Educação musical na escola e os 4 pilares da educação: uma reflexão para a formação do indivíduo

September 8, 2017 | Autor: Luan Sodré | Categoria: Educação, Educação Musical, Musica nas Escolas
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Educação musical na escola e os 4 pilares da educação: uma reflexão para a formação do indivíduo Luan Sodré de Souza UFBA [email protected] Resumo: Este trabalho tem como foco trazer uma reflexão sobre os objetivos da educação escolar e do ensino de música na escola, levantando questionamentos sobre Os Quatro Pilares da Educação e fazendo um diálogo com o ensino da música nas escolas de educação básica. Esse texto ainda busca refletir a respeito de como podemos aplicar Os Quatro Pilares da Educação nas aulas de educação musical, fazendo uma leitura e uma tradução mais humanista do documento. A proposta é chamar atenção dos educadores para uma análise mais crítica e atenciosa de documentos norteadores do ensino, partindo do ponto de vista que alguns documentos são produzidos por órgão que buscam atender uma demanda da lógica de mercado vigente. Palavras chave: Educação musical, Os 4 pilares da educação, Música na escola.

A música na escola Neste momento a educação musical passa por um período importante para nossa área. A lei da obrigatoriedade do ensino de música na escola sem dúvidas trás um crescimento e uma grande valorização para a música, porém, agregado a lei esta desafios importantes a serem resolvidos. O maior dos desafios na implantação da música na educação básica como área do conhecimento é o desenvolvimento de um currículo musical que compreenda todas as etapas da educação básica, bem como existe nas outras disciplinas da matriz curricular. Existem muitos pontos a serem considerados na formação desse currículo, dentre estes pontos temos algumas perguntas: O que queremos com o ensino de música na escola? É só um ensino técnico da música? Será que não existe um objetivo maior? Diante dessas perguntas a educação musical mostra-se muito maior do que se pode perceber. No momento em que a música permite a formação de um individuo, de um cidadão consciente do mundo em que ele vive. A música tem um poder de transformação que pode ser usado a favor do processo de construção do cidadão. As práticas musicais nas ONGs se mostram como um fator potencialmente favorável para a transformação social dos grupos e indivíduos, principalmente se considerarmos os padrões socioculturais nas práticas musicais presentes no cotidiano dos alunos. Poder contar com seus valores musicais no processo pedagógico-musical parece ser um ponto significativo para um trabalho de ampliação de status de “ser músico” ou de participar de um grupo musical. (KLEBER, 2008, p. 233) XX Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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Foi encomendado pela ONU, na figura da UNESCO um relatório que apontasse diretrizes para a educação no século XXI. A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI terá por missão efetuar um trabalho de estudo e reflexão sobre os desafios a enfrentar pela educação nos próximos anos e apresentar sugestões e recomendações em forma de relatório, que poderá servir de programa de renovação e ação para quem tiver de tomar decisões, e para os responsáveis oficiais no mais alto nível. Este relatório deverá propor perspectivas, tanto políticas como relacionadas com a prática da educação, que sejam ao mesmo tempo inovadoras e realistas, tendo em vista a grande diversidade de situações, de necessidades, de meios e de aspirações, segundo os países e as regiões. (UNESCO, 1996, p. 265)

Este documento foi escrito por uma série de especialistas de varias partes do mundo. Vale ressaltar que nessa equipe existiam profissionais de várias áreas, além de especialistas em educação, havia especialistas da economia, finanças, políticas públicas, sociologia e etc. O presidente da comissão Jacques Delors era antigo ministro da Economia e das Finanças e antigo presidente da Comissão Européia (1985-1995). O relatório para a UNESCO da comissão para a educação do século XXI traz uma proposta da educação orientada a partir de 4 objetivos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver com o outro e aprender a ser. Diante dessas 4 expressões tem-se uma impressão de que é um documento com uma visão humanista. Entretanto, é necessário uma reflexão crítica sobre o financiamento, elaboração e escrita deste documento. Financiado pela UNESCO, órgão que mantêm vínculo financeiro direto com Banco Mundial que é um órgão financeiro internacional, este documento denota em algumas passagens a educação extremamente ligada a profissionalização do indivíduo e adequação à lógica do mercado capitalista. Os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência de uma qualificação ainda muito ligada, a seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco. Se juntarmos a estas novas exigências a busca de um compromisso pessoal do trabalhador, considerado como agente de mudança, torna-se evidente que as qualidades muito subjetivas, inatas ou adquiridas, muitas vezes denominadas “saber-ser” pelos dirigentes empresariais, se juntam ao saber e ao saber-fazer para compor a competência exigida — o que mostra bem a ligação que a educação deve manter, como aliás sublinhou a Comissão, entre os diversos aspectos da aprendizagem. Qualidades como a capacidade de comunicar, de XX Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos, tornam-se cada vez mais importantes. E esta tendência torna-se ainda mais forte, devido ao desenvolvimento do setor de serviços. (UNESCO, 1996, p. 94)

O ingresso no mercado de trabalho e capacitação do indivíduo são pontos importantes para o desenvolvimento profissional do ser humano, porém a educação não deve estar a serviço desta formação de mão de obra, mas à formação do cidadão e sensibilização do indivíduo. A reflexão que o documento faz pode ser vista de outro ponto de vista, pode ser aproveitada e refletida de forma que possa possibilitar um crescimento humano ao educando, um crescimento maior do que o crescimento técnico, essa é a proposta deste trabalho. De que forma o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a conviver em grupo e o aprender a ser, pode ser usado pela educação musical como uma ideologia norteadora dos trabalhos em educação musical?

Os 4 pilares da educação Aprender a conhecer Este objetivo esta ligado ao educando poder construir ferramentas quais ele possa ao longo da sua vida conhecer coisas novas por conta própria. No contexto da educação musical, quando o professor trabalha com seus alunos elementos que permitam que além da música trabalhada em sala o aluno possa buscar outras músicas e ampliar o seu repertório, ele estará trabalhando essa capacidade. Esse é um exemplo dentre muitos que podem ser encontrados a partir de reflexões sérias sobre o assunto. Se um aluno conhece uma música barroca, nessa aula o professor deve possibilitar que se esse aluno quiser buscar outras músicas do mesmo período ele possa encontrar. Mas como conhecer essa música? Como o aluno deve ouvir? A que pontos ele deve estar atento? São questionamentos que provavelmente um aluno terá. Aprender a fazer É importantíssimo que o aluno possa vivenciar a música na prática. A prática de cozinhar vai preparando o novato, ratificando alguns daqueles saberes, retificando outros, e vai possibilitando que ele vire cozinheiro. A prática de velejar coloca a necessidade de saberes fundantes como o do domínio do barco, das partes que o compõe e da função de cada uma delas, como o conhecimento de ventos, de sua força, de sua direção, os ventos e as velas, a posição das velas, o papel do motor e da combinação entre motor e XX Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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velas. Na prática de velejar se confirmam, se modificam ou se ampliam esses saberes. A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/ prática sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá e a prática, ativismo. (FREIRE, 1996, p. 22).

É importante que o aluno vivencie, pratique, experimente, porém de forma direcionada, é importante que o professor estimule uma reflexão crítica sobre a prática, que os alunos toquem de forma correta, que saibam pegar em um instrumento, que aprendam como usar aquele instrumento em diversos contextos. É importante construir o ensino junto com os alunos, como afirma Paulo Freire (1996, p. 22): “não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” A apreensão da obra de arte não é nunca imediata; ela supõe uma informação, uma familiarização, uma freqüentação, únicos elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas de referencia, esse programa de percepção equipada, mais apta a criar no indivíduo o amor pela arte do que as efêmeras e ilusórias paixões à primeira vista (FORQUIN, 1982, apud PENNA, 2010, p.63)

É preciso que o aluno se familiarize com a música através da prática, em outras palavras o educando deve tocar na aula de música, ele deve fazer música e vivenciar a música da forma mais significativa possível. Aprender a conviver em grupo Este talvez seja um dos grandes problemas da atualidade, vivemos em uma diversidade cultural, étnico-racial, religiosa, de gênero, de opção sexual, todas essas diferenças tem sido motivo para desrespeito, violência e agressões. É papel do educador trabalhar a diversidade e o respeito para que o aluno aprenda a respeitar as diferenças. O mundo tem assistido guerras de intolerância religiosa, assassinatos, guerras étnicas e agressões contra a mulher, a comunidade escolar pode e deve lutar contra esse quadro. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles. (FREIRE, 1996, p.16)

Mas como desenvolver algo neste sentido no trabalho de música? Quando trabalhamos com músicas de culturas diferentes, de realidades diferentes é uma oportunidade importante de contextualizar, discutir, desconstruir conceitos e quebrar pré-conceitos. Através da música XX Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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o aluno pode viajar o mundo sem sair da sala. Toda música trás consigo uma realidade, um contexto, um grupo social, um gênero, em síntese a música tem um contexto político que pode ser discutido em sala. Esses diálogos pedem contribuir para um aprendizado de como conviver em grupo, onde com certeza uma das principais lições é a do respeito ao seu próximo. A prática musical em grupo permite que o aluno perceba quem está do seu lado, ele precisa ouvir o colega, ele depende do outro, ele faz parte de um contexto, naquele momento é criada uma sociedade onde cada um tem a sua função e o aluno aprende a importância de cada um naquele processo, segundo Magali Kleber (2008, p. 214) no artigo Práticas sociais e educação musical, ela afirma que as ONGs utilizam a seguinte perspectiva para o ensino de música: “a música é fruto de práticas sociais que interagem na dinâmica da diversidade cultural”, o mesmo acontece na prática coral onde o fazer musical é construído em grupo, um naipe precisa do outro pra dar um sentido a música, isso no aspecto expressivo e musical. No aspecto social são criados vários laços afetivos ao longo dos ensaios, de forma que podemos perceber: Uma educação musical para além dos aspectos estético-musicais, operando na complexidade das ações humanas que acontecem na prática coral. Essa visão me fez compreender, um pouco melhor, de que forma as práticas pedagógico-musicais também se constituem em práticas sociais e que os exercícios de interação aplicados no processo de ensino e aprendizagem musical coletiva alcançam desdobramentos em outros setores da vida das pessoas envolvidas. (DIAS, 2011, p. 200)

Pensando dessa forma a música atinge o papel muito maior do que o de aprender a cantar ou tocar um instrumento. Ela transcende e consegue ir além das fronteiras musicais. Aprender a ser Por fim o aprender a ser faz uma agregação dos 3 objetivos anteriores. O aprender a ser é conseqüência de tudo que foi aprendido anteriormente. O aluno quem constrói e a escola é fundamental nesse processo de construção segundo Freire (1996, p. 19) “somos seres condicionados e não determinados”. Essa é uma forma de trabalhar os conteúdos musicais com um objetivo maior do que apenas “música pela música”. A escola é um ambiente de construção, construção de um cidadão crítico com consciência do mundo em que vive, e não um centro de formação de mão de obra, a escola não é um treinamento de uma empresa, isso é necessário, porém, vai ser automático na sua construção escolar. Devemos pensar de uma forma ampla a formatação de XX Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical

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currículo que vai abranger uma grande parte da vida do aluno. Pensar de forma que a educação não seja conteudista. Atualmente, com a tecnologia avançada, é muito mais fácil o acesso à informação. Entretanto, as pessoas estão cada dia mais individualistas, solitáriase pensando em si, quadro que o mundo capitalista tem influenciado para desenhar. Num mercado onde prevalece sempre o melhor, onde a interação entre homem e máquina é maior do que a interação entre as pessoas. A educação é uma forma de mudar esse quadro quando vista de uma forma mais ampla. Através da escola é possível aproximar as pessoas. A escola é um ambiente onde o educando precisa ter experiências significativas de construção em conjunto na construção do seu conhecimento.

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Referências DELORS, Jacques (org.). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 3ª Ed. Porto: Edições Asa, 1996. DIAS, L. M. M. Interações dos processos pedagógicos-musicais da prática coral: Dois estudos de caso. 2011. 225 f. Tese (Doutorado em Música). Curso de Pós-Graduação em Música. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.  KLEBER, Magali. Projetos Sociais e Educação Musical. In: SOUZA, Jusamara, (Org). Aprender e ensinar música no cotidiano/ Organizado por Jusamara Souza. – Porto Alegre: Sulina, 2009. 287 p. (Coleção Músicas) – 2º edição. PENNA, M. Música(s) e seu ensino. (2a ed.). Porto Alegre: Sulina, 2010. 

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