EDUCAÇÃO ESTÉTICA, NO ÚLTIMO FOUCAULT, COMO NOVA SUJEIÇÃO AESTHETIC EDUCATION IN LAST FOUCAULT, AS NEW ENTRY

May 31, 2017 | Autor: Tan Neto | Categoria: Aesthetics
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Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613

Vol. 7, Edição 14, Ano 2012.

EDUCAÇÃO ESTÉTICA, NO ÚLTIMO FOUCAULT, COMO NOVA SUJEIÇÃO AESTHETIC EDUCATION IN LAST FOUCAULT, AS NEW ENTRY FERREIRA, Simone Villas1

RESUMO Na obra de Michel Foucault há três fases. O estudo dos modos de objetivação conduz a duas: a fase de estágios arqueológicos e genealógicos investigados, respectivamente, as relações das relações de conhecimento e poder constituem o assunto. A terceira etapa, chamada de "ética", está preocupada com os modos subjetividade. Se concentra em como as relações de conhecimento e poder têm produzido condições de possibilidade de uma estética da existência. Assim, nesta fase final de sua obra, Foucault se pergunta por aquilo que torna possível a formação dos sujeitos, a partir de seus estudos sobre as relações do discurso e poder. Reflito sobre estes processos de modos de objetivação que produzem subjetividades. Modos de objetivação, tratados basicamente, dizem respeito ao campo do conhecimento, isto é, discurso e práticas de linguagem. Mais as relações de poder com o qual ele se articula. Neste contexto, a pedra angular desta investigação é a relação entre ética e estética em jogo no processo de formação do sujeito. Com essa estratégia, é projetada uma breve turnê de um vocabulário que permite analisar a relação entre formas de conhecimento, formas de poder e formas de sujeição. Palavras-chave: Sujeito e Subjetivação; Último Foucaut; Educação Estética. ABSTRACT In the work of Michel Foucault's three phases. The study of modes of objectification leads to two: the phase of archaeological and genealogical investigation stages, respectively, the relations of relations of knowledge and power are the subject. The third step, called "ethics" is concerned with the ways subjectivity. Focuses on how the relations of knowledge and power have produced conditions of possibility of an aesthetics of existence. Thus, this final phase of his work, Foucault asks for what makes possible the formation of subjects, from his studies on the relations of discourse and power. I reflect on these processes in ways that produce subjectivities objectification. Modes of objectification, treated primarily relate to the field of knowledge, that is, speech and language practices. More power relations with which it articulates. In this context, the cornerstone of this research is the relationship between ethics and aesthetics at stake in the process of subject formation. With this strategy, is designed to a brief tour of a vocabulary that allows us to analyze the relationship between forms of knowledge, forms of power and forms of bondage. Keywords: Subject and Subjectivity; Last Foucaut; Aesthetic Education.

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Mestra em Filosofia pela UFRJ. Professora de Filosofia e Educação na Faculdade Machado Sobrinho (FMS) – Juiz de Fora – MG. Pertence à equipe Editorial da RFC, desde 2006. Editora-Chefe da Revista Eletrônica Machado Sobrinho (REMS). Email: [email protected]. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 7, n. 14, p. 34-40, jan/2012.

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Introdução Segundo alguns estudiosos é o sujeito o alicerce da filosofia de Michel Foucault, que ocorre em três fases. A primeira trata da arqueologia do saber, a segunda da genealogia do poder e por fim a estética da existência. Na arqueologia do saber Foucault pensa o homem como condição de possibilidade do surgimento das Ciências Humanas, abordada nas obras: “As Palavras e as Coisas”, “Arqueologia do Saber” e “Nascimento da Clínica”. Na genealogia do poder é analisado como o sujeito é constituído a partir das relações de poder e de saber como formas de controle, tal temática foi intensamente tratada nas obras: “História da Loucura”, “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder”. Já a estética da existência deve ser considerada a partir da constituição da individualidade do sujeito, que significa sua subjetivação com relação às práticas e normas de determinada conduta que regulam sua vida, encontrada principalmente no volume número três da obra: “História da Sexualidade”, dividida em três volumes. Com isso, segue-se um estudo relatando alguns pensamentos de Foucault. Vale esclarecer que tal análise se deterá no seu último período, a respeito da questão do cuidado de si, com o intuito de compreender o conceito de cuidado na ontologia de nós mesmos como noção básica da constituição da individualidade. Entretanto, o pensamento foucaultiano supramencionado nada tem de inédito: sua raiz teórica já é encontrada no conceito de “caminho estético”, de Friedrich Schiller, em cuja obra “Cartas sobre a educação estética da humanidade” apresenta, didaticamente, os meios conceituais para se chegar ao Bem e à Verdade através da Arte. Pretendo, pois, contrapor e avaliar os conceitos “caminho estético” e “estética da existência”, de Schiller e de Foucault, respectivamente, e, a partir dessa

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contraposição, fazer surgir noções novas acerca de “verdade”, “conhecimento”, “sujeito” e “pedagogia das afeições”. E, finalmente, defender o conceito de “educação estética” como inaugurador de outro modelo aplicável de formação. Educação estética não é um conceito inédito no ambiente filosófico; sua origem conceitual é trabalhada pelo romântico Schiller, nas suas Cartas (conforme as Referências), cujo fundamento, ao criticar o “juízo estético” de Kant, na sua obra “A Crítica do Juízo”, afirma que a educação estética é um meio não apenas teórico, mas prático de se alcançar o Bem e a Verdade. Ao fazer tal afirmação, Schiller tira da Razão a tarefa de se [saber] chegar à Ética; tal tarefa, agora, é destinada ao desenvolvimento da sensibilidade, das formas de ver o mundo, pelo viés da Arte e as incontáveis possibilidades de texto que dela emergem. Porém, mesmo não se tratando de um conceito inédito, no ambiente filosófico, a educação estética é uma proposta teórica que carece de pesquisa, justamente por aquilo que ela faz inaugurar como transgressão aos processos subjetivadores, como recolocação do sujeito no ambiente da formação e como promovedora de autonomia. Na obra de Michel Foucault há três fases. O estudo dos modos de objetivação conduz a duas: a fase de estágios arqueológicos e genealógicos investigados, respectivamente, as relações das relações de conhecimento e poder constituem o assunto. A terceira etapa, chamada de "ética", está preocupada com os modos subjetividade. Se concentra em como as relações de conhecimento e poder têm produzido condições de possibilidade de uma estética da existência. Assim, nesta fase final de sua obra, Foucault se pergunta por aquilo que torna possível a formação dos sujeitos, a partir de seus estudos sobre as relações do discurso e poder. Reflito sobre estes processos de modos objetivação

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que produzem subjetividades. Modos de objetivação, tratados basicamente, dizem respeito ao campo do conhecimento, isto é, discurso e práticas de linguagem. Mais as relações de poder com o qual ele se articula. Neste contexto, a pedra angular desta investigação é a relação entre ética e estética em jogo no processo de formação do sujeito. Com essa estratégia, é projetada uma breve turnê de um vocabulário que permite analisar a relação entre formas de conhecimento, formas de poder e formas de sujeição. Formação do sujeito As primeiras palavras do vocabulário sobre a relação entre o conhecimento é o pensar. Pensar, ao contrário, é uma atividade que ocorre após a transgressão dos limites do pensamento e da problematização dos campos. A alegação de conhecimento que articula entre diferentes campos do conhecimento, da transgressão de limites, tem a ver com seu próprio quadro conceitual e metodológico que sustenta este texto e o anteprojeto de tese. A ênfase dada a esta questão é considerar a produção de modos de ver e contar a experiência da realidade como experimentação com as próprias formas de conhecimento. No pensamento de Foucault, essa noção se refere a uma experiência de aprendizagem e conhecimento do assunto, que problematiza a regulação dos modos de ver e produzir da linguagem através experiência. Assim, a questão da formação do sujeito emerge como uma prática de maneiras de ver e nomear (definir) as formas de experiência nesse assunto configurado. Em Foucault, formação do sujeito é entendida como uma prática de autoconhecimento produzido, e produção de significado é entendida como a constituição de uma narrativa sobre o que acontece com o assunto, e que resulta de uma prática de conhecimento. As formas dessa narrativa através da qual o sujeito

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produz sentido são cruciais para sua experiência, a narrativa é o que produz a própria experiência, ou seja, é a constatação de que através da linguagem é que o sujeito dá sentido à sua existência. O cuidado de si O "cuidado de si" é o que constitui a ética do sujeito em Foucault, que constitui um exercício de percepção reflexiva, e as palavras que produzem conhecimento a partir dessa percepção. Na verdade, trata-se de cuidado de si como uma espécie de condição de possibilidade do sujeito ético, pois é através desta prática como o assunto toma conta dos princípios éticos que orientam a sua formação. É a partir destes cuidados que o sujeito coloca em prática o princípio de atividade, com critérios de fundamentação estéticos e éticos. Assim, afirma que, com o cuidado, o que acontece no sujeito é uma condição de possibilidade da vida como uma obra de arte. Ele também afirma que maneiras de fazer as coisas, de perceber e a elas se referir, são uma estética da existência do sujeito. A vida, como uma obra de arte e estética da existência, também está no vocabulário foucaultiano que tento articular aqui. A importância da "vida como uma obra de arte" para o processo de formação do sujeito tem a ver com o tratamento da existência como um processo de composição, que improvisa modos de ser, a arte de vida gera um conhecimento da vida, um conhecimento que é legítimo no espaço cotidiano das relações geradora de poder, como o próprio Foucault analisa: Dizendo poder, não quero significar 'o poder', como um conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado determinado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não o entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo

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social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais.2

Problematizar as formas de controle e regulação do conhecimento traz evidências de ação do conhecimento sobre as formas de experiência, que são as formas da vida. Ou seja, explicar o termo “vida”, em Foucault, é tentativa de destacar as relações entre produção de conhecimento e a produção de formas de vida em processos formação do sujeito. A relação entre a produção conhecimento e estética da existência é articulada a partir da perspectiva da formação, isto é, uma produção de conhecimento conceitual ocorre após a experiência como um processo de formação e transformação de modos de ver essa experiência; o efeito dessa prática e os cuidados para a produção de um “si por experiência própria” permitem sugerir, nesta base, uma pedagogia das condições. Este texto exercita um olhar sobre este problema. E aborda-o através de um estudo sobre as relações entre arte, conhecimento e subjetividade. Tento resumir aqui algumas questões sobre essa relação, sob a perspectiva da formação do sujeito contemporâneo, enfocando a estética dessa formação. Trato de estabelecer conexões entre algumas práticas estéticas atuais e os 2

FOUCAULT, 1996, p. 88-89.

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processos de formação do sujeito, entre as imagens e discursos que dão forma a sua experiência estética, e o sentido que produz a partir deles. Começarei traçando uma imagem do que chamamos conhecimentos úteis, realçando as formas como o expõe às imagens e ideias que temos de nós mesmos. A partir dessa imagem, iremos perguntarnos sobre as complexas relações entre experiência estética e pedagogia nos processos atuais de formação do sujeito. Isso nos conduzirá a uma ideia mais imprecisa e porosa, a que chamei pedagogia das afeições, na qual se trata de aproximar as práticas pedagógicas das práticas estéticas. Pedagogia das Afeições Este artigo tem como fundamento uma reflexão sobre a experiência estética atual e sobre a formação acerca de seus modos de funcionamento no campo da arte. O foco principal, a partir do que a arte pode provocar o que pensar sobre as transformações sofridas pelo corpo. Vejamos alguns aspectos: como objeto de remodelação científica, tecnológica e discursiva; como corpo para a produção de imagem, ou como a própria imagem. Não obstante, em nossa contemporaneidade, estas transformações afetam diretamente a experiência do sujeito. Isso implica um estudo sobre os processos de formação da experiência do sujeito, de seus modos de ser e entendê-los como saber. Por isso, será possível dar abertura a este estudo das formas mediante as quais o sujeito experimenta sua condição e se refere a esta experiência, o modo como percebe e entende o que lhe passa. E, para fazê-lo, repensa-se a noção de formação como produção de modos de ser e saber do sujeito a partir da perspectiva de Foucault (1974), como produção de uma “forma-sujeito”, fisicamente, corporalmente. Contudo, a formação da experiência é tratada aqui como problema, é repensada

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através do corpo e a partir de algumas aberturas propostas tanto pelos discursos filosóficos, como pelas práticas estéticas das últimas décadas (Farina, 1999). A atenção e o “cuidado” dos processos de formação do sujeito sugerem, neste estudo, uma atenção e um cuidado dos modos de produção do sensível, nas formas atuais da existência. Isso concerne à produção de um saber sobre sua própria experiência: sobre as formas de relação mediante as quais o sujeito pratica, entende e excede sua própria experiência. Este artigo traz reflexões sobre a experiência estética do sujeito, passando por alguns vínculos entre o campo da arte e dos discursos filosóficos atuais, para repensar a ideia de “formação”. Estas reflexões buscam dar visibilidade a algumas relações entre a arte e as formas de vida, a percepção e o saber, a experiência estética e a experiência de formação. A formação do sujeito dá-se mediante conjuntos de dispositivos e na forma de fazer as coisas e de pensar sobre tais coisas que lhe dão forma. Estas representações configuram uma pedagogia, pondo em jogo as maneiras de dar forma à subjetividade, às coisas e aos discursos que a sustentam (Farina, 2005). A arte atual se compõe de muitas práticas estéticas que se propõem a acolher e favorecer o que faz variar as formas da percepção e de ser do sujeito, que se propõem a atuar com seus atuais estados de oscilação. Desse modo, proponho aqui uma reflexão sobre a produção de uma experiência de formação que pudesse acolher e problematizar, como o fazem as práticas estéticas atuais, os estados de oscilação da percepção do sujeito na contemporaneidade. E, conectada a esta questão, está também a de como, a partir desta acolhida, se poderiam favorecer práticas pedagógicas capazes de lidar de maneira coerente com a atitude das práticas estéticas atuais, que questionam radicalmente tanto as formas da

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percepção do sujeito como o saber que constituem (FARINA, 1999). Há uma articulação entre a noção deleuziana de afeto e a ideia de afeição como aquela “impressão que faz algo sobre outra coisa, causando nela alteração ou mudança”, para tratar de cartografar esta pedagogia potencial sob o nome de uma pedagogia das afeições. Esta proposta de uma pedagogia das afeições que tenta lidar com a atual precariedade da forma-sujeito da qual trata Foucault, tenta lidar também com a oscilação ou variação constante desta forma, não só para aceitá-la como condição dada, mas para problematizar suas condições de possibilidade, para problematizar os modos como os impactos sobre esta forma são utilizados ou não para a produção de formas heterogêneas de ser e entender o sujeito. Uma pedagogia das afeições que questiona os modos como a experiência de formação do sujeito atual, atuando com seus estados de oscilação, parece favorecer mais o reforço de suas próprias formas que a experimentação a partir delas. A ideia da pedagogia das afeições buscaria favorecer práticas de problematização e resistência à homogeneização dos modos de vida, capazes de fazer ver e conduzir o paradoxal, o irregular e o heterogêneo que compõem a realidade do sujeito (FARINA, 1999). A análise de alguns dispositivos pedagógicos mediante os quais se forma a experiência do sujeito permitiu por em jogo um espaço de reflexão para pensar a ideia de uma pedagogia das afeições. Esta ideia constituiu-se tanto através da análise de algumas práticas estéticas e filosóficas, como da observação e reflexão de situações concretas de formação em instituições de arte. Assim, uma pedagogia das afeições teria menos a ver com a ordem do ensino que com uma prática produtora de espaços de experimentação do cotidiano, e dos âmbitos do estético e do discursivo que o constituem. Teria a ver com uma prática

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produtora de espaços de experimentação tanto para o papel desempenhado por agentes do processo de formação, como para a configuração deste mesmo espaço (Farina, 1999). Esta prática se interessaria por fomentar atitudes éticas, políticas e epistemológicas, através da produção de dispositivos pedagógicos, para atuar em cada contexto e momento específicos. A formação é entendida aqui através dos discursos que abriram a ideia de sujeito, mas destacando que o que esta abertura também deu a ver é que a forma desse sujeito produz-se na percepção, produz-se no corpo. Esses discursos fizeram visíveis que a percepção e o corpo se formam mediante uma política das formas, mediante uma ordem estética que produz subjetividade (RANCIÈRE, 2002). Permitiram ver também que as mudanças na percepção do corpo mudam o próprio corpo, pois a percepção se produz nele e se exerce sobre ele. E uma política da percepção põe em jogo as formas de ver e saber que produzem as formas de ser do sujeito, cotidianamente (FOUCAULT, 1974). Nesse contexto, a relação entre saber, corpo e formação se propõe a partir deste problema: como produzir um conhecimento capaz de acolher e cuidar o descontínuo, o heterogêneo e o paradoxal na formação da experiência do sujeito? Como pensar uma formação que passe por uma noção de sujeito desvanecida e por um corpo mutável? O fazer artístico, como intervenção sobre o corpo e a subjetividade, ocorre por meio da produção de um saber sobre as formas de vida. É possível entender que este saber produz múltiplas estratégias de ação sobre o cotidiano, que se nutrem de sua potência, que atuam como “parasitas” dessa potência e incrementam sua força, afetando sua configuração (Farina, 1999). Este saber cria artefatos e dispositivos de ação que oferece acolhida, corrompem e contagiam as formas do corpo e suas percepções: afetam-nas, alterando seu curso

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regular. Esta ideia da ação, traçada a partir do corpo e sobre ele, permite-nos retomar a noção de afeição que víamos como aquela “impressão que faz algo em outra coisa, causando nela alteração ou mudança”, para lê-la também em relação ao seu passo pelo corpo segundo outra de suas acepções. Assim, uma afeição é também sinônimo de doença, algo que irrompe no curso regular de um corpo sadio e que perturba sua ordem de funcionamento. Deste modo, uma prática que pusesse em cena uma pedagogia das afeições buscaria produzir um saber que atuasse com e sobre a percepção e os corpos, fisicamente, tratando de mover-se, de maneira coerente, junto ao saber que produzem as práticas estéticas atuais com as que lidam. Farina (2005) identifica como uma prática pedagógica que se configura em relação a um marco de ação e reflexão sobre um corpo contingente, como uma pedagogia do que afeta e é afetado. Assim, praticaria estratégias de intervenção nas formas de vida para a produção do múltiplo na realidade. Praticaria com as formas de arte, do corpo e da subjetividade para a produção, mediante exercícios de atenção e intervenção, para a experimentação da realidade de forma crítica, daí a defesa da aplicabilidade viável. Por fim, uma pedagogia das afeições sugere partir de um exercício do pedagógico para a produção de um espaço político que lide com o que inquieta e faz variar as formas de vida: a isso, chamo de educação estética. É fundamental pensar que estas reflexões estão dirigidas tanto a formadores como a não formadores, do mesmo modo que a experiência estética não está limitada a artistas e especialistas em arte, ou que o corpo, a percepção e o sensível não são assunto apenas de cientistas ou filósofos, mas que concernem às formas de vida de todos e cada um de nós, individual e coletivamente. Gostaria de pensar que a utilidade e o valor acadêmico deste texto e do estudo do qual ele parte, se pudesse inferir a partir daqui: da capacidade de estimular a produção de espaços de

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experimentação para as relações, de sua capacidade de oferecer suporte conceitual para favorecer a produção de estratégias de deslizamento sobre o institucional, para favorecer práticas pedagógicas ocupadas de um saber a partir das formas de vida. Gostaria que este estudo tivesse a capacidade de transportar os gestos mais cotidianos de nosso corpo (conhecimento) e experiência a outro marco conceitual, que tivesse a capacidade de flexioná-los, estirálos, saturá-los, para a erotização da percepção e a intensificação da consciência.

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_______ De lenguaje Barcelona, Paidós: 1996.

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