Educação escolar, ocupação e renda entre indígenas de Manaus

June 14, 2017 | Autor: E. Mainbourg | Categoria: Indigenous Studies
Share Embed


Descrição do Produto

EDUCAÇÃO ESCOLAR, OCUPAÇÃO E RENDA ENTRE INDÍGENAS DE MANAUS* Evelyne Marie Therese Mainbourg 1 Maria Ivanilde Araújo 2 Gleici Jane Sena Cruz 3

Palavras-chave: índio urbano; educação; emprego; renda. 1- INTRODUÇÃO E METODOLOGIA A urbanização de populações indígenas constitui um fenômeno mais antigo do que se pensava, o que suscitou o interesse dos antropólogos antes dos outros cientistas. O Estado do Amazonas conta com o maior número de indígenas do Brasil. Manaus, sua capital, que possui uma população total de 1.832.424 habitantes (IBGE, estimativa 2011), tornou-se um exemplo de concentração urbana de população indígena e miscigenada relevante. Em 2007, na ocasião de um Projeto do Programa de Pesquisa para o SUS / PPSUS, financiado pela FAPEAM e pelo CNPq (Parecer nº1535/2005 do Comitê de Ética em Pesquisa), realizou-se um estudo transversal a partir de uma amostragem aleatória estratificada proporcional por bairro, representativa da população indígena residente em Manaus (estimada em 9.294 indivíduos em 2005, com base nas zonas administrativas do Censo de 2000), bem como de uma amostragem da população não-indígena, morando nas mesmas áreas. Os questionários foram aplicados por entrevistadores indígenas (17) conforme exigido pelas associações indígenas de Manaus 4, após devidas seleção e capacitação. A distribuição das áreas entre os entrevistadores foi feita em função do conhecimento de cada um, da localização de famílias indígenas nos 57 bairros da cidade, conforme a amostragem. Alguns endereços (ou, pelo menos, localizações) foram fornecidos por funcionários de entidades governamentais e não governamentais indigenistas (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Fundação Estadual de Populações Indígenas do Amazonas, e Pastoral Indigenista de Manaus). Afora as áreas de forte concentração de população indígena, a busca da população alvo foi difícil. Foram feitas a revisão dos questionários com cada entrevistador e averiguações em campo. A pesquisa de campo ocorreu entre maio e dezembro de 2007. Aplicou-se dois tipos de questionários: um domiciliar e outro individual. Os dados apresentados a seguir se referem apenas ao questionário individual e em particular às variáveis relativas à educação escolar, ocupação e renda, além das variáveis independentes (etno-região, sexo e faixa etária). Foram 1527 questionários sendo 694 indígenas e 833 não-indígenas de 10 anos ou mais. Para evidenciar as relações estatisticamente significativas entre essas variáveis, utilizou-se o teste quiquadrado de Pearson χ 2 , com nível de significância de 5% e em caso onde as suposições do teste qui-quadrado não foram satisfeitas usou-se to teste exato de Fisher.

( )

2-RESULTADOS E DISCUSSÃO 2.1-População em estudo A amostra é constituída de 45,45% de indígena e 54,55% de não-indígenas. Os 694 indígenas cujo questionário foi validado se distribuem segundo a região de origem das suas etnias (etno-região), *Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 20 a 24 de novembro de 2012. 1 ILMD/FIOCRUZ, Manaus-AM. 2 Departamento de Estatística/Instituto de Ciências Exatas/UFAM-AM. 3 Graduanda, Curso de Estatística/Instituto de Ciências Exatas/UFAM-AM. 4 AACIAM, AIMC, AMARN, AMISM, APN, Bayaróa, Comunidade Ticuna Wotchmäcü, COIAM, COIAMA, Comunidade Saterê-Mawé Inhaã-be, Comunidade Saterê-Mawé Waykyrú, Comunidade Saterê-Mawé Yapirehit, ICRASIM, MEIAM, ODESPI, UPIM.

conforme tabela 1. Os indígenas das etnias do Rio Negro constituem quase a metade dos indígenas da amostra. Mais de um indígena em cada cinco é da região do Marau-Andira (etnia Sateré-Mawé) e um pouco menos, do Solimões. As outras etnias todas reunidas totalizam menos de 15%. Tabela 1 – Indígena por etno-região de origem, Manaus, 2007 Etno-Região (indivíduo) Juruá,Jutaí,Purus,Javari Marau-Andirá Rio Negro Solimões Tapajós-Madeira Outras regiões Total

n 51 148 315 129 38 13 694

% 7,35 21,33 45,39 18,59 5,48 1,87 100,00

2.2-Sexo e faixa etária A distribuição por sexo dos dois grupos populacionais apresentada na tabela 2 mostra uma predominância feminina maior entre os indígenas (mais de 10%) que entre os não-indígenas. Porém, a diferença não é significativa. Isso pode se explicar pelo processo migratório que atrai as mulheres principalmente entre 10 e 29 anos que vêm na capital para ser empregadas domésticas ou ainda depois dos 30 anos para estudar (TEIXEIRA et al., 2009, p. 537). Tabela 2 – “Indianidade” por sexo, Manaus, 2007*

Sexo Feminino Masculino Total

Total 819 708 1527

% 53,63 46,37 100,00

Indígena n % 387 55,76 307 44,24 694 100,00

Nãoindígena P N % 432 51,86 0,1412 401 48,14 833 100,00

*Foi criado o termo de “indianidade” para representar a variável: ser indígena ou não.

No que diz respeito à estrutura etária, a mesma evidencia uma população indígena significativamente mais jovem que a população não-indígena como mostra a tabela 3, com mais de um terço dos indivíduos indígenas tendo entre 10 e 19 anos. Não há diferença significativa entre as etnias. Tabela 3 – “Indianidade” por faixa etária, Manaus, 2007 Faixa etária

Total

10 a 19 anos 20 a 39 anos 40 anos e + Total

481 622 424 1527

Indígena n % 31,50 242 34,87 40,73 270 38,90 27,77 182 26,22 100,00 694 100,00 %

Não-indígena P N % 239 28,69 0,03469 352 42,26 242 29,05 833 100,00

2.3-Línguas Os menores de 40 anos dominam a língua portuguesa, mas os mais velhos têm limitações, principalmente na leitura e na escrita. A capacidade de falar fluentemente uma língua indígena é de 11,98% entre os mais jovens e de 32,22% na faixa dos 20-39 anos contra 55,49% entre os mais velhos. Essa faixa de 40 anos ou mais, como a dos jovens têm porcentagem significativamente elevada de indivíduos que não falam nenhuma língua indígena, muito provavelmente porque estas pessoas nasceram na cidade. Os indígenas do Rio Negro, mais do que os outros (45,40%) falam fluentemente

uma língua indígena. Os índios Sateré-Mawé dizem falar razoavelmente sua língua. Os indígenas do rio Solimões são numerosos em afirmar não falar uma língua indígena (62,79%), nem fluentemente, nem razoavelmente. E é o grupo das outras etnias que menos fala uma língua indígena: 70,59% não falam nenhuma. De fato, mesmo com a criação pelos missionários do Rio Negro da língua nheengatu (a partir do Tupi), a língua portuguesa que foi imposta à força (de escova às vezes!) nos internatos, é a língua de comunicação nesse território que conta 19 etnias e várias línguas de três troncos lingüísticos diferentes. Pela prática exogâmica que é também exolinguística, a população fala pelo menos duas línguas indígenas além do português (com exceção dos Baré). Desta forma, não é surpreendente observar que os indígenas do Rio Negro que vivem em Manaus são também os que mais dominam a língua portuguesa tanto na fala (83,17%) quanto na leitura (82,22%). Os Sateré-Mawé, pelo contato antigo com a sociedade nacional não falam mais tão fluentemente sua língua na cidade, e além de falar fluentemente o português, o leem fluentemente (82,43%). No rio Solimões, há etnias que já perderam sua língua. Por isso, os de Manaus falam e leem bem o português (82,17% e 78,29% respectivamente). O grupo de outras etnias não domina tão bem nem a fala, nem a leitura do português quanto os outros grupos étnicos. 2.4-Educação escolar 2.4.1- Frequentação da escola A juventude indicada acima se reflete na inserção no sistema de educação escolar já que o grupo de indígenas é significativamente mais inserido na escola atualmente que o grupo não-indígena, conforme tabela 4. Mas não há diferença significativa entre as etnias quanto ao fato de freqüentar a escola atualmente. Tabela 4 – Frequentação atual da escola por “indianidade”, Manaus, 2007 Indígena Não-indígena Frequenta a escola Total % atualmente? n % N % 579 37,92 299 43,08 280 33,61 Sim 948 62,08 395 56,92 553 66,39 Não 1527 100,00 694 100,00 833 100,00 Total

P 0,000181

O fato de freqüentar ou de ter freqüentado a escola alguma vez não apresenta diferença significativa entre os dois grupos: indígenas e não-indígenas. Mas, quando feita a comparação com cada uma das etno-regiões, aparece diferença significativa. Enquanto os Sateré-Mawé, as etnias do Rio Negro e do Solimões têm mais de 97% da sua população estudando ou tendo estudado, os nãoindígenas apresentam porcentagem um pouquinho inferior e o grupo das etnias outras, muito menor ainda (86,27%), como mostra a tabela 5. Desta forma, pode se observar que tanto atualmente quanto no passado, o grupo de indígenas tem maior taxa de freqüentação da escola que o grupo de nãoindígenas, com exceção do caso das etnias outras. De fato, a vontade de inserção na sociedade nacional por parte dos grupos indígenas não é de hoje. Pode-se considerar também que os indígenas que vieram a Manaus ou nasceram lá porque seus pais migraram para a capital já tinham um razoável nível de educação escolar, pois do contrário, não teriam tido chance nenhuma de se inserir no mercado. Vale também considerar que há uma tradição de qualidade de ensino nas missões em terras indígenas, onde todos eram instigados a estudar ou não tinham outra opção. Tabela 5 – Frequentação atual ou anterior da escola por etno-região e não-indígena, Manaus, 2007 Frequenta ou MarauNãoRio Negro Solimões Outras frequentou a Andirá indígena Total P escola N % N % n % N % N % alguma vez? 1473 96,46 146 98,65 306 97,14 126 97,67 88 86,27 807 96,88 0,000001 Sim 54 3,54 2 1,35 9 2,86 3 2,33 14 13,73 26 3,12 Não 1527 100,00 148 100,00 315 100,00 129 100,00 102 100,00 833 100,00 Total

2.4.2- Nível de educação escolar A tabela 6 mostra que o nível de estudo atingido indica uma diversidade de situações interessantes, segundo a etno-região de origem ou o fato de não ser indígena. Se os não-indígenas estudaram até as últimas séries do ensino fundamental ou até o ensino médio, os indígenas (com exceção dos Sateré-Mawé) foram além, em proporção maior. De fato escolas primárias são implantadas, em função das missões, em quase todas as áreas indígenas; e dificilmente uma criança vai deixar de ir à escola como todas as outras; assim como não parece concebível um professor se ausentar de forma recorrente, por ele ser da própria comunidade. Mas acima da 4ª série, é muito mais difícil encontrar escolas nas áreas indígenas. Para continuar os estudos, muitas crianças das áreas indígenas são mandadas para a casa de parentes da cidade sede do município ou da capital, principalmente para os ensinos médio e superior. Não foi perguntado dos indivíduos o local onde estudaram, mas pode-se considerar que a práxis do estudo, por pressão histórica dos missionários, se manteve ao chegar na cidade e se transmitiu, talvez de forma mais premente que para a população não-indígena que é mais vítima da falta de escolas, da espera de reforma, da carência em professores ou da espera por um substituto. Outro fator que pode contribuir à explicação é o desejo de ascensão social e sócioeconômica para os indígenas que percebem o quanto os estudos podem abrir portas na sociedade nacional, enquanto os não-indígenas podem considerar que hora ou outra, o prefeito ou governador ou quem estiver na presidência da república, vai acabar dando casa, bolsas e outros benefícios, principalmente na capital, sem precisar estudar por isso. Desta forma, os indígenas do Rio Negro apresentam maiores porcentagens em ensino médio e ensino superior. Mas os Sateré-Mawé (região Marau-Andira), de origem mais próxima de Manaus apresentam perfil menos favorável que os não-indígenas, com porcentagens elevadas apenas no ensino fundamental. Os indígenas do rio Solimões e do grupo de etnias outras apresentam um perfil dicotômico indicando dois tipos de alunos: os que mal tiveram condição de estudar nos primeiros anos do ensino fundamental e os que tiveram condição sócio-econômica de cursar o ensino médio ou até o ensino superior, o que pode traduzir um amplo leque de chances dentro do grupo. Tabela 6 – Série e curso concluídos por etno-região e não-indígena, Manaus, 2007 Que série e curso* frequenta ou foi concluído? Fundamental I (1ª - 4ª série) Fundamental II (5ª – 8ª série) Ensino Médio Ensino Superior Total

Total

%

MarauAndirá n %

Rio Negro

Solimões

Outras

N

%

N

%

n

%

Nãoindígena N %

P

288

19,59

41

28,28

41

13,44

31

24,60

29

32,95

146

18,11 0,0009

623

42,38

67

46,21

126

41,31

47

37,30

31

35,23

352

43,67

466 93 1470

31,70 31 21,38 6,33 6 4,14 100,00 145 100,00

107 31 305

35,08 10,16 100,00

45 3 126

35,71 21 23,86 2,38 7 7,95 100,00 88 100,00

262 46 806

32,51 5,71 100,00

*As categorias apresentadas visam facilitar a compreensão do leitor e levam em consideração o fato que muitos indivíduos entrevistados estudaram antes da reforma de 2006 (lei federal 11.274). Nessas categorias são incluídos o supletivo e o ensino não seriado.

2.5-Emprego e renda Nem dois indígenas em cada cinco têm algum trabalho ou realizam alguma tarefa remunerada (61,38% não recebem dinheiro por trabalho). Entre os não-indígenas, as proporções são um pouco mais favoráveis (42,50% recebem dinheiro por alguma atividade). Mas não há diferença significativa entre indígenas e não-indígenas, nem entre as etno-regiões. 2.5.1-Tipos de emprego A partir dos 11 grandes grupos da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do Ministério do Trabalho e Emprego, foram criadas as 6 categorias seguintes:

1 - Membros superiores do poder público, dirigentes de organizações de interesse público e de empresas, gerentes, profissionais das ciências e das artes 2 - Técnicos de nível médio 3 - Trabalhadores de serviços administrativos 4 - Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados 5 - Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais 6 – Outros: trabalhadores agropecuários, florestais, caça e pesca, trabalhadores da produção e manutenção, militares, policiais e bombeiros. Na tabela 7 foram utilizados nomes resumindo o conteúdo dessas categorias. Enquanto os indígenas ganham o pão de todo dia, em maiores porcentagens, fazendo e vendendo artesanato ou assumindo funções em ONG´s ou órgãos do governo ou ainda como técnicos de nível médio, os não-indígenas trabalham predominantemente nos serviços ou como vendedores em lojas e mercados ou ainda numa grande diversidade de empregos desde os ligados a serviços de reparação e manutenção até aqueles vinculados às forças armadas, polícia ou corpo de bombeiros e outros. As diferenças são significativas. Todavia, tanto indígenas quanto não-indígenas atuam por mais de um terço nos serviços e comércio. Mas os indígenas trabalham na indústria duas vezes menos que os não-indígenas, e como técnicos de nível médio quase duas vezes mais. Nas ocupações ligadas ao poder público, organizações de interesse público, artes entre outras, os indígenas representam mais do triplo dos não-indígenas, por conta da importância do artesanato e de funções de representação étnica (COIAB: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e SEIND: Secretaria de Estado para os Povos Indígenas). Tabela 7 – Ocupação principal remunerada por “indianidade”, excluídos os estudantes, Manaus, 2007 Qual é sua ocupação principal? Gerência, artes Técnicas Administração Serviços e comércio Indústria Outras Total

Total

%

100 36 49 224 148 63 620

16,13 5,81 7,90 36,13 23,87 10,16 100,00

Indígena N % 72 26,97 21 7,87 23 8,61 92 34,46 36 13,48 23 8,61 267 100,00

Não-indígena P N % 28 7,93
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.