EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: REPRESENTAÇÕES DO BOM TRABALHADOR NO LIVRO “EDUQUEMOS” DE ARTHUR PORCHAT DE ASSIS (1915)

June 3, 2017 | Autor: B. Bortoloto do C... | Categoria: Education, Historia Intelectual, Intelectual History, Educação, História Da Educação
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Universidade Estadual de Maringá 29 de Junho a 02 julho de 2015 ISSN 2236-1855

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: REPRESENTAÇÕES DO BOM TRABALHADOR NO LIVRO “EDUQUEMOS” DE ARTHUR PORCHAT DE ASSIS (1915) Bruno Bortoloto do Carmo (UniSantos -SP) E-mail: [email protected]

Dentro de uma sociedade que almejava a civilização e a modernidade, Arthur Porchat de Assis escreveu em 1915 o livro “Eduquemos”, que usaremos como objeto de estudo e objetivaremos compreender suas representações para a educação profissional que visava um bom trabalhador, um bom operário. Essa análise faz parte dos estudos de representação que o Grupo Interdisciplinar de Estudos Culturais da Universidade Católica de Santos vem desenvolvendo acerca dos intelectuais do início do século XX sobre educação, suas redes de sociabilidade, ações na cidade de Santos, etc. Sabendo que as representações do social não são discursos neutros e delas surgem estratégias e práticas, da forma como nos ensina Chartier (1990), propomos aqui investigar de quem e para quem Porchat de Assis escrevia ao propor tal modelo de educação profissional, legitimador de um projeto reformador. Iniciarei com algumas breves notas sobre a biografia e as circulações do autor pela cidade de Santos, dando ênfase a sua atuação no Instituto de educação intelectual e profissional D. Escolástica Rosa. Na sequência analisarei sua teoria para com a educação do bom trabalhador dividindo-a em três aspectos: as questões de moralidade presentes no texto do autor, no qual deixa claro para quem se dirigia a educação profissional; o ensino maternal e primário, no qual pretendia despertar os dons e ocupações da criança; e o ensino do desenho e da estética, buscando compreender suas aplicabilidades nesse operário em formação.

O AUTOR E SEU CONTEXTO SOCIAL Arthur Porchat de Assis nasceu em Santos à 13 de agosto de 1863, filho do Comendador Antônio Justino de Assis e D. Maria Carlota Porchat. Formou-se em Direito em 1890 pela Universidade de São Paulo, tendo logo após atuado, por um breve período, em Limeira, interior de São Paulo, como promotor de justiça; na mesma ocasião dirigiu duas escolas, o Externato Spencer e uma outra escola mantida pela União Familiar. Em 1905 retornou para a cidade de Santos e começou a dar aulas de Pedagogia e Metodologia no Liceu

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Feminino Santista para futuras professoras de famílias tradicionais da cidade (CARMO, VIEIRA, 2014, p.3 e FRANCO, p. 1). Na cidade de Santos, Arthur Porchat de Assis participava de uma rede de sociabilidade e solidariedade bastante visível, com quem compartilhava ideias de educação1. Ao analisar a contracapa do livro “Eduquemos” temos indícios bastante evidentes dessa rede: a primeira edição datada de 1915 foi diagramada e confeccionada pelo Instituto D. Escolástica Rosa. Esse Instituto Escolástica Rosa era um internato para educação intelectual e profissional de garotos pobres; foi criado no ano de 1908 por meio da herança do abastado e influente negociante João Octávio dos Santos2, falecido oito anos antes: Em primeiro lugar, declaro eu, sendo minha vontade perpetuar a memória de minha fallecida Mãe, é minha expressa vontade criar, como de facto crio, um instituto destinado à educação intellectual e profissional de meninos pobres, semelhante ao de D. Anna Rosa, existente na capital deste Estado, e que se denominará Instituto D. Escholastica Rosa. Este instituto será erecto na chácara de minha actual residência no Ramal da Ponta da Praia ou onde melhor possa convir, devendo reger-se por estas seguintes Instrucções: A sua direcção interna será exercida por um Director, que residirá no próprio instituto, com uma família, de nomeação do Provedor da Santa Casa de Misericórdia desta cidade (TESTAMENTO de João Octávio dos Santos, 1899, sem página).

Arthur Porchat de Assis assumiu a direção do Escolástica Rosa em 1910, tendo permanecido na instituição até o ano de 1931. Como rezava o testamento de João Octávio, Porchat de Assis viveu com sua família no local até sua saída da direção; até o casamento de

“Vieira (2012) identificou que Arthur Porchat de Assis participava de uma rede de solidariedade que existiu na cidade de Santos, no início do século XX. Como tal, seus membros compartilhavam ideias sobre educação e ocupavam postos de destaque no ensino local. Este grupo possuía membros periféricos, mas os principais eram seu irmão, Adolpho, que dirigia a Associação Instrutiva José Bonifácio, escola que oferecia cursos profissionalizantes preparatórios para o trabalho no comércio e no porto de Santos e que trabalhava como médico no Asilo de Órfãos, dirigido por Victor de Lamare, engenheiro que fundou a Escola Docas. Adolpho também era professor no Instituto Dona Escolástica Rosa e no Liceu Feminino Santista, lugar onde Arthur e Victor de Lamare também lecionavam. Diva de Lamare Porchat de Assis, uma das dirigentes do Liceu era casada com Adolpho Porchat de Assis e era parente de Victor de Lamare”. Cf. CARMO, Bruno Bortoloto do; VIEIRA, Marina Tucunduva Bittencourt Porto. REPRESENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE ARTHUR PORCHAT DE ASSIS EM SEU MANUAL “EDUQUEMOS” (1915). Disponível em: http://gthistoriacultural.com.br/VIIsimposio/Anais/Bruno%20Bortoloto%20do%20Carmo%20&%20Marina%20 Tucunduva%20Bittencourt%20Porto%20Vieira.pdf. Acesso em: 12 abr. 2015. 2 João Octávio dos Santos foi Presidente da Câmara Municipal em 1886 e Provedor da Santa Casa durante os anos de 1875 a 1878 e de 1883 a 1896. 1

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sua filha Baby Porchat3 ocorreu no estabelecimento, demonstrando uma forte ligação com o local.

Figura 1 - Cartão Postal que representa o Instituto Escolástica Rosa no ano de 1916, período que Arthur Porchat de Assis era diretor da Instituição.

Para que uma criança fosse admitida no Instituto Escolástica Rosa era preciso que, além da inscrição, se encaixasse nos seguintes critérios: ser menor órfão e proveniente de pais pobres; filho natural que provasse que a mãe não tivesse recursos, além de viver em sua companhia; não sendo órfão, que os pais vivessem em pobreza; que o matriculado não fosse menor de 9 anos e maior de 14; que não sofresse moléstia contagiosa (Idem, sem página.). O aluno permanecia no Instituto por quatro anos, podendo o tempo ser maior caso o aluno não tenha conseguido se habilitar, contanto que tenha provado boa conduta e vocação escolar ou artística. As oficinas que existiriam não ficaram estabelecidas no testamento, ficando a criação delas a cargo da Mesa de Rendas da Santa Casa de Misericórdia de Santos (Idem, sem página.).

SANTOS, 27 – Realizou-se hoje no Instituto “D. Escholastica Rosa”, o enlace matrimonial do sr. Odecio Bueno de Camargo, auxiliar do nosso alto commercio, com a senhorita Baby Porchat, filha do dr. Porchat de Assis, director daquelle estabelecimento de ensino profissional. (Correiro Paulistano, 22 de abril de 1924) 3

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Essa ligação com a Santa Casa remete a questão da caridade, forte aglutinador das elites em torno de causas sociais. Era uma corrente de pensamento que persistia no grupo o qual pertencia Porchat de Assis. O conceito provinha de um foco religioso – dar alívio a quem sofria, tendo em vista a salvação e a felicidade eterna – mas, ao mesmo tempo, tornava-se útil pois poderia possibilitar a regeneração moral de setores desamparados da sociedade, tornando-os aptos segundo o entendimento da época (CARMO; VIEIRA, 2014, p.3).

Seguindo o raciocínio de Moreira (2011), pensava-se a assistência caritativa por uma ótica imediatista, assistencialista e marcada por uma ideia de fraternidade humana de inspiração religiosa, movendo ações beneficentes de caráter coletivo ou individual. Do ponto de vista prático, entendia-se que a assistência à infância cabia a associações leigas e religiosas, não ao Estado; do ponto de vista ideológico, era permeada de ideias conformistas, que contribuíam com a manutenção do status quo, da ordem estabelecida. Portanto, para que possamos compreender o entendimento de Porchat de Assis acerca da formação do pequeno trabalhador, procurarei primeiro compreender o que o autor pensava a respeito da família desses garotos pobres. Por qual razão se procurava sanear corpos e mentes, fazendo com que essas crianças pudessem se adequar à “sociedade moderna”?

POBREZA, FAMÍLIA E A MORALIDADE Apesar de descrever o ensino profissional de forma bastante sumária e genérica quanto a quem esse tipo de educação seria destinada, o trecho do texto destacado abaixo deixa clara a proveniência social das crianças às quais Porchat de Assis se dirigia: Na propria edade da madureza, há individuos que correm uma longa escala de officios, a nenhum accomodando-se, a nenhum ageitando-se definitivamente, por motivo de não estarem adaptados ás suas innatas, ás suas tendencias natuares. São perfeitos desclassificados, em quanto ás tontas e ás cégas conseguem enquadrar-se á vocação natural. Raros são os que atinam com essas mudanças sucessivas e as vezes bruscas por demais: justificam-n’as, ora com o peso do officio ora com o estado de saude, ora com a brutalidade do patrão, mas não chegam a comprehender que a escolha é que foi infeliz e que ainda não chegou o momento das suas adaptações ás inclinações naturaes, innatas vocações (ASSIS, 1915, p. 76)

A criança vinda da classe trabalhadora, grande o objetivo de Assis nesse capítulo dedicado a educação profissional, trazia aqui, novamente, a moralidade como um quesito bastante caro ao autor, que destaca no trecho acima: “perfeitos desclassificados” que procuram às “tontas e às cegas” enquadrar-se na sociedade, sendo que a escola poderia – 4

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segundo o próprio – enquadrá-lo ao que seria sua vocação natural. Tal premissa justificaria as técnicas para preparação vocacional da criança, preparando-a aos trabalhos manuais. Além disso, seriam poucas as pessoas provenientes dessa condição que perceberiam que a busca cega seria infrutífera, culpando outros motivos como estado de saúde ou a brutalidade do patrão quando, na verdade, o problema estaria nela própria. Segundo Porchat de Assis, o proletariado era a parcela da sociedade que mais sofria com a insuficiência da educação, “a Família desorganizada”, constituída por perfeito abandono moral. A casa do operario é, infelizmente, um fóco de perdição: a creança ao deixar apenas o sabor do leito materno começa a sentir o cheiro provocador do álcool. Se entra o pae bebado pela porta, ella salta pela janella para a calaçaria das ruas. Por desviar as creanças d’isto é que devemos preparar o lar. Se a Familia é mal organizada, prepare-se a infância, porque d’ella mais tarde há de sahir a Familia. A essa perfeição de nivel moral, que o nosso povo tanto almeja e quer, havemos de chegar um dia, levando já ao operariado o ensino de que é precisada a infancia". (Idem, p. 81 a 82)

Além disso, a educação profissional não só beneficiaria o aluno ou futuro trabalhador: com esse método de ensino, lucraria também seu futuro patrão. Sem tal preparação, qualquer despreparo por parte do operário levantaria justas queixas dos patrões que, embora necessitando do “auxilio produtor das classes laboriosas”, estaria ele obtendo em troca um serviço pouco compensador (Idem, p. 81). A educação profissional seria, portanto, na visão do autor, algo que se impunha como necessário na vida moderna, pois sairiam das escolas perfeitos artistas que integrariam perfeitamente a vida produtiva nas indústrias, aumentando a produção e barateando a vida. Os bons costumes seriam a base de um bom trabalhador, em vista de uma teórica inserção dessas classes trabalhadoras em um mundo civilizado e europeizado. Além disso, o ensino profissional haveria de suavizar a miséria pois um ofício “[...] se não são armas de riqueza, são pelo menos obstaculos á esmola e á indigencia publica” (Idem, p.81). Em outras palavras, dizia que as oficinas e a cultura eram os melhores abrigos para o homem trabalhador honesto. Ainda nas palavras do autor, citando Alberto Veiga: Deem-lhe a escola, a profissional primeiro. A escola technica fórma um ramo da prophylaxia moral e social. É ella, e diz muito bem quem sabe – “um fóco salutarissimo de regeneração individual e social, estabelecendo-a, disseminando-a, propagando-a, os poderes publicos prestam, sob multiplos pontos de vista, um dos mais relevantes serviços que possam nobilitar e engrandecer a acção administrativa vinculada á causa do progresso e do bem” – (Alberto Veiga – Escolas, ainda Escolas) (Idem, p. 82)

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Esse foco vem na esteira do discurso moralizante das classes pobres e desfavorecidas – muitas vezes compreendidas como “classes perigosas” –, sendo a educação profissional uma antítese da vadiagem e da indigência. Chalhoub (2001), ao estudar o cotidiano dos crimes que ocorriam no eixo “Trabalho, Lar e Botequim” na sociedade pós-abolição da escravatura, observou uma movimentação das elites que preocupavam-se com a educação das classes trabalhadoras, tratando a ociosidade uma negação do ofício. Ociosidade deve ser combatida não só porque negando-se ao trabalho o indivíduo deixa de pagar sua dívida para com a sociedade, mas também porque o ocioso é um pervertido, um viciado que representa uma ameaça à moral e aos bons costumes. Um indivíduo ocioso é um indivíduo sem educação moral, pois não tem noção de responsabilidade, não tem interesse em produzir o bem comum nem possui respeito pela propriedade. Sendo assim, a ociosidade é um estado de depravação de costumes que acaba levando o indivíduo a cometer verdadeiros crimes contra a propriedade e a segurança individual. (CHALHOUB, 2001, p. 74 e 75)

Portanto, se as novas gerações da classe trabalhadora estivessem sob a tutela das elites, seria possível “recuperá-la” ou “regenerá-la”, principalmente aquelas crianças órfãs de pai e mãe ou que nada poderiam ter para se sustentar, como visto anteriormente no regimento interno do Escolástica Rosa. Na próxima seção, me ocuparei das representações do ensino profissional para infância, tendo em mente a faixa de idade estabelecida, entre os 9 aos 14 anos.

DONS E OCUPAÇÕES Para o Porchat de Assis, a educação do “pequeno profissional” deveria ser progressiva, contínua e sucessiva. Ela deveria ser uma complementação da educação primária e um acabamento do “homem-cidadão”4. Portanto, por essa importância de formação, não só do futuro trabalhador, mas o futuro cidadão que o autor estabelecia uma relação com a formação geral do jovem. Não era possível relegar a escolha da profissão a própria sorte

MATHIAS (2014) trabalhou a concepção da Educação Moral e Cívica do livro “Eduquemos”, onde nos esclarece sua concepção acerca do termo “homem-cidadão”: O pragmatismo na educação traria a contribuição progressiva à sociedade ao introduzir na criança a capacidade de se tornar um cidadão, aquele de “cultura de espírito”, e à proximidade de sua emancipação civil, quando no ambiente da liberdade legalista, enfim poderá assumir a “theoria de moral que mais convenha á sua pessoa social”. Cf. MATHIAS, Daniel Santos. “ENSINA A CREANÇA AMAR A PATRIA”: SINAIS E REPRESENTAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA, SEGUNDO ARTHUR PORCHAT DE ASSIS. Disponível em: http://gthistoriacultural.com.br/VIIsimposio/Anais/Daniel%20Santos%20Mathias.pdf. Acesso em: 11 abr. 2015. 4

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desses garotos, pois seriam lançados “[...] a martelladas tontas, como pretendem os que desconhecem-lhe a força e valor educativo” (ASSIS, 1915, p. 72 e 73). Para Assis, as crianças já entre a escola maternal e primária essas crianças apresentam tendências tecnológicas, não raro vendo-as com sua imaginação edificando palácios ou perfurando túneis (Idem, p.74). Desde cedo apresentariam comportamentos ligados à ciência e a indústria e, caberia ao bom mentor ou mestre perceber e desenvolver tais dons e direcionálos. Por pressupor um desenvolvimento progressivo e contínuo do aluno, dizia que deveria ser aplicada desde o maternal ou o que chama de “Jardins da Infância”5. Nesse momento deveriam ser iniciados trabalhos manuais adaptados à inteligência e força musculares compatíveis ao estágio de desenvolvimento físico e cognitivo da criança. Seriam “perfeitos officios em miniatura, levados ás suas minimas reduções” que gradativamente tomariam proporções naturais, qualificando-o assim como o “verdadeiro ensino profissional” (Idem, 73). Além disso, a escolha dos inícios dos trabalhos para o período da escola maternal até a escola primária seria o mais propício para o desenvolvimento profissional da criança, pois a criança desde bem cedo manifestaria, segundo Assis, suas tendências tecnológicas. O autor segue dizendo que: Não é raro vêr-se uma creança, tomando as proporções de um perfeito artista, fabricar a sua pequena carruagem de uma caixa de papelão, quatro carreteis de linha e algumas varetas, infantilmente aparelhadas; outra, com areia e agua a edificar palacios a construir fórnos, a perfurar tunneis. São essas as primeiras tendencias infantis; e devem ser logo aproveitadas, pois por ellas poderá o mestre estudar uma vocação futura, colhendo assim bons resultados escolares (Idem, 73).

A partir dessas tendências, sugere o autor que o método Freobeliano se encarregaria perfeitamente a fim de canalizá-las e, em meio as necessidades e os prazeres, se encontrariam através de um método natural e racional a vocação daquela criança. Focaria o mestre em dois aspectos: os “dons” e as “ocupações”: o primeiro seria despertado através de pequenas construções simples feitas através de materiais pré-estabelecidos, ligado por justaposições ou superposições; a seguir entraria a matéria-prima propriamente dita que seria transformada por ferramentas de forma livre, porém assistida (Idem, p. 75). 5

Jardim da Infância é uma tradução literal do termo alemão kindergarten proposto por Friedrich Froebel, grande influência do autor.

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Era o método intuitivo; através dele, o aluno entraria em contato com o mundo físico, adquiriria conhecimentos sobre ele, fazendo com que a criança criasse interesse e utilidade pela ação que executasse, pois, segundo Porchat de Assis: “Está a creança no seu elemento favorito: sente-se bem dentro do mundo physico; tudo vê, tudo sente, tudo apalpa...”. Seria, portanto, através dos sentidos que se educaria o “pequeno artista” desde os primeiros anos escolares, além de ressaltar que esses trabalhos manuais colocariam em campo faculdades intelectuais, como a imaginação, a observação, a associação, etc. etc. (Idem, p. 75). Era portanto, cultivado o profissional. O “cultivo infantil” das faculdades manuais levaria a criança até a escola primária com um progresso que não a prejudicaria e, ao mesmo tempo, traria bons resultados no momento de ensinar-lhe um ofício ou ocupação pois já se teria observado as vocações embrionárias, provando sua efetividade frente aos “perfeitos desclassificados” que demoram a enquadrar-se ao que o autor chama de “vocação natural” da criança.

DESENHO E ESTÉTICA Dentro do cultivo do pequeno operário, um aspecto dessa educação é o estabelecimento de um ensino simultâneo ao profissional o do desenho. Em princípio seriam simples aulas de desenho geométrico que habituariam a mão aluno, lhe desembaraçariam os movimentos além de fornecer um cabedal de figuras e sua aplicabilidade. Posteriormente seriam iniciadas as aulas de desenho industrial, esse já adaptado ao gênero de ofício de cada aluno ou grupo de alunos (Idem, p. 77). Os primeiros estudos de desenho seriam feitos à mão livre e, com o tempo, seriam introduzidos instrumentos como o tira-linhas, transferidor, a escala, etc, para reprodução de modelos e reduções indispensáveis para os trabalhos nas oficinas. Nesse estágio, o mestre deveria, segundo Assis, estar atento ao aluno para que observassem os detalhes e refletissem acerca da menor das partes que estivessem sendo representadas, para que o aluno ganhasse um golpe de vista seguro da realidade que representasse; em outras palavras, dizia que “um espirito observador é a garantia de todo o artista” (Idem, p.77 e 78). É nesse contexto que o autor introduz a necessidade do ensino da estética aos alunos do ensino profissional. Assis estabelecia uma relação direta do ensino profissional com a estética, a “arte do bello”, pois – citando Hegel – dizia que o belo era a manifestação sensível da ideia. Nesse caso, o ensino da estética era algo que deveria ser provocado no aluno, 8

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independentemente de sua vocação artística pois é elemento indispensável a qualquer pessoa: “um sic mysterioso” (Idem, p. 78). Entretanto, o ensino da estética também tinha um segundo viés, que era uma preocupação ética. Cláudio Silveira Amaral, ao estudar o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro durante as primeiras décadas do século XX nos traz preocupações que convergem com as de Porchat de Assis e, com isso, explica que: A estética difundida no Liceu seria o resultado do desenho criativo de artistas populares. Estava implícita que uma cidade desenhada com ornamentos era uma sociedade voltada ao trabalho. O propósito último do Liceu era transformar a cidade em uma obra de arte. O ensino do desenho expressou uma nova ética. Uma cidade totalmente desenhada artisticamente expressaria uma sociedade organizada para o trabalho, pois uma fachada de uma edificação popular bem desenhada expressaria um trabalho meticuloso e, portanto, qualificado, resultado de um processo de ensino profissionalizante. Assim, o Liceu, além de formar a mão-de-obra para o nascente mercado de trabalho, coisa não existente na época, rompia com a concepção escravocrata de trabalho. A classe trabalhadora de uma sociedade moderna redesenharia a cidade colonial tornando-a uma obra de arte. (AMARAL, sem data, p. 10)

O paralelo é bastante próximo com a cidade de Santos, não só no que diz respeito ao assunto que toca Amaral – fachadas dotadas de ornamentos construtivos – mas também o ensino que era aplicado pelo Escolástica Rosa, Instituição de ensino profissional a qual Porchat de Assis era diretor no período que escreveu “Eduquemos”, como citamos anteriormente. Aqui, as artes e ofícios ensinadas deveriam ter – na visão do autor – uma perspectiva europeizadora.

Figura 2 - Motivo ornamental presente na diagramação do manual "Eduquemos" como quebra de página

Além disso, as questões suscitadas pelo ensino do desenho industrial e da estética reforçavam o método intuitivo, que percorre todo o tratado que autor se propõe a escrever, o

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que nos faz lembrar novamente a sua influência no alemão Friedrich Froebel e, contemporâneo a Porchat de Assis e adepto ao método, Rui Barbosa. Este último trazia como necessária uma formação educacional com ênfase na cultura artística, na educação dos sentidos, pois esta seria essencial para valorizar e trabalhar a criatividade e a individualidade (NEIVA, 2013, p. 5).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos das representações sobre a educação profissional de Arthur Porchat de Assis, como nos ensina Chartier (1990), nos revelam muito mais do que ideias: revelam suas práticas, seus grupos e sua atuação. Não foi possível ir a fundo nas atividades do Instituto Escolástica Rosa, mas através de seus ideais, foi possível compreender o pano de fundo de um grupo de elite do qual o autor fazia parte. Através de um estereótipo de “Família degenerada”, o autor estabelece uma relação moralizante de bons costumes entre a educação profissional e futuros trabalhadores que, sem esse método, procurariam infrutiferamente uma ocupação, e muito provavelmente culpariam questões externas, como saúde debilitada ou um patrão excessivamente rigoroso ou bruto. Na verdade essas seriam, na visão do autor, questões intrínsecas à formação profissional, intelectual e moral das classes trabalhadoras. Portanto, o método intuitivo para Assis era bastante eficaz, pois faria com que a criança se acostumasse com os trabalhos manuais e mostrariam inclinações para esse ou aquele ofício; por outro lado, apesar do verniz de escolhas naturais, a representação traz direcionamentos para ocupações específicas através de uma visão de subordinação operária mantendo, assim, um status quo paternalista. Também é possível observar a questão de que o trabalho manual em oficinas era designado especificamente para garotos, visto a prática do Instituto Escolástica Rosa admitir apenas meninos pobres, sendo a educação feminina nesse período legada a outras instituições como o Asilo de Órfãos6. Posteriormente, na década de 1930 com a mudança de direção, o instituto se tornaria misto com cursos para garotas, voltados para os afazeres do lar, da cozinha, bordados, corte e costura assim como outros serviços “mais delicados”. Apesar de

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Para esse assunto, ver VIEIRA, Marina Tucunduva Bittencourt Porto. O Asilo de Órfãos de Santos na engrenagem da cidade. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-19042012135209/publico/MARINA_TUCUNDUVA_BITTENCOURT_PORTO_VIEIRA_revisada.pdf. Acesso em: 16 abr. 2015.

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não estabelecer relação gênero específica em sua direção, Porchat de Assis deixava claro essa determinância pela ausência. Por fim, o capítulo voltado para o ensino profissional presente em “Eduquemos” é um reflexo das representações do autor dentro de seu tempo, de suas relações e de sua interação com a cidade, tanto pessoal como profissional.

FONTES E BIBLIOGRAFIA Correio

Paulistano.

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de

mai.

1924.

Disponível

em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_07&PagFis=14874.

Acesso

em: 11 abr. 2015. TESTAMENTO de João Octávio dos Santos, 1899. Disponível http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260d9.htm Acesso em 11 abr. 2015.

em:

ASSIS, Arthur Porchat. Eduquemos. Santos: Instituto Escholastica Rosa, 1915. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. Campinas: Unicamp, 2001. AMARAL, Cláudio Silveira. A cidade como obra de arte O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, Rui Barbosa e John Ruskin. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/sobre_rui_barbosa/FCRB_ClaudioSilv eiraAmaral_ACidade_como_Obra_de_Arte.pdf Acesso em: 11 abr. 2015. NEIVA, Ismael Krishna de Andrade. EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA REVISTA DO ENSINO (1925-1940), 2013. Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/08-%20IMPRESSOS%20INTELECTUAIS%20E%20HISTORIA%20DA%20EDUCACAO/EDUCACAO%20ES TETICA%20NA%20REVISTA%20DO%20ENSINO%20(1925-1940).pdf. Acesso em: 11 abr. 2015. PEREIRA, Maria Apparecida Franco. EDUQUEMOS – UM MANUAL PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SANTOS, EM 1915. Disponível em: http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais15/alfabetica/PereiraMariaApparecidaFranco.htm. Acesso em: 11 abr. 2015. MATHIAS, Daniel Santos. “ENSINA A CREANÇA AMAR A PATRIA”: SINAIS E REPRESENTAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA, SEGUNDO ARTHUR PORCHAT DE ASSIS. Disponível em: http://gthistoriacultural.com.br/VIIsimposio/Anais/Daniel%20Santos%20Mathias.pdf. Acesso em: 11 abr. 2015.

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CARMO, Bruno Bortoloto do; VIEIRA, Marina Tucunduva Bittencourt Porto. REPRESENTAÇÕES SOBRE O ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE ARTHUR PORCHAT DE ASSIS EM SEU MANUAL “EDUQUEMOS” (1915). Disponível em: http://gthistoriacultural.com.br/VIIsimposio/Anais/Bruno%20Bortoloto%20do%20Carmo%2 0&%20Marina%20Tucunduva%20Bittencourt%20Porto%20Vieira.pdf Acesso em: 11 abr. 2015. MOREIRA, Virlene Cardoso. Uma ação médico-higienista sobre a infância: o Dr. Alfredo Magalhães e o Instituto Normal da Bahia (1910-1929). Disponível em: http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307064507_ARQUIVO_ Caridade,filantropiaepoliticaspublicas.pdf Acesso em: 14 out. de 2014. VIEIRA, Marina Tucunduva Bittencourt Porto. O Asilo de Órfãos de Santos na engrenagem da cidade. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-19042012135209/publico/MARINA_TUCUNDUVA_BITTENCOURT_PORTO_VIEIRA_revisada.pd f. Acesso em: 16 abr. 2015.

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