Educação no Exército Português na época da “Viradeira” (América Portuguesa: 1777-1808)

Share Embed


Descrição do Produto

EDUCAÇÃO NO EXÉRCITO PORTUGUÊS NA ÉPOCA DA "VIRADEIRA"
(AMÉRICA PORTUGUESA: 1777-1808)

Maria Luiza Cardoso
Universidade da Força Aérea (UNIFA)
[email protected]

Palavras-chave: 1. História da Educação. 2. História da Educação Militar.
3. História da Educação no Exército.

Esta pesquisa foi elaborada com o objetivo de analisar a educação
formal[1] promovida pelo exército na América portuguesa. Ela aborda o
período em que D. Maria I passou a reinar em Portugal. Seu limite é o ano
de 1808, época em que a Corte portuguesa instala-se na América, fugindo da
invasão do território português determinada pelo imperador francês Napoleão
Bonaparte.
O texto foi produzido com informações coletadas aqui no Brasil e
em Portugal, quando da realização de um estágio de doutoramento, financiado
pela CAPES, em 2005 e 2006.

A partir da segunda metade do século XVIII, o governo português
foi marcado pelas ações tirânicas do primeiro-ministro de D. José I (1750-
1777), Sebastião José de Carvalho (depois Conde de Oeiras, em 1759, e
Marquês de Pombal, em 1769), que tentou transformar, à força, a antiga
estrutura da sociedade portuguesa, segundo as idéias dos enciclopedistas
franceses.
O governo do Marquês de Pombal foi seguido por um período
denominado de "viradeira", quando D. Maria I passou a reinar em Portugal,
sendo substituída, posteriormente, por seu filho D. João, devido a
problemas psiquiátricos. Tal período, objeto deste trabalho, exprimiu uma
alteração nas relações que passaram a determinar o poder e as dinâmicas
econômica e social, desencadeadas no reinado anterior.
Depois da morte de D. José I e, conseqüentemente, da queda de
Pombal, o exército português começou a decair até a ruína total. Enquanto
os estudos de navegação sofreram uma atualização, os estudos da artilharia
e da engenharia ficaram deficientes[2]. Somente quando começou a Revolução
Francesa (1789), a rainha e sua côrte começaram a dar atenção ao exército.
Primeiramente, D. Maria I extinguiu a Aula de Fortificação da
Corte (ou Academia Militar) e criou, em seu lugar, em 5 de agosto de 1779,
a Academia Real de Marinha. A nova instituição foi criada com a finalidade
de preparar oficiais para a Marinha de guerra e mercante e, também, para o
Exército.
Os indivíduos que aspiravam tornarem-se oficiais engenheiros, e
não, oficiais de Marinha, tinham agora que freqüentar o curso de matemática
da nova Academia, constituído das seguintes matérias: aritmética,
geometria, trigonometria, álgebra, [...], "statica, dynamica, hydrostatica,
hydraulica e optica; depois do que [ou seja, depois de formados com os
oficiais de Marinha], passariam a ouvir as lições de fortificação e
engenharia, e a instruir-se no desenho; [...]". (Grifo nosso. RIBEIRO,
1872, p. 29). Todavia, as disposições do decreto de 1779, com referencia às
aulas de fortificação, engenharia e desenho, "nunca foram cumpridas".
(Ibidem).
Os alunos que freqüentavam as aulas de artilharia-engenharia, nos
Regimentos, poderiam se apresentar na Academia Real de Marinha, desde que
portando certidões de freqüência e exame dos seus respectivos lentes. A
partir daí, seriam "examinados pelos lentes da [Real Academia] [...]; e,
ficando approvados, [...] estariam desde logo habilitados para entrar na
escola dos engenheiros, e gosar das graças e privilegios concedidos aos
matriculados e approvados na mesma Academia de Marinha". (Idem, p. 36).
Enquanto os estudos de navegação sofreram uma atualização, os
estudos militares, principalmente, os da artilharia e da engenharia ficaram
deficientes: "O exercito continuava atrazadissimo e em cada anno se ia
accentuando mais a deficiencia da sua instrucção technica, particularmente
nas armas especiaes, como mais exigentes". (SIMÕES, 1892, p. 7).
Para Valente (1997), a criação da Faculdade de Matemática (1772),
em Coimbra, e a criação da Academia de Marinha "determinaram a decadência
das Aulas e cursos para artilharia e engenharia levados até então somente
pelas escolas dos regimentos". (VALENTE, 1997, pp. 71-72). Ainda mais que
aos artilheiros foi permitido, depois de aprovação em exame, cursar a nova
Academia.
A fim de sobreviverem, as escolas regimentais (que ofereciam aulas
de artilharia-engenharia) procuraram se atualizar. Em 1786, o Brigadeiro
Christiano Frederico de Weinholtz, chefe do Regimento de Artilharia da
Corte pediu à rainha autorização para substituir os livros antigos,
principalmente, os do curso de matemática de Belidor[3], adotados desde a
época do Conde Lippe, na regência anterior, pelos de Bezout[4], mais
modernos, que estavam sendo ensinados na Academia Real de Marinha.
(PORTUGAL, 1786).
No final do século XVIII, o corpo de oficiais de engenharia se
separou do corpo de oficiais da artilharia. Em 1787, foi criado o Corpo de
Engenheiros, inicialmente, composto só de oficiais.
A partir da criação da Academia Real de Fortificação, Artilharia e
Desenho (ARFAD), em 1790, como veremos adiante, o Corpo de Engenheiros
passou a ser constituído, também, pelos oficiais oriundos dessa
instituição. Em 1792, o Corpo de Engenheiros passou a denominar-se Real
Corpo de Engenheiros, "devendo o diploma que lhe deu tal designação, e que
não encontramos, ter sido publicado entre novembro e dezembro d'esse anno".
(SEPULVEDA, 1910, p. 158). Assim, quando do término do curso na Academia de
Fortificação, Artilharia e Desenho, iam "os seus antigos alunos servir,
como tenentes, 2 anos na infantaria, outros tantos na artilharia e depois,
como ajudantes agregados a uma das brigadas, em que se dividia o 'Corpo',
findo o que se lhe confirmava a patente". (OLIVEIRA, 1947, p. 55). Cabe
ressaltar que os seus vencimentos foram igualados aos dos oficiais das
outras armas. Também, foram criadas as classes de subalternos; todavia, o
regulamento do Corpo só foi aprovado em 12 de fevereiro de 1812. (ANTUNES,
1886, p. 10).

A Revolução Francesa e a valorização do exército português
Entre os anos de 1789 e 1799, a França passou por um período de
tremenda convulsão político-econômico-social denominado por Revolução
Francesa. Esta foi inspirada pela Revolução Americana, que ocorreu em 1776,
e nas idéias filosóficas do Iluminismo.
Quando a Revolução começou, a rainha e sua côrte principiaram a
dar atenção ao exército e, para conquistar a simpatia dos seus oficiais, D.
Maria ordenou, por exemplo, que os seus soldos fossem aumentados e "deram-
se-lhes maiores vantagens na reforma (alvará de 16 de Dezembro de 1790)
[...]". (MARTINS, 1945, pp. 195-196). Também, distinguiu aqueles que
seguiam (nos graus superiores da hierarquia) a profissão das armas.
A rainha, sabendo que os estudos de fortificação e desenho não
estavam sendo oferecidos aos oficiais engenheiros que concluíam a Academia
Real de Marinha, e "querendo restabelecer e promover a solida instrucção de
um corpo tão essencial do meu Exercito [resolveu]: Hei por bem, que na
minha côrte, e cidade de Lisboa, se estabeleça uma Academia Real de
Fortificação e Desenho". (Preâmbulo da carta de lei de 1790, apud RIBEIRO,
1872, p. 28).
Cordeiro (1895), também aponta como causa da criação da Academia a
falta de unidade de ensino das aulas regimentais, o despreparo dos seus
instrutores e o atraso "em relação ao avanço que a artilheria já tinha na
Europa, [...]".(CORDEIRO, 1895, p. 266).
Assim, para melhorar o nível dos oficiais do exército foi criada
a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho (ARFAD), em 2 de
janeiro de 1790, que foi instalada no Real Colégio dos Nobres, na cidade de
Lisboa. A carta de lei encarregou a "direcção e administração [do
estabelecimento] ao Engenheiro Mór e Inspector Geral, com um Corpo
cathedratico de seis Lentes e seis Substitutos". (ALMEIDA, 1856, p. 20)
De acordo com Carvalho (1995), a Academia Real de Fortificação,
Artilharia e Desenho "possuía a mesma qualidade, e em determinadas áreas,
até mais, que a universidade de Coimbra". (p. 120).
O curso tinha a duração de quatro anos para aqueles que fossem
seguir a carreira militar na engenharia e na artilharia, e de três anos,
para aqueles que optassem pela cavalaria e pela infantaria. Todavia, com o
tempo, o governo entendeu que "devia considerar curso para engenheiros o de
quatro annos, o de tres para a artilheria e de dois para a infanteria e
cavallaria, o que foi estabelecido pela recusa da licença para a frequencia
dos annos seguintes, e não por ordem ou legislação escripta". (CORDEIRO,
1895, p. 267).
Os alunos que queriam ser engenheiros ou artilheiros deveriam
apresentar certidão de aprovação "no 1º. e 2º. anno do curso mathematico da
Academia Real de Marinha". (RIBEIRO, 1872, p. 30). Também, deveriam possuir
"uma constituição robusta; [sem qualquer] defeito na vista, ou alguma
tremura nas mãos". (Idem, p. 31). Já aqueles que se destinavam a oficiais
de cavalaria ou infantaria, deveriam apresentar certidão de aprovação
somente "no 1º. anno da indicada academia". (Idem, p. 30).

A Aula do Regimento de Artilharia da Bahia
No que se refere à América portuguesa, sabemos que o então capitão
de artilharia José Gonçalves Galeão foi promovido a 2º tenente de
artilharia, pelo vice-rei, em 1776, devido aos seus conhecimentos, e
enviado para a Bahia como 'oficial instruido', a fim de "integrar a
reorganização do Regimento de Artilharia nos moldes de Lippe e estabelecer
a instrução metódica da artilharia". (CURADO, 1997, p. 505).
No ano seguinte, o Governador encarregou-lhe de ministrar "a
segunda Aula de Matemática para haver oposição com a outra que havia, de
que é lente o sarg.-mor engº José António Caldas". (Ibidem).
Em 1778, Galeão já estava ensinando a arte da artilharia para
"alguns oficiais, oficiais inferiores e soldados que desejavam adquirir,
por meio dos estudos, as luzes indispensáveis para serem bons artilheiros,
tanto na teórica como na prática...". (Ibidem).
Com o falecimento de Caldas (1782), Galeão ficou responsável pela
instrução do regimento.
Nessa época, as obras de Belidor, mandadas adotar nas aulas dos
regimentos de artilharia pelo Conde Lippe, em 1763, já estavam
ultrapassadas. Na Universidade de Coimbra e na Academia Real de Marinha já
se adotava o curso de matemática de Bezout. Todavia, o plano de 1763 ainda
não tinha sido atualizado e os regimentos do reino e das suas colônias eram
obrigados a ensinar pelos livros antigos.
Apesar dessa proibição, as obras de Bezout eram ensinadas na Aula
do Regimento de Artilharia da Bahia (!!!). Manuel Rodrigues Teixeira, que
tinha sido aluno da Aula Militar do Rio de Janeiro, sendo depois
transferido para a Bahia, a fim de ocupar a função de lente do Regimento,
afirma em depoimento: "Que voltando à sua Praça (a Baía) em 1777 foi
opositor aos postos vagos de Artilharia em todo o curso de Bellidor,
Bezout, fortificação, minas, ataque e defesa de praças e fogos
artificiais". (Apud CURADO, 1997, pp. 493-494).
Segundo Curado (1997), Galeão tinha 47 alunos, em 1780, e 46, em
1783. Cabe ressaltar que entre os seus discípulos encontramos tenentes,
alferes[5], sargentos, furriéis[6], porta-bandeiras, cabos, cadetes e
soldados, não somente da artilharia como da infantaria. (grifo nosso, p.
498).
Com relação ao posto de Cadete, mencionado no parágrafo anterior,
cabe informar que ele foi criado em 16 de março de 1757 (portanto, no
reinado de D. José I), quando foi emitido alvará criando três vagas de
cadetes, em cada companhia dos regimentos existentes: de Infantaria, de
Cavalaria, de Dragões, e de Artilharia. Só poderiam ocupar o posto de
cadete aqueles que fossem "Fidalgos, ou pessoas de Nobreza conhecidas[7]"
(PORTUGAL, 1757), e, geralmente, essas pessoas eram crianças e jovens.
Segundo o capitão Francisco de Paula Cidade (Apud MAGALHÃES, 2001,
p. 213, nota 4), D. José I criou "a instituição dos cadetes em Portugal,
para interessar os nobres [a estudar para] pelo serviço militar". Tanto
que, em seguida (1761), foi criado o Colégio dos Nobres com essa
finalidade. Era vergonhoso ver os nobres ocuparem os postos de comando das
tropas, sem instrução (ou com pouca instrução).
Tal patente foi instituída numa época em que os comandos das
tropas pertenciam "naturalmente" aos nobres, e não, a militares
profissionais, por acreditar-se que eles eram os "líderes naturais".
Todavia, a "arte da guerra" havia se tornado demasiado complexa
para permitir tal comportamento. As guerras exigiam conhecimentos
científicos que os nobres não possuíam, principalmente, em Portugal. Para
piorar a situação, os ofícios de engenheiro e de artilheiro, decisivos nas
batalhas, eram desprezados pelos nobres por acreditar-se que eram "ofícios
mecânicos".
Assim, abrigando-se os filhos dos nobres no exército como cadetes,
ficaria mais fácil proporcionar-lhes aprendizagem, não somente prática,
mas, também, teórica, dentro dos quartéis (ainda mais se considerando as
inúmeras Aulas Militares que já tinham sido criadas) para que, quando
assumissem os comandos das tropas tivessem algum conhecimento militar.
Segundo Bebiano (2003), "Era agora preciso estudar, estudar sempre". (p.
50).
Para incentivar os nobres e os seus varões a se interessarem pela
arte da guerra, D. José I determinou que os cadetes, ainda crianças,
começassem "desde logo a receber o soldo respectivo, apesar dos mesmos só
assentarem praça muito mais tarde já com o posto de alferes, alcançando, em
geral, o de tenente pelos vinte, vinte e cinco anos". (MARQUES, 1981, p.
77).
Quanto aos privilégios dos cadetes, é interessante mencionar que,
quando o coronel, comandante do regimento, era avisado da chegada de um
cadete, deveria preparar-se para colocar toda a tropa em forma para
recepção e apresentação do novo militar.
Dentre os vários privilégios que possuíam, citamos o de estarem
"isentos das guardas das cavalharices, e das sentinellas, que ás portas das
mesmas se costumão fazer". (PORTUGAL, 1757).
Cabe ressaltar que "Nenhuma pessoa [poderia] [...] ser admittida
para assentar praça de 'Cadete', tendo menos de quinze annos de idade, ou
passando de vinte". (Ibidem). Todavia, na prática, esta determinação não
foi cumprida como pudemos observar nas nossas pesquisas.

A Academia Militar do Recife
Depois do falecimento de Diogo da Sylveira Vellozo, em 1750,
parece que as aulas de engenharia e artilharia foram extintas.
Em 1788, D. Tomaz de Melo, Governador e Capitão-General da
Capitania, criou uma Academia Militar que, infelizmente, teve curta
duração. De acordo com os seus estatutos, aprovados em 1º. de março desse
ano, a instituição foi criada para ensinar "aquelas partes mais essenciais
do Curso Matematico de Belidor e Bezout, que necessario seja para qualquer
ação do real serviço; [...]". (Estatutos transcritos por PIRASSINUNGA,
1958, pp. 80-84).
Como podemos perceber, o governador implantava um curso matemático
com a bibliografia que estava sendo estudada no curso da Academia Real de
Marinha. Seu primeiro lente foi João Rabelo de Sequeira Aragão, engenheiro
da capitania.
Com relação aos discípulos e às condições que deveriam possuir
para serem admitidos, o estatuto informa que:

Os lentes da aula admitirão para seus discipulos só
aqueles sujeitos que pelo exame que lhes mandarei fazer,
se acharem previamente exercitados e expeditos na pratica
das quatro regras fundamentais da Aritmetica, quer sejam
militares ou paisanos, na mesma forma praticada Real
Academia de Marinha estabelecida na cidade de Lisboa.
(Grifo nosso. Ibidem).

No que se refere à duração das lições, o estatuto determinava que
"O tempo de cada lição durará hora e meia, cada dia, e será repartido em
duas partes iguais, uma para que os estudantes repitam a lição antecedente
e outra para que o lente explique a lição imediata". (Ibidem). Cabe
informar que as aulas começavam às 7 horas.
Os dias de descanso eram as quintas-feiras, "exceto quando
houverem dias santos, feriados ou aqueles em que costuma haver beija-mão
nesta Capitania". (Ibidem).
As férias principiavam no dia 8 de dezembro e terminavam no dia 7
de março.
Aos sábados havia "exercício literário" e o seu assunto "será o
que houver sido no decurso da semana, para o que haverá dois defendentes e
quatro arguentes nomeados pelo lente". (Ibidem).
Quanto aos exercícios práticos, o lente deveria comunicar ao
Governador a ocasião em que pretendia efetuá-los, a fim de que os alunos
pudessem "pôr em pratica o fruto dos estudos, a que com tanto cuidado e
desvelo se tem aplicado". (Ibidem).
Os exames eram anuais e faziam-se da seguinte maneira: "No fim de
todos os anos far-se-á exame por ponto tirado 24 horas antes, o qual
constará de algumas proposições das lições que nos anos se tiverem
explicado. O lente será o presidente dos ditos exames e os examinadores
serão os que se determinar". (Ibidem).
Os estudantes militares ficavam isentos do serviço nos quartéis,
"na mesma forma que o são os da Universidade de Coimbra e da Real Academia
de Marinha de Lisboa". (Ibidem).
Quanto a outras disposições, achamos interessante mencionar as
seguintes:

O lente notará todas as faltas e no dia de sabado uma
falta será reputada por duas, e nas informações que me
houver de dar me fará explicação delas.


Os estudantes devem indefectivelmente achar-se nas aulas
ás horas prescritas, e se entrarem tres minutos depois de
principiada a lição será notado como se faltasse; e o
mesmo se fará áqueles que saírem antes de acabada a lição;
guardando sempre um rigoroso e profundo silencio enquanto
estiverem na aula, exceto quando forem perguntados.


Para com seu lente se comportarão com obediencia e
respeito e para com os seus condiscipulos com aquela
civilidade que nos ensina a boa moral; e os que se
portarem diversamente o lente os advirtirá, ou exclui-los-
á, dando-me parte primeiramente, sem que novamente possam
entrar sem minha ordem. (Ibidem).

Em 1795, foi criada uma Aula de Geometria, por determinação régia,
provavelmente, para substituir a Academia, e seu primeiro professor foi o
capitão de infantaria Antonio Francisco de Bastos.

Decreto de 1 de agosto de 1795, fazendo mercê do posto de
capitão de infantaria a Antonio Francisco de Bastos, que
havia sido nomeado lente da cadeira de geometria de novo
creada no Recife, capitania de Pernambuco, com o
vencimento de 480$000 réis annuaes, pagos pelo cofre do
subsidio litterario d'aquella capitania. (Decretos
remettidos ao Conselho de Guerra, maço 153, nº 92, apud
VITERBO, 1922, p. 249).

As Academias Militares do Conde de Resende, no Rio de Janeiro[8]
A Real Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho
No vice-reinado de D. Luiz de Castro, 2º. Conde de Resende (1790-
1801), foi criada a "Real Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho da
Cidade do Rio de Janeiro".
De acordo com os estatutos, de 1792, os lentes e os funcionários
ficavam subordinados diretamente ao Vice-Rei.
A Academia foi instalada na Casa do Trem[9] de Artilharia (hoje,
Museu Histórico Nacional). Junto à Casa do Trem ficava o Regimento de
Artilharia, que tanto colaborava para o funcionamento daquela instituição
escolar.
O curso da Academia deveria durar seis anos e seu currículo seria
baseado num curso matemático acompanhado de exercícios práticos. Esse curso
matemático seria oferecido da seguinte forma: "Nos primeiros dois anos se
ensinará o Curso de Belidor[10]. No terceiro ano se ensinará a teoria de
Artilharia, das Minas e Contra-minas [...]. No quarto ano se ensinará a
Fortificação regular, o ataque e defensa das Praças [...]. No quinto ano se
ensinará a Fortificação irregular, a Fortificação efetiva e a Fortificação
de Campanha [...]". No sexto ano, os alunos estudariam "a Arquitetura
Civil, o Corte das pedras e madeiras, o Orçamento dos Edificios, e tudo o
mais que fôr relativo ao conhecimento dos materiais que entram na sua
composição, como também explicará os melhores metodos, que hoje se praticam
nas construções dos Caminhos e Calçadas. [...] [e] a Hidraulica e as mais
partes que lhe são analogas, como a Arquitetura das pontes, canais, portos,
diques e comportas; [...]. (Grifo nosso).
Os livros adotados foram traduzidos da língua francesa para a
língua portuguesa, a fim de que os militares que não dominavam o francês,
principalmente, aqueles que constituíam os postos mais baixos, como os
soldados, pudessem compreender seus conteúdos.
O curso destinava-se à formação de "artilheiros-engenheiros".
Todavia, aqueles que pretendessem seguir a carreira de oficiais de
Infantaria e Cavalaria, também teriam que realizar o curso da Academia.
Assim, de acordo com o estatuto, os futuros oficiais da Infantaria e da
Cavalaria terminavam o curso ao final do terceiro ano. Os da Artilharia, ao
final do quinto ano, e os da Engenharia fariam o curso completo.
De acordo com os estatutos da Academia de Fortificação, Artilharia
e Desenho, de Lisboa, deveria "haver um lente de desenho, encarregado de
ensinar o que os alumnos fossem aprendendo nos tres primeiros annos, e bem
assim de ensinar a copiar e reduzir plantas, representar perfis, configurar
diversos terrenos, e (diziam os estatutos) a traçar com perfeição a letra
redonda". (RIBEIRO, 1872, p. 30).
Cabe ressaltar que o desenho, que hoje chamamos "projeto", "era
[...] o exercício mental que precedia a viabilização de qualquer intento,
não exclusivamente os arquitetônicos, [...]". (BUENO, 2004, p. 153).
Na Academia reinol, os lentes e discípulos tinham os mesmos
privilégios que os da Academia Real de Marinha e, por extensão, que os da
Universidade de Coimbra. Teriam os lentes e alunos da Academia de
Fortificação, Artilharia e Desenho do Rio de Janeiro esses mesmos direitos?
Não sabemos.
Os lentes eram obrigados a realizar exercícios práticos com os
alunos, "quando as estações o permitires".
O estatuto previa a realização de uma avaliação do ensino (exame)
somente a partir do segundo ano. Todavia, ele não informava sobre a sua
freqüência (mensal, semestral, anual). Na sua congênere portuguesa, os
exames eram anuais.
Os exames eram feitos "na presença do respectivo lente e seu
substituto" e eram realizados da seguinte forma: "Haverão diversos vasos
que o Lente proverá de Sortes, [...], das quais o examinado tirará uma
[...] dando-se a todos, vinte e quatro horas desde que tirarem a Sorte até
serem perguntadas. (Grifo nosso. PIRASSINUNGA, 1958, p. 34).
Ao final de três anos, todos os alunos prestavam um exame de
Língua Francesa.
Os alunos do curso de Engenharia que pretendessem concorrer a um
"partido" (bolsa de estudos, nos dias de hoje), eram "obrigados a mostrar
por exames que sabem a doutrina correspondente ao primeiro ano (ao menos)".
Pelo visto, somente os alunos de engenharia podiam concorrer a essas vagas.
Para ser admitido na Academia, bastava saber "as quatro especies
de Aritmetica Ordinaria". Todavia, aqueles que pretendiam seguir a
profissão de engenheiros militares deveriam possuir "uma constituição
robusta, sem defeito algum na vista ou tremura de mãos".
Segundo Peregrino (1967), na Academia "eram admitidos alunos
civis, sob a designação de particulares, os quais foram dois entre os 73
oficiais, cadetes, furriéis e cabos que constituíam a primeira turma". (p.
7).
Ao observarmos a "Relação dos primeiros alunos da Academia de
Fortificação, Artilharia e Desenho", podemos verificar que foram
matriculados 03 Capitães, 01 Ajudante, 06 Primeiros-Tenentes, 07 Segundos-
Tenentes, 06 Alferes, 05 Sargentos, 10 Furriéis[11], 01 Porta-Bandeira[12],
24 Cabos, 04 Cadetes, 04 Soldados e 02 civis.
Assim, dos 73 alunos, 48 (mais da metade) eram oficiais inferiores
(sargentos, furriéis, porta-bandeiras, cabos), cadetes e soldados. Com
exceção dos cadetes, esses militares eram oriundos das classes sociais mais
baixas da sociedade.
Os alunos tinham aulas às segundas, quartas e sextas-feiras, pela
manhã, durante duas horas, "pelo que respeita as lições expeculativas".
Após essas duas horas, os lentes deveriam exercitar os alunos por
"uma hora e um quarto no desenho da doutrina correspondente áquele ano".
(Grifo nosso).
Os períodos de férias eram os seguintes: do dia 21 de dezembro até
o dia 6 de janeiro, Semana Santa e Páscoa, e "Semana da Festa do Espirito
Santo".
Depois dos seis anos de curso, os recém-formados engenheiros
militares, que recebiam a patente de Primeiro Tenente, deveriam ser
encaminhados para o Regimento de Artilharia, a fim de ali prestarem
serviços, como agregados, pelo período de um ano. Acreditamos que tal
período funcionava como um "estágio".
Depois disso, "tendo mostrado cumprirem com as suas obrigações no
dito Corpo, e tambem sendo aprovados nos exames das aplicações dos 6 anos
[...] serão propostos pelos Lentes em Ajudantes Engenheiros para eu [vice-
rei] os propor a S. Magde.". Observem que a avaliação final do curso de
engenharia só ocorria ao término do período de "estágio".
Os formandos que se destinavam à Infantaria, à Cavalaria e à
Artilharia, seriam "atendidos conforme sua aplicação". Provavelmente, os
melhores colocados poderiam escolher as suas vagas, ou seja, os locais onde
gostariam de servir.
Quanto aos oficiais inferiores (sargentos, cabos e soldados) que
terminavam o curso, estes "serão promovidos em consequencia das ditas
certidões".
A Academia deveria possuir um Secretário que ficaria responsável
pelas seguintes tarefas: "fazer as matriculas e assentos e de passar as
Certidões [de aprovação nos exames] do costume, como tambem de cuidar do
arranjo e ordem da Biblioteca Militar, e na conservação das Plantas e Mapas
do Deposito". (Grifo nosso). Vejam que o secretário exercia, também, as
funções de bibliotecário e arquivista.
No Arquivo (Depósito) da Academia ficava um livro que continha
"circunstanciadamente o merecimento de cada um dos discipulos", bem como
"desenhos que fizerem os discipulos, mas tambem todas as Plantas, Cartas e
projetos militares que devem resultar das diligencias de que forem
incumbidos os Oficiais Engenheiros".
O primeiro secretário da Academia foi o aluno (!) Domingos
Francisco Ramos, capitão do 2º. Regimento, que ainda estava "estudando o
1º. livro do Curso Matemático". (PIRASSINUNGA, 1958, p. 34).
Além do secretário, a Academia deveria possuir um porteiro e dois
guardas, do efetivo do Regimento de Artilharia (provavelmente, militares),
que tinham como obrigação: "cuidar do asseio das Aulas, e no Arranjo, e
limpeza dos modelos, e instrumentos que lhes serão entregues por um
inventario e servirão nos Exercicios praticos em tudo o que lhes fôr
ordenado pelos Lentes ou Secretario".
Segundo Pirassinunga (1958), no seu primeiro ano, cursaram a
Academia cerca de 73 alunos, "entre oficiais, oficiais inferiores e
soldados dos Regimentos da Praça do Rio de Janeiro, partidistas do número e
particulares". (p. 35). Cabe ressaltar que portugueses do reino também
estudaram nessa instituição.
Passado algum tempo de funcionamento da Academia, foi observado
que os Infantes não se adaptaram àquele meio. Eles alegavam que estavam
tirando muito pouco proveito daquilo que estava sendo ensinado naquela
instituição, no que diz respeito a sua especialidade. Realmente, analisando
o currículo da Academia, podemos notar que ele era voltado para a formação
de artilheiros e engenheiros. Todavia, não era só isso: eles não estavam
conseguindo acompanhar as lições ministradas no curso, como veremos a
seguir.
O Conde, então, para solucionar o problema, criou uma nova
Academia, só para os infantes. Cabe ressaltar que, em Portugal, os futuros
oficiais de todas as armas (Infantaria, Cavalaria, Artilharia-Engenharia)
eram formados na mesma Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho.
Assim, podemos dizer que a iniciava do Conde de Resende, fora qualquer
juízo de valor, foi inédita para a época.

A Academia de Aritmetica, Geometria Pratica, Fortificação, Desenho e Lingua
Francesa para Oficiais de Infantaria
O estatuto da nova Academia, destinada somente aos infantes, foi
aprovado em novembro de 1795, e a instituição começou a funcionar em 1º. de
dezembro desse mesmo ano. Segundo Pirassinunga (1958), a Academia foi
inaugurada "com um corpo discente de cêrca de 16 alunos, todos matriculados
na primeira quinzena dêsse mês e, figurando entre êles os dois filhos do
Conde de Resende". (p. 51).
O diretor tinha como obrigação visitar muitas vezes a Academia. No
que se refere aos alunos, ele deveria "vigiar [...] sobre a aplicação e
fervor dos Discípulos". Quanto aos professores, ele deveria acompanhar "o
zêlo e cuidado dos Lentes, observando se êles se conformam nas suas Lições
ao metodo dos Autores nomeados, e se as traduções e Extratos que devem
fazer, são fieis, e ordenadas com clareza, e boa digestão". (Grifo nosso).
Segundo o estatuto, o currículo foi montado para um período de
dezoito meses, e procurou-se levar em consideração que muitos dos oficiais
e cadetes daquela Arma se achavam "sem os principios necessários para
servirem de base a lição dos Autores". Também, foi elaborado considerando
as particularidades das suas atividades militares. Portanto, as novas
matérias eram as seguintes: nos primeiros seis meses, o Tratado de
Artilharia, de Bezout; nos seis meses seguintes, aprenderão Geometria
Pratica, extraída do Curso de Belidor; "findos os quais se devem aplicar ao
estudo de fortificação, explicando-se por um metodo pratico os Elementos de
Fortificação por Le Blond. Nesses dezoito meses ensinar-se-a juntamente o
Desenho pelo Tratado de Buchotte, e a Lingua Francesa".
Junto com o estatuto da Academia, o Conde de Resende enviou para
Lisboa uma relação de livros que seriam necessários aos estudos dos alunos.

Em 21 de fevereiro de 1796, o Conde de Resende enviou uma carta a
D. Luiz Pinto de Souza, mencionando a criação da nova Academia. Quanto à
seleção do conteúdo, ele assim se manifestava:

Quanto às ciencias julguei que seria por agora bastante a
Aritmetica de Bezout, a Geometria de Belidor, a
Fortificação, o Desenho e a Língua Francesa; omitindo-se
porém nestas ciencias aquilo que elas tem de mais
abstrato, em atenção á falta de luzes e de principios que
tinha a maior parte dos discípulos. [...]. (Grifo nosso.
Apud PIRASSINUNGA, 1958, pp. 49-50).


Interessante é que apesar da "falta de luzes e de principios que
tinha a maior parte dos discípulos", o Conde matriculou dois filhos seus
nessa Academia, e não, na outra "mais puxada".
Cabe ressaltar que nesse estabelecimento, também, "funccionavam
aulas de primeiras lettras" (Grifo nosso, CUNHA, 1915, pp. 10-11), como
pudemos comprovar.
Nessa nova Academia, os lentes deveriam ensinar suas matérias
"conformando-se a capacidade dos Discipulos". Também deveriam procurar
"omitir aquelas demonstrações que [os alunos] não puderem compreender ao
principio". O importante era fazer com que "os menos habeis saibam as
definições e construções de todas as figuras de Geometria e Fortificação".
Cabia aos lentes dar conta ao diretor "dos progressos, ou
descuidos dos seus Discipulos, assim como das faltas, que não se
legalizarem, para que o mesmo Diretor todas as semanas dê uma relação
circunstanciada a esse respeito".
Os professores de Geometria e Fortificação tinham que, anualmente,
realizar exercícios "sobre o terreno aos seus Discipulos na prática e
delineação daquelas figuras e Obras que ocorrem mais frequentemente nas
ocasiões do serviço, fazendo-lhes conhecer o uso dos Instrumentos e o modo
de se servirem das estacas, piques e cordéis".
O professor de Desenho tinha que ensinar "o modo de representar as
diversas configurações do terreno e de tirar as plantas militares".
No final dos primeiros seis meses de Academia, os alunos eram
examinados "para o fim de serem excluidos do numero dos mesmos dispensados
se não derem prova do seu adiantamento, ou puderem passar ao estudo de
outra materia".
Depois desse período, havia uma avaliação semestral, realizada
publicamente, "presidindo o Diretor, e sendo Examinadores os tres Lentes de
Aritmetica, Geometria e Fortificação, os quais darão o seu voto ao Diretor,
que decidirá pela pluralidade dos mesmos votos".
Vinte e quatro horas antes de serem perguntados, os alunos tiravam
"sortes" dos vasos, a fim de se prepararem para a avaliação dos pontos
sorteados.
Todos os oficiais de Infantaria e cadetes eram "sem a menor
condescendencia[13] obrigados a frequentar a Academia", desde que
"desembaraçados das Obrigações do Serviço".
Segundo o estatuto, a idade não valia de desculpa, "porque a
assistencia destes servirá de animar aos outros".
Quando admitidos, os alunos faziam um exame de Aritmética, a fim
de "seguirem este estudo, ou para frequentarem a Aula de Geometria".
Ao contrário do que pudemos observar na Academia de Fortificação,
Artilharia e Desenho, em que a maioria dos alunos era de oficiais
inferiores, aqui, na primeira turma, só um aluno pertencia a esta classe: o
porta-bandeira.
Os alunos tinham aulas às terças, quintas e sábados, pela manhã,
das 7h às 10h, no verão, e das 8h às 11h, no inverno.
Das 7h às 8h30min., os lentes de Aritmética, Geometria e
Fortificação (cada um na sua sala, provavelmente), "tomavam" as suas
lições. Após esse período, todos os alunos se dirigiam para a classe de
Francês, cujo período de instrução durava 30 minutos (!). Das 9h às 10h,
todos os alunos tinham aula de Desenho.
A Academia deveria possuir um secretário para executar as
seguintes tarefas: fazer as matrículas dos alunos, em um determinado livro;
lançar o resultado dos exames, em outro livro; elaborar as certidões de
aprovação nas matérias; cuidar da Biblioteca; e do Arquivo.
Além do secretário, deveria haver um porteiro, que tinha a
obrigação "de cuidar no asseio da casa e na Limpeza dos Instrumentos e
moveis que nela existem".
Quando da nossa viagem a Portugal, para a realização de um estágio
de doutoramento, descobrimos no Arquivo Histórico Militar um "mappa dos
nomes, idades e observaçoens dos alumnos" dessa nova academia, datado de 31
de Dezembro de 1798. A partir desse documento foi possível observar o
seguinte:
De acordo com o estatuto, o currículo foi montado para um período
de dezoito meses, em que os alunos freqüentariam, inicialmente, as aulas de
aritmética (de Bezout); depois de aprovados, as aulas de geometria (de
Belidor); depois de aprovados, as aulas de fortificação, assistindo,
paralelamente, às aulas de desenho e de francês. Todavia, encontramos no
mapa alunos que, matriculados em 1795, ainda estavam freqüentando as aulas
de aritmética em 1798. Até quando eles poderiam cursar essa matéria? Cabe
ressaltar que só depois de aprovados nas aulas de aritmética, os alunos
poderiam seguir geometria.
Também os alunos de francês e de desenho, matriculados em 1795,
ainda freqüentavam essas aulas em 1798; portanto, há três anos.
Apesar de o estatuto prever aulas de Artilharia, Geometria
Prática, Fortificação, Desenho e Língua Francesa, não vimos nenhum vestígio
do ensino da artilharia, nesses três anos, e sim, no seu lugar, era
ensinada a aritmética de Bezout. Também, a Academia oferecia aulas de
"escrita" ou primeiras letras.
Igualmente, notamos que alguns alunos que cursavam as "primeiras
letras" não assistiam às aulas de desenho, porque "principiavam na
escrita".
Apesar de o estatuto determinar que os professores de geometria,
fortificação e desenho tivessem que realizar exercícios "sobre o terreno",
nada encontramos no mapa sobre o assunto. Portanto, não sabemos se os
alunos, realmente, tinham instrução prática.
Considerando o mapa, freqüentaram a Academia:
- No ano de 1795: 16 alunos, com idades variando de 11 a 28 anos.
- No ano de 1796: 18 alunos, com idades variando de 12 a 29 anos.
- No ano de 1797: 41 alunos, com idades variando de 08 a 23 anos.
Nesse ano foram admitidos alunos civis.
- No ano de 1798: 48 alunos, com idades variando de 09 a 33 anos.
Em três anos de funcionamento, freqüentaram a Academia: 19
oficiais, 16 cadetes, 06 oficiais inferiores[14] e 07 civis. Ou seja, a
grande maioria dos alunos era constituída de oficiais e cadetes, ao
contrário da Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho.

A Academia Militar de Santa Catarina (1799)
No ano de 1799, o sargento-mor artilheiro Anastácio Correia
Vasques foi enviado pelo Vice-Rei, D. Luiz de Castro, 2º. Conde de Resende,
à Santa Catarina para dar andamento às obras de defesa da Ilha. O referido
militar, também, estava autorizado pelo Vice-Rei a ser instrutor dos
oficiais do Regimento local.
Segundo Cabral, a idéia do Vice-Rei era "promover o
estabelecimento de uma Academia Militar [na Ilha], para a qual desde logo
graduava em capitão o tenente Manuel José Xavier Palmeirim". (CABRAL, pp.
17, 76 e 77, apud CURADO, 1997, p. 524).
Todavia, pensamos que, talvez, não se pensava em criar uma
"Academia" como a do Rio de Janeiro, mas, uma "aula" ou um "curso" de
artilharia para formar militares desta arma no Regimento de Infantaria
local. Mas, infelizmente, "a unidade de artilharia não chegou a ser
constituída". (Ibidem).

A "Memória econômico-política da Capitania de São Paulo", do Governador
Antônio de Melo Castro e Mendonça (1800)
A "Memória econômico-política da Capitania de São Paulo",
apresentada pelo Governador Antônio de Melo Castro e Mendonça, em 1800, ao
Conselho Ultramarino é um documento que oferece sugestões para problemas de
ordem econômica, política, educacional e religiosa que a capitania paulista
estava enfrentando na época.
A parte que nos interessa está contida no Capitulo VII, "em que se
expõem o único meio de poder estabelecer-se a Aula (Curso) de Geometria
nesta Capitania e as mais de que devem constar as Academias Militar e
Farmaco-Cirúrgica". (Apud FERREIRA, 1966, p. 241).
Através de carta régia de 19 de agosto de 1799, o Príncipe Regente
D. João tinha determinado que fosse criada uma Aula de Geometria na
capitania. Todavia, o governador não tinha recursos para implantá-la. Em
algum momento, ele se lembrou que o Príncipe tinha dado poderes às Câmaras
"para lançarem as fintas (contribuições ou taxas), que se julgassem
necessárias para manterem [os estudos de] alguns Engenheiros, Hidráulicos e
Topográficos, Médicos, Cirurgião e Contadores". (Idem, pp. 241-242). Assim,
lhe pareceu que, ao invés de financiar estudos fora da capitania, melhor
seria empregar a contribuição para "criar uma Academia Militar, na qual não
só se ensine a Geometria, [...], mas também tôdas as mais disciplinas que
fazem o objeto das Ciências Matemáticas em geral, em que deve entrar o
Curso de Fortificação e Artilharia e Aula de Desenho". (Ibidem).
Por ocasião de um aviso datado de 30 de março de 1799, que lhe
serviu para escrever a sua Memória (dentre outros documentos), o governador
informou ao Príncipe que já se achavam "despachados (nomeados) três
Matemáticos [para a capitania], todos destinados aos postos da Brigada de
Artilharia da Legião de Voluntários (do Rei)". (Idem, pp. 242-243). A sua
idéia, então, era nomeá-los lentes da futura Academia Militar de São Paulo.
O governador Antônio de Melo Castro inclusive se prontificou a
elaborar um plano para as "disciplinas que deverão fazer o objeto das suas
respectivas lições", o que foi realizado posteriormente. (Idem, p. 243).
Assim, segundo ele, se conseguiria "formar uma Tropa instruída" (Ibidem).
De acordo com o seu plano de curso, a idéia do governador Antônio
de Melo Castro e Mendonça era formar, também, na Academia Militar, os
mestres de primeiras letras que, no caso, seriam, também, contadores.
Segundo Ferreira (1966) essa é a razão pela qual, até o início do século
XX, "os alunos da Escola Normal da Praça, hoje Instituto de Educação
"Caetano de Campos", tinham uma cadeira de Escrituração Mercantil". (p.
248).
Cabe ressaltar que foi a primeira vez, nesta pesquisa, que
observei a introdução dos estudos de língua portuguesa numa academia
militar!
Quanto a criação de uma Academia de Cirurgia em São Paulo, o
governador informa ao Príncipe: "Tem esta Cidade absoluta e indispensável
precisão de dois professôres hábeis, [...], que se destinem a ensinar um
Curso completo de Cirurgia, pelo método que adiante se exporá. (Apud
FERREIRA, 1966, p. 244).
Finalmente, quanto à criação de uma biblioteca pública na cidade
de São Paulo, o governador assim se manifesta:

Eu creio, [...] que por êste modo, com o rendimento [...]
daquela [...] imposição literária se estabeleçam as
referidas Academias, [...] e se procuram, [...], todos os
meios de a policiar (civilizar) e encher de luzes. Para
êste fim, haverá uma Livraria (Biblioteca) Pública na qual
se conservem todos os livros magistrais (de mestres) para
serem consultados pelos Catedráticos, tanto das referidas
Aulas, como das que já se acham estabelecidas, e
sustentadas pelo subsídio (contribuição) literário; [...].
Na mesma Livraria se conservarão todos os livros
elementares que por conta daquela renda se hão de mandar
imprimir para serem distribuídos gratuitamente pelos
estudantes que freqüentarem as mencionadas Aulas. (Idem,
p. 253).

Pena que as suas idéias não saíram do papel...

Considerações Finais
No século XVIII, o conhecimento da arte militar tinha se tornado
altamente especializado, em função da rápida evolução tecnológica e
organizativa vivida no campo da guerra. Havia a necessidade de um aumento
das competências para lidar com as novas tecnologias e, também, no
desenvolvimento de uma arte militar mais ousada.
Todavia, o governo de D. Maria I só se conscientizou da
importância da força terrestre quando se sentiu ameaçado pela Revolução
Francesa.
Na Europa, a profissionalização do exército foi acompanhada pelo
reconhecimento da importância política e social do seu papel. Era o início
da "afirmação institucional e social dos militares".
Apesar de ocuparem a maior parte dos postos militares supremos, de
modo geral, os nobres não eram conhecedores da arte militar. Eles
acreditavam que a especialização deveria ser buscada pelos oficiais de
postos inferiores, pois consideravam que a profissão militar implicava na
realização de atividades "mecânicas".
Todavia, a "nova" guerra exigia que o comandante possuísse saber
profissional, capacidade técnica, especialização, qualidades que se
sobrepunham ao título de nobreza. Cabe ressaltar que essas mudanças
políticas e sociais foram vagarosas e os postos mais elevados continuaram a
ser ocupados, na maioria das vezes e por muito tempo, pela "nobreza de
sangue".
Em Portugal, o nobre passou a ser, não somente, o moço-fidalgo da
Casa Real, mas, também, o filho do oficial superior (de sargento-mor para
cima). Dessa forma, a aristocracia foi obrigada, ainda no século XVIII, a
profissionalizar-se, a fim de salvaguardar o estatuto tradicional daqueles
que, por privilégio natural, preenchiam os postos de comando.
Como os nobres não se interessassem pelos estudos, principalmente,
na área da artilharia e da engenharia, as aulas militares foram abertas às
pessoas que quisessem aprender a "arte da guerra". Foi assim que indivíduos
de camadas sociais inferiores tiveram acesso à educação (também, militar).
Quanto à presença de crianças, no exército, nessa época, cabe
ressaltar que era comum se encaminhar homens pobres livres, ainda bem
jovens, para a aprendizagem de ofícios, que, também, era realizada nas
instituições militares. Era uma época em que se acreditava que o trabalho
duro poderia corrigir a má conduta do pobre, bem como educá-lo. Assim,
quanto mais cedo fossem encaminhados para as ocupações laborais, melhor
seria para eles e, principalmente, para a sociedade, que se livrava das
despesas com essas crianças.
Quantas das crianças e jovens que conseguiram se matricular nas
aulas e academias militares que existiam na colônia americana seriam
oriundos de meios desfavorecidos? Como não tivemos a possibilidade de
comprovar as suas origens, presumimos que eles eram civis ou estavam
ocupando os postos inferiores do exército, como soldados, cabos, porta-
bandeiras, furriéis e sargentos, por exemplo, como pudemos observar nos pré-
requisitos para a matrícula e nas relações de alunos dessas instituições
educacionais. Isto porque as crianças e os jovens das classes sociais mais
altas entravam no exército como cadetes.
No que se refere às Academias do Conde de Resende, fica claro que
a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho foi criada para a
formação de artilheiros e engenheiros nacionais, principalmente, oriundos
das camadas sociais menos favorecidas e a "Academia dos Infantes" foi
criada com a finalidade de preparar os nobres que viviam na colônia para
ocuparem os cargos de comando dos corpos do exército. A presença de poucas
pessoas provenientes de classes inferiores nessa academia pode ser
explicada pelo fato de que o exército começava a se profissionalizar, não
importando tanto a origem social dos soldados, mas a aptidão dos mesmos
para a área militar.
Com relação ao número de Academias militares que foram criadas e
que se tentou criar na América portuguesa, supomos que, a partir de meados
do século XVIII, a evolução da guerra impôs a necessidade de se promover
uma formação comum a todos os futuros chefes militares. Assim, para
ascender ao oficialato, passou a ser obrigatória a frequência a um
estabelecimento de ensino superior militar.
A guerra tinha se tornado uma ciência empírica, produto de um
saber acumulado, e a doutrina militar tinha que ser conhecida por todos, do
general ao soldado, a fim de que cumprissem as suas tarefas com exatidão.
Havia, pois, que garantir a unidade no ensino: "Não mais se podia deixar à
iniciativa de certos nobres, ou de alguns chefes militares mais
respeitados, a transmissão duma doutrina feita a seu bel-prazer. E se a
uniformização se impunha, só o rei a podia conseguir". (BARATA, 1999, pp.
1050).

REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Antonio Lopes da Costa. Repertorio Remissivo da Legislação da
Marinha e do Ultramar comprehendida de 1317 até 1856. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1856.
ANTUNES, José Ricardo da Costa Silva (Coord.). Apontamentos para a Historia
da Escola do Exercito. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.
BARATA, Manuel Themudo. O Exército e o ensino superior militar em Portugal
(séculos XVII e XVIII). In: Fraternidade e Abnegação, Academia Portuguesa
de História, v. 2, LX, 1999, pp. 1047-1055.
BEBIANO, Rui. A arte da guerra: o seu imaginário e a sua deontologia. In:
HESPANHA, António Manuel (Coord.). Nova História Militar de Portugal.
Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, vol. 2.
BUENO, Beatriz P. Siqueira. Desenho e desígnio – o Brasil dos engenheiros
militares. In: REVISTA OCEANOS – A construção do Brasil urbano, Lisboa,
Comissão dos Descobrimentos Portugueses, nº. 41, janeiro/março 2000,
trimestral.
_______. Formação e metodologia de trabalho dos engenheiros-militares: a
importância da "ciência do desenho" na construção de edifícios e cidades.
In: TEIXEIRA, Manuel C. (Coord.). A construção da cidade brasileira.
Lisboa: Livros Horizonte, 2004.
CORDEIRO, João Manuel. Apontamentos para a história da artilheria
portugueza. Lisboa: Commando Geral da Artilheira, 1895.
CUNHA, Joaquim Marques da. A evolução do ensino militar no Brasil. Annuario
da Escola Militar (1913-1914), nº. 1, Capital Federal, Ministério da
Guerra, Imprensa Militar, Grande Estado Maior do Exército, 1915.
CURADO, Silvino da Cruz. O ensino militar no Brasil antes da Independência.
Actas do VIII Colóquio de História Militar "Preparação e Formação Militar
em Portugal". Lisboa, Palácio da Independência, de 3 a 5 de Novembro de
1997, Comissão Portuguesa de História Militar.
FERREIRA, Tito Livio. História da educação lusobrasileira. São Paulo:
Saraiva, 1966.
MAGALHÃES, J. B. A evolução militar do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército Editora, 2001.
MARQUES, Fernando Pereira. Exército e Sociedade em Portugal: No Declínio do
Antigo Regime e Advento do Liberalismo. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981.
MARTINS, Ferreira. História do Exército Português. Lisboa: Editorial
Inquérito Limitada, 1945.
OLIVEIRA, João F. Craveiro Lopes de. Os prodomos da organização da arma de
engenharia. In: REVISTA DE ENGENHARIA MILITAR. Número comemorativo do III
centenário da engenharia militar. Lisboa: Direcção da Arma de Engenharia,
1947.
PEREGRINO, Umberto. História e projeção das instituições culturais do
exército. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967. (Coleção
Documentos Brasileiros, 128)
PIRASSINUNGA, Adailton. O ensino militar no Brasil (Colônia). Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1958.
PORTUGAL. Mappa dos nomes, idades e observaçoens dos alumnos da Nova
Academia Militar do Rio de Janeiro, estabelecida pelo Ilmo. e Exmo. Snr.
Conde de Resende, Vice-Rei do Estado em 28 de novembro de 1795, em que se
mostrão as informações dos seus respectivos Lentes. Fonte: Arquivo
Histórico Militar – 2ª Divisão / 1ª Secção / Caixa 1 / Nº 36.
RIBEIRO, José Silvestre. Historia dos estabelecimentos scientificos,
litterarios e artisticos de Portugal nos successivos reinados da monarchia.
Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1872. Tomo II.
SEPULVEDA, Christovam Ayres de Magalhães. Historia Organica e Politica do
Exercito Português: Provas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1910. Vol. 5.
SIMÕES, J. M. D'Oliveira. A Escola do Exército: Breve Noticia da sua
Historia e da sua Situação Actual. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892.
VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da matemática escolar no Brasil
(1730-1930). Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, 1997.
VIEIRA, Belchior. Contribuição dos militares portugueses para a introdução
da cultura matemática no Brasil. II Encontro Luso-Brasileiro de História da
Matemática e II Seminário Nacional de História da Matemática (Actas). Tema:
A contribuição de matemáticos portugueses para o desenvolvimento da
matemática no Brasil. Águas de São Pedro, São Paulo, 23 a 26 de março de
1997, Sérgio Nobre Editor.
VITERBO, Sousa (Coord.). Diccionario historico e documental dos
architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de
Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1922. V. 3.
-----------------------
[1] Educação formal é compreendida aqui como aquela que ocorre em espaços
de formação, escolares ou não, onde há objetivos educativos explícitos e
uma ação intencional institucionalizada, estruturada e sistemática.
[2] Os artilheiros e os engenheiros tinham, em comum, o interesse pela
fortificação, pela sua defesa e ataque, e pelos conhecimentos matemáticos
indispensáveis às suas técnicas, os quais eram, ao tempo, bem escassos no
Reino. Assim, a sua formação era semelhante e ocorreu, durante muitos anos,
de maneira conjunta. Aliás, praticamente, não havia diferença entre
artilheiros e engenheiros. A engenharia esteve vinculada à artilharia até o
final do século XVIII, e, ambas, pertenciam à arma da infantaria. Portanto,
artilheiros ensinavam engenheiros e engenheiros ensinavam artilheiros.
(CURADO, 1999, p. 10).
As aulas de artilharia e de engenharia, ministradas, principalmente, nos
Regimentos, foram criadas porque a tecnologia empregada na guerra evoluiu
com rapidez, principalmente, a partir do século XV, em diversas frentes: na
produção e aperfeiçoamento do armamento, na arquitetura militar, na
evolução das tácticas aplicadas, dos processos de treino e da logística, e
ainda, na formação teórica e prática dos graduados. (BEBIANO, 2003, p. 49).
Por exemplo, pelos finais do século XVII, não existia na Europa exército no
qual a engenharia não desempenhasse papel determinante.
O reino e, principalmente, suas colônias precisavam de artilheiros-
engenheiros para serem habitadas, demarcadas e defendidas. Os profissionais
estrangeiros dessa área que foram contratados pela Coroa portuguesa para
servir no reino e nos seus domínios foram pagos a "peso de ouro" e, nem
sempre, valeram o que cobraram. Por isso, optou-se pela formação de
engenheiros nacionais ou naturais (no caso das colônias).
Cabe ressaltar que, como os engenheiros militares foram sempre em número
reduzido no Brasil, as obras, mesmo as de maior porte, como fortificações,
igrejas, ficavam, geralmente, sob a direção de mestres pedreiros e
carpinteiros. (FLEXOR, 2000, p. 76).
Principalmente, a partir da restauração da independência portuguesa
(1640), foram criadas inúmeras aulas de artilharia e fortificação no reino
e nos seus domínios, principalmente, nos regimentos de infantaria e de
artilharia, como pude comprovar em pesquisa anterior. Cabe ressaltar que
essas aulas foram criadas não somente com o objetivo de formar quadros para
o exército, mas, também, para a burocracia crescente. (CARVALHO, 1995, p.
105).
[3] Quanto ao curso matemático de Belidor, gostaríamos inicialmente de
informar que Bernard Forest de Belidor (1697-1761) foi um general francês,
engenheiro, professor da Escola de Artilharia de La Fère (entre 1722 e
1738), que publicou diversas obras sobre matemática, hidráulica,
fortificação, artilharia e engenharia.
No século XVIII, "O antigo sistema de ditados das lições foi dando lugar
ao uso dos manuais". (VALENTE, 1997, p. 56). Tal prática representava uma
fonte de renda extra para os professores que escreviam esses manuais
didáticos, e Belidor foi um deles.
A primeira vez que o Douto Bellidoro foi adotado em Portugal foi à época
em que o Conde Lippe era comandante do exército português. Através do seu
"Plano que S. M. manda seguir e observar no estabelecimento, estudos e
exercícios das aulas dos regimentos de artilharia", publicado em 15 de
julho de 1763, que instituiu as escolas regimentais, todas as unidades de
artilharia, no reino e no ultramar, passaram a ter que "manter com
regularidade as suas aulas de matemática e fortificação [além da
artilharia, é claro], por todas as formas se procurando aumentar o nível de
cultura militar e geral dos oficiais". (ALMEIDA, 1953, p. 26). Os oficiais
dos regimentos "deviam procurar instruir-se nas respectivas aulas, e
competentes exercicios, a fim de se tornarem habeis nos diversos misteres
de sua profissão". (RIBEIRO, 1871, Tomo I, pp. 303-306).
No mesmo plano se designavam "os livros de que, com exclusão de outros
quaesquer, se devia fazer uso nas aulas". (ANTUNES, 1886, p. 20). Citamos,
apenas, os de Belidor: o Curso de Mathematica, o Bombardeiro [Artilheiro]
Francez, obras de Bellidoro quanto "á sciencia das minas"; e a Sciencia dos
Engenheiros, "para estudo dos mineiros e bombeiros [responsávewis pelas
bombas], nos pontos intimamente connexos com a profissão d'estes".
(RIBEIRO, 1871, Tomo I, pp. 303-306).
Os livros acima citados acabaram sendo traduzidos para a língua
portuguesa, a fim de que os militares que não dominavam o francês,
principalmente, aqueles que constituíam os postos mais baixos, como os
soldados, pudessem compreender seus conteúdos.
Na América portuguesa, o livro mais adotado de Belidor foi "Geometria
Prática", que fazia parte do seu Curso de Matemática, em associação com o
livro "Aritmética" de Bézout, do qual falaremos mais adiante. Segundo
Valente (1997), Belidor trata, no primeiro livro (ou capítulo) dessa sua
obra, intitulado Introdução à Geometria, "os vários temas iniciais da
álgebra, da geometria e da aritmética compondo um texto didático acessível
aos alunos aos quais nada era praticamente exigido além do conhecimento
prévio das quatro operações fundamentais da aritmética". (p. 65). Todavia,
o restante do livro enfoca a geometria, tão necessária às atividades de
artilheiros e engenheiros. O modo como escreveu o texto "liga-se
estreitamente à escrita da forma como ministrava suas aulas. O livro passa
a ser uma espécie de transcrição das aulas. Tudo muito detalhadamente
explicado [até mesmo em função do baixo nível de conhecimento matemático
que os alunos possuíam]". (Idem, p. 68).
[4] Étienne Bézout, professor e examinador da marinha francesa, foi
encarregado de escrever, em 1763, um curso matemático para os oficiais
navais e para os guardas bandeiras. Seu curso foi traduzido para o
português devido à criação da Faculdade de Matemática, na Universidade de
Coimbra, pelo Marquês de Pombal. Surgiu, assim, a Aritmética de Bézout, que
foi traduzida em 1773, e que teve inúmeras reimpressões pela Universidade
de Coimbra até 1826 (Tcixeira. 1934, apud VALENTE, 1997, p. 76).
Diferentemente de Bélidor, que num único volume insere todo um curso de
matemática, Bézout tem, em seu curso, manuais práticos, porém,
independentes. (VALENTE, 1997, p. 81). Na verdade, Bézout tem como
preocupação "dar aos alunos o conhecimento da prática do cálculo: como
fazer contas e de modo o mais seguro e prático possível". (Idem, p. 77).
Isso explicará porque Bézout "será um autor adotado em diversos cursos não
militares e chegara até nós até o final quase do século XIX nos liceus e
colégios da Europa, EUA e Brasil". (Grifo nosso, Idem, p. 82).
A adoção conjunta das obras de Bélidor e de Bézout, ao contrário do que
ocorreu em Portugal, inaugurou, na colônia americana, a separação da
Geometria (de Bélidor) e da Aritmética (de Bézout). "Posteriormente virá a
Álgebra" e "Será essa matemática [...] que, desenvolvida [...] nas escolas
técnico-militares, [...] passará para os colégios e preparatórios do século
XIX, e orientará os autores brasileiros a escreverem seus próprios livros
didáticos". (Idem, p. 83).
[5] 2º. Tenente, atualmente.
[6] As graduações de Furriel e Porta-Bandeira não existem mais, atualmente.
[7] Mais tarde, no reinado de D. Maria I, os oficiais superiores (de
Sargento-Mor ou Major para cima) passaram a ser considerados nobres.
[8] Parte do trabalho apresentado no "II Encontro de História da Educação
do Estado do Rio de Janeiro (II EHEd-RJ), realizado no período de 13 a 15
de setembro de 2010, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO), cujo título é "Educação de Crianças e Jovens Pobres nas Academias
do Conde de Resende (Rio de Janeiro: 1792-1801)".
[9] "Designava-se TREM – de modo genérico – a um conjunto de utensílios
destinados a certo fim. Este termo é originário da palavra francesa
"TRAIN", com a mesma significação. Em Portugal foi este vocábulo empregado,
tanto para o conjunto de petrechos bélicos terrestres, como para os navais
– trem de artilharia, trem de carretas, trem de guerra etc." (PONDÉ, 1962,
p. 31).
[10] Não encontramos referências às obras de Bézout...
[11] Hoje não existe esse posto, mas, podemos dizer que ficava abaixo de
sargento.
[12] Também inexistente nos nossos dias, mas, na época, era superior ao de
Cabo.
[13] Inclusive os de nove anos (!), como veremos adiante.
[14] Nenhum Sargento ou Furriel.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.