Educação patrimonial como ação promotora de desenvolvimento local: o caso de Bujaru/PA

July 12, 2017 | Autor: Claudia Nascimento | Categoria: Educacion patrimonial, Educação Patrimonial
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Educação Patrimonial

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO AÇÃO PROMOTORA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE BUJARU/PA Profª. Msc. Claudia Helena Campos Nascimento, Universidade Federal de Roraima/UFRR, e-mail: [email protected];

INTRODUÇÃO O presente trabalho trata do registro, relato e conclusões sobre as atividades de Educação Patrimonial desenvolvidas no município de Bujaru/PA. O artigo aqui apresentado busca, portanto, apresentar a metodologia e resultados desse processo exitoso e seus desmembramentos junto à comunidade, desenvolvida de 23 a 26 de fevereiro de 2012, contando como equipe os técnicos do DPHAC/SECULT turismólogos Esp. Sabrina Campos Costa e MSc. Cleber Gomes da Silva que, juntamente com a autora, desenvolveram a atividade, conforme descrita a seguir. Para melhor entendimento há necessidade de compreensão do contexto, histórico e geográfico, assim como as motivações que levaram ao desenvolvimento da atividade. Entre os anos de 2009 e 2010, o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (DPHAC/SECULT) recepcionou várias demandas do município de Bujaru/PA relacionadas à igreja de Santana, visando a sua recuperação, pela referência histórica e cultural para sua comunidade. Este templo, desconhecido pelo corpo técnico da instituição, tornou-se objeto de processo de tombamento exigindo, a partir daí, atenção na perspectiva de consolidar dados para compor o parecer do referido processo. Várias grandes dificuldades sobrevieram para tentar traduzir a igreja de Santana, na comunidade de Santana do Bujaru, como bem cultural, cuja materialidade claramente emanava valor. Não havia base documental referencial confiável para construção da história do sítio e da edificação. Em contraponto, o imóvel emanava signos de inquestionável valor, tanto de ordem iconográfica quanto técnica e artística, como marcas, brasões, imaginária, argamassa de cal, fechadura de ferro fundido, entre outros. Com exíguos dados que pudessem se somar ao bem em si, o seu valor cultural estava impresso em sua comunidade que, de alguma forma, a havia mantido por um hiato de duzentos anos e a reconhecia como referencial importante de sua identidade. Santana do Bujaru, como lugar, agrega uma comunidade em torno desta igreja que, ao longo do andamento dos estudos, tornou-se objeto de pesquisa de mestrado. Entre os campos que foram trilhados podemos destacar a coleta de dados físicos e documentais e, dentre eles, o estudo da cartografia histórica, que permitiu a compreensão do processo histórico de visível apogeu e abandono daquele sítio. Por conseguinte, conduziu á análise desse “lugar”, sob as perspectivas teóricas de Pierre Nora e Marc Augé. A distância entre o sensível pela comunidade e o descoberto pelas pesquisas provocou a necessidade de contrapor as visões – acadêmicas e sociais – sobre o referido bem. Somou-se a isso a necessidade de transformar a comunidade em agentes no processo de controle de intervenções na igreja, visto que seria impossível um efetivo acompanhamento, no caso do latente de intervenção. Essa distância também era física: o acesso à comunidade de Santana do Bujaru se faz por um ramal de terra localizado na rodovia PA140, distando 108 km por via rodoviária de Belém; a locação de sua igreja possui recorrência quanto à implantação do período colonial na Amazônia, com fachada voltada para o Rio Bujaru, que concedeu nome ao município oriundo da freguesia existente desde 1759. O atual Distrito de Santana possui associações agrícolas e é identificada como uma comunidade remanescente de quilombos; como marco arquitetônico, a igreja de Santana. A comunidade de Santana foi, outrora, a sede do município e a sua igreja uma das quinze freguesias existentes no final do século XIX na cidade de Belém, cujo território do atual município fazia parte. Era necessário também empoderar a comunidade do conhecimento necessário para que se tornassem agentes efetivos dessa preservação. Como mais um enfoque associado à ação, o exercício e difusão da metodologia desenvolvida pelo DPHAC/SECULT, Projeto Tecendo Saberes: Inventário do Patrimônio Cultural do Estado do Pará – IPC/PA. Como objetivos propostos para essa ação temos: Promoção, através da atividade de educação patrimonial, da capacidade da comunidade do município de Bujaru/PA de reconhecimento e valorização de seu patrimônio cultural, apresentando metodologias de gestão cultural aplicáveis à realidade local. Foram promovidas ações descentralizadas de educação patrimonial em duas localidades diferentes – sede municipal e distrito de Santana – a fim de instrumentalizar agentes sociais com os elementos de compreensão do contexto da preservação do patrimônio cultural, em perspectiva ampliada. Buscou-se, com isso, identificar, os elementos constituintes do cenário de referências culturais do município. Foi apresentada a metodologia do IPC/PA como instrumento de gestão cultural para que, a partir daí, fosse possível propor discussões sob a perspectiva da promoção cultural destas referências culturais identificadas pela população de Bujaru. Especificamente para a comunidade de Santana, buscou-se transmitir conhecimentos fundamentais para o acompanhamento social das obras de sua igreja.

Grande impacto, contudo, foi obtido na comunidade de Santana, com destaque para a compreensão dos processos em torno da preservação e da dinâmica da obra da Igreja de Santana, com envolvimento objetivo da comunidade que, em algumas oportunidades, apontaram criticamente procedimentos da obra de recuperação do sistema de cobertura do templo, inclusive entrando em contato com o DPHAC, solicitando vistorias. Some-se a este fato a busca por maiores informações que, por raras, levavam normalmente à produção referente ao citado projeto de dissertação, tais como artigos disponíveis on line. Durante a dinâmica promovida de Educação Patrimonial (FIGURA 1), algumas descobertas apontaram para a compreensão sistêmica do legado patrimonial do município de Bujaru, com a compreensão da importância da Igreja de Santana do Bujaru como um elemento dentro da História do município e do Estado. A manifestação dessa importância foi expressa por moradores que passaram a perceber de forma diferenciada o papel da preservação de suas referências culturais, materiais e imateriais. Um desmembramento importante dessa ação foi a percepção da política de preservação como promotora de desenvolvimento local, quer econômico, quer social. Advém daí algumas parcerias (sociais, políticas e administrativas) e formas de apropriação - como festas, espetáculos (FIGURA 3), entre outros do principal bem cultural de Santana, sua igreja. Destaco o envolvimento de toda comunidade em festividades para arrecadação de recursos, esforços como a busca de areia do rio para a obra (em pequenos baldes) e a lavagem das telhas (FIGURA 2), nesse mesmo rio Bujaru, que envolveu boa parte da população local, a partir do chamado da paróquia. As articulações políticas também se tornaram visivelmente mais sólidas, garantindo canalizar recursos para intervenções na área de entorno, como a construção de uma praça frontal à referida igreja (FIGURA 4).

Quatro momentos: Oficina de Educação Patrimonial, de 23 a 26/02/2012 (FIGURA 1 – foto da autora); Lavagem das telhas pela comunidade, no rio Bujaru, em 2012 (FIGURA 2 – acervo da Paróquia de São Joaquim, cedida à pesquisa); Auto de Natal, Grupo de teatro Bom Intento, dezembro de 2013 (FIGURA 3 – acervo da Paróquia de São Joaquim, cedida à pesquisa); inauguração da praça de Santana do Bujaru, 29/06/2014 (FIGURA 4 – fonte www.bordalo13.blogspot.com).

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À época a autora não pertencia mais ao quadro do DPHAC, estando lotada no Museu da Imagem e do Som, da mesma Secretaria de Estado de Cultura do Pará. Cuja dissertação “Igreja de Santana do Bujaru: caracterização tipológica, histórica e estilística a partir de suas referências documentais, físicas e icônicas” foi defendida em abril de 2013 no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, tendo como professor-orientador Dr. Fernando Luiz Tavares Marques. Sobre o tema, foi produzido o artigo “Iconografia do Rio Guamá: a margem de Belém” (NASCIMENTO, 2011). Sobre o tema, foi produzido o artigo “Santana do Bujaru: lugar de memória ou não lugar?” (NASCIMENTO; MIRANDA & MARQUES, 2011).

METODOLOGIA As atividades de educação patrimonial foram desenvolvidas a partir do Programa de Educação Patrimonial do DPHAC/SECULT. Historicamente as ações de educação patrimonial eram vinculadas especialmente à ação museológica. A efetivação de ações de educação patrimonial no campo de atuação dos departamentos de patrimônio histórico, artístico e cultural, que atuam especialmente com Arquitetura e Urbanismo, passou a ser pauta do fim do século XX, porém de forma pouco sistemática. Apenas a partir dos anos 2000 que, no Pará, há o fluxo de técnicos entre setores (especialmente entre os museus e órgãos de patrimônio), fortalecendo essa prática, ainda a partir de projetos e ações isoladas, especialmente em Belém. A educação patrimonial passa a ser pauta efetiva, com o fortalecimento das políticas federais da área e a necessidade de estabelecimento de métodos de difusão e inventariação do patrimônio cultural. Nesse contexto que se insere a referida ação. Passam a ser, não somente museólogos, mas arteeducadores, historiadores, arquitetos e turismólogos, os agentes de promoção de ações de educação patrimonial, inserindo, principalmente estes últimos, a preocupação da perspectiva de desenvolvimento local. Desta forma, esta atividade foi desenvolvida considerando os contextos da sede do município e do distrito de Santana, com dinâmicas-padrão e descentralizadas. Em Santana, a atividade teve tratamento mais pontual, buscando ainda identificar elementos de referência da comunidade com a igreja, além de fornecer conhecimento básico sobre a boa-técnica de restauro, considerando as especificidades do templo; apresentou-se também as descobertas preliminares da pesquisa e exemplos de gestão local, com foco para o turismo como indutor de desenvolvimento. Num terceiro momento, as comunidades da sede e de Santana foram reunidas em um ônibus e foi feita uma cartografia preliminar a partir das referências indicadas nas atividades desenvolvidas, com registros foto e videográficos, além de preenchimento das fichas do IPC/PA.

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Especial destaque para os trabalhos de DA SILVA, que constam nas referências deste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Entre os resultados obtidos com a atividade, temos um mapeamento preliminar de referências culturais do município, de acordo com as categorias do IPC/PA, que servem como referencial para o planejamento de políticas públicas de Cultura. Como consequência, muitas ações foram promovidas, a partir dessa base de dados, que serviram de subsídio para os agentes culturais do município e como instrumento de fundamentação de estratégias, tanto dos órgãos públicos quanto da sociedade organizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Não podemos considerar os projetos de educação patrimonial como ações em si autocontidas, mas como fundamentos capazes de garantir à comunidade domínio sobre a dimensão ampliada da importância do bem que trazem e que permite a troca de conhecimento entre as escalas técnicas e sociais. Sem o domínio das várias facetas que um contexto cultural apresenta, é improvável que a Educação Patrimonial surta efeito de forma ampla e o mais profundamente quanto se almeja; da mesma forma, é no processo educativo (seja formal ou não-formal) que se constroem e se fortalecem conhecimentos. No que tange os bens patrimoniais, temos que ter em mente que os bens culturais estão inseridos (e não anexos) aos espaços vividos das pessoas e comunidades, garantindo-lhes os elementos capazes de fortalecimento de sentimentos identitário a partir de suas formas de apropriação. O envolvimento, em várias instâncias, que a comunidade é capaz de ter com o seu bem cultural é que dará legitimidade ao valor que este tem para o grupo, e a ação de educação patrimonial desenvolvida em Bujaru, especialmente no distrito de Santana, é prova da capacidade do alcance e potencial de promoção socioeconômica de uma ação realmente educativa no campo patrimonial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas/SP: Papirus, 1994 (Coleção Travessia do Século) COSTA, Sabrina Campos. Construção de uma política de educação patrimonial a partir de experiências na Amazônia paraense. Disponível em: http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Sabrina-Campos-Costa.pdf. Acesso abril de 2015. DA SILVA, Cleber Gomes . Acondicionamento e coleta de resíduos sólidos: um estudo sob a perspectiva dos prestadores de serviços turísticos da praia do Atalaia-PA. Turismo: Visão e Ação (Online) , v. 16, p. 144-166, 2014. DA SILVA, Cleber Gomes ; DIAS, A. D. E. ; MORAES, Y. S. ; MORAES, S. C. . Turismo e sustentabilidade nas comunidades varzeiras do município de Abaetetuba, Estado do Pará. Sociedade e Desenvolvimento Rural , v. 7, p. 3143, 2013. FLORÊNCIO, Sônia Rampim et all. IPHAN/DAF/COGEDIP/CEDUC, 2014.

Educação

Patrimonial:

histórico,

conceitos

e

processos.

Brasília:

HORTA, Maria de Lourdes Pereira; GRUMBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, Museu Imperial, 1999. NASCIMENTO, Claudia Helena Campos. Igreja de Santana do Bujaru: caracterização tipológica, histórica e estilística a partir de suas referências documentais, físicas e icônicas. Belém: UFPA, 2013, 287p. (dissertação de mestrado) _____. Iconografia do Rio Guamá: à margem de Belém, In. Anais do 2o Seminário Iberoamericano Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte/MG: UFMG, 2011. _____. O Lugar do patrimônio cultural contemporâneo: conceito e realidade a partir de uma visão amazônica, In. 2a Conferência doo Desenvolvimento – II CODE/IPEA, 2011; Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos IPEA e Associações de Pós-graduação em Ciências Humanas. Brasília: IPEA, 2011. _____. Santana do Bujaru: lugar e identidade, In. Anais do I Congresso Pan-Amazônico da Região Norte de História Oral – História do Tempo Presente & Oralidades na Amazônia – I APHORAL. Belém: UFPA, 2012. NASCIMENTO, Claudia Helena Campos; MIRANDA, Cybelle Salvador & MARQUES, Fernando Luis Tavares. Santana do Bujaru: lugar de memória ou não lugar?, In: XI Encontro de Teoria e História da Arquitetura. PUC/RS: Porto Alegre, 2011. NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC/SP - n° 10. São Paulo: EDUC, 1993, p.7-28 (tradução Yara Aun Khoury).

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