Educação escolar, uso das TIC pelas crianças e mediação familiar

June 24, 2017 | Autor: Ana Diogo | Categoria: Children and Families, ICT in Education, Socialization, TIC, Familia, Socialização
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Descrição do Produto

Título: O não-formal e o informal em educação: Centralidades e periferias . Atas do I colóquio internacional de ciências sociais da educação / III encontro de sociologia da educação (3 volumes) Organização: José Augusto Palhares | Almerindo Janela Afonso Comissão Organizadora

Comissão Científica

Almerindo Janela Afonso (Coord.) Carlos Alberto Gomes Esmeraldina Veloso José Augusto Palhares Maria Custódia Rocha Emília Vilarinho Fernanda Martins Natália Fernandes Cristina Fernandes Carla Soares

Almerindo Janela Afonso Ana Diogo Alan Rogers Alcides Monteiro António Fragoso António Neto-Mendes Armando Loureiro Carmen Cavaco Fernando Ilídio Ferreira Isabel Baptista José Alberto Correia José Augusto Palhares Licínio C. Lima Manuel Sarmento Maria da Glória Gohn Mariano Fernández Enguita Paula Cristina Guimarães Pedro Abrantes Rui Canário Sofia Marques da Silva Xavier Bonal

Edição: Centro de Investigação em Educação (CIEd) Instituto de Educação Universidade do Minho Braga - Portugal Composição e arranjo gráfico: Carla Soares, José Augusto Palhares Capa e design: João Catalão Formato: Livro Eletrónico, 3 Volumes, 2110 Páginas Volume I: [pp. 1 – 680] | Volume II: [pp. 681 – 1292] | Volume III: [pp. 1293 – 2110] ISBN: 978-989-8525-27-7 Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projeto PEst-OE/CED/UI1661/2011

© CIEd, Dezembro 2013

ÍNDICE VOLUME III

Culturas de Infância, Contextos e Quotidianos Uma experiência desenhada na educação não-formal | Juliana Aico Moraes Fujishiro, Natasha Caramaschi Del Galo

1302

Os amigos do facebook: Espaços lúdicos e relações sociais da infância contemporânea | Alessandra Alcântara, Anónio José Osório

1312

Desafios e perspectivas do brincar entre adultos e crianças: Relato de uma experiência sobre o brincar no Brasil | Lucelina Rosa, Anne Binder, Jaqueline Fernandes, Sandra. Siqueira

1321

Projetos de ocupação de tempos livres na infância em contextos não-formais | Carla Lacerda, Henrique Ramalho

1330

Infância e ludicidade: A forma e o formato | Alberto Nídio Silva

1338

Cotidiano de meninas e meninos: Modos de ver da infância em desenhos e fotografias | Marcia Aparecida Gobbi

1347

A educação não-escolar no quotidiano das crianças: O contributo da atividade lúdica | Ilda Freire-Ribeiro, Maria José Rodrigues, Luís Pinto Castanheira

1355

Infância Indígena: As crianças Sateré-Mawé como produtoras de culturas | Roberto Sanches Mubarac Sobrinho

1365

Pesquisa brasileira recente em gênero, infância e desempenho escolar | Fábio Hoffmann Pereira

1374

O contexto educativo das crianças em acolhimento familiar: Evidências do quotidiano, reptos para o futuro | Vânia S. Pinto, Paulo Delgado

1382

PACC - Produção afro-cultural para a criança: A construção da identidade da criança negra brasileira | Leunice Martins Oliveira, Sátira Pereira Machado, Maria Elisabete Machado, Germana Nery Machado

1391

A escolarização no cotidiano de crianças em situação de trabalho, em zona rural | Indira Caldas Cunha Oliveira, Rosângela Francischini

1399

Práticas de cuidado e educação desde o ponto de vista e forças do desejo dos bebês e crianças bem pequenas | Ana Cristina Coll Delgado, Marta Nörnberg, Francine Almeida Porciúncula Barbosa

1405

A fotografia pinhole e a vivência de um processo | Maria Cristina Stello Leite

1413

Partilha de boas práticas: Música e poesia- Para uma participação efetiva, responsável e autónoma na vida escolar | Joana Nogueira, Regina Pires

1420

Práticas de atendimento à criança pequena em Francisco Beltrão/PR: Um olhar sobre alternativas não institucionais | Caroline Machado Cortelini Conceição

1429

Ambiguidades e tensões na relação pedagógica entre crianças e adultos | Marta Nörnberg, Ana Cristina Coll Delgado, Patrícia Pereira Cava, Francine de Vargas Silva

1437

Música e crianças em diálogo: Contribuições da sociologia da infância | Sandra Mara Cunha

1445

Envolvimento parental e suporte social em contextos inclusivos | Sara Alexandre Felizardo, Esperança Jales Ribeiro

1453

Educação de infância e família: Desafios para uma ação educativa integrada | Maria Angelina Sanches, Idália Sá-Chaves

1459

As impressões e representações criadas por crianças no Parque do Ibirapuera na cidade de São Paulo | Nailze Neves Figueiredo

1468

Autoria infantil: Direito, legitimidade e encantamento | Flavia Lopes Lobão

1479

Brincadeira, educação e psicologia: Percurso histórico e interrelações | Carmem Virgínia Moraes Silva, Rosângela Francischini

1488

Crianças de Abril. Uma abordagem às questões da educação popular em jardim de infância | Ana Levy Aires

1496

Tecnologias e Redes de Aprendizagem Educação compartilhada: Apontamentos de uma formação estética on-line | Julio Pancracio Valim

1505

Currículo e tecnologia: Perspectivas de integração no cotidiano escolar a partir de projetos governamentais | Marília Beatriz F. Abdulmassih, Dinamara P. Machado

1513

Na intersecção da educação não-formal e informal, uma experiência piloto de e-learning em organização e animação de bibliotecas, com animadores/as socioculturais | Ana Silva

1524

Juventude e cultura digital: A zona leste de Uberlândia em questão | João Augusto Neves, Arlindo José Sousa Jr

1536

A centralidade da atenção no ensino e aprendizagem na escola global: Entre quadros normativos e estratégias de informalidade | Nuno Ferreira

1547

Midiatização: Modos de ser jovem e ser aluno no contexto da cultura contemporânea | Cirlene Cristina de Sousa, Geraldo Magela Pereira Leão

1558

Educação escolar, uso das TIC pelas crianças e mediação familiar | Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

1568

Inter-relações entre espaços-tempos não-formais e formais de aprendizagem na educação superior: Limites e possibilidades dos recursos da World Wide Web | Marcos de Abreu Nery

1580

O processo de formação de mediadores em EAD no Centro Paula Souza e na Univesp | Dilermando Piva Jr, Elizabete Briani M. Gara, Marcio L. Andrade Netto, Waldomiro P. D. de C. Loyolla

1590

Potencialidades do software educativo na promoção da interação social das crianças com autismo: Contributos de um estudo qualitativo | Vanessa Benigno, Belmiro Rego, Sara Felizardo

1601

Processo de produção de materiais didáticos: O modelo da Univesp e Centro Paula Souza | Dilermando Piva Jr, Marcio L. Andrade Netto, Waldomiro P. D. de C. Loyolla, Elizabete Briani M. Gara

1610

Evasão no ensino à distância – Um estudo de caso no curso de segurança do trabalho no campus São Gonçalo do Amarante – RN | André Luiz Ferreira de Oliveira

1620

Aprendizagem informal online | Joana Viana

1636

Entraves na integração curricular das tecnologias e redes de aprendizagem no 5º ano do ensino fundamental | Andréa Patricia Lins Silva

1644

@prender Web comunicação, simulação, MDV3Ds e comunidades de aprendizagem como novas práticas educomunicacionais | Malizia Pierfranco

1652

Outros Espaços e Tempos de Aprendizagens Experiências brasileiras de Educação Integral: Os diferentes usos dos espaços e dos tempos de aprendizagem e suas implicações | Lúcia Helena Alvarez Leite, Bárbara Ramalho

1663

1296

Tempo escolar fora da escola: O caso das explicações em Seoul, Brasília e Lisboa | António Neto Mendes, Alexandre Ventura, Jorge Adelino Costa, Andreia Gouveia

1671

Classe hospitalar: Educação formal fora dos muros da escola | Maria Alice de Moura Ramos

1682

Experiências e aprendizagens de egressas do sistema penitenciário paraibano | Helen Halinne Rodrigues Lucena, Timothy Denis Ireland

1692

Racionalidades e informalidades no ensino doméstico em Portugal | Álvaro Ribeiro

1700

Situações de hospitalização, aprendizagem e escolarização: Diálogos entre o não-formal e o formal no processo de ensino e aprendizagem da criança deficiente | Marco Antonio Melo Franco, Leonor Bezerra Guerra, Alysson Massote Carvalho

1709

Duplicação curricular ou emergência de outra escola? Uma análise com base em centros de explicações de Lisboa | Catarina Rodrigues, Jorge Adelino Costa

1719

Pedagogia expressiva criativa: Uma formação transversal para professores, construída a partir da criatividade, do movimento, e do uso das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) | Max Günther, Haetinger, Rui Trindade, Ariana Cosme

1728

Os conhecimentos da Educação Física no exame nacional do ensino médio – ENEM | José Arlen Beltrão, Leopoldo Katsuki Hirama, Paulo César Montagner

1736

A sala de aula como um lugar de diálogo de saberes | Ana Lúcia Souza Freitas

1743

Ter em conta a primeira língua para a aprendizagem do francês pelos alunos emigrantes: O caso dos alunos portugueses no sistema escolar francês ou a posição do professor não detentor do saber | Elisabeth Faupin

1751

Cidade, educação e políticas públicas: Qual o espaço da educação não formal e informal nas políticas educacionais? | Reinaldo Pacheco

1760

O trabalho em rede e sucesso escolar: Uma estratégia para a “melhoria” das escolas | Marisa Silva, Helena Costa Araújo, Sofia Marques Silva

1766

Conselho de escola (ce): Espaço de educação não-formal na escola | Cileda dos Santos Sant’Anna Perrella

1771

A capoeira na escola: Caminhos possíveis de seu ensino | Paula Cristina da Costa Silva

1779

Da relação com a formação à formação como relação. Vivências, experiências e (re)significações em processos de “formação para a inclusão” | Patrícia de Oliveira Ribeiro

1787

Do que falamos quando falamos de abandono escolar | Maria Álvares, Pedro Estêvão

1794

A retórica do “não-formal” e a expansão da “forma escolar” na política de escola a tempo inteiro | Carlos Pires

1802

A relação pedagógica: O que existe para lá da palavra? | Joana Manarte, Amélia Lopes, Fátima Pereira

1809

As relações de poder na escola pública: Entre o formal, o não-formal e o informal | Amália Cândida Gonçalves Fernandes, M. Custódia J. Rocha

1815

Diálogos em roda: Uma práxis pedagógica possível com a educação formal e não-formal | Maria Elisabete Machado, Leunice de Oliveira Martins

1826

Os espaços e tempos de aquisição da língua brasileira de sinais (LIBRAS): Uma análise do desenvolvimento de crianças surdas | Simone D`Avila Almeida, Márcia Denise Pletsch

1834

A evasão em projetos socioeducativos esportivos: Inadequação de propostas ou liberdade de escolha? | Leopoldo Katsuki Hirama, José Arlen Beltrão Matos, Cássia dos Santos Joaquim, Jilvania dos Santos Santana, Natally Oliveira Santos, Paulo Cesar Montagner

1844

Experiências escolares significativas: Encontros e desencontros entre perspetivas de alunos e de professores | Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

1850

Olhar a diferença na igualdade da presença | Zélia Maria Gonçalves, Maria Rosário Ferreira

1859

Jovens, experiências e aprendizagens na educação do campo: Desafios e perspectivas de estudantes do ensino médio integrado no IFRN/Brasil | Márcio Adriano Azevedo, Andrezza Maria Batista do Nascimento Tavares, Sônia Cristina Ferreira Maia

1868

1297

O não-formal e o formal no ensino superior: Valorização das aprendizagens adquiridas em contexto de trabalho e de vida | Ana Luisa de Oliveira Pires

1876

O diálogo entre educação formal e não-formal como alternativa para uma educação de qualidade | Joelma Marçal

1886

A experimentação no caminho da Educação não-formal e informal. A Educação Física/Desporto como um bom exemplo | António Camilo Cunha

1892

O marketing escolar numa era de modernidade liquida | Isabel Farinha

1898

Educação, moral e pós-modernidade. As perspectivas da teoria sociológica de Durkheim frente aos desafios da educação contemporânea | Marcelo Augusto Totti

1908

Alguns aspectos sociológicos do entrecruzamento de educação formal e não-formal | Stefan Klein

1915

Cotas raciais e mercado de trabalho: O caso dos egressos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) | Marluce de Souza Oliveira Lima, Joanna de Ângelis Lima Roberto

1921

Cesteiro que faz um cesto, faz um cento: Da importância do não formal na construção da Escola como espaço público do conhecimento | Joaquim Almeida Santos

1929

Articulações entre a educação formal e a não-formal: Possibilidades à escola pública brasileira em tempos de avaliação em larga escala | Elton Luiz Nardi, Marilda Pasqual Schneider

1940

Além da forma escolar: Problemas e soluções no processo de interação escolar de crianças brasileiras imigrantes em Londres | Denise Hosana de Sousa Moreira

1948

Sedução, autonomia e poder: Experimentações socioeducativas nas escolas | Alexandra Leandro

1956

A contribuição da teorização foucaultiana para a análise dos processos de educação nãoformal | Julio Groppa Aquino

1962

A educação como um dever e uma filosofia de vida: Trajetórias educativas atípicas no contexto de emigração | Paula Guimarães, Clarisse Faria-Fortecöef

1970

Assembleia de delegados: Ecos de uma direção autónoma e democrática? | Elisabete Ferreira, Paulo França

1978

Projeto jornal escola e comunidade. A Tribuna: Uma experiência de educação | Arminda Tereza dos Santos Costa

1985

Conselheiros de escola e aprendizagens necessárias à prática democrática | Cileda dos Santos Sant’AnnaPerrella

1993

A educação não formal e informal na escola através de programas de assistência estudantil: O caso do Instituto Federal do RN Brasil | Monica Araújo da Costa Nunes Dantas, Eduardo Janser de Azevedo Dantas

2001

A educação formal e não-formal no mesmo espaço | Jorge Alberto Lago Fonseca

2011

Relação com o saber em espaços não formais de educação e suas potencialidades na melhoria da qualidade em escolas da periferia do Rio de Janeiro | Wania Gonzalez, Laélia Portela Moreira

2018

Transição de ciclos, agrupamentos de escolas e inovação educacional: Contributos da investigação multimétodo | Maria Margarida da Rocha Barbosa, Rosa Maria Silva Sá, João Paulo da Silva Miguel

2026

A relevância das atividades de enriquecimento curricular para a aprendizagem da música: Um estudo na transição do 1.º para o 2.º ciclo do ensino básico | Márcia Ribeiro, Ana Paula Cardoso

2033

As atividades de enriquecimento curricular na área de música: Desmistificando o caráter “lúdico e informal” proposto nos documentos orientadores a partir de um estudo de caso | Sónia Rio Ferreira, M. Helena Vieira

2039

Afetos ambientais na educação escolar Guarani | Rosemary modernel-Madeira, Malvina do Amaral Dorneles

2048

A educação social nas interfaces do sistema educativo: Um estudo de caso de integração escolar a partir do empowerment comunitário | Joana Faria

2061

1298

Propósito de um programa de lazer no IFRN Câmpus Pau dos Ferros: Analisando a participação dos servidores/atores | Amilde Martins da Fonseca, Rosalva Alves Nunes, Maria Custódia Jorge da Rocha

2069

Desenvolvimento de competências pessoais e sociais através do desporto em contexto escolar: Uma realidade, um exemplo,… | Alexandra Jesus, Maria João Rodrigues, Anabela Vitorino, Carla Chicau Borrego

2079

A gestão dos tempos educativos não-formais e as atividades de enriquecimento curricular | Paula Maria Sequeira Farinho

2092

Novos espaços e formas de aprendizagem: Contributos da mediação | Márcia Aguiar, Ana Maria Silva

2102

1299

Educação escolar, uso das TIC pelas crianças e mediação familiar Pedro Silva

Instituto Politécnico de Leiria [email protected]

Ana Diogo

Universidade dos Açores [email protected]

Carlos Gomes

Universidade dos Açores [email protected]

Conceição Coelho

Agrupamento de Escolas José Saraiva [email protected]

Conceição Fernandes

Agrupamento de Escolas José Saraiva [email protected]

Joana Viana

Instituto de Educação – Universidade de Lisboa/IE-UL [email protected]

A educação tem vindo a ser assumida como uma das áreas chave de intervenção no âmbito da promoção da sociedade da informação (Castells, 2007; Lyon, 1992). Ao longo das últimas décadas têm-se realizado investimentos públicos consideráveis em tecnologias da informação e comunicação (TIC) nas escolas (GEPE, 2008; GEPE, 2009). Uma das crenças que acompanha este esforço é a de que estão em causa políticas essenciais para a inclusão digital das novas gerações, particularmente dos grupos sociais mais desfavorecidos. É neste âmbito que podemos situar o programa e.escolinha, introduzido em 2008/2009 no 1º ciclo do ensino básico, em Portugal, que consistiu na distribuição de computadores portáteis, de forma gratuita ou a baixos preços para as famílias, adaptados a crianças na faixa etária em causa e equipados com programas educativos. Um dos principais desígnios desta medida política prendia-se com o alargamento da base social da utilização das TIC, não apenas em meio escolar, mas igualmente noutros contextos, especialmente na família. Um intento desta natureza põe em jogos questões complexas que se situam na articulação entre os contextos escolar e familiar (Diogo, 2008; Silva, 2003), assim como entre a educação formal e a informal que procuramos equacionar nesta comunicação, com base em resultados de dois estudos empíricos similares, conduzidos em escolas de duas cidades de regiões portuguesas diferentes. As duas pesquisas foram conduzidas a partir de uma abordagem longitudinal (2009-2011) e apresentam um design metodológico misto, integrando uma componente extensiva (com recurso a inquéritos por questionário a professores, pais e alunos) e outra intensiva (com recurso a entrevistas e à etnografia de uma turma).

Educação escolar, uso das TIC pelas crianças Apresentam-se resultados de uma análise multivariada, que nos permitiu apreender os principais eixos que estruturam a relação das crianças com o computador e, a partir desses, identificar três perfis de crianças. Procura-se, por outro lado, perceber como é que estes perfis se caraterizam em termos da mediação familiar do uso das TIC (em geral e para realizar trabalho escolar) e como esta mediação é condicionada pelo capital escolar/cultural dos pais.

Palavras-chave: TIC, mediação familiar, crianças

Introdução Em 2008/2009 o governo português introduziu o computador Magalhães (CM) no 1º ciclo do ensino básico (CEB), uma medida política que veio levantar a questão do alargamento da base social da utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC), não apenas em meio escolar, mas igualmente noutros contextos, desde logo na família. O presente texto pretende equacionar a questão das desigualdades de oportunidades e de usos das TIC a partir de resultados de dois estudos empíricos similares, conduzidos em escolas de duas cidades de regiões portuguesas diferentes. 1. TIC, educação e desigualdades sociais Vivemos numa era onde o papel desempenhado pelas chamadas TIC se vem acentuando cada vez mais (Castells, 2007), defendendo alguns especialistas que para as crianças e jovens que nascem e crescem num mundo de tecnologias em rede - os “nativos digitais” (Prensky, 2001) - as tecnologias tornam-se naturais, ao contrário de muitos adultos para quem elas significam um esforço acrescido de aprendizagem “imigrantes digitais” (Prensky, 2001) - para se adaptarem a novos contextos sociais, de trabalho e de comunicação com os outros. Contudo, um dos principais desafios que se colocam nas atuais sociedades da informação atém-se nas desigualdades e relações de poder que lhe estão subjacentes (Lyon, 1992), fenómeno que tem assumido designações como infoexclusão, divisão digital ou fosso digital (Cruz, 2008). Genericamente, o que está em causa é uma clivagem que opõe dois grupos, os que têm e os que não têm acesso às tecnologias de informação. Pesquisas recentes têm vindo a tornar visíveis os contornos desta clivagem, apontando para uma realidade complexa e multifacetada na generalidade dos países tecnologicamente desenvolvidos (Cardoso; Costa; Conceição e Gomes, 2005; Cruz, 2008). No que respeita a Portugal, por um lado, Almeida, Delicado e Alves (2008) sugerem uma rápida disseminação no uso de computadores e da Internet, com algum esbatimento das desigualdades sociais entre as crianças e jovens em idade escolar; por outro, Rodrigues e Mata (2003) notam que a utilização das TIC apresenta uma correlação mais forte com o nível de escolaridade do que com a idade, parecendo atenuar, pois, o efeito geracional (assim, será pelo facto dos mais jovens serem estudantes e tenderem a ser mais qualificados que as estatísticas mostram índices mais elevados de utilização das TIC neste grupo etário). Paralelamente, dados recentes mostram que em Portugal o número de crianças que usam computadores tende a aumentar, embora diminua a vantagem que este grupo tinha sobre os adultos quanto ao uso da Internet, estando, agora, quase a par (EU Kids on-line, 2011; Ponte; Jorge; Simões e Cardoso, 2012). A par deste peso crescente nas escolas, as TIC estão também cada vez mais presentes nos lares (INE, 2009), em particular nas situações de famílias com filhos em

1569

Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

idade escolar. Aliás, a educação escolar dos filhos surge para as famílias como o principal motivo de aquisição de computador e respetiva ligação à Internet, como salientam Rodrigues e Mata (2003). Por esta mesma razão, as famílias com filhos dependentes evidenciam-se como as que mais têm computador face àquelas sem filhos dependentes (Almeida et al., 2008). Acresce que a pesquisa aponta para que nem todas as famílias se revelam igualmente apetrechadas para realizar as suas apostas no “jogo” do investimento escolar, notando-se desigualdades no modo como se mobilizam na escolaridade dos filhos em função da clivagem sociológica que perpassa pela relação escola-família (Diogo, 2008; Diogo e Silva, 2010; Silva, 2003). Quanto à utilização das TIC, tem-se apurado que são sobretudo os grupos socialmente mais favorecidos que tiram maior partido (Almeida et al., 2008). Uma outra pesquisa mostra, contudo, que o alargamento do uso educacional dos computadores em casa a diferentes grupos sociais se pode traduzir num maior sucesso académico (Fuch e Wossman, 2004). O presente texto assume como preocupação entender, a propósito dos dados resultantes das pesquisas a seguir apresentadas, como é que as crianças dos diferentes grupos sociais usam o computador Magalhães e como é mediado esse uso no contexto familiar. 2. Sobre as pesquisas As duas pesquisas foram conduzidas a partir de uma abordagem longitudinal (2009 a 2011) e ancoram-se numa postura ontológica e epistemológica de índole fenomenológica, atenta ao cruzamento fecundo entre o dedutivo e o indutivo, integrando uma componente extensiva (com recurso a inquéritos por questionário a professores, pais e alunos) e outra intensiva (com recurso, especialmente, a entrevistas e à etnografia de uma turma selecionada em cada um dos dois territórios educativos). Os estudos visaram responder a um conjunto de questões, incluindo identificar os atores sociais que surgem associados ao computador Magalhães e as suas representações sociais sobre o mesmo; traçar o perfil sociológico dos adquiridores e não adquiridores do Magalhães; entender os usos deste, nomeadamente por parte de quem, em que contextos e quais os seus modos de regulação; compreender os efeitos escolares e sociais da sua utilização, em particular nos contextos de sala de aula e da interação escola-família. Neste texto apresentam-se resultados provenientes, fundamentalmente, do segundo inquérito aos pais (INQP2), retomando-se alguns dados do segundo inquérito às crianças (INQC2), ambos realizados no final do ano letivo 2011/12. 3. As comunidades escolares Uma das pesquisas foi desenvolvida em dois conjuntos de estabelecimentos escolares públicos, um com sede na cidade de Leiria (Agrupamento de Escolas de Leiria) e o outro num conjunto de estabelecimentos escolares com sede na cidade de Ponta Delgada (Escola Básica Integrada de Ponta Delgada). O Agrupamento de Escolas de Leiria (AE Leiria), onde decorreu um dos estudos de caso, é constituído por oito Jardins de Infância, dez Escolas Básicas do 1º ciclo e uma Escola Básica do 2º e 3º ciclos. O meio social das cinco freguesias abrangidas inclui um misto de influência urbana e peri-urbana e famílias com um leque

1570

Educação escolar, uso das TIC pelas crianças

variado de níveis de instrução e de profissões, de onde sobressai, contudo, um conjunto significativo de famílias da classe média. Frequentavam o AE Leiria, no ano letivo 2009/10, 1652 alunos, entre os quais 561 no 1º ciclo. O número de professores colocados no Agrupamento era de 185, distribuídos pelos 4 níveis de ensino, sendo que 30 eram professores no 1º ciclo. A Escola Básica Integrada de Ponta Delgada (EBI Ponta Delgada), onde foi desenvolvido o segundo estudo, é composta por um total de sete estabelecimentos de ensino, cinco dos quais incluem o 1º CEB. Em 2009/10 possuía 204 docentes (79 do 1º CEB) e 1949 alunos (978 do 1º ciclo). Os seus estabelecimentos localizam-se em freguesias urbanas e peri-urbanas de Ponta Delgada, acolhendo, na sua globalidade, uma população discente socialmente heterogénea, embora com uma considerável presença de beneficiários da ação social escolar (58% no caso do 1º CEB, em 2008/09). Tal como em Leiria, regista-se uma significativa diversidade de profissões e níveis de instrução das famílias. 4. A adesão ao computador Magalhães O computador Magalhães, através do programa e.escolinha, foi alvo de uma adesão generalizada por parte das famílias nas duas comunidades escolares: - No AE Leiria a adesão foi inicialmente de 80%, registando-se, no entanto, diferenças significativas de escola para escola: entre os 95% e os 28%. 1 A adesão, contudo, foi crescente, sendo de 89% em 2009/10 e de 93% em 2010/2011. Os dados mostram ainda que, aquando da chegada dos Magalhães (2008/09), 94% dos integrados num dos escalões da Ação Social Escolar e 64% dos não integrados em qualquer escalão adquiriram o portátil; - Na EBI Ponta Delgada, o Magalhães foi requerido por 92% das famílias,2 oscilando este valor entre um mínimo de 86% e um máximo de 97%, em função do estabelecimento escolar. Contrariamente ao que sucedeu no AE Leiria, e em todo o território continental, na Região Autónoma dos Açores existiu apenas uma fase de distribuição, tendo os esquipamentos chegado à EBI Ponta Delgada no final do ano letivo 2008/09. Aquando da segunda fase de distribuição nacional, o programa e.escolinha foi cancelado na região. Dados anteriormente apurados sugerem que esta adesão se traduziu numa democratização do acesso a estas tecnologias nas duas comunidades escolares (Silva e Diogo, 2011), em que a ligeira menor adesão por parte de famílias da classe média, no caso do AE Leiria, ocorreu em situações onde, em regra, já existia pelo menos um computador em casa (Silva et al., 2011). Em conformidade com esses resultados, a tabela 1 mostra que a posse do portátil varia pouco, considerando a instrução dos pais. Procuramos, nos dados que se apresentam de seguida, analisar em que medida esta democratização de acesso inicialmente verificada se traduziu nos usos realizados pelas crianças dos diferentes grupos sociais.

1

Dados da Direção do Agrupamento. Convirá esclarecer que algumas destas escolas são bastante pequenas, pelo que frequências absolutas baixas podem originar diferenças significativas nas percentagens. 2 Dados fornecidos pela Direção Regional da Educação e Formação (DREF) e pelo Conselho Executivo da EBI.

1571

Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

Tabela 1: Posse do CM por nível de instrução dos pais - % por instrução AE Leiria

EBI Ponta Delgada

Pai

Mãe

Pai

Mãe

≤ 1º CEB

92,6

88,9

86,4

85,4

2º/3º CEB

93,1

93,5

88,3

86,3

E. Sec./Sup.

79,6

83,3

85,4

91,0

N

174

174

250

250

Fonte: INQC2

5. Usos do computador Magalhães pelas crianças em casa: três perfis A utilização do computador Magalhães pelas crianças nas duas comunidades escolares revelou-se bastante mais expressiva em casa do que na escola ou noutros contextos (Silva e Diogo, 2011). Por esta razão, centramo-nos nos usos realizados no contexto familiar. No sentido de caraterizar os usos do computador Magalhães pelas crianças no espaço doméstico, considerando uma multiplicidade de variáveis conjuntamente, realizou-se uma análise de correspondências múltiplas complementada com uma análise de clusters hierárquica (considerando simultaneamente as respostas dadas pelos pais das crianças de ambos os estudos de caso), o que permitiu apreender as principais linhas que estruturam a relação das crianças com o portátil e identificar perfis de utilização.3 A análise de correspondências múltiplas evidencia a existência de dois eixos principais estruturadores dos usos dados ao portátil. O primeiro eixo4 opõe o uso pleno do computador (incluindo utilizações que implicam acesso à Internet e outro tipo de utilizações) ao não uso, enquanto que o segundo eixo5 opõe as crianças que fazem usos do portátil sem acesso à internet (desenhar, escrever, fazer cálculos, usar enciclopédia do computador Magalhães e fazer jogos educativos) a todas as outras situações (uso pleno ou não uso).

3

Com recurso ao software SPSS (versão 17.0). Alpha de Cronbach = 0,879. 5 Alpha de Cronbach = 0,602. 4

1572

Educação escolar, uso das TIC pelas crianças

Gráfico 1: Perfis de utilização do CM pelas crianças (análise de clusters hierárquica)

1573

Com base nestes dois eixos estruturadores dos usos dados ao computador Magalhães em casa, pelas crianças, realizou-se uma análise de clusters hierárquica (método Ward), identificando-se 3 grupos (clusters) reveladores de distintos perfis de utilização (ver gráfico 1): - O grupo 1 abrange 38% dos casos e carateriza-se por fazer um uso do CM que não implica acesso à internet: desenhar (90%), escrever (85%), fazer cálculos (55%), usar enciclopédia do computador Magalhães (71%), fazer jogos educativos (93%), jogos não educativos (64%), fazer apresentações em PowerPoint (32%). Destacam-se os que usam o portátil com uma frequência inferior a uma vez por semana (28%) e com uma frequência de várias vezes por semana ou todos os dias (53%). Em suma, este grupo faz um uso regular do equipamento, explorando-o, contudo, apenas offline. - O grupo 2 (40%) concentra especialmente os que não fazem qualquer tipo de uso do computador Magalhães. - O grupo 3 (22%) distingue-se por um uso polivalente do computador Magalhães, abrangendo utilizações diversas que exigem o acesso à internet: pesquisar para trabalhos escolares (94%), pesquisar assuntos que interessam às crianças (73%); ver vídeos (77%); jogar (73%), trocar mensagens de email (35%), comunicar por chat (32%), participar em redes sociais (33%); descarregar música, filmes, jogos... (24%). Tal como o grupo 1, destacam-se por usar o CM para utilizações como escrever,

Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

consultar enciclopédia do portátil, jogar (jogos educativos e não educativos), fazer apresentações em PowerPoint. Salientam-se os que usam o portátil com uma frequência de várias vezes por semana ou todos os dias (62%). Relacionando o acesso a outros computadores pelas crianças e o nível de instrução dos pais com os três grupos identificados é possível caraterizar melhor os seus perfis: 6 - O grupo 1 (utilização offline do CM) apresenta uma maior heterogeneidade do que os outros dois grupos, relativamente ao acesso a outros computadores e à instrução dos pais, não surgindo associado a nenhuma categoria, em particular, destas variáveis. - O grupo 2 (não uso do CM) carateriza-se por uma presença significativa de crianças que não acedem à internet nos outros computadores e pertencem a agregados familiares onde os pais têm uma escolaridade muito baixa. Trata-se, por conseguinte, de um grupo que acumula vários tipos de desvantagem, isto é, a desvantagem no acesso às TIC, quer ao CM, quer a outros computadores (especialmente no que respeita à internet), surge associada à desvantagem social. - O grupo 3 (uso polivalente do CM) distingue-se pela sobrerrepresentação de crianças que usam outros computadores, têm acesso à internet nos outros computadores e que pertencem a famílias com pais mais escolarizados (ensino secundário ou superior). De forma convergente e complementar com resultados anteriormente apurados (Diogo, Silva, Gomes, Coelho, Fernandes e Viana, 2012), esta análise, especialmente os grupos 2 e 3, evidencia usos desiguais do CM em função da condição social. Além disso, os dados do inquérito às crianças, realizado no final do ano letivo 2010/11 nas duas comunidades escolares, veio mostrar que o computador Magalhães era usado pela maioria das crianças mas de forma desigual segundo os grupos sociais, havendo um menor o uso do computador, por avaria do equipamento, associado à baixa instrução dos pais (Diogo et al., 2012). A existência de uma maior proporção de crianças de famílias menos escolarizadas que deixaram de usar o portátil, por este ter deixado de funcionar, põe em evidência outras formas de desigualdade, à margem da posse dos equipamentos, relativas à capacidade das famílias para fazer a manutenção destes, alertando para os limites de qualquer programa que se limite a distribuir computadores às famílias. Estes últimos resultados, ao revelarem usos e não usos divergentes em função dos grupos sociais, vêm, por conseguinte, contrariar a primeira imagem de democratização. De notar, ainda, que as crianças que menos têm acesso a outros computadores são as que estão mais representadas no grupo dos que deixaram de usar o CM. Por outro lado, o uso da Internet afigura-se como uma importante clivagem social nos usos do portátil, em convergência com outros estudos (Almeida et al., 2008). Deste modo, o programa e.escolinha parece compensar pouco a desvantagem das crianças menos desfavorecidas no acesso às novas tecnologias, considerando que o uso da Internet nos outros computadores em casa é bastante marcado pela instrução dos pais. Dada a adesão massificada ao CM e consequente efeito de democratização de acesso às novas tecnologias que o programa e.escolinha tornou possível, ao distribuir gratuitamente ou a custos reduzidos os portáteis (Silva e Diogo, 2011), os resultados encontrados mostram que essa democratização de acesso não se traduziu, no entanto, numa plena democratização de uso, evidenciando-se algumas formas de desvantagem, que, além disso, tendem a ser cumulativas. 6

Para mais detalhes ver quadro 4 em anexo

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Educação escolar, uso das TIC pelas crianças

6. Mediação familiar dos usos das TIC no espaço doméstico Dos resultados anteriores salientam-se distintos perfis de utilização do CM associados a grupos detentores de diferentes níveis de capital escolar/cultural. Importa, assim, explorar os processos através dos quais este capital contribui para o estabelecimento dos perfis evidenciados. Com esse intuito analisamos como os usos do CM e de outros computadores são mediados pela família. Para o efeito, cruzando os três perfis de utilização do CM (anteriormente identificados por meio da análise de clusters) com um conjunto de indicadores relativos à mediação familiar ao uso das TIC: - O grupo 1 (utilização offline do CM/heterogeneidade social e no acesso a TIC) destaca-se por não serem impostas regras de uso do CM (tempo e tipo de utilização). - O grupo 2 (não uso do CM/menor acesso a TIC/famílias com baixo capital escolar) carateriza-se por uma maior dificuldade para ajudar a criança a usar computadores, assim como por uma menor presença quer dos casos em que os pais apoiam a criança na realização dos TPC no portátil, quer dos casos em que são definidas regras de uso do CM (tempo e tipo de utilização). - No grupo 3 (uso polivalente do CM/maior acesso a TIC/ famílias com capital escolar médio ou elevado) destaca-se uma sobrerrepresentação de casos em que há maior facilidade para ajudar a criança a usar computadores, em que os pais apoiam a criança na realização dos TPC com recurso ao portátil e, ainda, dos que impõem regras de uso do CM (tempo e tipo de utilização).7 Deste modo, é possível perceber que os três grupos, que traduzem perfis distintos no que respeita à relação com o CM e com outros computadores, assim como à sua pertença social, caracterizam-se por estabelecer uma mediação familiar que é também diferente e que se manifesta, simultaneamente, na mobilização e capacidade dos pais para apoiarem os filhos no uso dos computadores, nomeadamente, para trabalho escolar, assim como na regulação do uso que as crianças fazem deles. Há, sobretudo, uma clivagem entre os contextos familiares que fazem essa mediação, nas diversas vertentes consideradas, e os contextos familiares que se caraterizam pela ausência das diversas formas de mediação, clivagem que segue linhas de classe social com uma “maior” mediação nos grupos socialmente favorecidos e uma “menor” mediação nos grupos socialmente marginalizados. Em suma: a) Apoia mais, em regra, quem tem um nível de instrução mais elevado e viceversa (apoia menos quem tem menor escolaridade). Esta constatação aplica-se tanto aos pais como às mães. Note-se que aqui parece cruzar-se a necessidade de dois tipos de saberes: os escolares, propriamente ditos, mas também os “tecnológicos”. A posse de capital cultural, provavelmente com maior componente escolar, parece fazer diferença. b) Os alunos de meios socialmente favorecidos obtêm mais apoio e, simultaneamente, uma ajuda mais qualificada por parte dos pais e vice-versa. Trata-se de quantidade e qualidade de apoio ao mesmo tempo. Poderá, assim, colocar-se a questão de a generalização das TIC num público socialmente heterogéneo contribuir, afinal, para aumentar o fosso dos desempenhos escolares com uma provável conversão daquele em reprodução das desigualdades sociais? Estaremos perante efeitos perversos e uma relação escola-família “armadilhada” (Silva, 2003)? 7

Para mais detalhes ver quadro 5 em anexo.

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Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

À semelhança de outros estudos (Almeida et al., 2008), estes resultados confirmam o papel da mediação familiar nos usos das novas tecnologias por parte das crianças e como essa mediação é condicionada pelo capital escolar/cultural dos pais. A mediação realizada pelos pais surge, assim, como um mecanismo através do qual o seu capital escolar/cultural atua sobre a relação das crianças com as TIC, alertando-nos para os efeitos perversos que qualquer programa político pode produzir se se limitar a distribuir equipamentos às famílias e a democratizar o acesso, sem se preocupar com o enquadramento dado em casa e na escola aos usos desses equipamentos. Síntese conclusiva Em jeito de balanço final, relembremos que os dados apontam para: - uma adesão maciça ao Magalhães, o que parece ir ao encontro do resultado pretendido pela medida política de lançamento daquele portátil, enquanto medida “democratizadora” do acesso às TIC; - a existência em maior proporção de outros computadores no lar por parte dos grupos mais escolarizados, o que explicará uma ligeira menor adesão ao Magalhães por parte destes grupos na região de Leiria; - uma maior intensidade de uso do Magalhães em casa pelas crianças de meios mais instruídos; - apoio familiar significativamente desigual, denotando uma quantidade e qualidade de ajuda mais fortes nos grupos socialmente favorecidos; - menor imposição de regras de uso do Magalhães em casa por parte das famílias com menor escolaridade. Os dados parecem, assim, sugerir uma dupla tendência: a) adesão generalizada ao computador Magalhães, sendo mesmo, no caso de Leiria, um pouco mais elevada nas famílias de meio socialmente desfavorecido; e b) uso seletivo do computador por parte dos distintos grupos sociais, acompanhado de uma mediação familiar também ela seletiva. O primeiro aspeto aponta para uma democratização do acesso às TIC, através do Magalhães; o segundo denota uma desigualdade social dos usos das TIC, que não é anulada automaticamente pelo acesso às mesmas. Isto significa que, parecendo estar cumprido o primeiro objetivo político (resta saber o que se passou à escala nacional) do programa e.escolinha, falta dar o passo seguinte, que remete para equacionar os efeitos dos usos socialmente diferenciados das TIC na escola e em casa. Referências bibliográficas Almeida, Ana Nunes; Delicado, Ana & Alves, Nuno Almeida (2008). Crianças e internet: Usos e representações, a família e a escola. Lisboa: ICS. Disponível em http://www.crinternet.ics.ul.pt/icscriancas/content/documents/relat_cr_int.pdf. Cardoso, Gustavo; Costa, António Firmino; Conceição, Cristina Palma & Gomes, Maria do Carmo (2005). A sociedade em rede em Portugal. Porto: Campo das Letras. Castells, Manuel (2007). A era da informação: Economia, sociedade e cultura. A sociedade em rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Educação escolar, uso das TIC pelas crianças

Cruz, João (2008). Evolução do fosso digital em Portugal 1997-2007: Uma abordagem sociológica. Dissertação de Mestrado, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, Portugal. Diogo, Ana Matias (2008). Investimentos das famílias na escola. Oeiras: Celta Editora. Diogo, Ana Matias & Silva, Pedro (2010). Escola, família e desigualdades: Articulações e caminhos na sociologia da educação em Portugal. In Pedro Abrantes (Org.), Tendências e controvérsias em sociologia da educação (pp. 51-80). Lisboa: Mundos Sociais. Diogo, Ana; Gomes, Carlos & Barreto, António (2011). O computador magalhães entre a escola e a família numa escola básica integrada de Ponta Delgada: Um olhar sociológico sobre os seus efeitos. Relatório final. Ponta Delgada: CES, Universidade dos Açores. Diogo, Ana; Silva, Pedro; Gomes, Carlos; Coelho, Conceição; Fernandes, Conceição & Viana, Joana (2012). Educação, desigualdades sociais e usos do computador Magalhães: Uma pesquisa comparativa In Atas do VII Congresso da Associação Portuguesa de Sociologia (pp. 1-25). Universidade do Porto, 19 a 22 de junho. Disponível em http://www.aps.pt/vii_congresso/papers/finais/PAP0728_ed.pdf EU Kids Online (2011). Relatório de investigação. Sumário executivo em português Disponível em de http://www.fcsh.unl.pt/eukidsonline/ Fuch, Thomas & Wossmann, Ludger (2004). Computers and students learning: Bivariate and multivariate evidence on the availability an use of computers at home and at school. Brussels Economic Review, 47(3/4), 359-385. Disponível em http://bib11.ulb.ac.be:8080/dspace/bitstream/2013/11947/1/ber-0300.pdf. Instituto Nacional de Estatística [INE] (2009). Inquérito à utilização de tecnologias da informação e da comunicação pelas famílias 2009. Informação à comunicação social. Disponível em http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=990985. Lyon, David (1992). A sociedade da informação. Oeiras: Celta. Miranda, Guilhermina Lobato (2007). Limites e possibilidades das TIC na educação. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 3, 41-50. Disponível em http://sisifo.fpce.ul.pt. Ponte, Cristina; Jorge, Ana; Simões, José Alberto & Cardoso, Daniel (2012). Crianças e internet em Portugal. Coimbra: Edições MinervaCoimbra. Prensky, Marc (2001). Digital natives, digital immigrants. Disponível http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf

em

Rodrigues, Maria de Lurdes & Mata, João (2003). A utilização de computador e da internet pela população portuguesa. Sociologia, Problemas e Práticas, 43, 161-178. Silva, Pedro (2003). Escola-família. Uma relação armadilhada. Porto: Edições Afrontamento. Silva, Pedro; Coelho, Conceição; Fernandes, Conceição & Viana, Joana (2011). O computador Magalhães entre a escola e a família num agrupamento de escolas de Leiria: Um olhar sociológico sobre os seus efeitos. Relatório Final. Leiria: CIID, Instituto Politécnico de Leiria.

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Pedro Silva, Ana Diogo, Carlos Gomes, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana

Silva, Pedro & Diogo, Ana (2011). Usos do computador Magalhães entre a escola e a família: sobre a apropriação de uma política educativa em duas comunidades escolares. Arquipélago - Ciências da Educação, 12, 9-48. Anexo Quadro 4 - Caraterização dos grupos, em função do uso de outros computadores e perfil social (%) Usa outros computadores em casa Usa Internet nos outros computadores Instrução do pai

Instrução da mãe

Utilização offline do CM (G1) Usa outros computadores 74,6 em casa Não usa outros 25,4 computadores em casa 60,4 Usa 39,6 Não usa 15,1 ≤ 1º CEB 55,4 2º/3º CEB 21,6 E. Sec/Sup 7,9 S/ informação 21,6 ≤ 1º CEB 38,8 2º /3º CEB 38,1 E. Sec/Sup 1,4 S/ informação

Não uso do CM (G2) 69,9

Uso polivalente do CM (G3) 86,1

30,1

13,9

47,3

72,0

52,7

28,0

27,7

18,3

50,7

41,5

14,9

34,1

6,8

6,1

22,3

7,3

48,0

41,5

28,4

45,1

1,4

6,1

Fonte: INQP2 Nota: A negrito assinalam-se as frequências sobrerrepresentadas em cada grupo (resíduos ajustados estandardizados > 2) e a itálico as frequências sub-representadas (resíduos ajustados estandardizados < -2)

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Quadro 5 - Caraterização dos grupos, em função da mediação familiar ao uso de TIC pelas crianças (%)

Grau de facilidade/dificuldade do pai para ajudar criança a usar computadores

Grau de facilidade/dificuldade da mãe para ajudar criança a usar computadores

Muita dificuldade Dificuldade Facilidade Muita facilidade Muita dificuldade Dificuldade Facilidade Muita facilidade

Grau de facilidade/dificuldade dos Muita dificuldade irmãos para ajudar criança a Dificuldade usar computadores Facilidade Apoio dado pelo pai aos TPC passados para realizar no CM Apoio dado pela mãe aos TPC passados para realizar no CM Apoio dado pelos irmãos aos TPC passados para realizar no CM Estabelecimento de regras em relação ao tempo de utilização do CM, pelos pais

Estabelecimento de regras em relação ao que faz no CM, pelos pais

Muita facilidade É dado apoio Não é dado Não tem TPC no CM É dado apoio Não é dado Não tem TPC no CM É dado apoio Não é dado Não tem TPC no CM São estabelecidas regras Não são estabelecidas regras Não aplicável NS/NR São estabelecidas regras Não são estabelecidas regras Não aplicável NS/NR

Utilização offline do CM (G1) 11,1

Não uso do CM (G2) 19,1

Uso polivalente do CM (G3) 6,1

19,4

23,6

13,6

44,4

34,5

40,9

25,0

22,7

39,4

10,7

12,0

7,9

27,3

28,8

18,4

44,6

40,8

44,7

17,4

18,4

28,9

10,3

8,0

14,3

10,3

9,2

16,3

33,3

36,8

26,5

46,2

46,0

42,9

16,8

6,3

34,1

32,8

27,3

36,6

50,4

66,4

29,3

32,1

16,1

45,1

17,6

17,5

25,6

50,4

66,4

29,3

14,5

11,9

13,4

35,1

21,7

57,3

50,4

66,4

29,3

59,7

33,1

69,5

33,8

8,8

22,0

0,0

46,6

0,0

6,5

11,5

8,5

51,8

25,7

74,4

38,8

9,5

17,1

0,0

46,6

0,0

9,4

18,2

8,5

Fonte: INQP2 Nota: A negrito assinalam-se as frequências sobrerrepresentadas em cada grupo (resíduos ajustados estandardizados > 2) e a itálico as frequências sub-representadas (resíduos ajustados estandardizados < -2)

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