos jovens. O esforço de chegar a um quadro competente para lidar com a realidade regional continua sendo feito por um número cada vez maior de professores, pesquisadores, estudiosos e militantes engajados na transformação da sociedade brasileira e das instituições em que exercem suas atividades. A utopia continua sendo a de se chegar a formas ajustadas de produção e reprodução material e psicossocial que possam ser uma referencia de convivência civilizada entre os homens entre si e desses com a natureza. Neste sentido proliferam e ganham corpo as propostas de educação do campo, casas familiares rurais e escolas familiares agrícolas, e modalidades de cursos que partem das realidades locais e a ela retornam como espelho e leitura aproximativa entre concreto e abstrato. Mais do que no espaço rural e amazônico, em todas as esferas da sociedade impõe-se uma consciência da necessidade de gestão compartilhada do planeta, sob pena de exaustão das possibilidades de existência sob padrões mínimos de convivência. A gama de elementos políticos, culturais, ambientais, sociais e econômicos articulados, imbricados e tratados com a consciência de sua totalidade é o diferencial a ser assumido em uma Paideia planetária em geral e amazônica em particular. Referências bibliográficas ANJOS, Maura Pereira dos. A experiência de formação de professores no PRONERA Sudeste do Pará. Belém: Programa de Pós Graduação em Agriculturas Amazônicas, Universidade Federal do Pará, Embrapa Amazônia Oriental, 2009. (Dissertação de mestrado). DEAN, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA. Paidéia. Disponível em http://www.britannica.com/EBchecked/topic/438425/paideia. Acessado em 15/04/2014.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

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